MARANHAY - Revista Lazeirenta 51 - NOVEMBRO 2020

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MARANHAY (REVISTA DO LÉO)

REVISTA LAZEIRENTA EDITADA POR

LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ Prefixo Editorial 917536

NUMERO 51 - NOVEMBRO 2020 SÃO LUIS – MARANHÃO


A

presente obra está sendo publicada sob a forma de coletânea de textos fornecidos voluntariamente por seus autores, com as devidas revisões de forma e conteúdo. Estas colaborações são de exclusiva responsabilidade dos autores sem compensação financeira, mas mantendo seus direitos autorais, segundo a legislação em vigor.

EXPEDIENTE MARANHAY REVISTA LAZERENTA Revista eletrônica EDITOR Leopoldo Gil Dulcio Vaz Prefixo Editorial 917536 vazleopoldo@hotmail.com Rua Titânia, 88 – Recanto de Vinhais 65070-580 – São Luis – Maranhão (98) 3236-2076

LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ Nasceu em Curitiba-Pr. Licenciado em Educação Física (EEFDPR, 1975), Especialista em Metodologia do Ensino (Convênio UFPR/UFMA/FEI, 1978), Especialista em Lazer e Recreação (UFMA, 1986), Mestre em Ciência da Informação (UFMG, 1993). Professor de Educação Física do IF-MA (1979/2008, aposentado); Titular da UEMA (1977/89; Substituto 2012/13), Convidado, da UFMA (Curso de Turismo). Exerceu várias funções no IF-MA, desde coordenador de área até Pró-Reitor de Ensino; e Pró-Reitor de Pesquisa e Extensão; Pesquisador Associado do Atlas do Esporte no Brasil; Diretor da ONG CEV; tem 14 livros e capítulos de livros publicados, e mais de 350 artigos em revistas dedicadas (Brasil e exterior), e em jornais; Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão; Membro Fundador da Academia Ludovicense de Letras; Membro da Academia Poética Brasileira; Sócio-correspondente da UBE-RJ; Premio “Antonio Lopes de Pesquisa Histórica”, do Concurso Cidade de São Luis (1995); a Comenda Gonçalves Dias, do IHGM (2012); Premio da International Writers e Artists Association (USA) pelo livro “Mil Poemas para Gonçalves Dias” (2015); Premio Zora Seljan pelo livro “Sobre Maria Firmina dos Reis” – Biografia, (2016), da União Brasileira de Escritores – RJ; Diploma de Honra ao Mérito, por serviços prestados à Educação Física e Esportes do Maranhão, concedido pelo CREF/21-MA (2020); Foi editor das seguintes revista: “Nova Atenas, de Educação Tecnológica”, do IF-MA, eletrônica; Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, edições 29 a 43, versão eletrônica; editor da “ALL em Revista”, vol. 1 a 6, eletrônica, da Academia Ludovicense de Letras; Editor da Revista do Léo, a que esta substitui (2017-2019). Condutor da Tocha Olímpica – Olimpíada Rio 2016, na cidade de São Luis-Ma.


MARANHAY – REVISTA LAZEIRENTA – 2020 VOLUME 51 –NOVEMBRO – 2020

VOLUME 50 – OUTUBRO – 2020 https://issuu.com/home/published/maranhay_-_revista_lazerenta_-_50_-_2020b VOLUME 49– SETEMBRO - 2020 https://issuu.com/home/published/maranhay_-_revista_lazerenta_-_49_-__2020_VOLUME 48– AGOSTO - 2020 https://issuu.com/home/published/maranhay_-_revista_lazerenta_-_48_-__2020_bVOLUME 47– JULHO - 2020 https://issuu.com/home/published/maranhay_-_revista_lazerenta_-_47_-__2020_VOLUME 46– JULHO - 2020 https://issuu.com/home/published/maranhay_-_revista_lazerenta_-_46_-__2020_VOLUME 45– JULHO - 2020 https://issuu.com/home/published/maranhay_-_revista_lazerenta_-_45_-__2020_-_julhob VOLUME 44 – JULHO - 2020 https://issuu.com/leovaz/docs/maranhay_-_revista_lazerenta_-_44_-_julho__2020 VOLUME 43 – JUNHO /SEGUNDA QUINZENA - 2020 https://issuu.com/home/published/maranhay_-_revista_lazerenta_-_43_-segunda_quinzen VOLUME 42 – JUNHO 2020 https://issuu.com/home/published/maranhay_-_revista_lazerenta_-_42_-junho__2020/file VOLUME 41-B – MAIO 2020 https://issuu.com/leovaz/docs/maranhay_-_revista_lazerenta_-_41-b_-_maio___2020 VOLUME 41-B – MAIO 2020 https://issuu.com/leovaz/docs/maranhay_-_revista_lazerenta_-_41-b_-_maio___2020 VOLUME 41 – MAIO 2020 https://issuu.com/leovaz/docs/maranhay_-_revista_lazerenta_-_41_-_maio__2020 VOLUME 40 – ABRIL 2020 https://issuu.com/home/published/maranhay_-_revista_lazerenta_-_40_-_abril___2020.d VOLUME 39 – MARÇO 2020 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_maranhay__39-_mar_o___2020 VOLUME 38 – FEVEREIRO DE 2020 – EDIÇÃO ESPECIAL – PRESENÇA AÇOREANA NO MARANHÃO https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_maranhay__39-_fevereiro___2020 A PARTIR DESTE NÚMERO, CORRIGIDA A NUMERAÇÃO, COM SEQUENCIAL, DOS SUPLEMENTOS E EDIÇÕES ESPECIAIS:

VOLUME 28 – JANEIRO 2020 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_maranhay__28_-_janeiro____2020b


VOLUME 29 – FEVEREIRO 2020 https://issuu.com/home/published/revista_do_leo_-_maranhay__29-_fevereiro___2020b

REVISTA DO LÉO NÚMEROS PUBLICADOS

VOLUME 1 – OUTUBRO DE 2017 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_1_-_outubro_2017 VOLUME 2 – NOVEMBRO DE 2017 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_2_-_novembro_2017 VOLUME 3 – DEZEMBRO DE 2017 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_3_-_dezembro_2017 VOLUME 4 – JANEIRO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_4_-_janeiro_2018 VOLUME 5 – FEVEREIRO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_5_-_fevereiro_2018h VOLUME 6 – MARÇO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_6_-_mar__o_2018 VOLUME 6.1 – EDIÇÃO ESPECIAL – MARÇO 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_especial__faculdade_ VOLUME 7 – ABRIL DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_7_-_abril_2018 VOLUME 8 – MAIO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_8_-_maio__2018 VOLUME 8.1 – EDIÇÃO ESPECIAL – FRAN PAXECO: VIDA E OBRA – MAIO 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_8.1_-__especial__fra VOLUME 9 – JUNHO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_9_-_junho_2018__2_ VOLUME 10 – JULHO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_10_-_julho_2018 VOLUME 11 – AGOSTO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_11_-_agosto_2018 VOLUME 12 – SETEMBRO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_12_-_setembro_2018 VOLUME 13 – OUTUBRO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_13_-_outubro_2018 VOLUME 14 – NOVEMBRO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_l_o_-_numero_14_-_novemb VOLUME 15 – DEZEMBRO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revisdta_do_l_o_15_-_dezembro_de_20?


VOLUME 15.1 – DEZEMBRO DE 2018 – ÍNDICE DA REVISTA DO LEO 2017-2018 https://issuu.com/…/docs/5ndice_da_revista_do_leo_-_2017-201 VOLUME 16 – JANEIRO DE 2019 https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__16_-_janeiro_2019

VOLUME 16.1 – JANEIRO DE 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: PESCA NO MARANHÃO https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__16_1__-_janeiro__20 VOLUME 17 – FEVEREIRO DE 2019 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_17_-_fevereiro__2019 VOLUME 18 – MARÇO DE 2019 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__18_-_mar_o_2019 VOLUME 19 – ABRIL DE 2019 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__19-_abril_2019 VOLUME 20 – MAIO DE 2019 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__20-_maio_2019 VOLUME 20.1 - MAIO 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL – FRAN PAXECO E A QUESTÃO DO ACRE https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__20.1_-_maio_2019_-_ VOLUME 21 – JUNHO DE 2019 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__21-_junho_2019 VOLUME 22 – JULHO DE 2019 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__22-_julho_2019 VOLUME 22.1 – JULHO DE 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: CAPOEIRAGEM TRADICIONAL MARANHENSE https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__22-_julho_2019_-_ed VOLUME 23 – AGOSTO DE 2019 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__23-_agosto_2019 VOLUME 23.1 – AGOSTO DE 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: AINDA SOBRE A CAPOEIRAGEM MARANHENSE https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__23.1-_agosto_2019_VOLUME 24 – SETEMBRO DE 2019 – LAERCIO ELIAS PEREIRA https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__24_-_setembro__2019_-_edi__o_espec VOLUME 24.1 – SETEMBRO DE 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: IGNÁCIO XAVIER DE CARVALHO: RECORTES E MEMORIA https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__24_-_setembro__2019_-_edi__o_espec VOLUME 25 –OUTUBRO DE 2019 – https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__25_-_outubro__2019 VOLUME 26 –NOVEMBRO DE 2019 – https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__26_-_novembro__2019 VOLUME 27 – DEZEMBRO DE 2019 –

https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__27_-_dezembro___2019 VOLUME 27.1 – DEZEMBRO DE 2019 – suplemento – OS OCUPANTES DA CADEIRA 40 DO IHGM

https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__27.1_-_dezembro___2019 VOLUME 30 – edição 6.1, de março de 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_especial__faculdade_ VOLUME 31 – edição 8.1, de maio de 2018 EDIÇÃO ESPECIAL – FRAN PAXECO: VIDA E OBRA – MAIO 2018


https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_8.1_-__especial__fra VOLUME 32 – edição 15.1, de dezembro de 2018 ÍNDICE DA REVISTA DO LEO 2017-2018 https://issuu.com/…/docs/6ndice_da_revista_do_leo_-_2017-201 VOLUME 33 – edição 16.1, de janeiro de 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: PESCA NO MARANHÃO https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__16_1__-_janeiro__20 VOLUME 34 - edição 20.1, de maio de 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL – FRAN PAXECO E A QUESTÃO DO ACRE https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__20.1_-_maio_2019_-_ VOLUME 35 – edição 22.1, de julho de 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: CAPOEIRAGEM TRADICIONAL MARANHENSE https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__22-_julho_2019_-_ed VOLUME 36 – edição 23.1, de agoto de 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: AINDA SOBRE A CAPOEIRAGEM MARANHENSE https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__23.1-_agosto_2019_VOLUME 37 – edição 24.1, de setembrp de 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: I. XAVIER DE CARVALHO: RECORTES E MEMORIA https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__24_-_setembro__2019_-_edi__o_espec


EDITORIAL

A “MARANHAY – REVISTA LAZEIRENTA” é sucessora da “REVISTA DO LÉO”, e continua em seu formato eletrônico, disponibilizada através da plataforma ISSUU – https://issuu.com/home/publisher. Tempos difíceis, onde o normal passa a ser “novo normal”, sem contatos físicos, apenas eletrônicos (virtuais...); ficar em casa, é a ordem, trabalhar em casa, é o novo trabalho; sair, nem pensar, mas apenas para os chamados grupos de risco: os maiores de 60 anos, e os menores de 12, lógico, que só saem com os adultos... os jovens acham-se imunes e saem e, ao voltar para casa, contaminam os pas e avós e as crianças... que responsabilidade... resta-os ficar em casa e produzir... ler... escrever... Continuamos com a publicação da biobibliografia de Fran Paxeco, neste número resgataremos as suas atividades do ano de 1912... Voltamos com a publicação de poesias, atendendo pedidos de vários autores ludovicenses: P’ra não dizer que não falei de poesia... e de poetas. Em História(s) do Maranhão, crônicas e fatos, e atos: memórias... Voltamos com o titulo Esportes, Lazer & Educação Física, haja vista que os lazeirentos pararam de lazeirar nesses dias pandêmicos: não recebi mais as contribuições do Giuliano, Bramante, Tony, Lamartine, Rafinha... e não estou com espírito para escrever... assim... Os sócio-atletas Ceres e Fernando continuam ativos... trazendo-nos excelentes crônicas e críticas. O Mestre Jorge Bento fala sobre o ato de ensinar, o ofício do Professor. Apenas reflexivo...

LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ EDITOR


SUMÁRIO 2 7 8

EXPEDIENTE EDITORIAL SUMÁRIO

9

ESPORTE, LAZER, & EDUCAÇÃO FÍSICA NOTAS PARA O FUTEBOL EM SÃO BENTO ALESSANDRA MYRRHA O DESPORTO NA LUTA CONTRA A PANDEMIA JOSÉ MANUEL CONSTANTINO Esse é a historia: ANSELMO BARNABÉ RODRIGUES - MESTRE SAPO MESTRE FRANCISCO DE PAULA

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HISTÓRIA(S) DO MARANHÃO DIGRESSÕES NO DIA MUDIAL DA SAÚDE MENTAL CERES COSTA FERNANDES ANOTAÇÕES PARA O CENTENÁRIO DO POETA ROGACIANO LEITE LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ DÉCADAS DE SÃO LUÍS CERES COSTA FERNANDES GUARANÁ JESUS: O XAROPE QUE VIROU "SONHO COR DE ROSA" NONATO REIS O ATEU, COM FAMA DE COMUNISTA, QUE INVENTOU O GUARANÁ JESUS FABIO PREVIDELLI

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PIADA PARA BOLSONARO: COMO GUARANÁ ROSA VIROU O REFRIGERANTE DO MARANHÃO LUCAS FRANÇA CINEMA, GUARANÁ E COMUNISTAS - De como a Coca-Cola comprou Jesus PAULA SCARPIN SÁLVIO MENDONÇA JOÃO MENDONÇA CORDEIRO

82

NAVEGANDO COM JORGE OLIMPIO BENTO

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CONVERSAS ACERCA DA AULA E DO PROFESSOR E SEUS OFÍCIOS

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P’ra não dizer que não falei de poesia... e de poetas

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85 87

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DILERCY ARAGÃO ADLER 5 POEMAS DE JOÃO BATISTA DO LAGO LEMBRANÇAS DO AZUL IBÉRICO NA POESIA DE DANIEL BLUME FERNANDO BRAGA CONVOCAÇAO PARA O ALÉM CERES COSTA FERNANDES

UM OLHAR DE SOSLAIO NO SEMBLANTE DO COTIDIANO FERNANDO BRAGA

MEMÓRIAS & RECORTES LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ FRAN PAXECO – RECORTES & MEMÓRIAS – PARTE XII

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ESPORTE, LAZER, & EDUCAÇÃO FÍSICA


NOTAS PARA O FUTEBOL EM SÃO BENTO Marcionillo da Paz Corrêa nascido em 24 de janeiro de 1874 em São Bento, Maranhão onde viveu e veio a falecer em 18 de junho de 1968. Foi o primeiro dos filhos de Franklin Raimundo Corrêa e Filomena Rosa Pacheco.

Foi diretor do time de Futebol Tupi, em São Bento. Na época a regra era os jogos terminarem em briga com facadas e morte. Seu Macico era sempre o credenciado a desarmar os jogadores. “As armas por favor”, decretava e todos entregavam as facas e peixeiras. SÃO BENTO – do ATLAS DO ESPORTE NO MARANHÃO , Leopoldo gil Dulcio Vaz (organizador) Década de 1920 – o futebol foi introduzido pelo estudante João Hermógenes Matos, ao trazer, em suas férias estudantis, uma bola; 19(22?) – esse mesmo estudante, em suas segunda vinda de férias à cidade, trouxe um time de futebol formado por ele - que jogava de half - e seus colegas escolares; o jogo deu-se na Praça da Matriz; 1922 – já existiam os times: - São-bentuense – de Bernardinho Sena Martins Trinta, Dr. Urbano Pinheiro e Marçico Barros; - Tupan – de Mundico Barros, João Câncio e Isaac Lobato; - Fluminense – de Salomé Azevedo, Fernando Serrão e Augusto Comte; - 420 – dos drs. José Machado, João e José Matos. - Os árbitros: Dr. Carlos Reis, Antenor Coelho de Sousa e Mundoca Silva. - Para esse progresso do futebol, contou com a participação de Newton Bello e Pimpo (primeiros sambentuenses a jogarem em São Luís), Florêncio Soares, Barnabé de Campos, Fernando Viana e o apoio diretivo de Bibi Muniz, Maciço Corrêa, Ignézio Corrêa, José Egídio Teixeira, os irmãos Jafé e Heitor Mendes Nunes, José Cupertino, Zezico Mururu; - logo após, os esportistas Fernando Serrão, João Silva, Benedito Cirqueira, Rocio Brito, Augusto Comte e Felipe Ata fundaram mais duas equipes. 1926 – surge o São Cristóvão com a seguinte formação: Eugênio; João Cunha e Zé Grilo; Timóteo, Curió e Pinheiro; Ovídio, Boaventura , Brasil, Parafuso e Vicente, com o seu campo no Areal; 1928 – no dia 21 de abril, jogou em São Bento o Sport Club Sírio Libanês, vencendo o São Cristóvão por 4x1 e na revanche, dia 23/04, por 3x0; o vice-presidente do clube de São Luís era o Dr. Carlos Reis e o representante, o estudante Newton de Barros Bello; 1929 – aparece o Santa Cruz, formando com Souza; Newton e Valdemar; Campos, Zezico Mururu e Lobo; Zaqueu, Félix, Acácio, Cadete e Euclides. - Tupy Gia – Eslobão e Raimundinho; Lino, Felipe Ata e Nogueira; Pimpo, Eldomir, Pipira, Oswaldo e Maneca; o campo ficava no bairro do Umarizal, atual Tupi; chefiado por Bibi Moniz e Urbano Pinheiro, foi um dos mais famosos, com excursão vitoriosa na


baixada, derrotando principais equipes de Pinheiro e Viana; - depois, apareceu o Carioca, no Bairro da Outra - Banda, atual quadra do Clube dos Jovens; de responsabilidade de Zezico Mururu, diretor e Atleta, com elenco formado por Cascavel, Ribamar de Norberto, Zé Henrique, Venâncio, Filomeno. Nas décadas posteriores estiveram em atividades os times: Sambentuense, América, Maniçoba, o novo Carioca. Nessas onzenas foram revelados os craques: Zé Rosa, Alemão, Suçu, Zeno, Cascavel, Zé Silva, Baé, João Pretinho, Vicente pretinho, Benedito Tarciso, Tororó, Benizard, Dedê Pacheco, Reinaldo Pinheiro, Tolho, Zé Técnica, Bengala, Walbert Penha (jogou no Moto). 1945 – o Moto Clube de São Luís, em 16 de março, jogou em São Bento, levado por seu diretor Ignézio Corrêa, dedicado esportista de São Bento; por não haver conseguido permissão para essa partida, o Moto jogou com o nome de “Mobel”. - além do Moto, jogaram em São bento o Sampaio Corrêa Futebol Clube, o Canto do Rio e outras equipes menores; alunos da Escola Técnica comandados pelo professor Urbano Pinheiro e o estudante Walter Reis Pinheiro. 1947 – com a realização do 1º. Torneio Intermunicipal, São Bento jogou no estádio Santa Izabel em 8 de julho, contra a seleção de Rosário, perdendo por 4x1; formação do São Bento: Bengala, Araújo, Ledo, Carrinho, Benedito (Tarciso) e Benizard, João Pretinho, Maracá, Zeno, Zé Rosa e Castrinho; o time perdeu um pênalti, sofrido por João Pretinho e batido por Zeno. 1948 – com a realização do 2º. Torneio Intermunicipal, São Bento volta a participar, novamente perdendo para Rosário, por 5x0 na prorrogação; no tempo normal, empate em 3x3; chefiava a delegação José Raimundo Dias e formando com Humberto (Carrinho), Araújo e Ledó; Carrinho (Benedito), Pedro (Zé Técnica) e Benizard; Zeno, Zé Rosa, (Pedro), Alemão, Zé Leite e Castrinho (Cabo, como gostava de ser chamado, faleceu em 2004). 1951 – estreou a equipe ”Lindo Encantado da Outra - Banda” – depois alterado para Carioca - fundado por Carrinho de Mestre Bento, apoiado por Desidério França, Zé Rabelo, Fortunato Sousa, Dico de Lobo; seus primeiros atletas foram: Champorre, Wilson Porco Doido, e Chibé; Feliciano Bacurau (Moisés Baú), Dico Pecoré e Nhô; Tororó, Baé, Carrinho Mestre Bento, Oscar e Euclides; depois vieram Jardeineira, Zé Leite, Lazinho Gonçalves,Tote e Ênio Brenha.- concomitante, o Portenho, o América e o Tupy- reativado em junho desse ano, quando a seleção são-bentuense sagrou-se vice-campeã do 3º. Torneio Intermunicipal; inesplicavelmente, o esporte rei parou na cidade... 1953 –; time formado as pressas, pelo deputado Florêncio Soares, sob a direção técnica de José Egidio Teixeira; na estréia, venceu Cururupu por 2x0 com Jardineira, Araújo e Chibé; Abelardo, Zé Leite e Pedro de Fausta; Torquato Filho (Tororó), Carrinho Corrêa, Benuilson, Castrinho e Euclides; na segunda partida, em 19 de julho, derrotou Morros por 1x0, formando com Jardineira, Chibé e Ledó; Abelardo, Zé Leite (Walter Macapá, depois Zé Leite) e Pedro de Fausta; Cebola (Zé Leite, depois Tororó e Castrinho), Carrinho, Benuilson (Walter), e Euclides; o jogo foi no Estádio do Santa Izabel, com renda de 17.949, arbitragem de Heitor Mendes Nunes; a 21 de julho a equipe foi desclassificada por Coroatá por 1x0. - outras seleções atuaram nos interminicipais: 1963 – comandada por Isaac Dias, com os titulares Alvarez, Nhô-Nhô, Macapá, Chibé, Sousa e Filomeno; Pipoca, e carrinho Jovelina; João Muniz, Fila, Walter e Euclides. 1969 – a equipe de São Bento em partida nula, realizada em 12 de janeiro, perdeu para o União do Rosário jogando com Wilson; Raimundinho, Carrinho, Picola e Domingos; Carim e Válber; Carrinho Ferreira, Maior, Nelsolino e Oliveira.São Bento deu ao futebol maranhense: Carlos Humberto Reis, o primeiro presidente da AMEA (anos 1915/17), predecessora da FMD, diretor do Luso Brasileiro, representado na AMEA pelo jogador Newton de Barros Bello; General Celso Freitas,presidente do Conselho Técnico da FMD; Ignézio Corrêa, diretor da FMD e do Moto Clube; Urbano Pinheiro,do Sampaio Corrêa. Na arbitragem, com o Capitão da PME, Emídio Vieira, os irmãos Jafé e Heitor Mendes Nunes, por último Nacor Arouche, árbitro da FIFA. Os jogadores Cabinho (goleiro do Sampaio), Ênio Brenha, seleção do Liceu e estudantil universitário; Prof. França, jogador e técniuco do MAC, Caburé e Sampaio Corrêa e Canto do Rio (RJ).


Alessandra Myrrha Genealogia Maranhense (História, Genética e Nobiliarquia) Esse relato sobre meu bisavô foi resultado de uma entrevista realizada em 2006 com a filha caçula de Seu Macico, minha avó Filomena Corrêa.

‘Foi funcionário dos Correios e Telégrafos no Maranhão onde construiu as primeiras linhas telegráficas da baixada maranhense, cruzando inclusive terras indígenas. Houve vez que ficou refém por dias dos índios conhecidos por “urubus" sem que a família tivesse notícias. Safou-se por ter na bagagem muita bugiganga “que índio naquele tempo gostava”. Depois ele terminou como guarda-fio, o que significava que quando aconteciam defeitos e problemas, era ele que consertava: Trocava o isolador, se tinha quebrado, levantava os postes que boi derrubava. Ficava sempre de plantão, mesmo em dia de festa. Por uns tempos também foi delegado em São Bento. Foi vereador pelo Partido Republicano, sempre como oposicionista e embora inimigo político de Seu Bibi Moniz (farmacêutico muito experiente), mantinha relações cordiais em ambos os partidos UDN e Republicano. Ainda exercia o cargo de "tiradentes", pelo qual nada cobrava, apesar de ser reconhecido como bom profissional. Gozava de prestigio na comunidade e quando matavam um boi, mandavam perguntar que parte ele gostaria de comprar antes de todos. Era conhecido de criancas e velhos. Diante de problemas, vinham se aconselhar com ele. Morava na Praça da Matriz e serviu como coroinha até perto de morrer, já velho nos seus noventa e quatro anos. Habilidoso nos trabalhos de casa, consertava as coisas, plantava, criava peixes em um tanque no quintal. Naquela época ele conservava feijão já catado em latas de querosene, limpas, com pimenta do reino em grãos. E ele mesmo soldava a tampa. “Isso porque tinha ano que se achava bastante. E ano que tudo faltava, especialmente na época da guerra. As compras eram feitas em sacos inteiros. Mesmo na crise nada faltou em casa.” No tempo da guerra, tinha um rádio que funcionava a bateria. Na varanda da casa na praça da Matriz, os vizinhos assentavam-se nos bancos que ele colocara para ouvir as notícias, uma vez que nem todos tinham rádio. E ainda mandava servir cafezinho para esse povo todo. Nunca dormiu em cama. Somente em rede. Cobria- se somente um lençol fininho de chita estampada ou morim branco, sem travesseiro. Nunca usou cueca. Só ceroula. E dormia de camisolão (chambrão). No dia que a Igreja pegou fogo, com o despertar do sacristão, quase saiu de camisola pela rua, sendo impedido pela esposa Dona Janoca que gritou: “Seu Macico, veja seus trajes!”


O DESPORTO NA LUTA CONTRA A PANDEMIA

José Manuel Constantino, presidente do COP A retoma da atividade desportiva tem obrigado à realização de milhares de testes que permitiram detetar atletas que, estando infetados, ficaram sujeitos aos protocolos de segurança estabelecidos. Muitos desses atletas estão assintomáticos pelo que não fossem as regras estabelecidas para as atividades desportivas em contexto pandémico o mais provável seria que alguns deles não seriam testados e continuavam a constituir fatores de risco à propagação da doença. A evidência demonstra também que, nos casos detetados, não foi o contexto de treino ou competição que fez contrair o vírus, mas, ao invés, elementos externos respeitantes à vida privada dos atletas. Recorrendo a um caso conhecido, o de Cristiano Ronaldo, foi devido aos protocolos de segurança adotados pelas autoridades do futebol que se conheceu uma situação em que o atleta não apresentava qualquer queixa. Recorrendo a um caso conhecido, o de Cristiano Ronaldo, foi devido aos protocolos de segurança adotados pelas autoridades do futebol que se conheceu uma situação em que o atleta não apresentava qualquer queixa. Como este caso existem centenas de outras situações. O desporto tem sido um despistador de casos positivos e uma forma de rastrear a saúde pública. Estes factos demonstram que o desporto tem sido capaz de superar o fator de risco, para se tornar num aliado na luta pandémica, detetando precocemente quem deve ser sujeito a medidas de isolamento e tratamento, o que, em condições de não realização da atividade desportiva, dificilmente seria alcançado. Esta circunstância deveria pedir dos decisores políticos e das autoridades de saúde uma atitude mais centrada nas evidências que o contexto desportivo revela e menos em conceções dogmáticas e defensivas que ignoram a realidade dos factos. Compreende-se a dificuldade em lidar com um problema que é recente e para o qual não havia experiência anterior e sobre o qual se observam os mais distintos entendimentos por parte das autoridades de saúde. E compreende-se o risco de uma atividade que dispensa dois dos elementos centrais dos protocolos de segurança: a máscara e o distanciamento físico. Mas que o faz ocupando essa isenção por um índice de testagem muito superior ao do cidadão normal. A experiência já recolhida na parte desportiva retomada aconselha que os avanços se façam consolidando o que está a correr bem e corrigindo o que aponta falhas Contudo, não ignoramos que não é possível retomar a atividade desportiva na sua totalidade testando cada um dos respetivos atletas como o são em alguns segmentos desportivos. E temos presente o receio que a retoma da atividade desportiva suscita. E, por isso, a abordagem do tema requer muita prudência, cautela e medidas de segurança razoáveis. A experiência já recolhida na parte desportiva retomada aconselha que os avanços se façam consolidando o que está a correr bem e corrigindo o que aponta falhas.


Uma outra questão prende-se com o facto de algumas das autoridades de saúde local interpretarem os poderes e a aplicação das normas emanadas das autoridades centrais de modo distinto. Usam duplos critérios. É elevado o número de casos com interpretações díspares, recomendando que rapidamente as autoridades de saúde centrais capacitem os respetivos serviços desconcentrados no sentido de harmonizar a interpretação e abordagem em situações similares, de modo a evitar que, em casos idênticos, para uns delegados regionais de saúde algo seja aceitável e para outros seja proibido. E, por fim, que não entendam a atividade desportiva apenas como um permanente foco de risco, que também o é, mas como algo que, se realizado com regras de segurança adequadas, pode ser um importante aliado na luta contra a pandemia. Como, aliás, os factos o demonstram.


Esse é a historia: ANSELMO BARNABÉ RODRIGUES - MESTRE SAPO

A lembrança nos traz satisfação nítida da situação , principalmente quando a mesma foi agraciado por momentos bons e agradáveis , fica gravado sobre tapete da emoção, e dispara quando o botão acionado com pequeno clic da lembrança. Hoje a sombra da lembrança ventilou ao mestre “Anselmo Barnabé Rodrigues” popularmente Mestre SAPO” um baiano que enraizou_se no Maranhão , trazendo consigo habilidade do bom capoeira; Aqui; se tornou precursor da arte de brincar com os pés “ nessa estadia, formou uma geração de capoeiristas , educacionando suas técnicas , fazendo do esporte uma grade educacional. O Mestre Sapo era uma pessoa simples, convém lembrar, em 1973 fui aluno, e amigo do mestre , participei de alguns campeonatos sobre sua direção no Ginásio Costa Rodrigues” onde sempre era realizado “, A capoeira na época tinha suas formalidades , tinha suas performances bailadas sobre as rodas ao som dos velhos atabaques e, que hoje, são raros vivenciar a capoeira , digo a capoeira do chapéu de couro, rasteira , negativa, enfim, ficaram sobrea luz do obsoleto. Diante dessa lembrança, quero formatar a minha participação pessoal com o mestre Sapo na época, afinal , foi a pessoa que me ensinou soletrar capoeira , portanto, mestre Sapo, descanse em paz e faça do silencio eterno tua morada. DePaula


HISTÓRIA(S) DO MARANHÃO


DIGRESSÕES NO DIA MUDIAL DA SAÚDE MENTAL Ceres Costa Fernandes O dia 10 de outubro marca o Dia Mundial da Saúde Mental, instituído desde 1992, pela Federação Mundial de Saúde Mental. Leio na mídia, “O advento do coronavírus, aumentou em 33% a quantidade de pessoas afetadas na sua sanidade mental”. Realmente, sei de pessoas amigas que contraíram COVID e, após a longa internação num isolamento desumano, da violência do vírus e da certeza de que a morte os rondava, adquiriram sequelas emocionais que não foram poucas. Se, antes, tínhamos um bilhão de doentes mentais no mundo, número estimado pela OMS, hoje, segundo a mesma organização, devemos ter muitos mais. Acho muito difícil contabilizar doentes mentais dentre pessoas sãs. Não é como conferir que tem vírus x ou y, algo comprovável, numericamente, em laboratório. E cito Michel Foucault: “O que é ser louco? Quem o decide? A partir de quando? Em nome de quê?”. Um parêntesis, não mais é correto usar o termo louco. Foucault usava, peço vênia para usar. Cultivo enorme fascinação pela loucura. Há sempre um louco, sem descontar os da família, debruçado nas minhas memórias. Escreveria sobre eles um livro inteiro, tantos são e tanto me marcaram. Hoje, sabe-se quão tênue é o limiar entre a sanidade e a insanidade mental. Basta algum desequilíbrio eletrolítico, alguma infecção banal, e já o individuo começa a ver macacos entrando pela janela ou a ter acessos de fúria. Nada que alguns remédios modernos não possam curar. Penso sempre, quantos daqueles loucos que conheci, e arrastaram a vida inteira a sua loucura, não seriam curados com a simples ingestão de alguns comprimidos nos dias de hoje. Ressalvem-se os conceitos errôneos, são palavras de uma leiga que gosta de observar. Aumentou ou diminuiu o número de doentes mentais? A depressão, doença social, grassa em todas as idades. Por outro lado, nossos doentes mentais populares, nossos loucos de estimação das nossas praças, avenidas, recebidos até em visitas às nossas casas, onde estão? Alguém com menos de cinquenta anos conhece algum tipo Rei dos Homens ou Bota-pra-Moer? Será que houve mesmo um sumiço dessas personagens? Eles continuam por aí ou nós é que não os vemos mais? Uma das consequências do nosso medo das ruas é não participar mais da vida da polis. Hoje, saímos de lugares fechados para outros lugares fechados. Moramos em lugares fechados, trabalhamos em lugares fechados, nos divertimos em lugares fechados. Quem consentiria, hoje, na entrada de um desses tipos, que não nos metiam medo, na sua própria casa? Eles também talvez vivam prisioneiros em suas casas, que as ruas são o reinado das gangues. Eram doidos, não bobos, gostavam de perambular por lugares calmos e com bela paisagem, e assim foram sendo “empurrados” para longe pelo burburinho urbano. Lugar preferido de loucos de um passado recente, a Beira Mar dos ônibus furiosos não mais lhes permite acompanhar, de suas muralhas, pernas para o mar, vento no rosto, o movimento das ondas e marés ou a mutação das cores do poente. A concentração de loucos meditando frente ao mar é cena de repetição impossível. Para terminar, gosto de lembrar a frase afixada no portão de um hospício. Não sei de quem é, mas nunca a esqueci: “São todos os que estão? Estão todos os que são?” É isso aí. cerescfernandes@gmail.com


ANOTAÇÕES PARA O CENTENÁRIO DO POETA ROGACIANO LEITE1 LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ Academia Ludovicense de Letras Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão

Ceres Costa Fernandes escreve-me perguntando se tenho alguma coisa sobre Rogaciano Leite, poeta, jornalista... Sua filha Helena Roraima Leite – mora na Espanha - entrou em contato, pois este é o ano de centenário de seu nascimento. Fiquei de verificar...

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Legenda: Rogaciano Leite, cujo nome é homenageado em uma avenida de Fortaleza, edificou a vida sobre diferentes estradas culturais Foto: Acervo Rogaciano Leite/Nair Aderaldo


ROGACIANO BEZERRA LEITE nasceu a 1º de julho de 1920 na Fazenda Cacimba Nova, propriedade dos pais, localizada em São José do Egito (PE), hoje município de Itapetim (PE). Filho dos agricultores Manoel Francisco Bezerra e de Maria Cerqueira Leite. Casado (1954, no Rio de Janeiro) com Maria José Ramos Cavalcante, natural de Aracati – que conheceu ainda quando aluna do Colégio Estadual Liceu do Ceará; tiveram seis filhos: Rogaciano Leite Filho (1954-1992), Anita Garibaldi (1957-2011), Roberto Lincoln (1960), Helena Roraima (1962), Rosana Cristina (1963-1983) e Ricardo Wagner (1966). Iniciou a carreira de poeta-violeiro aos 15 anos de idade, quando desafiou, na cidade paraibana de Patos, o cantador Amaro Bernadino. Em seguida, o poeta seguiu para Rio Grande do Norte, onde conheceu e iniciou amizade com o renomado poeta recifense Manuel Bandeira. Poeta nato, Rogaciano Leite nasceu com a inteligência, memória e o dom de realizar versos e sonetos de improviso com uma capacidade impressionante. Desde criança, por dezenas de noites, ouviu na casa paterna o grande poeta Antonio Marinho, quando, menino ainda, o acompanhava pelas noites adentro em desafio com os mais afamados cantadores de seu tempo. Essas experiências o marcaram significativamente, tanto que aos seus doze anos de idade fazia seus improvisos nas rodas de amigos e aos quatorze, desafiou, com sucesso, o cantador Amaro Bernardino. Contrariando a vontade dos pais, Rogaciano fugiu da casa para acompanhar os grandes cantadores Antonio Marinho e Severino Pinto (Pinto do Monteiro) em cantoria pelos sertões de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. As rádios locais davam notícias da presença dos cantadores e de Rogaciano, notícias que sossegam os corações da família. Aos 23 anos de idade mudou-se para Caruaru, no agreste pernambucano, onde apresentou um programa diário de rádio. De Caruaru, seguiu para Fortaleza, onde se tornou bancário, e deu início na carreira de jornalista na “Gazeta do Ceará” e foi colaborador do jornal “A Tribuna” e “O Povo”. Em 1941 morou em Caruaru (PE), sendo seu ponto focal entre a casa de seus pais e as diversas cidades da região, onde se apresentava, com suas poesias, seus versos de improviso e desafios como cantador. Ali, mantinha um programa na Rádio Amplificadora de Caruaru e na Rádio Clube de Pernambuco de Recife. Colaborou com os jornais “Vanguarda” e “Pequeno”. A partir de 1942, Rogaciano já era notícia frequente nos jornais locais e nos grandes jornais das capitais do Nordeste. Em sua turnê de intercâmbio artístico cultural pelo Nordeste, no início da década de 40, com grande sucesso por onde passava, Rogaciano chegou em Fortaleza no ano de 1944. Encantou-se pela cidade e pelo Ceará, sentimentos estes retratados nos seus belíssimos poemas “Ceará Selvagem” e “Fortaleza”. Rogaciano seguiu com o jornalismo também em Fortaleza. Nas terras alencarinas, ao 23 anos era jornalista contribuinte dos jornais “Gazeta de Notícias”, “Unitário”, “A Tribuna” e outros jornais locais. Foi efetivado como jornalista no jornal “O Povo”, em 1944 e depois nos Diários Associados colaborou com os jornais e revista dessa rede. Além dos jornais, contribuiu para várias revistas locais e nacionais, tal como “Conterrânea”, “Semana”, “Alterosa”, “O Cruzeiro”, etc. Fugindo de um “amor frustrado” 2: Chamava-se Nilda a causadora. O poema “Com tua imagem na memória” que compôs em 1946, bem reflete os seus sentimentos. Começa com este quarteto:

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https://jcce.com.br/rogaciano-leite-de-onde-veio-por-onde-andou-aonde-chegou/


Meu quarto está gelado de Saudade! As cortinas imóveis… sobre tudo Desce a tristeza… Meu canário mudo Já não vê quando chega a claridade!

Legenda: O poeta na década de 1930 Foto: Acervo Rogaciano Leite

Em Fortaleza, com apenas 24 anos (1944), abriu as portas dos principais salões culturais e dos teatros da cidade, como a Casa de Juvenal Galeno e o Theatro José de Alencar para apresentar sua verve poética e a cantoria de improviso dos cantadores do Nordeste. Participaram de seus recitais os grande cantadores Siqueira de Amorim e Cego Aderaldo.

Em 1949 – (ou 1955?3), se tornou bacharel em Letras Clássicas, pela Faculdade de Filosofia do Ceará em Fortaleza.

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Ingressou na Faculdade de Filosofia do Ceará no ano de 1955, onde se formou em Letras Clássicas três anos depois. Conforme https://blogdofinfa.com.br/2020/07/itapetim-celebra-hoje-o-centenario-do-poeta-itapetinenserogaciano-leite.html


De 1945 a 1950, andou por vários estados nordestinos, especialmente Pernambuco, quando em Recife, foi colaborador do “Jornal do Commercio” e do “Diário da Noite”. No mesmo período, Rogaciano foi o idealizador, ao lado de Ariano Suassuna, do I Congresso Regional de Cantadores, realizado em 1948 no Recife.

Legenda: O poeta, na década de 1940, recitando uma de suas criações em verso Foto: Acervo Rogaciano Leite

Em abril desse mesmo ano (1945), em excursão artística, Rogaciano viajou para o interior do Ceará, para realizar inúmeros recitais nas principais casas de espetáculos. Em Quixadá, desafiou o poeta Cego Aderaldo a cantar com ele no seu recital, o que foi prontamente aceito por Aderaldo. Os dois encantaram o público. A partir daí, Rogaciano e Aderaldo não mais se separaram. Tornaram-se companheiros de cantoria, amigos e irmãos espirituais. Rogaciano admirava o Cego Aderaldo e a


sua pessoa. Ajudou a projetá-lo nacionalmente, por meio da imprensa e apresentando-o nos Congressos de Cantadores do Nordeste, que organizou, levando-o às principais cidades do Nordeste e ao Rio de Janeiro e São Paulo. Essa bela história de admiração, amizade e respeito entre os dois será em breve divulgada na publicação do livro inédito que Rogaciano escreveu sobre o Cego Aderaldo.Viajou pelo interior do estado, apresentando-se em seus recitais e festivais de poesias e sua arte de improviso e desafiando poetas locais, como o fez em Quixadá, com o Cego Aderaldo e desde aí se criou uma enorme admiração mútua e forte amizade, que perdurou para sempre. Permanecendo em Fortaleza, foi criando laços de carinho e amizade. Enamorou-se da jovem estudante do Liceu, Maria José Ramos Cavalcante, sua esposa a partir de 1954, com quem teve seis filhos. Entre 1946 e 1950, realizou uma enorme programação de intercâmbio artístico cultural, palestras e recitais no Sudeste, Norte e Nordeste do Brasil. Em suas andanças, desde que deixou a casa paterna, conheceu grandes poetas, escritores e intelectuais, de Norte ao Sul do Brasil, tais como Luís da Câmara Cascudo, Manuel Bandeira, Jorge Amado, Leonardo Mota. Em Fortaleza, 1947, publicou seu opúsculo “Acorda, Castro Alves!”, com 52 páginas, contendo cinco enormes poemas, em homenagem ao centenário do poeta baiano. O lançamento ocorreu no Teatro José de Alencar, durante o inédito I Congresso de Cantadores do Nordeste, organizado e apresentado por Rogaciano Leite, com grande repercussão regional. No ano seguinte, em 1948, organizou e realizou o II Congresso de Cantadores do Nordeste no Teatro Santa Isabel, em Recife (PE). Dessa vez, um evento ainda maior, de três dias, e com sucesso nacional. Ainda em 1948, organizou e conduziu a turnê dos cantadores pelo Nordeste brasileiro. Em outubro de 1949, Rogaciano Leite e a radioatriz Carolina Lander encenaram, no Teatro Amazonas, o poema dramático do poeta: “Quando eles se encontraram novamente”. Em seguida, organizou uma longa excursão, com festivais e apresentações dos Cantadores do Nordeste, Domingos Fonseca e Cego Aderaldo, no Rio de Janeiro e São Paulo, inclusive em Santos. No final deste mesmo ano, Rogaciano concluiu o Bacharelado em Letras Clássicas pela Faculdade Católica de Filosofia do Ceará. Entre 1950 a 1955 residiu nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Em São Paulo, apresentouse, cantando e declamando, no Palácio dos Bandeirantes, a convite do então Governador Ademar de Barros. Ainda em São Paulo trabalhou para o “Jornal Última Hora”, “Gazeta de Notícias” e “Revista A Semana”. Seu trabalho jornalístico lhe rendeu dois Prêmios Esso de Reportagem, sendo um em 1965 com a reportagem “A Fronteira do Fim do Mundo”, sobre a Amazônia e o Território de Roraima, e o outro em 1966, com a reportagem “Boa Esperança é Sonho Transformado em Realidade”, a qual falava sobre a Hidroelétrica Boa Esperança, no Piauí. Ainda como jornalista ganhou menção honrosa com uma matéria intitulada “No Mundo Amargo do Açúcar”, sobre o trabalho nos engenhos de açúcar de Pernambuco. Em 1950, há exatamente 70 anos, a Cidade de Santos, nas pessoas dos seus amigos e admiradores, se reuniram e publicaram o seu livro de poesias “Carne e Alma”, com o prefácio de Luís da Câmara Cascudo. “Carne e Alma” é a obra de referência do grande poeta Rogaciano Leite. Hoje, apesar de estar na quarta reedição, ainda é uma obra rara. (Será reeditada em edição especial em homenagem ao seu centenário de nascimento, junto com uma obra de poesias inéditas). Ainda em 1950, o poeta e jornalista Rogaciano Leite publicou “O Cantador Antonio Marinho”, na edição nº 23 da Revista Investigações (SP), com 25 páginas. Trata-se


de separata do seu livro inédito “Cantadores do Nordeste”, o qual deverá ser lançado no próximo ano, ainda em homenagem ao seu centenário. Em 1951, Rogaciano assinou a seção radiofônica do vespertino “Última Hora” na Rádio Iracema (CE). Neste ano, o Jornalista foi convidado por Samuel Wainer para integrar a equipe do seu jornal Última Hora. Em 1952, ele participou, também, de programas da Rádio Nacional e da Rádio Cultura. Assim, Rogaciano Leite passou a morar entre São Paulo e Rio de Janeiro, mas continuou fazendo seus recitais de poesias do Norte ao Sul do Brasil. (1951-1955). Rogaciano Leite é autor do poema “Cabelos Cor de Prata”, musicado pelo grande seresteiro Silvio Caldas. Em maio de 1951, Sílvio Caldas gravou pela Continental um 78rpm, depois do enorme sucesso de sua primeira audição, durante a estreia do cantor na Rádio Nacional, no dia 07 de março de 1951, transmitido para todo o Brasil. Nelson Gonçalves, Francisco Petrônio e Jorge Fernandes e outros cantores regravaram essa canção. Seu poema “Recado” foi musicado por Denis Brean e gravado pela cantora Aracy de Almeida. A Valsa “Emilia”, dedicada a miss Emilia Correia Lima, foi musicada pelo Maestro Francisco Soares. Além dessas “CANTAR E SORRIR” é de sua autoria, musicada e gravada por Socorro Lira, entre outras músicas e hinos Em 1952, faleceu o grande cantor Francisco Alves, evento de grande comoção nacional. Rogaciano, admirador e amigo do grande seresteiro, idealizou uma grande “Serenata a Francisco Alves”, para o trigésimo dia de falecimento do cantor, no Vale do Anhangabaú. Apresentou a ideia ao Jornal Última Hora e a Rádio Nacional que a acolhem e marcaram o evento para o dia 25 de outubro de 1952. Rogaciano Leite e Aquilino de Freitas, outro admirador e amigo de Chico Alves, foram incansáveis na organização da grande “Serenata a Francisco Alves”, segundo o Jornal da Manhã. O evento foi transmitido para 35 emissoras e foi gravado. Durante a Serenata, Rogaciano Leite declamou belíssimos versos de improviso em homenagem ao evento e a Francisco Alves, emocionando os presentes. As revistas Manchete e A Noite publicaram fotos e descreveram a grandiosa homenagem ao Chico Viola, que contou com uma multidão aproximada de 250 a 300 mil pessoas, segundo a imprensa local. A Revista Carioca publicou seus versos, a pedido de uma leitora daquele periódico. Em 1955 voltou a residir em Fortaleza, onde passaria a ser funcionário do Banco do Nordeste do Brasil, chegando a ser convidado por Costa Porto para assumir o cargo de Secretário Particular do Presidente e Relações Públicas da instituição. Depois se licenciou do Banco para dedicar-se ao jornalismo e a poesia, fazendo uma turnê de declamações poéticas pelo país. Em 1955, à convite para ser seu Secretário Particular de Relações Públicas do Dr. Costa Porto, então presidente do Banco do Nordeste do Brasil SA, Rogaciano se mudou com a família para Fortaleza (esposa e seu primogênito). Continuou como jornalista contribuinte para os “Diários Associados” e para vários jornais do país. No Banco do Nordeste, permaneceu até 1960, quando pediu licença sem remuneração para se dedicar exclusivamente ao Jornalismo. Em 1956, publicou o opúsculo “Poemas Escolhidos”, com 48 páginas, pela Imprensa Oficial de Fortaleza. Além de outras plaquetas, tais como: “Quando eles se encontraram novamente” - Poema dramático encenado pelo poeta-autor Rogaciano e a radiotraiz Carolina Lander em 08 de outubro de 1949, no Teatro Amazonas - ; “2 de Dezembro” - Poema cívico; entre outros.


Rogaciano Leite destacou-se no jornalismo das décadas de 50 e 60, tanto como cronista, como repórter e jornalista. Viajou com frequência à Região Amazônica para realizar palestras, recitais de poesias, colher informações para as suas reportagens e rever os amigos. Entrou no meio da Amazônia, cenário que o inspirou a compor belíssimos poemas e sonetos, bem como os inéditos poemas-reportagens. Com suas extraordinárias matérias de cunho sócio-econômico, Rogaciano Leite ganhou três prêmios ESSO de reportagem/jornalismo (1965 a 1967).

Legenda: Rogaciano Leite recebe o primeiro Prêmio Esso de Jornalismo da carreira, em 1965 Foto: Acervo

Com a série de reportagens “Na fronteira do fim do mundo”, sobre a região Amazônia, Rogaciano conquistou o Prêmio Esso de Reportagem – Categoria Regional, em 1965. No ano seguinte, 1966, com a série de reportagens “Boa Esperança da miséria” – reportagens belíssimas onde focalizou os detalhes da grande obra da Hidrelétrica de Boa Esperança no Piauí. E, em 1967, com a série de reportagens “No mundo amargo do açúcar”– onde mostrou o trabalho anônimo dos que lutam nos engenhos e canaviais de Pernambuco conquistou seu terceiro Prêmio Esso de Jornalismo – Categoria Reportagem Regional. A sua matéria “Evangelho da Monstruosidade”, ganhou entre as matérias do Norte e Nordeste em 1967, sem prêmio nacional, na categoria Informativo Científico.

Em 1968 deixou o Brasil para uma temporada na França e outros países da Europa. Na Rússia, deixou gravado, em monumento na Praça de Moscou, o poema Os Trabalhadores. 1968 foi um ano célebre pelos acontecimentos que o marcaram, tanto no Brasil, como na Europa. Foi esse contexto que motivou Rogaciano Leite a viajar para a Europa em 22 de agosto desse mesmo ano, para ver de perto esse movimento de transformações. Desembarcou em Lisboa no dia 23/08, retornando ao Brasil em 19/10/1968. Esses 56 dias, que permaneceu alí, foram suficientes para Rogaciano Leite produzir poesias, bem como captar e registrar com sua máquina fotográfica as belezas e os problemas que encontrou em Portugal, Espanha e França para suas reportagens. Algumas dessas reportagens ainda são inéditas, porque, no início de 1969, Rogaciano teve que viajar ao Norte, onde contraiu hepatites, e em São Luís teve que ser hospitalizado (11 dias) e com tratamento rigoroso previsto para os próximos oito meses. (havia surto de hepatites no Brasil). Mesmo assim, completou


sua missão, concluindo suas reportagens, passando por Belém, São Paulo, Rio e Fortaleza. Alguns dos poemas mais conhecidos de Rogaciano Leite são Acorda Castro Alves, Dois de Dezembro, Poemas escolhidos, Os Trabalhadores e "Eulália. Em dezembro de 2007 foi lançado em Pernambuco, na cidade de Itapetim, pela jornalista Tacianna Lopes o documentário "Reminiscência em Prosa e Versos", o vídeo conta um pouco da história de Rogaciano Leite. Um trabalho inédito, um curta-metragem de aproximadamente 23 minutos e que conta com a participação de familiares, admiradores e amigos contemporâneos do Poeta, entre eles está o escritor Ariano Suassuna, que junto com Rogaciano, na década de 40, foi responsável pela realização do I Congresso de Cantadores Repentistas do Brasil. Havia recebido do Diário do Nordeste, no meio do ano, a seguinte reportagem:4 CENTENÁRIO DE ROGACIANO LEITE: POETA E JORNALISTA REVOLUCIONOU A CULTURA POPULAR NORDESTINA Diego Barbosa, diego.barbosa@svm.com.br 00:00 / 01 de Julho de 2020. Página especial nas redes sociais, produção de documentário e futuras publicações de escritos inéditos marcam as comemorações pelos 100 anos de nascimento do incontornável pernambucano A maior credencial de Helena Roraima Leite é ser filha de um homem livre. Um pássaro, conforme descreve. Um albatroz. “Dessas aves que, se as prendem, elas deixam de cantar, se entristecem”, diz. Alguém cuja necessidade era voar e, se fosse para bem longe e perto da natureza, melhor. Essa perspectiva acerca do pai, Rogaciano Leite, foi desenvolvida desde muito cedo, sendo reiterada conforme Helena mergulhava nas pesquisas sobre o trabalho dele. “Durante esse processo, tive a oportunidade de conversar com alguns de seus amigos e constatar que a visão que tenho dele não é uma visão romantizada de filha. Ele era assim mesmo”, explica, em entrevista ao Verso, por e-mail, de Madri (ESP), onde reside. Vários admiradores e a família de Rogaciano Leite estão escrevendo ou gravando mensagens para homenageá-lo na página do centenário dele, nas redes sociais. A fanpage reúne imagens e informações importantes acerca do artista como forma de atestar a potência de sua obra. Além disso, as criações poéticas dele estão sendo reunidas num volume feito especialmente para a ocasião, editado pela Editora CEPE, de Pernambuco, com previsão de lançamento em dezembro ou início do próximo ano. Outros títulos de autoria do poeta, muitos deles inéditos, igualmente inserem-se no cronograma da família para trazê-los à tona, a partir de patrocínios e parcerias. Um deles, composto de fotos ilustrativas, compila as séries de reportagens com as quais Rogaciano ganhou dois prêmios Esso (hoje, Prêmio ExxonMobil, maior reconhecimento do Brasil no setor), frutos da carreira como jornalista.

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BARBOSA, Diego. CENTENÁRIO DE ROGACIANO LEITE: POETA E JORNALISTA REVOLUCIONOU A CULTURA POPULAR NORDESTINA, IN https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/verso/centenario-de-rogaciano-leite-poeta-ejornalista-revolucionou-a-cultura-popular-nordestina-1.2961112


“Rogaciano era um homem letrado e um de seus méritos foi levar a cantoria para espaços legitimados. Organizou festivais de cantorias pelo Ceará e depois esse modelo foi copiado por Pernambuco”. Além do aconchego plantado no seio familiar ao dividir a vida com a esposa, Maria José Ramos Cavalcante, e os seis filhos, várias foram as contribuições de Rogaciano Leite na cultura popular nordestina. Para Helena Roraima, levando em conta a terra alencarina, a maior herança dele foi fazer pelo Ceará o que, até então, o Estado desconhecia. “Ele abriu as portas do Theatro José de Alencar para a cultura popular. Realizou, ali, em 1947, o inédito I Congresso de Cantadores. Trouxe os melhores cantadores do Nordeste para os cearenses apreciarem os versos que transbordam dos poetas repentistas do Vale do Pajeú e para cantar com os poetas locais. Esse intercâmbio enriqueceu a cultura, sem dúvidas. Rogaciano mostrou para a elite intelectual a preciosidade da poesia pura, espontânea e que sai da alma. A impressionante arte da poesia de improviso”, detalha a filha. Estudioso da trajetória do poeta – autor de “Rogaciano Leite: o lírico e o épico em trânsitos e trajetórias da cultura popular (1920 a 1969)”, monografia defendida em 2018 pela Universidade Estadual do Ceará – o historiador Edmilson Teixeira reitera a singular importância do artista na inserção da cantoria em novos ambientes. “Os violeiros, por muitos anos, tinham a circularidade resumida ao universo rural. Suas apresentações eram muito comuns em sítios, feiras, igrejas e bares. Porém, analisando criteriosamente a trajetória de Rogaciano Leite, podemos captar, dentro do trânsito sertão-cidade, como se deram esses primeiros contatos dos cantadores rurais com esses políticos urbanizados”, dimensiona. Podemos dizer que foi a partir do sucesso dessas apresentações em pequenos festivais realizados nos palcos do Theatro José de Alencar e do Teatro São José que se originavam os grandes Congressos dos Cantadores”. Além da já mencionada primeira edição do evento, houve mais duas. O segundo encontro, em 1948, aconteceu no Estado natal de Rogaciano, no Teatro de Santa Isabel, em Recife, contando com nomes como Cego Aderaldo, Dimas Batista, Vicente Granjeiro e Domingos Fonseca. Por sua vez, o terceiro foi sediado na cidade do Rio de Janeiro, em maio de 1949, também organizado por Leite. O evento teve a participação praticamente dos mesmos artistas das duas primeiras edições.

Legenda: Rogaciano Leite, em 1949, com Domingos Fonseca, Cego Aderaldo e Mário Aderaldo, num congresso, em São Paulo Foto: Acervo Rogaciano Leite

Farto legado


Quanto às obras que Rogaciano Leite deixou, ganha notoriedade o livro “Carne e Alma” (1950), cujo aniversário de 70 anos é celebrado em 2020. Publicado pela casa fluminense Irmãos Pongetti Editores, é a criação poética mais conhecida do artista, tendo em vista a grande amplitude conquistada por meio de três reedições – 1971 (Fortaleza), 1988 e 2009 (Recife). O autor também escreveu, em opúsculo, o livro “Acorda, Castro Alves!” (1947), e “Poemas Escolhidos” (1956). Ainda deixou muitos escritos sobre o contato desenvolvido com os maiores cantadores de sua geração, entre eles Cego Aderaldo (de quem foi bastante amigo) e Antônio Marinho. Esses trabalhos ainda constam sob análise e catalogação, para que possam vir a integrar futuras obras. Como poeta-compositor, Rogaciano Leite é autor de vários poemas musicados e gravados. “Cabelos Cor de Prata”, música de Sílvio Caldas, de 1950, é um exemplo. A canção fez grande sucesso nas décadas de 1950 e 1960, ficando entre as primeiras nas paradas de sucesso. Foi regravada várias vezes por Sílvio em LPs, bem como por Nelson Gonçalves, Jorge Fernandes, Francisco Petrônio, Ventura Ramiro, Armando Vidigal, Bebeto Castilho, entre outros. Por sua vez, a faceta jornalística de Rogaciano também merece destaque. Conhecido pela capacidade de escrever reportagens inteiras em versos, ganhou distinção, sobretudo pelas matérias de cunho social, assumindo-se um jornalista combativo e que denunciava os horrores da sociedade para todo o Brasil. A conquista do primeiro prêmio Esso deu-se pela série de reportagens “Na Fronteira do Fim do Mundo” (1965), publicada na Gazeta de Notícias do Ceará e realizada no Acre, Pará, Rondônia e Roraima. Nela, se debruçou sobre as problemáticas de um país aparentemente esquecido pelo Poder Público, em que o trabalho nos seringais trazia aspectos de escravidão, solidão e miséria. No ano seguinte, o nome de Rogaciano volta a constar na premiação, contudo sendo condecorado com menção honrosa pela série de reportagens “Boa esperança da miséria”. Assim como o trabalho laureado anteriormente, este, veiculado pelo periódico A Província do Pará, também possuía um viés de cobrança ao Poder Público e de denúncias sobre a situação miserável que viviam comunidades interioranas nas divisas do Maranhão e do Piauí. Foi em 1967, contudo, que o jornalista figurou novamente como vencedor da láurea. Na conta, mais uma série de matérias, pela Gazeta de Notícias do Ceará: “No mundo amargo do açúcar”, na qual denunciava os horrores vivenciados por trabalhadores nos canaviais pernambucanos. Naquele mesmo ano, Rogaciano também concorreu a um prêmio na categoria Informação Científica, com a matéria “O evangelho da monstruosidade”, que investigava uma missão presbiteriana responsável por esterilizar mais de 3 mil mulheres nas regiões do Norte e Nordeste brasileiro. As matérias contavam com depoimentos fortes, que chocaram toda a sociedade da época. Relevância Helena Roraima Leite enlaça tantas conquistas do pai em fala inspirada, em que rememora os passos dados por Rogaciano Leite em tantas estradas culturais, sobretudo em solo alencarino: “Pensando nos cearenses, a relevância de se conhecer mais sobre Rogaciano Leite é a mesma de se descobrir os encantamentos da Terra da Luz, vistos pelo olhar de um poeta. Saber como esse pernambucano chegou no Ceará, o que ele viu nesse povo, por que escolheu essas terras para formar sua família, qual foi seu legado para o desenvolvimento do Nordeste e para a cultura do Estado – o que lhe rendeu a homenagem de ter seu nome em uma das principais avenidas de Fortaleza: tudo isso


fará com que o cearense descubra um pouco mais da sua terra e da importância de ser Nordestino nas terras de Alencar”. Faleceu no Rio de Janeiro, a 7 de outubro de 1969, no Hospital Souza Aguiar, vítima de um infarto do miocárdio e sepultado no Cemitério São João Batista em Fortaleza-CE, cidade onde residia e terra natal de sua esposa. O corpo foi trazido para Fortaleza através do jornal “A Folha”, acompanhado pela jornalista Neuza Coelho. No início do mês de outubro, em missão dos Diários Associados, Rogaciano viajou para São Paulo e Rio de Janeiro. Nesta última cidade, em plena produção, cheio de planos e com apenas 49 anos, no dia 07 de outubro de 1969, Rogaciano Leite foi vítima de um infarto do miocárdio. Rogaciano Leite faleceu no Hospital Souza Aguiar, na cidade do Rio de Janeiro. Seu corpo foi velado pelos amigos na cidade carioca e transladado para Fortaleza, onde foi sepultado no Cemitério São João Batista - um desejo do poeta gravado em seus versos. Na capital cearense. Rogaciano foi recepcionado pela família amigos, jornalistas, intelectuais e admiradores. Durante a missa e o sepultamento, Rogaciano foi lembrado e homenageado por vários oradores, cantadores e violeiros, poetas e autoridade. Ao som de 13 violas. O momento mais emocionante foi quando Otávio Santiago, acompanhado ao violão por Aleardo Freitas, cantou “Cabelos Cor de Prata”, poema de Rogaciano Leite e música de Silvio Caldas. Foi uma noite inesquecível. No dia seguinte, os jornais locais noticiaram o ocorrido com manchetes como essas: “VIOLAS CHORARAM NO ADEUS A ROGACIANO” “VIOLAS LEMBRARAM ROGACIANO LEITE” Rogaciano Leite viveu uma vida curta, mas a viveu intensamente! Viveu com a alma de poeta. Registrou sua presença e obra na memória de quem o conheceu e ouviu seus versos, suas conversas; sentiu sua alegria, generosidade e amizade. Em sua vida multifacetada, Rogaciano foi poeta, repentista, poeta erudito, radialista, conferencista, escritor, compositor de músicas, jornalista investigativo, repórter itinerante da imprensa nacional, promotor da cultura brasileira, poeta-embaixador dos Cantadores do Nordeste e um pesquisador arguto e criterioso de problemas e fenômenos sociais, políticos e econômicos nos quatro cantos do país. Seu legado vai além do que está escrito, está presente em todos os milhares de versos transbordados de pura poesia e sentimento, que saiam espontaneamente de sua boca e eram transmitidos pela sua voz melodiosa e carregada de emoção. Está na música, na literatura, no jornalismo e na cultura popular e erudita brasileira. Também está gravada em nomes de avenidas, ruas, praças, escolas e como patronos de Academias de Letras, poesias e cordel. A família organizou em um perfil do facebook várias informações, fotos, poesias, depoimentos, crônicas, reportagens e informações sobre o poeta Rogaciano Leite. (CentenárioRogaciano Leite) e no Instagram Rogaciano Leite Oficial. Em breve será lançado a página web Rogaciano Leite Oficial e dois livros de poesias de sua autoria, sendo um a reedição do Carne e Alma. Aguardem!


NO MARAHÃO Em 1947, passou por São Luis, aqui permanecendo por cerca de dois meses, antes de seguir para Belém e Manaus. Em seu regresso daquela cidade, passa novamente por São Luís. Retornaria em outras ocasiões, mas não conseguimos os registros, além do de 1969: JORNAL SEMINÁRIO DOS MOÇOS CATÓLICOS, 1947


DIÁRIO DO MARANHÃO, 13 DE NOVEMBRO DE 1947


DIÁRIO DE SÃO LUIS, 14 DE NOVEMBRO DE 1947


DIÁRIO DE SÃO LUIS, 16 DE NOVEMBRO DE 1947



DIÁRIO DE SÃO LUIS, 18 DE NOVEMBRO DE 1947



DIÁRIO DE SÃO LUIS, 18 DE NOVEMBRO DE 1947


DIÁRIO DE SÃO LUIS, 20 DE NOVEMBRO DE 1947


DIÁRIO DE SÃO LUIS, 21 DE NOVEMBRO DE 1947


DIÁRIO DE SÃO LUIS, 26 DE NOVEMBRO DE 1947


DIÁRIO DE SÃO LUIS, 28 DE NOVEBRO DE1947


DIÁRIO DE SÃO LUIS, 28 DE NOVEMBRO DE 1947


DIÁRIO DE SÃO LUIS, 30 DE NOVEMBRO DE 1947


DIÁRIO DE SÃO LUIS, 4 DE DEZEMBRO DE 1947


DIÁRIO DE SÃO LUIS, 6 DE DEZEMBRO DE 1947







DIÁRIO DE SÃO LUIS, 10 DE JANEIRO DE 1948


DIÁRIO DE SÃO LUIS, 17 DE JANEIRO DE 1948



DIÁRIO DE SÃO LUIS, 18 DE FEVEREIRO E 1948


DIÁRIO DE SÃO LUIS, 22 DE FEVEREIRO DE 1948



DIÁRIO DE SÃO LUIS, 26 DE FEVEREIRO DE 1948



DIÁRIO DE SÃO LUIUS, 18 DE JULHO DE 1948




Saudade! pedra de gelo que cai sobre o coração Para conservar a lembrança, daquilo que a gente quer.


Se Voltares Como sândalo humilde que perfuma O ferro do machado que lhe corta, Eu hei de ter minha alma sempre morta Mas não me vingarei de coisa alguma. Se voltares um dia à minha porta, Tangida pela fome e pela bruma, Em vez da ingratidão, que desconforta, Terás um leito sobre um chão de pluma. E em troca dos desgostos que me deste, Mais carinho terás do que tiveste, E os meus beijos serão multiplicados. Para os que voltam pelo amor vencidos, A vingança maior dos ofendidos É saber abraçar os humilhados.

Quando falas porque vivo rindo Também falas por viver cantando Se a vida é bela e este mundo é lindo Não há razão para viver chorando. Cantar é sempre o que a fazer eu ando Sorrir é sempre meu prazer infindo Se canto e rio, é porque vivo amando Se amo e canto, é porque vivo rindo. Se o pranto morre quando nasce o canto Eu canto e rio pra matar o pranto E gosto muito de quem canta e ri Logo bem vês por estes dotes meus Que quando canto estou pensando em Deus E quando rio estou pensando em ti. DÉCIMAS PARA O AMOR Amar não é expandir-se Em termos de exaltação, Sete cores nas palavras, Coroando a louvação! Não é a ardente promessa Que quase sempre professa Do sentimento o valor! Não é nos lábios a jura Que com certeza assegura A eternidade do Amor! Não é o vínculo frágil Da intempestiva paixão, Que à maneira como surge Se desfaz no coração!


Como o sopro da tormenta Que deixa marca violente, Para depressa partir! Que tem o sentido breve, Dura o tempo do interesse, Pois antes que aparecesse Já começa a ruir! Não! Não! O Amor verdadeiro A mais alto nos conduz, Por estradas de renúncias Alcatifadas de luz! É Árvore generosa Na gleba do coração! Na benção da Caridade, Só dá frutos da Bondade, Só dá flores do Perdão! Dois grandes destinos Ontem, dois grandes destinos Dois sonhos divinos Dois alegres ideais Hoje, dois olhos tristonhos Duas mortalhas de sonhos Desilusões, nada mais Ontem nos nossos passeios Havia música e enleios Perfumes, flores e canção Hoje pela nossa estrada Resta uma sombra enlutada Folhas secas, solidão Ontem a lua furtiva Testemunha festiva Nós dois conversando a sós Hoje, triste e pezarosa Se escondeu, fugiu de nós Ontem nossas mãos unidas Apertavam nossas vidas Na febre do nosso amor Hoje distantes e vazias Apertam nas noites frias Um nome, um verso e uma flor Ontem, dois grandes destinos Dois sonhos divinos Dois alegres ideais Hoje, dois olhos tristonhos Duas mortalhas de sonhos Desilusões, nada mais


http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/pernambuco/rogaciano_leite.html Livro publicado: Carne e Alma, Irmãos Pongetti Editores, Rio de Janeiro, 1950, prefácio de Luís da Câmara Cascudo. Fonte: wikipedia

LEITE, Rogaciano. Carne e alma. Recife, PE: Governo do Estado de Pernambuco, Secretaria de Turismo, Cultura e Esportes – FUNDARPE, CEPE- Companhia Editora de Pernambuco, 178 p. 14x21 cm.

OS TRABALHADORES Uma língua de fumo, enorme, bamboleante, Vai lambendo o infinito — espessa e fatigada.. . É a fumaça que sai da chaminé bronzeada E se condensa em nuvens pelo espaço adiante! Dir-se-ia uma serpente de inflamada fronte Que assomando ao covil, ameaçadora e turva, E subindo... e subindo... assim, de curva em curva, Fosse enrolar a cauda ao dorso do horizonte! Mas, não! É a chaminé da fábrica do outeiro — Esse enorme charuto que a amplidão bafora — Que vai gerando monstros pelo céu afora, Cobrindo de fumaça aquele bairro inteiro. Ouve-se da bigorna o eco na oficina, O soluço da safra e o grito do martelo... Como tigres travando ameaçador duelo As máquinas estrugem no porão da usina! É o antro onde do ferro o rebotalho impuro Faz-se estrela brilhante à luz de áureo polvilho! É o ventre do Trabalho onde se gera o filho Que estende a fronte loura aos braços do Futuro! Um dia, de uma ideia uma semente verte, Resvala fecundante e, se agregando ao solo,


Levanta-se... floresce... e ei-la a suster no colo Os frutos que não tinha — enquanto estava inerte! Foi o germe da Luz, a flor do Pensamento Multiplicando a ação da força pequenina: — De um retalho de bronze ergueu uma oficina! — De uma esteira de cal gerou um monumento!

EULÁLIA Deixei-a solitária, por uns dias, Enquanto melhorava do ciúme, E saí pra evitar muitas porfias Que entre nós já se davam — de costume. Nesse tempo eu andava arrumado! As brigas entre nós, frequentemente, Transformaram a abelha do passado Numa aranha de dor — sempre presente! Então o inseto que fazia, outrora, Mel de carícias na feliz colmeia, Vinha fazendo entre nós dois, agora, O fel da vida — numa horrível teia! Corri mundos... andei por terra estranha Procurando renúncia, esquecimento... Mas dia-a-dia se infiltrava a aranha Na teia enorme do meu pensamento! Mandava-lhe presentes de onde estava, Escrevia-lhe cartas carinhosas Pedindo que esperasse que eu voltava E novamente nasceriam rosas... Mas, uma noite, (Triste noite, amigo!) Eu entrei num Cassino.. . (Que amargura!) Ai! Não chores de ouvir o que te digo Nem te rias da minha desventura! A sala estava cheia do cinismo Dos que, no vício, vão matar a sede. .. Era um antro de fumo e de alcoolismo, Com visões sensuais pela parede! Um perfume de bétulas e sândalos Rescendia da carne em sedas finas,

E a luz — envergonhada dos escândalos — Parecia tremer... sob as cortinas! A dona do Cassino, a abelha-mestra Do cortiço infeliz, torpe e devasso, Dava bebida aos maganões da orquestra E mandava agitar sempre o compasso...


Enquanto os instrumentos gargalhavam Na frivolência do pagode insano, Eu distinguia as notas que choravam Nas cordas ultrajadas de um piano! Mais tarde, (Era o intervalo do pecado!) Enquanto a orquestra demorava o ensaio, A pianista, curvando-se ao teclado, Dedilhava a canção ROSA DE MAIO... Era aquela canção — quando partimos — A que Eulália tocava todo mês... Pois foi no mês de maio que nos vimos, Eulália e eu — pela primeira vez! Recordação. .. Saudade... Sofrimento... Aproximei-me sem saber por quê... — Era Eulália que estava no instrumento! Sim, Eulália... vestida de "soirée"! Quando me viu eu vi também seu vulto Afogar-se nas brumas de um desmaio... E até hoje em minh'alma um piano oculto Vive sempre a tocar ROSA DE MAIO!... A bordo do "Rio-Mar" — Amazonas, 26-01-48

ACORDA, CASTRO ALVES! (No Centenário do Poeta) Condor, que é de tuas asas Que os astros arremessaram? As plumas da águia soberba Que no infinito brilharam? Que é do teu grito altaneiro Que atravessava o nevoeiro Para vibrar junto a Deus? Renasce, Fénix altiva! Que outra senzala aflitiva Precisa dos cantos teus! Oh, sim! Foi Deus que em seu trono Entre florões e alabastros Levou-te, pássaro imenso, Para o ninho azul dos astros! Antes que a dor nos consuma Faze da lira uma pluma, Uma. só... pra nos cobrir! E os trapos que nos restarem Daremos aos que chegarem Com as gerações do Porvir. Acende o verbo de fogo! Vibra tua lira de ouro!


Acorda os anjos no espaço! Transmite a Deus nosso choro! Dize lá pelo Infinito Que na terra um povo aflito Precisa de remissão! Tu, que a Deus pediste tanto, Interpreta o nosso pranto! Conta-Lhe a nossa aflição!

INVERSÃO DE RACISMO "Amor não é racista..." — Ela dizia, Quando em beijos ardentes me abrasava. Ao seu peito, nervosa, me apertava, Ao meu peito, nervoso, eu lhe prendia. Era noite na praia. Ninguém via Aquele par que se beijando estava... Nos braços do cristão — ela sonhava! E eu sonhava — nos braços da judia! No templo azul daquela noite calma Eu lhe dei uma Pátria, na minh'alma, E ela deu-me, em su'alma, a Canaã... Desde então o racismo se inverteu: — Vivo pensando que fiquei judeu, E ela jurando que ficou cristã! Santos, 16/08/1950.

ALGUMAS OUTRAS NOTAS5 Sua filha Helena Roraima Leite manda-me mais algumas informações, fazendo algumas correções no texto, afirmando que os dados obtidos via Internet, na sua maioria, estão com alguns erros, e gostaria que fossem corrigidos, assim como me envia mais informações sobre seu pai: Rogaciano Leite, que este ano completaria 100 anos, foi um dos maiores poetas e declamadores do Brasil: “Quem conheceu Rogaciano Leite jamais poderá esquecer o valor extraordinário daquela su´alma aberta, jovial e transbordante de alegria funcionando como uma central de forças com talento de repentista que o transformava, a todo o instante, na expressão máxima da comunicação contagiante. Pelo Brasil inteiro ele conquistou plateias imensas, angariou amizades e constituiu admiradores, através dos recitais que empreendeu em palcos onde exercia o culto da trova, de modo aprimorado e original, improvisando com doçura e riqueza vernacular, ou recitando belezas poéticas que fascinavam o espectador. Era uma espécie de showman, em teatro de bolso na qual decantava figura a acontecimento da época, à moda quinhentista, em versos e repentes graciosos e 5

LEITE, Helena Roraima. Correspondencia eletrônica em 26 de outubro de 2020


grandiosos que empolgavam o público ávido de sensação, de quem arrancava sempre calorosos aplausos e prolongadas aclamações. Rogaciano Leite, também grande jornalista, autor sensacional de grandes reportagens escritas para todos os jornais do país, retratando a vida do nordestino sempre prestando homenagem ao seu torrão natal e à terra alencarina. Trechos extraídos da crônica intitulada “Rogaciano Leite e Luiz de Paula”, autoria de Josué de Oliveira LIMA, publicado no Semanário de 11 a 17 de dezembro de 1977. (profundo conhecedor da cultura brasileira)

Em 1947, passou por São Luís – iniciando uma turnê de recitais de poesia por Teresina, Parnaíba, e Caxias – aqui permaneceu por cerca de dois meses, antes de seguir para Belém e Manaus. Em seu regresso daquelas cidades, passou novamente por São Luís. Retornou diversas vezes, ora se apresentando no Teatro Arthur Azevedo, em 1953 e 1956, ora produzindo belas reportagens para a imprensa nacional, com as quais ganhou três prêmios ESSO (1965, 1966 e 1967). Em sua primeira passagem, foi muito bem recebido pelos intelectuais maranhenses, realizando uma série de apresentações no Artur Azevedo, Centros Cultural Gonçalves Dias, Rádio Ribamar, e em outros locais, inclusive participando de festas de aniversários, onde costumava declamar, conforme registros, quase diários, de sua passagem e atividades pela cidade. Naquele ano, por ocasião de sua partida da cidade, o Maranhão preparou uma grande homenagem, realizada pelos classe intelectual maranhense, promovida pelo Centro Cultural Gonçalves, com saudação de Celso Bastos, Henrique Costa Fernandes, Fernando Viana, e outros poetas jovens centristas, como Ferreira Gullar. Vejamos o que dizem alguns intelectuais maranhense e a imprensa do Maranhão sobre o Rogaciano Leite, tais como Fernando Viana, Amaral Raposo, Nascimento Morais e Diário de São Luís: “... Vivi, ontem, horas inesquecíveis da mais enternecedora e inédita emoção. Volatilizado, eterificado, suspenso, librei-me às regiões Olímpicas, onde os deuses pontificam, e ali me banhei dessa doçura e dessa suavidade, que caracterizam, com efeito, o convívio extra-terreno: ouvi Rogaciano Leite! É preciso que o Maranhão saiba o que isso significa. Ouvir Rogaciano Leite não é, apenas, escutar a voz de um poeta; não é, simplesmente, arquivar, como irmão de sonhos, sinfonias que perduram; não é, somente, encher os ouvidos de versos que tilintam como pedaços esparsos da Beleza mesma. Ouvir Rogaciano Leite é, acima de tudo e mais do que tudo, extasiarse diante da própria Poesia que se fez Homem para, ombro a ombro, confundir-se com os homens na sublimação do Belo.” “... E o poeta, transfigurado, divinizado, improvisava sem parar! Os versos lhe saíam dos lábios em cascatas, em borbotões, em catadupas, jorrando como a água deve ter jorrado de rochedo abrupto, ao toque da varinha mágica de Moisés... E que versos! Castro Alves estava ali, declamando, diante de nós, os versos que ele, no breve espaço do seu convívio terreno, não teve tempo de escrever.” (Fernando Viana, da Academia Maranhense de Letras). “... Esse moço assombroso derramou, entre nós, por várias vezes, uma borbulhante e sonora torrente de versos, que, escritos, seriam admiráveis, mas, improvisados, são absolutamente inconcebíveis. Inconcebíveis pela elegância da forma, pela precisão da rima, pela audácia das imagens, pelo miraculoso jogo das antíteses, pelos altos conceitos emitidos, pelos difíceis temas abordados, pelas momentosas teses discutidas, tudo isso pronunciado com uma segurança tal, com uma facilidade que nos deixava a impressão de que alguém lhe estava ditando as estrofes aos ouvidos, numa voz que só ele percebia. Numa fração de segundo, o aedo pernambucano recolhe tempo bastante


para escolher, a ponta de dedo, o que há, no vocabulário, de mais incisivo, mais dramático, mais empolgante, mais alto no sentido e mais nobre da ideia. É só? Não. Acha lazeres, ainda, para cepilhar a frase, observar a gramática, honrar a sintaxe, sustentar o metro, localizar carinhosamente a rima e descobrir, com surpreendente facilidade, o termo exatamente indicado para dar forma e vida ao pensamento.” “... Sou testemunha ocular e auditiva do escândalo intelectual com que o vigoroso poeta pernambucano subiu e cresceu, ante nossos olhos, como gênio.” (Amaral Raposo – O Imparcial – São Luís do Maranhão). “... Rogaciano Leite é um poeta socialista. É o primeiro e o maior poeta condoreiro que aparece depois de Castro Alves. E não esconde o sentido de sua poesia. Nem poderia fazê-lo. Os acentos mais brilhantes de seu estro revelam a estrutura literária do imperecível poeta baiano. Rogaciano Leite é um poeta revolucionário. Castro Alves levantou-se contra a escravidão dos negros. Rogaciano flagela a escravidão dos brancos. Castro Alves descreve as sombrias e sinistras senzalas... Rogaciano descobre na sociedade de hoje senzalas mais sombrias e mais sinistras. Os seus poemas são de uma mentalidade que se coloca à altura das desordens de nossa sociedade que ele vê claramente: — A desdita do operário, — A mágoa do proletário, — A sorte do homem comum! Esta é a poesia da coletividade. É a poesia das classes convulsionárias. É a poesia do sofrimento das massas. O poeta, se bem muito moço ainda, sente a Dor de uma sociedade formada de elementos dispersos que se entredevoram numa luta sem tréguas, e por isso sem homogeneidade na sua evolução moral e estética. A poesia de Rogaciano Leite pertence ao grupo daqueles que se infiltram por condutos subterrâneos. É a poesia que abrolha como linfa cristalina, depurada pelas tormentas das multidões, que formam, pelos elos inquebrantáveis, uma multidão única. É a poesia que vai alcançar o plano do Tirteu, de Roger de Lisle, de Guerra Junqueira, de Gonçalves Dias e de Castro Alves.” (Nascimento Moraes, da Academia Maranhense de Letras). “... Ainda ressoam aos nossos ouvidos os consagradores aplausos com que a culta e elegante sociedade maranhense divinizou a arte de Gonçalves Dias e Castro Alves, na palavra de Rogaciano Leite, por ocasião de seu brilhante e inesquecível recital. Os seus maravilhosos poemas, principalmente os versos que lhe saem improvisados dos lábios, espontâneos e cachoeirantes, servem, ainda hoje, de motivo a palestras amistosas em que o nome de Rogaciano Leite aparece sempre engrinaldado nas palmas da admiração de todos os maranhenses.”. (Diário de S. Luiz – Maranhão – 06 de dezembro de 1947). Poesia de Rogaciano Leite Transcrevemos alguns sonetos do poeta e trechos de outros poemas mais longos.para estimular o leitor a conhecer o poeta e jornalista Rogaciano Leite e aguardar o lançamento de suas obras, inclusive no Maranhão.

AOS CRÍTICOS (possui 16 estrofes)


Senhores críticos, basta ! Deixai-me passar sem pejo, Que o trovador sertanejo Vai seu “pinho” dedilhar… Eu sou da terra onde as almas São todas de cantadores : — Sou do Pajeú das Flores — Tenho razão de cantar !

Não sou um Manuel Bandeira, Drummond, nem Jorge de Lima; Não espereis obra-prima Deste matuto plebeu ! … Eles cantam suas praias, Palácios de porcelana, Eu canto a roça, a cabana, Canto o sertão… que ele é meu ! (...) Rio de Janeiro (RJ), Setembro 1950. Do livro “Carne e Alma” de Rogaciano Leite.

SE VOLTARES…

Como o sândalo humilde que perfuma O ferro do machado que lhe corta, Hei de ter a minh’alma sempre morta Mas não me vingarei de coisa alguma. Se algum dia, perdida pela bruma, Resolveres bater à minha porta, Em vez da humilhação que desconforta Terás um leito sobre um chão de pluma. Em troca dos desgostos que me deste, Mais carinhos terás do que tiveste E meus beijos serão multiplicados… Para os que voltam, pelo amor vencidos, A vingança maior dos ofendidos É saber abraçar os humilhados. Santos — São Paulo, 22 Agosto 1950. Do livro “Carne e Alma” de Rogaciano Leite

EULÁLIA Deixei-a solitária, por uns dias, Enquanto melhorava do ciúme, E saí pra evitar muitas porfias


Que entre nós já se davam — de costume. Nesse tempo eu andava arruinado ! As brigas entre nós, frequentemente, Transformaram a abelha do passado Numa aranha de dor — sempre presente ! Então o inseto que fazia, outrora, Mel de carícias na feliz colmeia, Vinha fazendo entre nós dois, agora, O fel da vida — numa horrível teia ! Corri mundos… andei por terra estranha Procurando renúncia, esquecimento… Mas dia a dia se infiltrava a aranha Na teia enorme do meu pensamento ! Mandava-lhe presentes de onde estava, Escrevia-lhe cartas carinhosas Pedindo que esperasse que eu voltava E novamente nasceriam rosas… Mas, uma noite, (Triste noite, amigo !) Eu entrei num Cassino… (Que amargura !) Ai ! Não chores de ouvir o que te digo Nem te rias da minha desventura ! A sala estava cheia do cinismo Dos que, no vício, vão matar a sede… Era um antro de fumo e de alcoolismo, Com visões sensuais pela parede ! Um perfume de bétulas e sândalos Rescendia da carne em sedas finas, E a luz — envergonhada dos escândalos — Parecia tremer… sob as cortinas ! A dona do Cassino, a abelha-mestra Do cortiço infeliz, torpe e devasso, Dava bebida aos maganões da orquestra E mandava agitar sempre o compasso… Enquanto os instrumentos gargalhavam Na frivolência do pagode insano, Eu distinguia as notas que choravam Nas cordas ultrajadas de um piano ! Mais tarde, (Era o intervalo do pecado !) Enquanto a orquestra demorava o ensaio, A pianista, curvando-se ao teclado, Dedilhava a canção ROSA DE MAIO… Era aquela canção — quando partimos — A que Eulália tocava todo mês… Pois foi no mês de maio que nos vimos,


Eulália e eu — pela primeira vez ! Recordação… Saudade… Sofrimento… Aproximei-me sem saber por quê… — Era Eulália que estava no instrumento ! Sim, Eulália… vestida de “soirée” ! Quando me viu eu vi também seu vulto Afogar-se nas brumas de um desmaio… E até hoje em minh'alma um piano oculto Vive sempre a tocar ROSA DE MAIO !… A bordo do “Rio-Mar”, Amazonas, 26 Janeiro 1948. Do livro Carne e Alma de Rogaciano Leite.

CANTAR E SORRIR

Quando falas porque vivo sorrindo, Também falas porque vivo cantando… Se a vida é bela e esse mundo é lindo, Não há razão para viver chorando… Cantar é sempre o que a fazer eu ando, Sorrir é sempre o meu prazer infindo… Se canto e rio é porque vivo amando, Se amo e canto é porque vivo rindo… Se o pranto morre quando nasce o canto, Eu canto e rio pra matar o pranto… E gosto muito de quem canta e ri… Logo bem vês por estes dotes meus, Que quando canto estou pensando em Deus E quando rio estou pensando em ti!... Soneto de Rogaciano Leite, musicado por Socorro Lira Do livro inédito a sair este ano de Rogaciano Leite

ACORDA, CASTRO ALVES! (30 estrofes) (No Centenário do Poeta Castro Alves) Condor, que é de tuas asas Que os astros arremessaram ? As plumas da águia soberba Que no infinito brilharam ? Que é do teu grito altaneiro Que atravessava o nevoeiro Para vibrar junto a Deus ? Renasce, Fênix altiva ! Que outra senzala aflitiva Precisa dos cantos teus !


Oh, sim ! Foi Deus que em seu trono Entre florões e alabastros Levou-te, pássaro imenso, Para o ninho azul dos astros ! Antes que a dor nos consuma Faze da lira uma pluma, Uma só… pra nos cobrir ! E os trapos que nos restarem Daremos aos que chegarem Com as gerações do Porvir. Acende o verbo de fogo ! Vibra tua lira de ouro ! Acorda os anjos no espaço ! Transmite a Deus nosso choro ! Dize lá pelo Infinito Que na terra um povo aflito Precisa de remissão ! Tu, que a Deus pediste tanto, Interpreta o nosso pranto ! Conta-Lhe a nossa aflição ! (...) Fortaleza — Ceará, 14 Março 1947. Do livro “Carne e Alma” de Rogaciano Leite.

INVERSÃO DE RACISMO “Amor não é racista…” — Ela dizia, Quando em beijos ardentes me abrasava… Ao seu peito, nervosa, me apertava, Ao meu peito, nervoso, eu lhe prendia. Era noite na praia. Ninguém via Aquele par que se beijando estava… Nos braços do cristão — ela sonhava ! E eu sonhava — nos braços da judia ! No templo azul daquela noite calma Eu lhe dei uma Pátria, na minh’alma, E ela deu-me, em su’alma, a Canaã… Desde então o racismo se inverteu : — Vivo pensando que fiquei judeu, E ela jurando que ficou cristã !

Santos (SP),16 Agosto 1950. Do livro “Carne e Alma” de Rogaciano Leite.


DÉCADAS DE SÃO LUÍS CERES COSTA FERNANDES Anos 50. A porta da casa de meus avós, uma morada inteira na rua do Sol, era enorme e pesada, defendida por uma tranca de ferro. À simples vista, sugeria preocupação com a segurança. Ledo engano. Durante o dia, permanecia aberta, ociosa; só era fechada à noite, após todos terem se recolhido. No primeiro terço do corredor, uma porta de vai-e-vem, com vidros coloridos, conferia alguma privacidade ao interior da casa. Essa portinhola era transposta, sem formalidades, pelos visitantes que entravam, conforme o grau de intimidade, até sem se anunciar. .Outros batiam palmas ou diziam: Ô de casa! Na calçada, defronte à porta aberta, apeavam-se os “fregueses”: eram o peixeiro, verdureiro, leiteiro, padeiro, vendedor de galinhas ou o carvoeiro, cada um com o seu pregão musical diferenciado. Serviço delivery, com a diferença da escolha do produto na hora da entrega. Satisfação garantida. O uso do corredor entre a porta de entrada e a portinhola servia como vestíbulo para visitas e entregadores, e até de abrigo contra a chuva para desconhecidos. Era comum, alguém da casa chegar e deparar com pessoas de todas as categorias sociais, de pé, encolhidas no corredor, esperando passar os torrenciais pés-d’ água de outrora. Tudo muito natural. Natural, também, era o livre acesso de certos tipos estranhos à casa dos avós. Não batiam palmas, nem diziam ô de casa, iam entrando, e, sem cerimônias, tomavam assento na grande varanda interna da casa. Um desses era uma mulher idosa, alta, magra, muito alva, alcunhada pé-de-anjo. Tida por louca, era perseguida pela molecada das ruas, o que a deixava em fúria. Geralmente, entrava porta adentro bastante agitada. Minha avó a apreciava e tratava-a com paciência. Dava-lhe comida e roupas. Diziam que era filha de um desembargador falecido e tivera boa juventude. Não tenho certeza. Outra figura que me fascinava era a da senhorita Marfisa. Não lhe sei da família, nem se sofria alguma perturbação mental. Parecia que sim, pois se vestia e penteava como aquelas mulheres dos retratos antigos. Usava sempre uma irrepreensível blusa com refegos e mangas bufantes. A gola alta era fechada por um camafeu. Compondo o rosto murcho, o cabelo preso, penteado todo para cima - acho que usava enchimentos -, parecia uma rosca no alto da cabeça. Para completar o tipo, só lhe faltavam as anquinhas. Magra e empertigada, ao recordá-la, penso em uma dama inglesa pronta para tomar seu chá. Nunca desvendei o mistério de Marfisa. Um corte para a casa de minha sogra, na Montanha Russa: Anos 60 até começos de 70. A visibilidade da graciosa casa antiga seria, hoje, impensável. A fachada tinha, do lado direito, um pequeno pátio com uma incrível mangueira de mangas-rosas deliciosas, um portão de ferro vazado e uma varanda de muro baixo, cujas janelas, sempre abertas, deixavam quem passasse na rua ver a movimentação de parte da casa. O portão não era trancado e ninguém tinha receio disso Havia também uns tipos estranhos e inofensivos que entravam e se aboletavam nas cadeiras. Parece que cada casa tinha a sua cota de malucos, fora os da família, é claro. À noite, abríamos cadeiras de lona na calçada, para conversar com os vizinhos. O único perigo que nos poderia advir era de algum dos poucos carros, dirigidos pelos playboys provincianos - já havia disso -, a descer disparados ladeira abaixo Fim dos anos 80. A Montanha Russa não é mais uma rua apenas residencial. Torna-se deserta e perigosa, à noite e nos fins de semana. Aparecem os ladrões de carro e de toca-fitas. Anos 90. Mudamo-nos para o Olho d´Água. Casa de muros altos, cachorros de grande porte sujando tudo, portão trancado. Mas ainda havia espaço para uns passeios na porta com as crianças, a despreocupação das idas à litorânea, comer caranguejo e tomar chopinho. O portão aberto para a entrada de amigos nos dias festivos, o sono despreocupado.. 2008. Carro de vidros escuros, tão escuros que temo não enxergar o portão ao entrar em casa. Aliás, entrar em casa tornou-se uma operação de alto risco. Primeiro percorre-se todo o quarteirão


com luz alta, liga-se o celular – companheiro indispensável – para o vigia, para que nos espere com o cachorro ao lado. Finalmente entramos. Sabemos que não estamos seguros. É fato, sobejamente conhecido, que ladrão que se preza não mais pula muro. Aguarda o morador e gentilmente o acompanha para dentro da moradia. Faz-se de nosso convidado. Vivemos acuados. As crianças não saem mais de casa, nem para andar de bicicleta na vizinhança. Tornaram-se crianças de TV e computador. Os passeios ressumem-se a idas a shoppings. De noite, não abrimos a porta para ninguém. Bote na caixa do correio ou volte amanhã. Todos são suspeitos: do Censo ao mata-mosquitos.. Até quem não crê já reza e agradece a Deus por mais um dia sem ter sido assaltado e pede pela preservação da sua integridade física e a dos entes amados. E na próxima década, o que mais nos espera? (No próximo capítulo).


GUARANÁ JESUS: O XAROPE QUE VIROU "SONHO COR DE ROSA" NONATO REIS

c O Guaraná Jesus, quem diria! Surgiu de uma tentativa de refrigerante à base de gengibre, amargo para danar. A gênese dessa bebida remete a dois maranhenses, Jesus Noberto Gomes, o legítimo criador; e Sálvio Mendonça, uma espécie de conselheiro. Ambos nasceram praticamente na mesma época. Noberto, em Vitória do Mearim, em 1891; Sálvio, em Viana, em 1892. Norberto veio para São Luís aos 14 anos, à procura de emprego. Sálvio foi para a Bahia estudar Medicina. O encontro dos dois se deu em São Luís em 1925, quando Norberto já era dono de farmácia e Sálvio, médico recém-formado. Dois anos depois surgia a fórmula que seria disputada por grandes marcas de refrigerantes, e a partir dos anos 2000 se tornou patrimônio da Coca-Cola. O Guaraná Jesus, de tal forma caiu no gosto dos maranhenses, que em São Luís chegou a bater em vendagem a própria Coca-Cola, líder mundial desse segmento. 1905. Jesus Norberto desembarcou em São Luís, na Rampa Campos Melo, aos 14 anos, “sem dinheiro no banco ou parentes importantes”. Vinha do seu berço de origem, Vitória do Mearim, para, como se diz no interior, “ganhar a vida”. Jesus Norberto Gomes era pobre, não tinha nada, exceto a vontade de crescer e conquistar um lugar ao sol. Queria trabalhar “em qualquer coisa e ganhar qualquer dinheiro”, como escrevera Sálvio Mendonça em seu livro “História de um menino pobre”6. Sálvio, então médico recém-formado, quando conheceu Jesus Norberto, este já era proprietário da Farmácia Sanitária, em cujo laboratório gestaria a fórmula do famoso “Sonho Cor de Rosa”. Seu primeiro emprego, espécie de zelador e officie-boy, foi na Farmácia César Marques. Lavava vidros, empacotava remédios e os entregava a domicílio. Inteligente, sagaz, com enorme tino 6

https://books.google.com.br/books/about/Hist%C3%B3ria_de_um_menino_pobre.html?id=qTxgAAAAMAAJ&redir _esc=y


empreendedor, em pouco tempo Jesus Norberto aprendeu a manipular as receitas e começou a se familiarizar com os processos de reações químicas em laboratório. Aos 20 anos, deixou de ser empregado e tornou-se dono do próprio negócio, com a aquisição da Farmácia Galvão, na Rua Grande, que arrematou por três contos e 600 mil réis, dinheiro que economizara durante os seis anos de trabalho duro na farmácia César Marques. A Farmácia Galvão estava praticamente falida: não tinha estoque, capital de giro, nem freguês, o que exigiu do novo dono suor e determinação. Jesus Gomes trabalhava dia e noite no preparo de medicamentos injetáveis, cujas encomendas entregava pessoalmente a domicílio, independente de horário, de tempo bom ou ruim. Dor de dente, desarranjo estomacal, cólicas intestinais, o mal que fosse, ele sempre tinha um remédio para combatê-lo, que poderia ser iodo, gaiacol, elixir paregórico, porção de Ravier. Quando Sálvio conheceu Jesus Noberto e os dois se tornaram amigos, a Farmácia Sanitária já funcionava na Rua de Nazaré, em instalações bem melhores do que as da Rua Grande. Ali Sálvio, a convite de Noberto, montou consultório num pequeno espaço cedido pelo proprietário. Atendia casos de doenças venéreas e problemas gástricos. Começava a expansão das atividades de Noberto como empreendedor e sua farmácia assumiu ares de indústria farmacêutica, produzindo medicamentos injetáveis em larga escala. Norberto cresceu como empresário, mas procurou manter um regime de cooperativismo com seus empregados, dando-lhes o direito de participação nos lucros da empresa, o que fazia do empreendimento algo compartilhado por todos. Em 1922, a Farmácia Sanitária já era estruturada com sessões de farmácia, drogaria e laboratório. Sálvio sugere a Noberto que comece a fabricar águas gasosas e refrigerantes. Em 1925, num galpão de fundo de quintal, na rua Nina Rodrigues, dá-se início à fabricação de “guaraná, cola-guaraná e gengibre”. "Seu Jesus", como era conhecido, havia comprado uma máquina de gaseificação da Alemanha para fazer magnésia fluida, só que ele não tinha autorização do Ministério da Saúde para preparar esse produto, que já era fabricado pela Farmácia Granado, no Rio de Janeiro. Então lançou-se na tentativa de produzir um concorrente para o "ginger ale", refrigerante à base de gengibre fabricado na Ingaterra e muito popular no Brasil, especialmente em São Luís. Os primeiro produtos eram quase insípidos e amargavam para chuchu. Noberto aprimora a fórmula, corrige o sabor. Os filhos dele experimentam e aprovam. Estava criado o embrião da bebida que faria história dentro e fora do Estado. O Guaraná Jesus é talvez hoje o produto que mais se identifica com o Maranhão. No festival junino de anos atrás, organizado para celebridades no Convento das Mercês pela maranhense Thaynara OG, maior nome do snapchat no Brasil, o refrigerante foi a grande estrela do evento, dado de presente aos convidados como marca genuína do Estado. Acabou viralizado nas redes sociais pelo sabor único e inigualável. O que era reserva do Maranhão ganhou ares de preferência universal, sendo apreciado não apenas por boiolas, ao contrário do que pensa o Presidente da República, mas também por héteros, bi, trans, machões, enrustidos e assemelhados.


https://pt.wikipedia.org/wiki/Guaran%C3%A1_Jesus

Guaraná Jesus Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre. Guaraná Jesus é uma marca de refrigerante pertencente à The Coca-Cola Company, sendo fabricado e distribuído principalmente no estado do Maranhão, no Brasil, local em que suas vendas ultrapassam as das demais marcas de refrigerante. Guaraná Jesus é um refrigerante de cor rosa com sabor adocicado, lembrando vagamente tutti-frutti, devido a estes serem alegadamente dois de seus 17 ingredientes, e muito popular no estado do Maranhão. História 1927 – A fórmula do guaraná Jesus foi criada pelo farmacêutico Jesus Norberto Gomes. O guaraná surgiu de uma tentativa frustrada de fabricar um remédio. Mas o novo xarope agradou muito os netos do farmacêutico. Nascia uma bebida muito popular na cidade de São Luís/MA. Entre os ingredientes do refrigerante estão extratos de guaraná, cafeína, teofilina e teobromina. 1961 – A família Jesus manteve fábrica própria até o início da década de 1960, quando foi vendida para a então Cervejaria Antárctica Paulista, sem a marca. Os representantes da família acusaram a fábrica de adulterar e boicotar a venda do produto, iniciando uma briga judicial. Após anos, o contrato foi rompido. 1963 – Morre o farmacêutico Jesus Norberto Gomes. (1891-1963) 1980 – A marca de refrigerante Guaraná Jesus é vendida para a Companhia Maranhense de Refrigerantes. 1981 – A Companhia Maranhense de Refrigerantes passa a engarrafar o Guaraná Jesus. 2001 – A “The Coca-Cola Company”, compra os direitos sobre a marca “Guaraná Jesus”. 2006 – A “Renosa”, franqueada da “The Coca-Cola Company” compra a “Companhia Maranhense de Refrigerantes”, seguindo a comercialização do Guaraná Jesus somente no estado do Maranhão. 2008 – No final do ano, a Coca-Cola lançou uma campanha para que o povo maranhense escolhesse a nova identidade visual das embalagens do Guaraná Jesus. 2010 – Devido à campanha de 2008 para a nova identidade visual das embalagens, ganhou o Prêmio Internacional de Excelência em Design (Idea) pelo primeiro lugar na categoria melhor estratégia de marketing. 2011 - É lançada a versão Zero Açúcar. 2016 - Refrigerante Jesus passa a ser fabricado na fábrica da Coca Cola do Grupo Brasal em Brasília e distribuído na região. 2016 - Torna-se ainda mais frequente, a expressão "Vamos aceitar Jesus?" ao convidar uma pessoa para experimentar ou apreciar o refrigerante. 2016 - Guaraná Jesus começa a ser vendido em Fortaleza/CE, pelo Mercadinhos São Luiz.


O ATEU, COM FAMA DE COMUNISTA, QUE INVENTOU O GUARANÁ JESUS FABIO PREVIDELLI PUBLICADO EM 30/11/2019, ÀS 07H00

https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/almanaque/o-ateu-com-fama-de-comunistaque-inventou-o-guarana-jesus.phtml Um dos farmacêuticos mais populares e polêmicos que já passou por São Luís, viu sua invenção se popularizar e torna-se símbolo de seu estado de origem

Propaganda do famoso Guaraná Jesus - Divulgação / Coca-Cola Brasil Com uma personalidade única e de origem humilde, pouco a pouco ele ficou cada vez mais popular e adorado. Tem a cara de seu povo, se tornou a representação de toda uma cultura. Uma verdadeira febre, quase que uma religião. Paulatinamente Jesus tem conquistado um espaço maior nas casas e nos corações do povo brasileiro. Afinal, cativa como ninguém. Só que ele é diferente de todos os outros. Não faz distinções, usa rosa e azul e é par ideal para qualquer ocasião. Adocicado, com um quê de cravo e canela. Companhia perfeita para aquele bolo da tarde ou até mesmo uma boa tapioca. Sua cor rosada é inconfundível, o Guaraná Jesus é único. E por isso tornou-se símbolo do Maranhão.

Jesus Norberto Gomes / Crédito: Domínio Público


Apesar do nome, seu inventor não era nem um pouco religioso, muito pelo contrário, Jesus Norberto Gomes era declaradamente ateu. Como se não bastasse tamanha contradição, ele era um ateu com fama de comunista. Nascido em Vitória do Mearim, no Maranhão, em 1891, se mudou aos 14 anos para a capital do estado em um busca de um emprego. Sua primeira oportunidade não demorou surgir, foi trabalhar na farmácia Marques. Aos 20 anos se tornou empreendedor e abriu a farmácia Galvão. Pouco sabia, mas aquele momento mudaria sua vida para sempre. Noberto Gomes tinha o hábito de batizar suas invenções como forma de homenagear uma das pessoas mais importantes de sua vida: ele mesmo. Foi assim como o Antigripal Jesus, o Xarope Peitoral Jesus e a Jesulina Pasta Dentifrícia. Dessa mesma forma foi com o Guaraná Jesus, criado em uma seção de águas gasosas e refrigerantes, algo que era comum nas farmácias da época. No entanto, a primeira versão do produto não agradou tanto assim. O gosto levemente amargo não caiu nas graças do público. Mas como bom brasileiro e maranhense, ele não desistiu nunca e continuou buscando novas alternativas para sua fórmula de sucesso. Desta vez ele havia acertado em cheio, o novo sabor fez sucesso imediato com os netos de Jesus e logo se tornou um fenômeno por toda a região. A fórmula da bebida gaseificada era toda feita à base de extratos vegetais. Até mesmo o corante do refrigerante era natural. Em entrevista a revista Piauí, em 2007, Fábio Gomes, neto de Jesus, revela que seu avô era pioneiro em explorar as maravilhas naturais da Amazônia. Ele fazia expedições e sempre trazia ervas da floresta. “Antes de todo mundo começar a falar em biodiversidade, ele já achava que o grande tesouro farmacológico do mundo estava na selva amazônica”. Fábio também garante que o avô tinha uma visão à frente em relação aos direitos trabalhistas. “Quando ninguém falava em participação dos funcionários, meu avô dava participação nos lucros da farmácia”, diz orgulhoso. Esse, entre outros motivos, fez com que surgisse o boato de que Jesus era comunista. Em novembro de 1935, Norberto Gomes e outras oitenta pessoas acabam tendo suas prisões decretadas em decorrência da Intentona Comunista. O grupo foi levado até o Rio de Janeiro e permaneceu lá até o ano seguinte. Fábio ainda guarda uma cópia da carta-testamento que o avô escreveu a punho em 1958, na qual ele pedia um funeral modesto e determinava que a diferença entre os custos das exéquias baratas e mais caras fosse doada ao Partido Comunista. Jesus dizia: “Não fui e não sou socialista, infelizmente, porque seria um idealista. Como pequeno-burguês tenho defeitos, mas sou admirador sincero desse regime verdadeiramente humano, onde pode ser obtida a verdadeira democracia”. Em 1961, a família de Jesus vendeu a fábrica própria para a então Cervejaria Antárctica Paulista. Mas uma briga judicial — motivada pela acusação contra a fabrica por adulterar e boicotar a venda do produtor — fez com que o contrato fosse rompido anos depois. Jesus Norberto Gomes faleceu dois anos depois, em 1963, e por obra do destino, não presenciou o produto que inventou proporcionar seu maior acordo comercial. Em 1980, a família Gomes vendeu a marca à antiga Companhia Maranhense de Refrigerantes, que na época era franqueada pela Coca-Cola Brasil no estado. Já em 2001, o Guaraná Jesus foi adquirido pela multinacional e passou a fazer parte do portfólio da empresa. Mas, desta vez, o refrigerante teve sua identidade e seu sabor característico preservados, mantendo assim a identificação cultural local do produto. Os elementos gráficos do rótulo remetem à própria cor do guaraná, já o logotipo escrito “Jesus” é a singular assinatura de seu criador. “Manter os aspectos tradicionais da bebida foi um compromisso assumido pela Coca-Cola Brasil diante da família do criador da marca, Jesus Norberto Gomes, ao adquirir a marca em 2001. Todas suas características originais foram mantidas, e o produto que você bebe hoje é o mesmo que era bebido há 89 anos”, garante Rodrigo Assunção, diretor de Marketing e Planejamento Estratégico da Solar. Em 2008, a Coca-Cola criou uma campanha para os que consumidores escolhessem a nova identidade visual das embalagens do Guaraná Jesus por meio do voto popular. Dentre as três opções, o modelo selecionado foi aquele que remete aos azulejos coloniais portugueses de São Luís. A ideia foi um sucesso de público e crítica, tanto que a empresa ganhou medalha de ouro de Melhor Estratégia de Marketing no Prêmio Internacional de Excelência em Design (IDEA).


Antes engarrafado somente em São Luís e distribuído em três estados: o próprio Maranhão, Piauí e Tocantins. Agora, o Guaraná Jesus ganhou outras praças. Desde 2016 passou a ser vendido em São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Brasília.


PIADA PARA BOLSONARO: COMO GUARANÁ ROSA VIROU O REFRIGERANTE DO MARANHÃO LUCAS FRANÇA https://epoca.globo.com/brasil/piada-para-bolsonaro-como-guarana-rosa-virou-refrigerante-domaranhao-24720892 31/10/2020 Bisneta de criador de refrigerante classifica comentário de presidente como 'grosseria' e planeja documentário sobre história da bebida produzida desde 1927

Guaraná cor-de-rosa é tradicional no Maranhão Foto: Reprodução/Instagram Na última quinta-feira (29), depois de tomar um gole de Guaraná Jesus, o presidente Jair Bolsonaro questionou se tinha virado "boiola", em alusão a cor de rosa da bebida. Bisneta do farmacêutico Jesus Norberto Gomes, a jornalista Roberta Gomes classifica a fala como "infame" e acredita que o refrigerante criado em 1927 pelo farmacêutico e que se tornou um ícone do Maranhão ganhará ainda mais destaque no mercado com a repercussão do comentário "O mais grave é atacar uma bebida que é um patrimônio do estado com uma piada preconceituosa. É o reforço da grosseria e do desrespeito com a comunidade LGBTQIA+ do Maranhão. Mas, agora as pessoas agora querem saber a nossa história. No final das contas, isso vai ser mais positivo do que negativo. Sabendo aproveitar, vamos elevar a história do Guaraná Jesus”, ressalta Roberta.

Presidente afirmou que a bebida é "boiolagem" Foto: Reprodução


Nascido em 1891, na cidade de Vitória do Mearim, à 180 quilômetros de São Luiz, Jesus Norberto Gomes chegou à capital com 14 anos, na tentativa de ganhar dinheiro. Analfabeto, foi trabalhar na Farmácia Marques como lavador de potes e tubos. Dedicado, Gomes aprendeu a ler e escrever, começou a auxiliar na manipulação dos medicamentos e aos 20 anos comprou a Pharmácia Galvão. Em 1927, depois de mais de mil tentativas, criou o refrigerante rosado, inspirado “em uma bebida inglesa que tinha visto”, como conta sua bisneta. Bolsonaro fez a maior publicidade gratuita para o Guaraná Jesus, diz bisneta do criador “Essa bebida tem a beleza de ser uma marca criada nos anos 1920, tem toda a história de luta do meu bisavô. É muito difícil você chegar em algum lugar e não ter Guaraná Jesus. Num almoço, casa de família, lanchonete. Aniversário de criança só tem isso, é um produto muito tradicional nosso. Quando tem alguém de fora aqui já colocamos a pessoa para beber”, explica Roberta.

Roberta Gomes é bisneta do criador do Guaraná Jesus Foto: Reprodução/Instagram Além da cor e do sabor, adocicado, Gomes ficou atento em chamar a atenção dos clientes e passou a distribuir a bebida em diversos pontos do estado. O criador morreu em 1963 e a família continuou à frente da empresa até os 1980, quando vendeu a marca para à Companhia Maranhense de Refrigerantes, franqueada da Coca-Cola Brasil. Roberta destaca que, a essa altura, a bebida já estava consolidada no mercado. A jornalista afirma que toda essa trajetória será contada em um documentário sobre o bisavô que será lançado em 2021. “Já temos relatos da família. Estamos fazendo a recuperação de arquivo e iremos visitar o lugar onde ele nasceu. Os rótulos era ele mesmo quem criava, por exemplo”, lembra Roberta. Na primeira embalagem, além do nome “Kola Guaraná Jesus”, havia a mensagem: “Excellente refrigerante preventivo do cansaço physico e do resultado eficaz nas depressões causadas pelas bebidas alcoólicas”.


Primeiro rรณtulo do Guaranรก Jesus, de 1927 Foto: Arquivo Pessoal

Segundo rรณtulo do Guaranรก Jesus Foto: Arquivo pessoal https://www.brasil247.com/geral/zombado-por-bolsonaro-guarana-jesus-foi-criado-por-comunista https://oglobo.globo.com/cultura/guarana-jesus-alvo-de-zombaria-de-bolsonaro-foi-criado-porfarmaceutico-ateu-comunista-24721222 https://imirante.com/oestadoma/noticias/2020/06/27/registros-historicos-do-criador-do-guarana-jesus/ https://www.diariodocentrodomundo.com.br/tag/jesus-norberto-gomes/ https://oprodutoroficial.wordpress.com/tag/por-jesus-norberto-gomes/


CINEMA, GUARANÁ E COMUNISTAS De como a Coca-Cola comprou Jesus PAULA SCARPIN https://piaui.folha.uol.com.br/materia/cinema-guarana-e-comunistas/

ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2007 O refrigerante mais popular do Maranhão chama-se Guaraná Jesus e foi inventado por um ateu. Como se não bastasse, um ateu com fama de comunista. Não basta? Então aqui vai: Jesus, no Maranhão, é cor-de-rosa. Se a Igreja não chia, é porque “nenhum maranhense confunde o Guaraná Jesus com Jesus Cristo”, garante Fábio Gomes, neto do farmacêutico mais polêmico que já passou por São Luís. A inspiração para o nome da bebida não resultou de promessa, pressão de mãe carola ou esposa devota. A explicação é prosaica: Jesus Norberto Gomes tinha o hábito de batizar suas invenções com homenagens a si próprio, como atestam o Antigripal Jesus, o Xarope Peitoral Jesus e a Jesulina Pasta Dentifrícia. Com o guaraná, também desenvolvido nos laboratórios da Pharmacia Sanitaria, de que era proprietário, não foi diferente. Enquanto a Jesulina Pasta Dentifrícia, o Antigripal Jesus e o Xarope Peitoral Jesus entraram para o triste rol dos bens que não fizeram história na conturbada história do capitalismo brasileiro, o guaraná foi um sucesso retumbante. O refrigerante Jesus é um fenômeno de vendas no Maranhão. Só lá. Tanto que nem a Coca-Cola resistiu, e acabou abocanhando a licença para fabricá-lo e distribuí-lo. “É uma estratégia da companhia comprar o produto líder de mercado numa região”, explica a representante da empresa no Maranhão, Raquel Macedo. E haja liderança: embora sem revelar os números, ela diz que o Jesus empata em vendas com a Coca. A companhia tem feito pesquisas de preferência para verificar a possibilidade de fabricá-lo fora do Maranhão, mas, aparentemente, nem o neto do inventor dá um voto de confiança à empreitada, pelo bom motivo que o Jesus não se parece muito com o que o resto do Brasil entende por guaraná. Além de guardar notável semelhança cromática com a Pantera Cor-de-Rosa – ele é de um rosa-choque escalafobético –, paladares não-iniciados tendem a identificar nele o saborzinho que anima chicletes e gelatinas, aquela essência de tutti frutti que só as crianças toleram. Para o neto Gomes, que entende de gastronomia e, inclusive, mantém um grupo de estudos sobre azeites mediterrâneos, tudo isso é puro preconceito. “O cara vê uma bebida dessa cor, rosa, e já pensa que é uma balinha líquida, um xarope, quando na verdade o nosso guaraná tem bem menos açúcar do que os outros refrigerantes. Além disso, o sabor que mais sobressai é o de canela”, explica.


O refrigerante é todo feito à base de extratos vegetais, informa Gomes. Até o corante é natural. O avô Jesus, um pioneiro, trazia as ervas das expedições que fazia à Amazônia. “Antes de todo mundo começar a falar em biodiversidade, ele já achava que o grande tesouro farmacológico do mundo estava na selva amazônica”, conta. Nas relações trabalhistas, Jesus também era um inovador. “Quando ninguém falava em participação dos funcionários, meu avô dava participação nos lucros da farmácia”, orgulha-se o neto. Por essas e outras, surgiram boatos de que Jesus Norberto Gomes era comunista. Em novembro de 1935, em decorrência da Intentona Comunista, oitenta cidadãos tiveram sua prisão decretada pelo governador Aquiles Lisboa. Jesus estava entre eles. O grupo foi transferido para o Rio de Janeiro, onde ficou até o ano seguinte. Fábio Gomes guarda ainda uma cópia da carta-testamento que o avô escreveu em 1958, cinco anos antes de morrer. Jesus pedia um funeral modesto e determinava que a diferença entre os custos das exéquias baratas e mais pomposas fosse doada ao Partido Comunista. Ele justificava: “Não fui e não sou socialista, infelizmente, porque seria um idealista. Como pequeno-burguês tenho defeitos, mas sou admirador sincero desse regime verdadeiramente humano, onde pode ser obtida a verdadeira democracia”. O neto Gomes defende as virtudes do guaraná familiar mais para homenagear o avô do que por interesse pecuniário. Depois da morte do velho Jesus, os filhos se desfizeram da fábrica. Alguns tinham planos de sair do Maranhão, outros não se interessavam pelo ramo. Gomes passou nove meses nos Estados Unidos, e em seguida se mudou para São Paulo. “Fui maranhense e voltei paulistano, mas nunca rompi de verdade. Isso é motivo de análise até hoje”, diverte-se. Durante algum tempo, Fábio Gomes se dedicou à publicidade. Uma de suas contas foi precisamente a do Guaraná Jesus. Concorreu com outras duas agências maranhenses, mas fazer a propaganda do refrigerante do avô era questão de honra, e ele acabou ganhando. Tudo corria bem, quando uma noite de insônia fez com que sua vida desse mais uma pirueta. Naquela madrugada, decidiu que a literatura de José Sarney seria tiro e queda para pegar no sono. Olhou para a estante, desdenhou Marimbondos de fogo, e abriu O dono do mar. Perdeu o sono de vez, não conseguiu parar de ler. “Passei a noite inteira em cima do livro. Quando terminei, tinha uma idéia fixa na cabeça: transformar o romance em filme.” Gomes havia estudado com Fernando, filho do ex-presidente, e o contato não foi difícil. Difícil foi convencer o autor, que considerou a idéia esdrúxula. Não acreditava que a história incandescente de Cristório e Quertide pudesse ser adaptada para as telas. Não que soubesse bem o que fossem as telas. Sarney não pisava num cinema fazia vinte anos. O jeito foi preparar uma espécie de Mobral cinematográfico para o ex-presidente. Gomes o sentou na frente de uma televisão e deu início ao intensivão. “Comecei com O carteiro e o poeta, para pegar leve. Quando acabou, ele só disse assim: ‘Menino, traga mais'”. Fábio trouxe Cinema Paradiso, A viagem do Capitão Tornado, Ginger & Fred, Blade Runner, a série completa do Indiana Jones. Um atrás do outro, para mostrar as novas possibilidades, os novos recursos. Sarney só se convenceu depois de assistir a Eu tu eles, dirigido por Andrucha Waddington. Achou que brasileiro tinha, finalmente, aprendido a fazer cinema. O dono do mar deve estrear em breve. Sarney virou cinéfilo. “Agora, quando ele vem a São Paulo, só se hospeda no eixo Paulista-Augusta, para poder ver vários filmes”, diz o neófito cineasta. Não se sabe se Sarney assiste aos filmes com pipoca e guaraná cor-de-rosa trazido da terra natal.


SÁLVIO MENDONÇA JOÃO MENDONÇA CORDEIRO HTTP://AVLMA.COM.BR/SITE/SALVIO-MENDONCA/ Publicado em 2 jul 2013

Sálvio de Sousa Mendonça, ou melhor, como se tornou mais conhecido, Dr. Sálvio Mendonça, foi mais do que um médico renomado que se distinguiu, brilhantemente, em São Luís e principalmente no Rio de Janeiro. Por seu admirável esforço pessoal, por sua dedicação extremada aos estudos, por seu amor devotado à sua família, aos parentes, à sua pequenina Viana e ao Maranhão, por sua amizade solidária a tantas pessoas que o cercavam e procuravam, pelo trabalho profícuo em todas as atividades profissionais que exerceu: médicas, administrativas e docentes, enfim, pelo exemplo inesquecível de toda a sua existência, é uma dessas personalidades que dignificam não só a terra onde nasceu, a família a que pertenceu e que criou, toda uma categoria profissional que sempre honrou, mas sobretudo serve de modelo a todas as gerações que o conheceram pessoalmente e àquelas que somente agora têm o privilégio de tomar conhecimento do que magnificamente foi e de tudo que fez, esplendidamente. Sálvio de Sousa Mendonça nasceu em 11.12.1892, na Fazenda Juncal, município de Viana. Era filho de Antônio Feliciano de Mendonça e Bárbara Custódia de Sousa Mendonça. Desfrutou as aventuras da infância e da adolescência na Fazenda Palmela, no São Cristóvão, na própria cidade de Viana e também em Penalva, em cujas localidades aprendeu as primeiras letras e as lições doces e amargas do viver e sobreviver, entre brincadeiras infantis, festejos de todo tipo, vaquejadas, pescarias, caçadas, viagens múltiplas a destino próximos ou distantes, até destacar-se nos estudos e na prática da Medicina, como bem evoca em seu precioso livro de memórias “História de um menino pobre”, publicado no Rio de Janeiro, em 1963. Dr. Sálvio Mendonça muito se preocupou com a saúde de um modo geral, de crianças, jovens, adultos e idosos, alargando e aprofundando seus conhecimentos em cursos de pós-graduação na Alemanha, principalmente nos campos da Puericultura, da Gastroenterologia, sendo um dos primeiros, no Brasil, a ressaltar a importância da dieta alimentar, e suas consequências, para todas as pessoas, em todas as idades. Na compilação que organizamos, denominada – Dr. Sálvio Mendonça, Biografia e Bibliografia Médica, transcrevemos diversos de seus escritos, descobertos na pesquisa que realizamos na


Biblioteca da Academia Nacional de Medicina, no Rio de Janeiro, em revistas médicas de grande renome, como Revista Brasileira de Medicina e Brasil Médico. Vale repetir o que escrevemos no Prólogo desse livro: “Sinto-me feliz e realizado em poder contribuir de alguma forma com este opúsculo, para que mais e melhor se conheça e admire a personalidade triunfante do Dr. Sálvio Mendonça e especialmente para que os estudiosos da área de saúde tome conhecimento do seu trabalho pioneiro no campo da nutrição e da dieta, hoje de tamanha importância na via de cada um de nós, não só em nossa terra, como até no mundo inteiro, nesta era de globalização. Aliás o Dr. Sálvio Mendonça, em tempos de “aldeia global”, por sua vivência pessoal e profissional, por suas viagens e estudos no estrangeiro, conservando, contudo, os laços afetivos, indissolúveis com o torrão natal, pôde sentir, em sua inteligência e em seu coração, que se antes Viana, sua aldeia, era o seu mundo, depois, o próprio mundo, principalmente o europeu, alemão, passou a ter o tamanho infinito de sua pequenina cidade. O Dr. Sálvio Mendonça faleceu no Rio de Janeiro, em 13 de agosto de 1970, aos 77 anos de idade. A Academia Vianense de Letras, ao colocá-lo como patrono da cadeira n°4, prestou merecidíssima homenagem à memória deste médico e cientista que muito orgulho proporcionou aos seus conterrâneos.

https://imirante.com/oestadoma/noticias/2018/01/27/doutor-salvio-mendonca-memoria/


NAVEGANDO COM JORGE OLIMPIO BENTO A consagração do direito a uma vida digna, realizada no caminho de perseguição da felicidade, implica a presença acrescida do desporto, a renovação das suas múltiplas práticas e do seu sentido. Sendo a quantidade e qualidade do tempo dedicado ao cultivo do ócio criativo (do qual o desporto é parte) o padrão aferidor do estado de desenvolvimento da civilização e de uma sociedade, podemos afirmar, com base em dados objetivos, que nos encontramos numa era de acentuada regressão civilizacional. Este caminho, que leva ao abismo, tem que ser invertido urgentemente.


CONVERSAS ACERCA DA AULA E DO PROFESSOR E SEUS OFÍCIOS 7. DA INOVAÇÃO Queiramos ou não, somos constantemente bombardeados com a enfática receita da ‘inovação’. Esta é um dos termos mais usados na ‘novilíngua’, de vocábulos reduzidos e de significados empobrecidos. A palavra apresenta-se gasta e desabitada do sentido original. A ela está associado um batalhão de ‘técnicas de sucesso’ garantido, emergindo o uso e abuso de meios tecnológicos, tendentes a sobrepor a atração das imagens à fecundidade das ideias. Claro que é preciso inovar! Pôr de lado os hábitos, os processos, as roupas e rotinas que, até ontem, serviram os nossos propósitos, e hoje não levam mais longe. É preciso não fazer concessões à autossatisfação, procurar outras fontes de informação e ‘ler’ nas páginas do livro que não cessa de ser escrito pelas circunstâncias. Obviamente, precisamos de recorrer a próteses, a técnicas, a ‘exterioridades’ (Michel Serres), que nos ajudam (e não devem iludir!) nas tarefas da intermediação. Para trás ficaram o retroprojetor e o diapositivo; a nossa era pertence ao ‘power-point’. Mas… atenção! Não se confunda ajuda com substituição, o acessório com o essencial. O uso da parafernália tecnológica e da catadupa das imagens e ‘floreados’, que ela permite, não é um fim em si mesmo; é um meio para ir mais fundo no despertar da curiosidade, do entusiasmo e da procura do melhor pelos alunos. Sejam bem-vindas as máquinas, desde que não as liguem ao meu corpo, à minha cabeça e ao meu sistema nervoso, a não ser, em última instância, como próteses necessárias à sobrevivência! A linguagem e as palavras também são próteses e ‘exterioridades’ ao serviço do pensamento, prolongadoras do indivíduo para espaços situados além dos limites físicos, idealizados pelo conhecimento e pela compreensão. Pergunte-se aos discentes qual é o docente mais valorizado: O que se distingue pelo recurso à parafernália tecnológica? Ou o que sobressai pela palavra erudita e pela conduta civicamente exemplar? Queremos afirmar inequivocamente o seguinte: As novas tecnologias constituem um recurso facilitador da comunicação e interação; não pode ser depreciado o contributo inovador. Contudo, isto não as isenta de questionamento. Sob a capa da moda, podem esconder-se falta de vontade, confusão e incapacidade de renovação do professor. Este pode incorrer na tentação: para inovar e estar ‘atualizado’, basta usar a tecnologia e explorá-la até ao tutano. Basta renovar a aparência, o lado de fora, e deixar na mesma a pessoa de dentro. ‘Power-point’ e outras tecnologias: Sim! Convite ao esforço mínimo e empobrecimento da comunicação e da aula como acontecimento relacional: Não! A tecnologia e a inovação dela resultante permitiram a revolução industrial, o advento da agilidade dos serviços, e acréscimos incomparáveis no bem-estar. Porém, o progresso genuíno só se consuma, quando o ‘tecnológico’ liberta, alarga e estende o ‘Humano’, quando a tecnocracia não abafa, reprime e suprime a Humanidade. O homo videns (Giovanni Sartori), símbolo da sociedade teledirigida e da mudança operada no sujeito hominiano, não é certamente um arquétipo inspirador da educação! Olhemos para nós: para a tensão criativa entre o modo como temos exercido a docência e os parâmetros que regem o pensamento e ação. Avaliemos e ponderemos o que temos sido e queremos ser: eis a porta aberta para a nossa inovação como professores, ciosos de ser pessoas de bem! Continuemos a dignificar a prática, a honrar e procurar a clarividência da teoria, não cessando de nos interrogarmos: O que fazemos? Porque o escolhemos? Que motivações e fins nos guiam? Que referências nos inspiram? Para a resposta, talvez encontremos algum arrimo nesta exortação de José Saramago (1922-2010): “O fim duma viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.”


8. DA ARTE DA ‘COMUNICAÇÃO’ A inovação passa, e muito, pelo entendimento e pela configuração e avaliação da aula como ´’locus’ discursivo e verbal. Ora, uma narrativa atraente contém aroma, ritmo, pausas, oxigénio e respiração, compagina palavras e perspetivas, expõe ideias, propõe vias e sugestões de sentidos, organiza a compreensão do real. A isto chama-se ‘comunicar’ (do latim ‘comunicare’: tornar comum, partilhar, usar em comum, conferenciar), uma designação sublime do ato de ‘ensinar’. A formação contínua do professor integra, obviamente, a atualização e o domínio da matéria de ensino. Não pode, de modo algum, desconsiderar a qualidade da mediação. A arte da comunicação, visando preparar o solo de receção da semente do ensino, está no âmago da personalidade docente. Isto é particularmente importante nesta era da ‘sociedade da informação’ e da facilidade de acesso ao conhecimento, mas com pobreza de relacionamento físico e material. A apresentação e a transmissão do conteúdo letivo devem constituir (no presente com maior ênfase do que no passado) uma demonstração bem conseguida de comunicar, um nível elevado do ser comunicativo, relacional, abatedor de alheamentos, distâncias, afastamentos e desatenções. É deste jeito que entram em cena externalidades de teor educativo e formativo. Quanto melhor for o domínio do que se ensina, maior é a disponibilidade para lhe associar princípios e valores. Os atritos e burburinhos na aula revelam que nem a comunicação alcança sucesso, nem a transmissão da matéria logra o seu intento. Mostram que o curso da aula não é fluente e ela está à deriva e perdida. O absentismo, o desencanto e a falta de envolvimento e interesse dos alunos denunciam que as aulas ficam aquém do desejável e do possível. Tudo isto mina a aula e, sobretudo, o apreço dos alunos pelo professor. Destrói o ensino e fragiliza o ambiente da escola. Somente um docente, capaz de captar esses sinais, por mais ténues que sejam, congrega condições para dinamizar, inovar e introduzir estratégias motivadoras e regeneradoras dos descaminhos das aulas. Por exemplo, a linguagem e a voz do professor são um dos ‘pormenores’ carecidos de ser incluídos no rol dos ‘maiores’ condicionadores da aula e do envolvimento dos alunos. Elas transcendem a dimensão material, expressam o âmbito intangível e simbólico, onde o corpo e a mente se juntam e chegam ao outro. O controlo do teor de estimulação ou inibição das palavras é pedra basilar do exercício da docência. Linguagem e voz são a ferramenta mais visível e imediata de um professor. Elas tanto equiparam a sala de aula a um templo de erudição e sabedoria contagiantes, como a uma caserna de contornos nada edificantes. Todavia, isto não aparece no cardápio das ‘competências’ badaladas nas instituições ditas superiores. A linguagem escrita e falada cultiva-se na leitura dos bons livros, e nelas impera a consulta de ‘papers’ mal escritos. A novilíngua académica é cada vez mais reduzida e pobre, na qualidade e quantidade do vocabulário e na observância da norma gramatical escorreita e da formulação culta e estética, o que restringe a liberdade e a capacidade de compreensão, de raciocínio e expressão. Como se fosse pouco, acrescem o menosprezo e o uso envergonhado da língua portuguesa. Este declínio atenta contra o texto constitucional e acarreta graves sequelas, porquanto a linguagem é formadora da identidade e subjetividade, da maneira de sentir e reagir. O mau domínio da língua portuguesa é uma mancha que começa na universidade e se espalha pela escola. Nenhum professor, de nenhuma disciplina, está desobrigado de ser um bom escrevente e falante do idioma pátrio, de constituir uma referência positiva para os alunos neste capítulo. Preste-se, pois, atenção ao ditado: “Pela boca morre o peixe!” E também vive. Com as pessoas em geral e os professores em particular acontece o mesmo.

9. O QUE É E PARA QUE SERVE UMA TURMA ESCOLAR? Os humanos são seres de ‘poiesis’, sujeitos de criação. Mais, são ‘autopoiéticos’, criam-se e modificam-se a si próprios, e participam também na criação e modificação dos outros. É nisso que consiste a vida, uma ‘autopoiesis’ constante e obrigatória; quando finda a capacidade de criar e transformar, advém a morte. Criamo-nos uns aos outros, coabitando e ‘confiando’ (fiando e tecendo em conjunto). É peculiar dos humanos a necessidade de aprender com outros, de ser ensinado e apoiado por eles, pela textura


relacional, material e verbal, num sistema de coexistência fundado na coordenação de desejos e vontades, de noções e sentimentos, de emoções e ações, de normas e ideais. Sim, nascemos e crescemos dos outros. Ninguém se ergue, levanta voo e vai longe sem alguém em quem se apoiar e confiar. As crianças e os adolescentes educam-se e modificam-se, convivendo com adultos e entre si. Somos herdeiros da ‘Paideia’ grega, entendida como aprendizagem da excelência na ação, pela via da imitação e observação. ‘Paideia’ e ‘Agon’ eram inseparáveis nos gregos, em todos os campos: para aprender com os outros a fazer melhor do que eles e a atingir a ‘arété’ (unidade harmoniosa de técnica, ética, estética, transcendência, magnificência, sublimidade, virtude, excelsitude). A turma escolar é uma ‘comunidade’, expressão da educação como ‘Poiese’, ‘Paideia’e ‘Agon’. Tal como numa orquestra ou equipa, os alunos aprendem nela a viver e evoluir em ‘concertação’. O que significa ‘concertação’? Um ambiente de convivência, funcionamento e harmonia, em que todos se veem como interdependentes: cada um responde por todos e todos por cada um. O todo supera as partes e não exclui nenhuma! Como disse Marco Aurélio (121-180 d.C.), imperador romano, “o que não é proveitoso para a colmeia tampouco o é para a abelha.” A turma é um ‘concerto’ e ‘sinfonia’, sublimadores da debilidade individual. Assemelha-se a uma partitura musical, escrita com as notas próprias de um eco e socio-sistema: · Atmosfera de urbanidade, de congregação e canto polifónico. · Espaço de colaboração e entrelaçamento, de diálogo e inclusão, de encontro e ‘mestiçagem’, de doação e receção, de genuína integração e osmose entre as parcelas, visando garantir vivências de felicidade comum. · Metáfora do relacionamento: lançamento de pontes entre ilhas (os alunos) pelo ‘pontífice’ (o professor), para formar um arquipélago de humanidade. · Configuração da ‘simpatia’: sentir e emocionar-se juntos, compartilhar a paixão pela alegria e realização da vida, cultivar a abertura recíproca, a ‘benevolência’ (o bem-querer) e a solidariedade autênticas. · Um modo de existir ‘civilizado’, baseado no congraçamento da imaginação, das atitudes e reações, na autodisciplina requerida pela prestação do conjunto. A turma serve, assim, a estratégia do desenvolvimento. Contra o subdesenvolvimento, resultante da incapacidade de trabalhar coletivamente, de organizar, identifica, visar e perseguir, sinergicamente, com método e tenacidade, um fim significativo para todos. Em síntese, perspetivemos a turma como oficina de relações humanas, de respiração e expressão do belo e bom, do elevado e merecedor de apreço. 10. DA PREPARAÇÃO E VALORIZAÇÃO DA AULA No decurso da sua carreira um professor ‘dá’mais de 20 000 aulas. O cálculo não é exagerado. E os alunos, ao longo da escolaridade, são alvo de um número muito maior de aulas. Estas, no interesse de ambas as partes, exigem cuidada preparação. Devem concitar a adesão e o empenhamento dos alunos. E ser também horas felizes para o professor, proporcionando-lhe alegria e satisfação renovadas no exercício quotidiano da profissão. Sempre que um professor olha para trás ou fala de sucesso ou insucesso do seu trabalho, pensa, antes de mais, em determinadas aulas. Não é raro escutar da boca dele: Hoje correu-me bem a aula (…) Esta aula não me calhou assim tão bem.” Lecionar uma aula a contento não é tarefa fácil. Implica trabalho aturado. Significa 50-60 minutos de concentração e de esforço intenso. Requer emprego das forças volitivas para levar por diante o conceito planeado, mas também mobilidade e flexibilidade de reação e adaptação rápidas a situações inesperadas, que nunca deixam de surgir. Como, talvez, em nenhuma outra profissão, o professor tem que estar ‘totalmente ali’, na representação de um papel assaz difícil. Trinta (muitas vezes, mais) crianças ou jovens são um juiz exigente e severo, quando não incarnam o mafarrico em figura de gente! Não admira que, depois de uma boa aula, o professor esteja completamente esgotado, porém imensamente satisfeito. Por sua vez, uma aula com sabor a fracasso preocupa-o e incomoda-o, durante vários dias e mesmo semanas. A aula é o verdadeiro ponto de convergência do pensamento e da ação do professor. Ela é não somente a unidade organizativa essencial, mas, sobretudo, o ‘campo de jogo’ do ensino. O conteúdo e a direção da


educação e formação, e também os princípios básicos, os métodos e meios desse processo encontram na aula e por meio dela a sua correta concretização. Cada aula fornece um contributo específico para a resolução das tarefas de uma unidade temática. Tem que assumir uma função concreta, na qual se reflitam, de maneira bem proporcionada, as finalidades do ciclo mais lato (programa anual e escolaridade), em que se inclui. Historicamente, a introdução da aula, como forma organizacional de ensino, significou um grande progresso. A lecionação em classes ou turmas possibilitou a ação simultânea sobre um número alargado de educandos, estendeu as possibilidades e oportunidades da educação a círculos maiores da população. Hoje assiste-se a ataques refinados e variados à aula presencial, contributivos para o enfraquecimento do seu papel. Este carece de ser reforçado, elevando a qualidade e eficácia da ato letivo, aumentando o nível pedagógico da docência. Neste sentido a aula tem que ser confrontada ainda mais profundamente com as questões que se prendem com a sua preparação. Antes de entrar no palco da aula, o professor tem já um projeto da forma como ela deve decorrer, uma imagem estruturada por decisões bem pensadas e fundamentadas. Tais são, por exemplo, decisões sobre o objetivo geral e os objetivos parciais ou intermédios, sobre a escolha e o ordenamento da matéria, sobre os pontos fulcrais, sobre as funções e tarefas didáticas, sobre o rumo principal e os procedimentos metodológicos. Muitas dúvidas interrogam o professor. Deve ser uma aula rica em situações-problemas ou não? São necessárias ou não repetições e exercitações de matéria anteriormente lecionada? Como organizar a comunicação e a cooperação entre os alunos? As questões e decisões referem-se igualmente às atividades dos alunos requeridas para a apropriação ativa da matéria, ao modo como devem ser desencadeadas, orientadas e controladas, à consideração das condições concretas existentes na escola e na turma, e das particularidades de cada aluno. 11. EXIGÊNCIAS PEDAGÓGICO-DIDÁTICAS Nenhuma disciplina (seja a Matemática ou a Educação Física) é proprietária de uma pedagogia ‘privada’, criada para consumo interno, ao sabor do desvario ou devaneio teórico e pseudointelectual. As aulas obedecem a princípios pedagógico-didáticos gerais e universais, válidos para todo o ato de ensino. Deles derivam exigências concretas, tais como as seguintes: • A ação pedagógica da aula deve ser global e abrangente, norteando-se por uma perspetiva lata das tarefas formativas e educativas. • A preocupação da formação dos alunos deve estar presente em todo o tempo da aula, desde o primeiro até ao último minuto. Não é correta a tendência, constatada no quotidiano, de olhar apenas a parte principal da aula como momento privilegiado de formação. Sempre que o professor conduz a parte inicial e final da aula sem objetivos educativos, está a desperdiçar tempo. • Devem ser evitados esquematismos, rigidez e aplicação imutável de padrões, figurinos e modelos. A necessidade de variedade na organização, na abordagem dos temas e nos processos metodológicos deriva da mutabilidade das condições pessoais (modificações operadas no nível das capacidades e da motivação dos alunos), ambientais e materiais (locais e aparelhos de exercitação), e também da diversidade de conteúdos e da complexidade crescente das tarefas de educação e formação. • Os alunos devem ser integrados, em igualdade de intenções, na atividade da aula (‘princípio da unicidade do ensino’), mas atendendo simultaneamente às suas particularidades e diferenças de capacidades (‘diferenciação didática externa e interna’). Somente assim é possível um perfil de estímulos ajustado a todos, evitando estagnação, retrocesso, atraso e isolamento. • Em toda a aula devem ser apresentadas e resolvidas tarefas concretas, mesmo quando constituem apenas parcela de uma meta mais complexa. Por exemplo, o desenvolvimento das qualidades condicionais (força, resistência e velocidade) é conseguido por meio de tarefas parciais. As aulas devem, pois, ser vistas como sequência orgânica (sistema); cada uma (estrutura) assegura a sua quota-parte. • O ensino consubstancia um contributo para aprimoramento intelectual, cívico, ético e volitivo dos alunos: fornece elementos basilares das escolhas e atitudes morais, da formação de interesses, necessidades e princípios; influencia a vontade, os sentimentos, a conduta, a disponibilidade para o empenhamento; alimenta e estrutura o pensamento.


• Observância do primado do papel dirigente do professor, perante disciplina e autonomia conscientes dos alunos. O que é que isto significa? É muito simples a resposta: a atividade dos alunos é desencadeada, orientada, controlada e avaliada pelo professor. A este pertence a responsabilidade de dinamização do processo pedagógico, de o insuflar de ‘ânimo’, quando ele fenece. • No caso específico da Educação Física, aponta-se a unidade de desenvolvimento corporal, de aquisição de habilidades motoras e desportivas e de formação de atitudes, convicções e comportamentos. A unidade de apropriação de técnicas e de melhoria das capacidades condicionais e coordenativas perfaz, no seu todo, a competência motora ou condição física ou aptidão corporal do aluno. • As ‘funções didáticas’ das aulas decorrem das fases do ciclo de apropriação da matéria pelo aluno, a saber: ‘introdução e estimulação’, ‘primeira transmissão e assimilação’, ‘consolidação e domínio’, ‘controlo e avaliação’. • Ao lado e ao serviço das ‘funções didáticas’, estão as ‘formas metodológicas’de organização do trabalho na turma (por exemplo, trabalho com toda a turma ao mesmo tempo, trabalho em grupos, medidas de diferenciação), apropriadas aos fins em vista. • A estrutura da aula pauta-se pela racionalidade, pelo que pode orientar-se por uma diversidade de modelos. Neste contexto assume preponderância a parte principal de cada aula; para ela devem convergir e dela derivam as outras. • A organização da aula deve possibilitar um curso fluente e sem perturbações do ensino, primando por uma boa atmosfera e disciplina de trabalho. • Toda a aula tem um ’antes’e um ‘depois’. A ligação a estes dois polos confere-lhe tarefas conclusivas e preparatórias ou introdutórias. • Todas as disciplinas são responsáveis pelo todo do ensino e da educação dos alunos. Esta orientação e visão abrangentes não devem ser esquecidas na aula. O professor obriga-se a aproveitar todas as possibilidades de estabelecer pontes com contextos amplos, inerentes a outras disciplinas. • O princípio da ‘ligação do ensino à vida’ impõe que se destaque a relevância das aprendizagens para a atividade autónoma dos alunos, aplicando e consolidando nesta conhecimentos e capacidades formadas ou iniciadas no ensino. Refira-se a propósito que as aulas de Educação Física, por melhor que seja a qualidade, não fornecem a quantidade de cargas e estímulos necessários à formação sólida das capacidades corporais ou motoras. Requerem a complementaridade das atividades de recriação lúdica e desportiva no tempo livre (na escola, no clube ou na área residencial). Por isso, em cada aula deve o aluno receber impulsos com esse intuito. 12. EXORTAÇÕES METODOLÓGICAS Da multitude de exigências, apontadas no item anterior, brotam inúmeras exortações ou recomendações para a condução da aula. Da vasta ementa atinente às mais diversas sensibilidades, escolhemos algumas, sem a preocupação de estabelecer uma hierarquia de prioridades. • Tenha claramente presente o que os alunos aprendem, exercitam e consolidam realmente; aquilo que eles ficam a ‘saber’e ‘poder’ mais! • Verifique se todos os alunos são ‘tocados’ pela aula! • Assuma o compromisso e a responsabilidade de contribuir para a evolução dos alunos, independentemente do estádio de cada um! • Cuide de motivar os alunos, de assegurar elevada atividade e densidade motora adequada, porque há uma relação inseparável entre o nível da atividade e o de desenvolvimento! Para tanto atribua importância à assimilação e consolidação, e conceda espaço à exercitação! Competências e saberes sólidos e duradoiros apenas se formam, quando os alunos exercitam, repetem e aplicam, de maneira variada e suficiente, aquilo que lhes é transmitido. • Observe, na colocação das tarefas e na graduação das dificuldades, a conceção de Vigotski (1896-1934) sobre a relação entre ensino e desenvolvimento (‘zona do desenvolvimento atual e próximo’)! • Estimule os alunos para um empenhamento ativo e uma atitude de procura de soluções! • Dedique atenção ao fomento da capacidade de compreensão e entendimentos dos alunos! Encoraje-os a assumir atitudes críticas! • Não deixe de fora os objetivos sociais, morais e comportamentais da educação!


• Garanta uma correta ‘ordem interna’ (divisão e estruturação corretas) e ‘externa’(pontualidade, ritmo do decurso, clima de disciplina, trabalho, relacionamento e respeito, bom tratamento e arrumo dos materiais) na aula! • ‘Concentre-se no essencial’, sem perdas de energia e tempo com aquilo que é despiciendo. Mais, o essencial da aula, torne-o também essencial aos olhos dos alunos, mediante indicações de objetivos, claras, concisas e mobilizadoras da atenção e das energias para aquilo que é curial aprender! Empregue métodos e meios que ajudem os alunos a apreender e concentrar-se no essencial! • Adote, na estruturação e sequência das tarefas da aula, acentuações bem vincadas dos pontos fulcrais, de modo que os alunos reconheçam sempre o ‘fio-condutor’da aula! Não se perca em ninharias secundárias e supérfluas! • Preocupe-se com a criação e manutenção de uma atmosfera de entusiasmo e proficiência nas aulas! Não subestime nunca a influência positiva, nos resultados do ensino, de um sadio relacionamento com os alunos! • Proceda consciente, objetiva e regularmente à apreciação das aulas perante os alunos! • Preste atenção à posição da aula no horário diário dos alunos! Não desvalorize as implicações do ritmo biológico dos alunos! Desperte-os para disponibilidade de trabalho na primeira aula do dia! Procure um ‘final feliz’ na última aula do dia! • Não esqueça que, ‘antes’e ‘depois’ da sua aula, há outra disciplina e há outro professor, igualmente relevantes na realização da incumbência da escola! • Se é Professor de Educação Física, assuma, afirme e proclame, com clareza de convicções e firmeza de posições, a valia da sua área, integrando-a de corpo inteiro na exaltante e superior missão da Educação! É em nome desta e de uma escola à altura dos seus desígnios que exerce o nobre mister de ‘dar’ aulas. 13. ACERCA DA REALIZAÇÃO DOS OBJETIVOS “Nós somos o que fazemos. O que não se faz não existe. Portanto, só existimos nos dias em que fazemos. Nos dias em que não fazemos, apenas duramos.” – Eis a dura avaliação do Padre António Vieira (16081697)! Hoje como sempre, é largo o fosso entre as ideias e a realidade do ensino. Os objetivos deparam-se com obstáculos dificultadores da sua realização. Para ilustrar as barreiras levantadas diante dos fins da Educação, em geral, elenco algumas atinentes à Educação Física, em particular: • Ausência de um sistema que garanta a conjugação dos esforços e sentidos das estruturas existentes (embora em estado embrionário, nalguns casos). Isto é, não surge como característica dominante uma ligação estreita entre as aulas na disciplina de Educação Física e a complementaridade de outras formas de prática desportivo-motora. • Falta de tomada de posições firmes acerca do desenvolvimento desportivo-corporal das crianças e jovens, seja nas instituições de formação de professores e investigação científica, seja nas políticas da saúde e da educação. • Consciência insuficiente acerca das relações entre capacidade de rendimento corporal, saúde, atividade desportiva e qualidade de vida. Isto denuncia falha de sensibilidade para entender a verdadeira função da prática desportiva: a de meio para um fim mais lato e bem mais importante. E denuncia igualmente a fuga à corresponsabilidade pela existência saudável e exitosa dos alunos. • O clima de sobrevivência e de piedade tolerante que envolve a Educação Física, decorrente da descrença no papel que lhe é atribuído e ela sozinha não consegue assumir. • O ‘modus vivendi’ desmotivado e desmotivador para que se deixa arrastar um número não subestimável de professores, traduzido em carência de entusiasmo na organização e condução da prática desportiva dos alunos. Isto decorre do facto grave (mas com pouca perceção) de muitos professores não incluírem a prática desportiva no estilo pessoal de vida, ‘pormenor’ (ou será ‘pormaior´?!) cujas raízes podem ter origem nas escolas de formação. Ou seja, a função de modelo e exemplo motivador é exercida pela negativa por não poucos docentes. • Oferta de formas desajustadas de prática desportiva, monótonas e áridas, sem variedade e emotividade, ao arrepio da competência motora e da estrutura de motivos e interesses próprios dos alunos dos diferentes anos.


Enfim, a escassez e inadequação das condições existentes expressam uma realidade de insuficiência qualitativa e quantitativa da atividade desportivo-motora na escola. Corre-se o risco de o vício estar mais à mão dos alunos do que o desporto. A situação é assaz inquietante. Sem esta humildade de confissão, se persistimos em envernizar a realidade, em produzir análises e dissertações, quiçá, brilhantes, em mostrar números inventados para consumo político, continuaremos a hipotecar o futuro das nossas crianças e jovens, dos cidadãos deste País.

14. DA RENOVAÇÃO DA ESCOLA E DA EDUCAÇÃO A sociedade, a democracia, a política e o modo de vida estão à beira do esgotamento. A educação também; exaurida e doente. O diagnóstico está feito; autoriza a formulação de cinco teses: · A visão empresarial e fabril, a novilíngua do individualismo e do sucesso, do produtivismo e dos ‘rankings’ invadiram até a escola! · A educação está reduzida a ‘instrução funcionalizante’; é vista como preparação para o desempenho de funções estritamente profissionais. · Às crianças e aos adolescentes são roubadas possibilidades de viver a sua idade. São encarados como adultos acabados. · Urge abrir uma estrada nova do Ser, valorativa da natureza, da espiritualidade, da emotividade, da alteridade, da convivialidade e corporalidade. · A Educação deve contrair matrimónio com a arte. As disciplinas representativas de 'artes performativas' e do 'ócio criativo' são trave-mestra de tal renovação. Há uma consciência suficientemente esclarecida sobre isto? Estão despertos para isso os formadores (nas universidades) e os educadores (nas escolas)? É diminuto o número de ensaios que problematizam o assunto. A perversão não acontece por acaso. Os poderes vigentes apostam estrategicamente na formatação de indivíduos abúlicos e ineptos para contestar o défice de responsabilidade civil, criminal e moral (muito maior do que o défice financeiro e causador deste), e a desordem existencial por ele provocada. Querem ‘recursos humanos’ anestesiados e pacíficos face ao mercado, porém agressivos e infrenemente ‘competitivos’ para entrar nele, indivíduos que primem pela indiferença, achem tudo inevitável ou ‘normal’ e se limitem a encolher os ombros. Soltemos o verbo! O figurino da educação hodierna corresponde aos problemas com que se debatem os adolescentes e jovens? A pergunta é pertinente, porquanto o património da civilização inclui um alfobre de rituais iniciáticos ou de passagem. Não se esqueceu disso a política educativa? Não estamos a encarar as crianças como adultos e a exigir delas o mesmo que a um quadro profissional? Vivemos tempos assustadores. Necessitamos de conceitos arrojados sobre a missão e essência da educação, opostos aos paradigmas e roteiros que lhe foram impostos. Uma nova visão pode tomar como referência a atualização do legado da ‘Paideia’ grega, e pensá-la como projeto artístico. O cidadão livre forma-se no cultivo da capacidade de ideação, invenção e projeção, de criar e projetar, de entender e indagar, de admirar, distinguir e valorar o bem e o mal, o belo e o feio, o correto e errado. De se subtrair à massificação e uniformização, de fazer escolhas e não se sujeitar à multidão, à tribo e à praga das modas e opiniões em voga. A arte encerra uma função educativa. É útil, não ‘utilitária’, ferramental e instrumental. O espaço artístico é o da conceção da novidade autêntica, e não da repetição. Tem um papel na estruturação do pensamento; assume relações e propõe mudanças concretas do mundo real. Cumpre o ofício de antever coisas que não existem. Ora, conceber o inexistente é pressuposto indispensável; sem conseguir imaginar, é impossível criar. Será tolice vincular a educação à imaginação de outra sociedade? Continua a fazer todo o sentido o dito de Auguste Rodin (1840-1947), eminente escultor francês: “O mundo não será feliz, a não ser quando todos os homens tiverem alma de artista, isto é, quando todos tirarem prazer do seu trabalho.” Sim, a atual configuração do mundo é estulta. Agustina Bessa-Luís (1922-2019) pôs o dedo na ferida: “A realidade concreta é um absurdo que é preciso recriar para que se torne um afeto do homem, obra sua. É para isso que se pinta, que se compõe música, que se faz poesia: para abolir o absurdo.”


O poder da arte é ilimitado. Como disse Nietzsche (1844-1900), ela “é mais poderosa do que a Ciência, pois ela quer a vida, enquanto o objetivo final do conhecimento é o aniquilamento", mediante a tentativa da letal explicação de tudo e a supressão do mistério e do sagrado. Em síntese, a arte é um ritual de embelezamento da vida, uma fonte da ilusão e esta da felicidade. Nietzsche observou bem: “A ilusão é a essência em que o homem se criou." E Antonin Artaud (1896-1948) acrescentou: “A arte não é a imitação da vida; a vida é que é a imitação de ‘algo’ transcendental com que a arte nos põe em contato”. A arte interpreta e inspira a vida; convida esta a imitá-la e segui-la, a sair do banho-maria do eterno adiamento. A sua grandeza mede-se pela capacidade de nos levar à ‘intuição do inexprimível’ e do ‘não representável’, mesmo que estes não possam ser descritos. A arte simboliza a experiência transcendente e atrai para essa viagem. Avisa para não deixarmos espinhar o coração, a alma e os olhos, para o perigo de que isso pode suceder em todo o tempo. Dribla e mitiga a dor e a frustração, faz-nos sonhar com a beleza e leveza, alimenta-nos de esperança e encanto, ajuda-nos a enfrentar, enganar e suportar a gravidade da vida e a desidratação de ideais e utopias. Mantém vivas a curiosidade e candura da meninice, para não sermos consumidos por uma existência soturna, sem benignidade e ingenuidade, fechada à maravilha e fantasia e aberta à malvadez e ao pasmo. O ambiente vigente está saturado de veneno. Urge remediá-lo, esboçando o modelo de Homem que almejamos formar e as vias para lá chegar. Tudo isto é óbvio. Ao domínio do óbvio pertence a constatação de que a cidadania e a educação estão enfermas. Ambas têm cura, conquanto tomem os remédios adequados: a renovação das causas e fins, das ideias e visões, dos atores e das ações, a revigoração da educação como fator de elevação da cidadania ao patamar da ética e estética, em todas as dimensões da sua matriz. Denunciemos as armadilhas e artimanhas da ‘doce e cega barbárie’ (Jean-Pierre Le Goff), dona desta época e com extensões para a educação. Peçamos ajuda a Albert Einstein (1879-1955): “Oponho-me à ideia de que a escola deve ensinar diretamente aqueles conhecimentos específicos que viremos a empregar mais tarde na nossa vida ativa. As exigências da vida são demasiadamente variadas para que seja viável esse ensino específico e direto. Parece-me, à parte isso, condenável tratar o indivíduo como ferramenta morta. A escola deve ter como objetivo que os seus alunos saiam dela com uma personalidade harmoniosamente formada, e não como meros especialistas. Isto (…) é verdade até para as escolas técnicas, que formam alunos para profissões claramente definidas.”[1] Aproveitemos a clarividência de Einstein: “Não basta preparar o homem para o domínio de uma especialidade qualquer. Passará a ser então uma espécie de máquina utilizável, mas não uma personalidade perfeita.”[2] Igualmente é pertinente invocar o testemunho de Erich Fromm (1900-1980), filósofo e psicanalista alemão: “O perigo do passado era que os homens se tornassem escravos. O perigo do futuro é que os homens se tornem autómatos.” À proclamação “estou feliz por ter tido uma infância antes que a tecnologia assumisse tudo!”, lida algures, juntemos o depoimento de Raquel Varela: “Ter filhos e conseguir educá-los com humanidade, com relações reais, com aprendizagem e não com repetição de mecanismos, no fundo educar filhos com trabalho vivo (humano) e não trabalho morto (máquinas) é hoje um sinal exterior de riqueza.”[3] A Caixa de Pandora continua aberta. O anjo da esperança ainda não desistiu de apanhar e encerrar os ventos do mal. Uma nova educação deve afastar-se do utilitarismo e do ‘negócio’ e privilegiar o ‘ócio criativo’; e fecundar um plano superior de vida entre e para todos os seres humanos, sob pena de a vida deixar de ser boa e correta. Todos nascemos para ser ‘príncipes entre pares’. O canto pertence a todos; ninguém pode ser excluído do coro polifónico universal. [1] Alberto Einstein, Como vejo a ciência, a religião e o mundo. Lisboa: Relógio d’Água, 2005. [2] Albert Einstein, Como Vejo o Mundo, p. 16. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 11ª edição, 1981. [3] Raquel Varela, Filhos, sinal exterior de riqueza, texto colocado no Facebook, 4 de janeiro de 2017 15. ESCOLA: A MELHOR FESTA DA CIDADE Cumpre-nos, pois, ser atores estrénuos de uma escola e educação que correspondam às premências da atualidade. Não fujamos à nossa responsabilidade! Em vez da obesidade curricular, advoguemos emagrecimento e flexibilidade, e a concentração no essencial.


A educação funda-se na preocupação de enraizar uma cultura do apreço, da valorização e fruição da vida. Isto requer uma escola, onde a alegria, o riso e o sorriso não fiquem entre parêntesis. A escola percorre essa autoestrada, quando nela: · Abundam movimento, esforço e suor, golos, cestos, pontos e remates. · Se enfrentam e superam receios, complexos e medos, barreiras e obstáculos. · Se respira o oxigénio do otimismo e empenhamento, da vontade e oportunidade de exercitar, aprender e obter resultados. · Há regozijo na vitória e a derrota forja o ânimo e determinação de tentar ganhar. · Agir, fazer e experimentar são os verbos preferidos, e desistir, não participar e estar fora de jogo são atitudes proibidas. · Corpos grandes e pequenos, gordos e magros, fortes e débeis, velozes e lentos são equivalentes no gosto pela ação e pelo seu uso desportivo. A Educação Física e Desportiva assume posição cimeira no desígnio da renovação da Escola, por ser intrinsecamente educativa: · É palco de superação, dinamismo e elevação, e não de laxismo, de vulgaridade, mediania e indigência. · Contém símbolos e fins, conflitos e contradições, que suscitam apego e afeição, ponderação e emoção, paixão e razão. · Cuida da entrega a ‘coisas’ difíceis, superiores e atraentes, da adesão voluntária a desafios, riscos, sacrifício e disciplina. Institui a cultura da busca de ser melhor, sem chegar a ser perfeito. · Evoca valores hoje assaz estranhos e decadentes. No ato desportivo, aquilo que é exigido e proibido supera o tolerado e permitido. As proibições, os imperativos e dificuldades sobrelevam de longe as lassidões e facilidades. A Educação Física e Desportiva ajuda a escola a recentrar-se na sua missão essencial e a encontrar as vias da cooperação com instituições que comungam do mesmo destino. Como e porquê? · Socializa numa ambiência de rigor, que não condiz com facilitismo, ‘deixa-andar’ e nivelamento por baixo. · Oferece à escola um estádio onde se valorizam méritos, prestações e feitos, reconhecem fracassos, inabilidades e insuficiências, enaltecem os melhores e estimulam os outros a superar debilidades, embaraços e atrasos, para que não haja perdedores e todos sejam campeões na aventura da vida. Ora isto é possível! Logo, tem que suscitar apoio. Uma escola assim exalta a seriedade de quem nela ensina, promove a autoestima de quem nela aprende, eleva a relevância e utilidade do que nela se faz, desencadeia o respeito e a admiração geral pelo que nela se alcança. 16. DA EXEMPLARIDADE DO PROFESSOR “Não há modo de mandar ou ensinar mais forte e suave do que o exemplo”, escreveu o Padre Manuel Bernardes (1644-1710). Alguns dos fatores condicionantes da realização dos objetivos do ensino encontram-se adstritos à personalidade do professor. Eis aqui alguns: • A maneira como reflete e reformula a história da sua formação, os conceitos da educação, do ensino e do aluno. • A estrutura e as modalidades da interação com os alunos. • O controlo da linguagem e da sua ‘reversibilidade’ e ‘irreversibilidade’ (aceita ou não ser tratado pelos alunos com os modos e termos que usa com eles). • A interpretação do decurso do ensino e das reações dos alunos. Parece, pois, ser necessário trazer à reflexão o tema da exemplaridade do professor. Mas…numa sociedade marcada por pluralismo e relativismo de valores ainda haverá exemplos e modelos de comportamento? SIM! Quanto maior é o número de entidades e instâncias irradiadoras de influências, algumas pouco e mesmo nada sintonizadas com as normas da família e da escola, tanto mais se aguça a obrigação do aprimoramento dos agentes da educação. Os desafios postos ao professor por poderosos concorrentes enfatizam a necessidade de trabalho permanente na sua personalidade.


“Há um atleta dentro de nós”, propagandeou a Reebok. Não, não há. Há, sim, um borrão ou esboço adormecido ou congelado em cada indivíduo. Para se tornar Atleta e Pessoa, precisa, primeiro, de ser convertido em projeto; e, depois, retocado incessantemente para se revelar e transformar no melhor de si mesmo. Somente assim surge o Homo Performator, o Homem da imperfeita Perfeição, inconcluso, sempre carecido de trocar o menos pelo mais, o insuficiente pelo bastante, o baixo pelo alto, o medo pela coragem, o feio pelo belo, o grotesco pelo decente, o inferior pelo superior, a dor pelo sorriso, as lágrimas pelo canto, o muito bom pelo sublime. A realização desta obra exige um intermediário, arquiteto e escultor de vanguarda. O Professor é imprescindível! Enquanto a sociedade for ‘humanógena’ e não puser de lado a mais difícil de todas as produções, a do Ser Humano de verdade. Ora, não se é Professor, sem ser culto. E não se é culto, sem ser insaciável leitor, cultor e aprendiz. Do quê? De livros, prótese cuja designação provém do verbo ‘livrar’ e tem como principal objetivo livrar-nos da ignorância. Um Professor é apreciador de pensadores e poetas, das grandes e ‘pequenas’ músicas e obras de arte, belíssimas, enternecedoras, instigadoras e eternas. Para quê? Para apurar o olhar, o entendimento, a imaginação, a curiosidade e sensibilidade, e cultivar a ética da compaixão ontológica pelo Outro. Para ver por debaixo da superfície o que nela está ínsito e refletido. Para aprender no corpo o mistério do Humano. É severa a declaração de Aristóteles (384-322 a.C.): “Quando me interrogaram sobre a diferença existente entre os homens cultos e os incultos, respondi: A mesma diferença que existe entre os vivos e os mortos.” De idêntico sinal é a posição de Pascal Mercier, no tocante à leitura de livros: “Havia as pessoas que liam e depois havia as outras. Era fácil distinguir se uma pessoa era leitora ou não. Não havia, entre os seres humanos, maior diferença.”[2] É mais fácil ensinar do que educar. Para ensinar, basta conhecer. Para educar, é preciso Ser. Ser o quê? Ser Pessoa, um arquétipo inspirador de elevada conduta cívica, estética e moral. Não se pode ser Professor sem isto. Sem a verdade que tanto nos falta e tanta falta nos faz, sem a aspiração à verdade que não consente o mentir, associa fins e meios, pesa as ações e as respetivas consequências, encoraja a escolher as boas e a rejeitar as más! Um genuíno Professor não alinha com dogmas e estereótipos da postura impositiva e fascizante do pensamento único e do senso-comum, em que é sacrilégio questionar. Rejeita as hipersimplificações, que limitam a lucidez e análise inteligente dos problemas, e se contentam em ver árvores isoladas, sem compreender a floresta. Professor e Mestre é o sujeito de ‘Saber e Ser ampliado’, propenso a ‘compreender’ e ‘entender’, a explicar e integrar o antagónico, estranho, diverso e inesperado, a valorizar o que até aí não tinha valor dentro de si. Será isto uma exigência penosa? Se assim for, então demasiada gente contenta-se com o pouco e o rasteiro. Sou Professor! Acredito na educação como arma para lutar contra o destino de que o filho de um pobre seja sempre pobre, o filho de um ignorante seja sempre ignorante, o filho de um fanático seja sempre fanático. Luto contra as diversas formas de ignorância: • As antigas fundadas no analfabetismo e desconhecimento; • As novas assentes na iliteracia e manipulação, no contentamento com o artificial, o efémero e superficial, na falta de vontade de questionar e procurar saber. Laboro no indeciso nascer da Humanidade, um trabalho criador de futuro, síntese da tradição e da esperança. Quero entregar às gerações jovens, quais memórias, o amor e a paixão pela continuidade dessa caminhada, corporizada em obras e formas novas. Pertenço ao número dos que cuidam da transcendência do corpo, de vestir a nudez, de diminuir as debilidades, de acrescentar as forças e virtualidades. De lhe dar asas, para que voe e levite; e, assim, nos leve a sobrepujar a desídia que puxa para baixo, para o chão raso da dignidade mínima. Canto o fascínio do corpo, os seus anseios, o amor que nele habita, o coração que nele arde, a razão que nele labuta contra as traições que o consomem. Canto a filosofia que jorra do esforço e suor dos seus braços e pernas, e lhe enche de fulgor a alma e o peito, e de utopias a boca.


Canto o corpo olímpico, iluminado por um esplendor que nos maravilha e atrai para a admiração do céu estrelado, inatingível, mas percetível aos olhos e tangível às mãos e aos pés. Canto a lealdade inteira e limpa ao corpo, a sua metafísica, a fé na vida e a ânsia de viver. Nele vivo, torno-me ‘pontífice’, teço pontes para o impossível, o absoluto e o infinito, saio do pasmo e convivo com o espanto. Com ele faço e recito poemas, e sou Eu! [2] Pascal Mercier, Comboio Nocturno para Lisboa, p. 83. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2ª Edição, 2008. 17. DA DEONTOLOGIA DO PROFESSOR O professor não é um Super-homem. Apesar da sua importância social, o seu Ego não pode imitar um pavão emplumado no momento de cortejar a fêmea. Antes deve ter consciência dos limites, sem descurar as exigências do mister. Ele não pode tudo; nem sequer a maior parte do sucesso ou insucesso do processo educativo depende dele. Esta postura de humildade não enfraquece, antes reforça o empenho no exercício da função. Ao invocarmos a deontologia, subentendemos um docente que empenhe o coração e a inteligência em favor da educação, convicto da possibilidade de evolução positiva das crianças, dos adolescentes e jovens, defensor intrépido do direito de estes crescerem como pessoas lúcidas, saudáveis e felizes. Subentendemos um docente apaixonado pela nobreza da ação, amante e conhecedor das potencialidades educativas que ela encerra, confiante no que faz, capaz de irradiar otimismo, disponível para renovar o ato pedagógico em cada dia, rejeitar o formalismo, o laxismo, a rotina, o seguidismo, a aridez e monotonia do ensino. Enfim, determinado a ser Professor, a professar a fé de um educador de verdade! A ausência destes requisitos afeta os alunos e empobrece o ensino. Testemunha que o professor conhece pouco e ainda acredita menos na extraordinária riqueza axiológica do seu labor. Mostra um défice de consciência em relação à importância capital da sua figura: ele é o elemento fundamental para manter acesa e viva a chama da educação, da escola e das aulas. Naturalmente, é necessário e imprescindível manter atualizados os planos curriculares, organizar e inovar o ambiente escolar, dotar a escola de infraestruturas favoráveis ao cumprimento da sua missão. Todas as medidas serão em vão, sem um Professor que ofereça aos nossos filhos e netos a vastidão dos conhecimentos e experiências, todo o talento e profissionalismo. No passado, no presente e no futuro, o Professor assumiu, assume e assumirá enorme responsabilidade. É pedagogo e ativista do desenvolvimento geral e harmonioso das crianças e jovens. Em vez de se confinar ao papel de frio regente de atividades escolares, de intermediário apático entre estas e os discentes, tem que ser agente, cada vez mais envolvido, do florescimento progressivo dos alunos como seres autónomos, livres e criadores. Um instrumento reformador e superador do estado da educação, renovador da escola, inovador dos conceitos, processos e métodos pedagógico-didáticos. A aspiração a maior qualidade no labor pedagógico, na organização e concretização do processo de ensino e aprendizagem, faz apelo à dimensão humanista da docência. O ‘humano’ é decisivo na realização do projeto educativo, essencialmente interpessoal e social, preponderantemente voltado para o aperfeiçoamento de pessoas. Não se espera do docente que cumpra o inflamado juramento de Hipócrates (460-370 a.C.). O que se espera é despretensioso e humilde: que leia e absorva o teor da carta escrita por Abraham Lincoln (18091865), para o filho a entregar ao professor no primeiro dia em que entrou na escola primária. Lincoln pediu ao professor apenas(?) estas pequenas coisas: • Faça-o aprender que nem todos os indivíduos são justos e verdadeiros; mas, por favor, diga-lhe que por cada vilão há um herói, por cada egoísta há também um líder dedicado. • Ensine-lhe que por cada inimigo haverá também um amigo, e que mais vale uma moeda ganha do que uma encontrada. • Ensine-o a perder, mas também a (saber) disfrutar a vitória. • Faça-o maravilhar-se com os livros, mas deixe-o também perder-se com os pássaros do céu, as flores do campo, os montes e os vales. • Ensine-o a acreditar em si, mesmo se ficar só perante os demais. • Ensine-o a nunca entrar no comboio simplesmente porque os outros também entraram.


• Ensine-o a ouvir a todos, mas, na hora da verdade, a decidir sozinho. • Ensine-o a rir quando está triste, e explique-lhe que, por vezes, os homens também choram. • Ensine-o a ignorar as multidões que reclamam sangue, e a lutar contra todos, se ele achar que tem razão. 18. ORAÇÃO DO PROFESSOR O pedido feito por Abraham Lincoln ao professor do filho é tocante e responsabilizador. Convida os professores a segui-lo e rezar diariamente uma oração semelhante a esta: Livrai-me, Senhor, de cair na tentação da afirmação empolada de grandes objetivos e metas, deixando sempre para amanhã o pouco que posso realizar hoje! Não penseis que por gostar do desporto, andar de calções, correr, jogar e saltar, não pauto a conduta por uma elevação de causas e ideais, princípios e valores. Desculpai por Vos recordar que o pensamento e a consciência não se expressam apenas por palavras, mas igualmente por atitudes, atos, comportamentos, gestos e obras. E a alma é o Ego incarnado num corpo cognoscitivo, reflexivo e ativo, dotado de interioridade e sentido. Por isso fazei, Senhor, com que a retórica não parasite a minha carreira profissional, que nela a ação, o empenhamento, o esforço, a persistência, o trabalho e o suor tenham sempre voz. Dai-me, ainda, o discernimento de perceber que a glória da vida se conquista nela, em cada dia, pouco a pouco, grão a grão, passo a passo, de degrau em degrau, nas progressões curtas, no respeito dos compromissos simples. Por favor, ajudai-me a formar os alunos no entendimento e apreço destas pequenas grandes coisas! Sim, sou crente. Tal como Henry Adams (1838-1918), creio que “o professor liga-se à eternidade; ele nunca sabe onde cessa a sua influência.” 19. AO JEITO DE CONCLUSÃO: APELO FINAL “À frente do mérito, porém, / puseram os deuses o suor: o caminho / para lá é longo e corre a pique…” Quão sublime é o ensinamento contido nesta passagem de Hesíodo (poeta oral da Antiguidade Grega, em atividade entre 750 e 650 a. C)! Para aceder ao mérito, é preciso andar um caminho regado pela transpiração. Agarrada a esta vem a inspiração. Por favor, caríssimos professores, procurem estar sempre à altura do que representais! Não se demitam de assumir as obrigações. O ‘Magister’e o ‘Magistério’ cumprem a função de gerar um ‘mais’. De inundar e sagrar os educandos de luz. De ensinar a ver mais e melhor, a olhar e observar, a contemplar e valorar, a escolher e admirar. ‘Ensinar’ é um ofício de iluminação, para romper a escuridão e quebrar as cadeias da ignorância. Para enraizar a autonomia, a maioridade e a emancipação dos indivíduos, sustentadas na vontade de libertação da bestialidade e irracionalidade dos instintos, das paixões e pulsões primárias, rasteiras e soezes. Para edificar a liberdade das atitudes, das ações, opções e reações, iluminadas pelo clarão da razão, da ética e da estética, da grandeza e elevação dos princípios e valores, das causas e ideais, da transcendência, da magnificência, da sublimidade, da excelsitude e virtude. Inspiremo-nos em São Francisco de Assis: “Quem trabalha com as mãos é um operário. Quem trabalha com as mãos e a cabeça é um artesão. Quem trabalha com as mãos, a cabeça e o coração é um artista.” O Professor é tudo isto. ‘Ser Professor’ é, entre todas as profissões, a primeira e cimeira, originária das restantes. Dele nascem poesias, músicas e sinfonias que celebram o mistério e espanto do mundo. Com o labor das suas mãos de artífice, do barro emergem e florescem Pessoas. Agradeçamos a apreciação de António Carlos Cortez: “Os alunos não podem gostar de uma Escola que decapitou a utopia e a liberdade (…) Não podem aderir às aprendizagens com sucesso se tudo é formatado e bloqueia as energias próprias da infância e da adolescência. Por outro lado, é urgente dignificar a classe docente (…) Defender uma remuneração digna desse nome: trabalhamos com crianças e jovens que nos pedem o melhor que temos todos os dias. Não pode a classe docente continuar a ser vilipendiada: que pensa um professor do sentido da sua vida quando, esmagado por uma burocracia nefanda e uma lógica tentacular e bacoca de avaliação, recebe uma miséria a cada final do mês? Que pensarão os alunos dos professores se os veem sem interesse a ministrar as aulas porque há muito a esperança fugiu e o sentido de uma formação para a cidadania é uma expressão vazia?”


Sejamos radicais do que vale a pena: nada menos do que um mundo novo, aquilo que nos desacorrenta os pés e as mãos, incendeia a boca e os gestos, ilumina o rosto e os olhos, e enche de sol e luar o coração e a alma! A conjuntura não espera de nós outra atitude. Vamos em frente com determinação e esperança, pendurados nas asas de Mário Quintana: “Se as coisas são inatingíveis... ora! / Não é motivo para não querê-las... / Que tristes os caminhos, se não fora / A presença distante das estrelas!” Não abdiquemos de propor e advogar ideais e utopias, nem percamos de vista o guião de Miguel Torga (1907-1995): “O mal de quem apaga as estrelas é não se lembrar de que não é com candeias que se ilumina a vida.” Peço-vos que respeitem o corpo. Não receiem envolvê-lo com cuidados a mais, porque somente o excesso do corpo ascende a carícia da alma, sua ‘forma’ e ‘causa final’. Prestem atenção à saudação de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987): “Salve, meu corpo, minha estrutura de viver e de cumprir os ritos de existir.” E decifrem a mensagem de Merleau-Ponty (19081961): “A máquina funciona; o corpo vive.” Vivamos o corpo e a vida! Pratiquemos docência como um exercício de eternidade! Todos os apelos serão fúteis, se não agirmos em conformidade. Como disse o romancista inglês George Eliot (1819-1890), pseudónimo de Mary Ann Evans, “a paixão torna-se uma força quando encontra saída no trabalho dos nossos braços, na perícia da nossa mão ou na atividade criadora do nosso espírito.” Sem ação, nada vale a inteligência, adverte Gonçalo Tavares: “Se os homens (…) fossem seres imóveis, incapazes de qualquer movimento, seriam ainda hoje menos poderosos do que um único metro quadrado de terra espontâneo. Poderiam possuir um grau de aperfeiçoamento no pensamento abstracto, matemático e lógico, mas não deixariam de ser uma espécie secundária ao lado das outras: as possuidoras de movimento. Qualquer cão mesquinho mijaria nas pernas de um homem inteligente, mas imóvel.” Muito obrigado, prezados leitores e amigos, por me terem acompanhado, mais uma vez, na aventura inscrita nestas garatujas! Juntem-se a mim numa atitude final. Aos que dizem alarvidades sobre a Educação e a Escola, ofendem uma e outra, não as dignificam, e vilipendiam o Professor. A essa corja de vigaristas, aldrabões e palradores de falácias e onzenas, dediquemos um ato sublime: mijemos-lhes no lustro dos sapatos!


P’ra não dizer que não falei de poesia... e de poetas


NÃO DIGA NADA Dilercy Adler Não diga nada! cala a palavra na garganta! não diga nada! não precisa mesmo!... com as mãos os olhos a boca tudo a ermo... não diga nada! eu vejo e sinto o peso da palavra que leve fica quando o amor a diz e em seu dizer não sei por quê me cala!

Em: 20/10/2020 Às 14:30 CANTOS À BEIRA-MAR À Maria Firmina dos Reis Dilercy Adler Teus Cantos à beira-mar afogam com veemência as dores os dissabores que maculam toda a existência daqueles que apenas sonham com a igualdade e coerência em um mundo de fato melhor!... ah! os teus Cantos à beira-mar levam todo e qualquer anseio que a brisa vinda do mar litoraneamente embala e acalenta em seu seio... e os teus poemas me dizem: cuida! entoa hinos em banzeiros que a vida lenta a passar se apressa como um agouro bem-vindo de augúrio sem par que existe quando se pensa


que nada mais vale a pena... a pena de festejar!... resiste!... afoga as tuas mágoas nas crivas e cavas mais altas das longínquas vagas do mar!... e se ainda puderes sonha poemas e louva comigo mistérios e amores contidos e canta-os todos à beira-mar!…

SANKOFA A Nascimento Morais Filho Dilercy Adler Ó pássaro bendito! nos ensina a enxergar além do visível que aparece ensina ainda à nossa alma pecadora curvar o corpo e postar as mãos em prece! é preciso ver o passado com os teus olhos sem o espelho que inverte a imagem só o exato do real que se esconde por trás do espelho com suas nobres vestes -nobres vestes que serão despidasnos vários tons que nelas se entrecruzam ver por fim a inteira tradução do mundo em verdades nuas! em verdades cruas!... com alma aberta e olhos pro passado será possível o enxergar inteiro sem o escuso escudo - então despido!poder por fim ressignificá-lo!... com um presente com perspectivas de futuro que diga a palavra sem sentença equivocada que puna o erro e eleve a verdade além de interesses e mediocridades por fim assim prevaleça o bendito o verdadeiro fato a veracidade nesta nossa frágil e gloriosa humanidade !! Ó pássaro africano venha a nós!...


BLANDINA Dilercy Adler

Com teus versinhos de infante com teu gênio criador driblavas as dores de um tempo tempo difícil de ser... de ser mulher de ser feliz de simplesmente ser o que se quer de simplesmente ser o que se é!!! agonizavas ante a realidade fria como o caburé que em teu verso pia que como tu temia a escura noite e a solidão que fere como intenso açoite ... com a alma ferida mas sempre apaixonada abrasavas sonhos e inteira seguias - a despeito de tudo com novos sonhos pelas mesmas madrugadas frias!

NAURO-POETA-MACHADO Dilercy Adler Como o machado o poeta fere a pena que no papel sangra a grande dor do mundo grande e imortal também se faz o homem o homem Nauro Machadamente pleno! e o poema o reverencia e a ermo vaga pela madrugada sem se importar com a escuridão que o rodeia pois, sabe que a luz - não muito longeo espera!... e a Praia Grande do homem-Nauro esvaziada pontua a enviesada escuridão na rua e em cada vão e pedra da calçada vivem a saudade a maresia e a lua! oh! inusitada cicatriz da vida risca o risco de apagar a poesia e Nauro afia o Machado uma vez mais e o poema corta a madrugada fria!


TIRANIA Dilercy Adler

O meu tempo me trai me deixa vazios difíceis de digerir me impõe silêncios dos quais queria fugir e não me dá respostas quando eu preciso decidir!... e o tempo se impõe... tiranamente dita -o nadana urgência das horas e me tira a paz que a calma poderia me dar na dádiva da decisão! ... o tempo na urgência das horas me aprofunda a dúvida me deixa insegura e de quebra -o medoo grande medo de errar... mais uma vez!!!

DEPOIS Dilercy Adler

Depois o desejo esfriou a neve derreteu a lua mingou o sol se arrefeceu você se escondeu e a nua e crua verdade ... apareceu!


5 POEMAS DE JOÃO BATISTA DO LAGO Eu e minh’alma De João Batista do Lago Aqui, diante um do outro, eu e minh'alma nos olhamos ‒ com olhares narcísicos. (Acima de nós um espírito que nos contempla admirado e intrigado e esperando o primeiro verbo…) Quem, diante de nós falará a palavra inicial – ou terminal! ‒ num afeto magistral de dois entes que se amam, mas se destroem ao mesmo tempo, na nave que nos segreda a milionésima parte dos nossos átomos que nos tornam unos e indiferenciados? A fogueira do tempo queima-nos diante da divinal espiral que nos empurra para cima fazendo com que dancemos os enigmáticos sons que nos saem dos mais profundos átomos que nos enfeixam de vida e morte, como se vida e morte existissem! Eu diante da minh'alma sou eu e minh'alma. Sou único… sou uno! Sou apenas alma. Sou apena eu. Somos o átomo universal na cadeia infinita do universo que nos produz como carnes e verbos oferecidos aos lobos que se nos desejam alimentar. Ó grande espírito que nos espreita, se nós – eu e minh'alma – tivermos que furtar o fogo para ajudar toda humanidade a superar seus atributos infernais, assim o faremos. (Em nós – eu e minh'alma – não há sentimentos de pudicas verdades…) O universo é o espaço e o tempo que precisamos para gerar nos ventres cosmológicos os sãos sujeitos de nós mesmos: a trindade agora é perfeita… é única… é una – eu, minh'alma e tu, ó grande espírito! Entendido pois está o mistério: Somos tão somente o verbo atômico universal. *****

ABORTAMENTO De João Batista do Lago Quando eu morri, um deus qualquer me pariu! Na casa onde parido fui havia duas dimensões: primeira delas o ventre-rio solitário e escuro; na segunda parição tive por casa o mundo, e sem me cortarem o cordão umbilical vadiei pelos aposentos ‒ já ali sujeito obscuro! Na primeira casa naveguei todos os sonhos. Na segunda casa fui jogado para “Outros” monstros: qual casa, então, devera seguir!? Hoje percebo a casa que me é original:


hei-me aqui parido como filho primogênito, expurgado para sempre para a mundidade do mundo. Nenhuma outra casa existira; fora tudo ilusão Sou-me de mim a única casa repleta de eus Todos os meus aposentos revelam-se: meu Corpo *****

A TAÇA De João Batista do Lago ‒ Não sou eu o teu asco! Em mim ainda reside um espírito… Mesmo que vejas só uma caveira: Sou teu único crânio a de dar alegrias. ‒ Enquanto vida!? “Vivi! Amei! Bebi!” Qual tu: Que me desejas agora corporificar. Não me insultes! Meu beijo tem menos larvas que os teus. ‒ Ergue-me! Posta-me a altura dos teus olhos… Toma-me como se taça fora… Enche-a do vinho báquico dos deuses profanos Prefiro ser ébrio, que o mísero desgraçado humano. *****

AS FLORES DO MAL De João Batista do Lago Vago-me como “Coisa” plena pelo labirinto que me cidadeia meus passos são versos inacabados há sempre uma pedra no meio do caminho: tropeços disruptivos que me quedam na dupla face das estradas espelhos imbricados na memória experencial dos meus tempos Vago-me como “Mercadoria” plena atuando no teatro citadino a comédia trágica dos atos que não findam uma “Severina” ou um “Werther” autoassassinos transeuntes de suas identidades perdidas pelas ruas das cidades onde me junto e me moro nos antros cosmológicos de experiências e memórias Vago-me como o “Amor” sempre punido tonto e perdido no meio da sociedade donde me alimento do escarro possível onde “sujeitos” sem experiência e sem memória negociam os amores vendidos na fauna de “humanos” prostitutos segredados nos prostíbulos das igrejas: lavouras de todas as flores do mal *****

EU TRÁGICO De João Batista do Lago Refém de toda tragicidade


‒ que não vem do eu, mas do Outro ‒ O trágico vem de fora! Mas os padecimentos acontecem em mim Na minha natureza e na minha ação Todos os pecados são meus; não os nego Sou o eternamente trágico Fruto espontâneo da trágica criação Prevaricador castigado pelo crime do conhecimento Fantasia que os séculos jamais honrarão suficientemente Sou o assassino do Deus imortal Feito Prometeu furtei-Lho o fogo da sabedoria Livrando o Homem da débil e oscilante vida Mas a vindita divina empunhara a espada da trágica agonia


Conversas Vadias

LEMBRANÇAS DO AZUL IBÉRICO NA POESIA DE DANIEL BLUME FERNANDO BRAGA in ‘Conversas Vadias’, antologia de textos do autor. Do Bairro Alto Fernando Pessoa tantas vezes saia do ‘Cortiço da Ritinha’, em rumo de ’A Brasileira’, ali pertinho, no Chiado, separado apenas pela estátua de Camões, o maior dos lusíadas, para com os amigos Mário de Sá-Carneiro e José Almada Negreiros, vivificarem a alma com aquele café da manhã, acompanhado da prosa do velho Adriano, proprietário da cafeteria. Fora ali também, no Bairro Alto, na clássica ‘Severa’, requintada e querida ‘Casa de fado’, onde nascera “murmúrios cantados/ dentre estreita mesas/ à luz de guitarra portuguesas [...] Cantigas das promessas/ de um amor perdido/ entre as ruas de Lisboa...” Solfas divagadas pelo poeta Daniel Blume neste seu livro ‘Delações’, cujo enfeixe, dizem os editores da ‘Helvetia’, serem “versos calibrados, curtos e contundentes, que não apenas delata, mas surpreende, a cada página, quando nos faz naturalmente refletir, sorrir, viajar e trançar com a poesia”. Se não soubesse tratar-se de um livro de poemas do mais fino apuro semântico e da mais bem trabalhada ourivesaria poética, que me chegou oferecido com uma letra de bem-criado calígrafo, pensaria de logo tratar-se de algum volume contendo aquele mecanismo judicial, pelo qual um acusado colabora com as investigações, revelando detalhes de crimes ou minúcias que ajudam a recuperar o que a justiça procura. Felizmente as ‘Delações’ aqui contidas não são do advogado, mas do poeta, e são outras, bem outras, a conter alimentos do espirito dimanados dos parreirais dos anjos. A folhear ‘Delações’, encontrei expandidos por muitas páginas, poemas sobre coisas e costumes portugueses, o que me levou ater-me a este ângulo poético de Blume, já que lá ele concluiu, na Universidade Autônoma de Lisboa, estudos acadêmicos relativos à sua formação, o que justifica a naturalidade de seu apego e de seu direcionamento àquela vivência, o que tocou, profundamente, o meu lado ibérico provindo da velha Talábriga lusitana, sob o timbre de minha dupla nacionalidade que se aviva todas as vezes que atravesso as pesadas e distantes águas que nos separam, mesmo sob as bênçãos de outra ode marítima, ressonantes das cantigas de Portugal e das toadas do Maranhão... Antes comentei dois dos livros do poeta Daniel Blume: ‘Penal’ e ‘Resposta ao terno’. Sobre o primeiro, disse que “de cujo labor jurídico remanejou para seu intimismo poético, as nuances práticas e imagísticas, a nos revelar, como se num tríptico, a misteriosa ciência plena e pânica do Conde de Beccaria”. E sobre o segundo, dizia que “os poemas deste livro são curtos, como se fossem haicais, mas extensos pelo foco semântico que irradiam, a guardarem em seus núcleos uma força explosiva muito forte...” Poderia reacender tais anotações agora, já que a forma poética do haicai, cuja estrutura poemática é feita por versos de cinco e sete sílabas em estrofes diminutas, curtas e breves, continuam aqui nestas ‘Delações’, com aquela mesma força que impulsionava o paranaense Paulo Leminski, um mestre entre nós nessa arte, a dizer ainda que “as ideias que exaltam uma tendência atual ou uma atitude emocional chegassem mais longe...e outras seriam destorcidas a fim de se adaptarem ao que já é aceito,” a repetir ‘Notas para uma definição de Cultura’, como escrevera T.S. Eliot, o genial autor de ‘Terra Desolada’, imbicado no chão londrino para testemunhar nestas anotações as chalaças ibéricas do poeta Daniel Blume... Vejamos o poeta neste haicai ‘Portuguesa’, a cantar o famosíssimo pastelzinho mundialmente conhecido: “Ao nosso fado, /pedra salgada/depois do pastel/com a nata de Belém, / antes do Porto de seus lábios.” Ou ainda numa fugida a ‘Évora’, a culta e medieval capital do Alentejo: “Fria noite entre muros, / onde a capela de ossos grita/ a efeméride da carne quente.” Ou quem sabe, mais adiante, em ‘Belmonte’, uma pitoresca vila portuguesa do distrito de Castelo Branco, na província da Beira Baixa: “Um templo lento/divaga na aldeia/do vale sem pressa/das trutas d’águas nevadas/dos abrigos rochosos, / com o vinho branco dos chãos de Cabral”.


E ‘Sob a ponte’, o poeta canta: “O Tejo risca negro à esquerda/ na maré incandescente/ dos sons da ribeira.” Se ao invés do Tejo fosse o Douro, diria que Daniel teria se amesendado à Ribeira do Porto, a “comer uma francesa” [sanduíche com queijo e ovo] e a degustar um fino ‘Dão’, colhido dos vinhedos estendidos em arroios pertinho desse cenário... De aqui, ele vai ao ‘Algarve’, no extremo sul de Portugal, entre Lagos e Faro, aonde se estende uma pintura de praias, cheias de casas caiadas em despenhadeiros baixos, a revelar todo o azul da Península Ibérica. Ouçamo-lo: “Quando extensos dias/comprimem exíguas noites, / a Lua espelha águas mediterrâneas/na Rua da Bateria, / quando o Sol grita/pelo mar das falésias/da praia de São Rafael, / é verão em Portugal” E volta, e vê-se ‘insone’em Lisboa, em cuja ‘Revelação’, pleno no Terreiro dos Paços, nos diz: “No Sol das vinte horas, /as marolas do Tejo/ tem o dom de ler almas/ na Praça do Comércio, / através do arco da Rua Augusta.” E no veio de tudo oculta-se um poema, de onde dele se retira o pão e o vinho para a sagrada comunhão da vida; e quase sempre, o subjetivismo da dor que nos faz sofrer, o mais que suficiente para que o poeta trabalhe a palavra e esprema o verbo. E é neste ‘Oculto’ que Blume nos diz:” Há um poema que nunca se deu. / Um poema intocado quase impossível. / Há um poema que jamais escrevi. / Um poema sem página como pintura sem tela. /Talvez haja um rosto/na nuvem do poema oculto.” E em ‘Distância’, o poeta nos brinda com mais este haicai: “Com taças de ilusão/ brindemos a um amor mirífico.” Eis aí o poeta Daniel Blume a aportar os umbrais do nosso Panteão com mais estas ‘Delações’, seu quarto livro de poemas, a nos trazer uma poesia de corte moderno e participativa, a nos cantar tudo que sabe, sem, no entanto, nos mostrar quem é, como na magia deste poema, no qual, como um prestidigitador, retira uma ‘Carta na manga’ para nos dizer por fim: “Sabem tudo o que revelei/ não tudo o que sou.” Um poeta, com certeza, digo eu sem titubear!


CONVOCAÇAO PARA O ALÉM CERES COSTA FERNANDES A equipe da administração do cemitério mais antigo da cidade estava satisfeita; tinha dado um trabalhão, mas todas as tumbas inadimplentes e mal cuidadas haviam sido identificadas e catalogadas, agora era só colar o aviso em cada uma para que os responsáveis viessem resolver as pendências. O Aviso dizia: “Solicitamos o seu comparecimento à Administração para tratar de assunto de seu interesse. “Isso mesmo, curto e fino”. A idéia de bolar o aviso e prendê-lo aos túmulos fora de Dorinha, uma morena magrinha e calma, idéia considerada eficiente e até mesmo genial: é que o dia seguinte seria o Dia de Finados, assim os responsáveis pelos túmulos abandonados seriam avisados todos de uma só vez, poupando-se o gasto com correspondências muitas vezes, nem o endereço da família havia. Rodriguito ainda quis duvidar da eficácia da ação: “Se os túmulos estão abandonados todo esse tempo, por acaso virá algum parente para a visita no Dia de Finados?..” Foi olhado por todos – sujeito mais derrotista - com desconfiança, e murchou. Os túmulos escolhidos para os avisos - nem sempre os mais pobres, que para estes sempre havia uma mãozinha de cal, uma varridinha, um cravinho de defunto espetado, denunciando a lembrança amorosa -, estavam de fazer dó, sujos quebrados, pichados, totalmente despojados do que, algum dia, tiveram por adorno, cruzes, letras, jarros, placas. Restaram em alguns um retrato tristonho sem nome aqui, um pedaço de anjo acolá, uma grade torta, coisas que os ladrões não quiseram ou não puderam levar... O fato é que, na ensolarada manhã do dia dos mortos, estava tudo organizado. O Aviso haveria de surtir algum efeito, pensou a operosa equipe. Passou o feriado, passaram o sábado e o domingo também. Segunda, à tardinha, na sala da Administração, estão Rodriguito, Sheila e Dorinha, esta, de cabeça baixa, escreve enquanto come uma bolachinha folhada da padaria São Luís, da Rua do Passeio. Súbito, Rodriguito emite algo entre um grunhido e um gritinho abafado. Dorinha levanta a cabeça e vê uma verdadeira procissão de pessoas estranhas, magras, com olTheiras fundas, de roupas amarfanhadas, algumas sem sapatos, lenços amarrados sob o queixo, e, o mais estranho, todas tinham um vago tom sépia, na pele e nas roupas, assim como em certas fotografias do século passado. Dorinha, agora, tem à sua frente, de pé, um rapaz alto e magro, de cabelos despenteados e barba por fazer, trajando um paletó grande e folgado, parecendo ter pertencido a outra pessoa, camisa com gravata, calção Addidas, sapatos de verniz, “ Chamo-me Carlos Fonseca da Silva, recebi o Aviso e vim saber o que querem de mim. A bolachinha que a senhorita está comendo é, por acaso a chamada sete capas, da Rua do Passeio? Posso pegar uma? Sou doido por essa bolacha, quando estudava engenharia em São Paulo, a minha mãe nunca deixou de me mandar, por portador e até pelo correio. Sabe como se manda ela pelo correio? Dentro de caixa plástica, pra não quebrar. Ah, ela também mandava a bolachinha da padaria Santa Maria da Rua dos Afogados. Essa é mais difícil de quebrar, pode ir dentro de uma sacola ou bolsa. Deu uma fome! Sabe a viagem foi longa, quase não deu pra vir.” A estas palavras, as pessoas que enchiam a sala começam a falar quase ao mesmo tempo sobre os transtornos das respectivas viagens e as dificuldades de liberação dos diversos planos de origem. Sheila e Rodriguito abandonaram a sala, assim que tiveram pernas para isso. Dorinha, plantada na cadeira, muda, estende, com gestos de robô, uma bolacha folhada para Carlos, que come e suspira: “Ah, a minha mãe, enquanto ela viveu meu túmulo sempre foi muito bem cuidado, gostaria que a senhora o tivesse visto!” Dorinha quer desmaiar, mas reage à idéia de ficar só e desmaiada em uma sala cheia de defuntos, amigáveis, amantes de bolachinhas, ou não. Então, usando bravamente suas última forças, levantase e diz, a voz saindo fininha:” Os senhores estão dispensados, a Administração cometeu um engano, desculpem os transtornos da viagem. Mandaremos reformar os túmulos dos senhores, podem ir em paz.”


Um murmúrio enche a sala e os vultos começam a sair. Dorinha dá o saco com as bolachinhas sete capas para Carlos Fonseca da Silva, que se despede. Sozinha, ainda tremendo, ela relê o Aviso, em cima da mesa - a redação fora da Sheila -, e pensa, custava ter colocado: Senhor responsável, solicitamos etc?


UM OLHAR DE SOSLAIO NO SEMBLANTE DO COTIDIANO FERNANDO BRAGA in ‘Conversas Vadias’, antologia de textos do autor.

Corria este ano de 2020 em sua inexorabilidade, e nós, com ele, a fugirmos da peste avassaladora que a todos, silenciosamente, começava a atacar sem piedade. Por determinações das autoridades sanitárias fomos levados a cumprir um drástico retiro domiciliar prontamente nomeado de ‘lockdown’ pelos caçadores de anglicismos, como se não bastassem os que já existem a mutilar nosso idioma. Não por isso, continuei o meu hábito de leitura e, dentre estas, lá pelos meados de maio, relia o livro ‘Liberte-se do medo’, de Carlos G. Valle, um exímio contador de histórias; este livro é um ensaio sobre esse ‘gigante da alma’ chamado medo, em cujo epílogo, por onde já andara àquelas alturas, o autor imbuído no seu papel de ensaísta e psicólogo alerta que “ se deve enfrentar o sofrimento quando ele vier, pois ele vem, com certeza, na provocação que é esta vida. Porém é necessário recusar-se a ficar assustado ante a perspectiva, atormentado pela antecipação, ferido pelo medo que tem dele.” [...] ou ainda, como escreveu São Paulo, numa de suas epístolas que “Nenhuma aflição, sofrimento, perseguição, fome, nudez, perigo ou morte pode nos afastar do amor de Cristo.” Enquanto isso, recebia pelos correios, com cheiro de maresia e ventos gerais, o livro de crônicas ‘No Semblante do Cotidiano’, da minha querida Wanda Cunha, poetisa, prosadora, cantora e compositora, enfim uma ‘menina de ouro’ que desde sua adolescência secretariava com competência o Colégio Nina Rodrigues, sob a batuta educacional e disciplinar de seu pai, o meu querido e saudoso Carlos Cunha; esse livro de Wanda tem ainda no seu subjetivismo ‘risos de marés e lágrimas de sol-posto’ e se encontra tripartido em satíricas, graciosas e líricas, a nos fazer lembrar os textos epigramáticos da Arcádia Lusitana, ao tempo de Bocage, Caldas Barbosa e Felintoi Elísio. Wanda Cunha em um estilo leve, direto, culto e brejeiro em sia simplicidade, vai tecendo as palavras a nos contar eventos acontecidos no dia-a-dia e a nos fazer recordar outros, muitos históricos e quase todos hilários, a ratificar assertiva de seu pai, Carlos Cunha, um intelectual de fina estirpe e historiador de aguçado senso crítico, quando diz que “ há na verdade duas histórias. Aquela que é feita para agradar a príncipes e reis, que transforma heróis em traidores e vice-versa. Por outro lado, existe a história autêntica, verídica, que não faz concessão aos donos do mundo, contando e narrando os fatos como ocorreram, sem deturpações.” Embora já tenha lido todo o livro, aqui apenas acompanho de esgueira os textos de Wanda Cunha para tirar-lhes a essência para estas notas, cujos escritos, ela, como construtora da palavra, os registra com faro de repórter, minutando os fatos, e conseguindo sintetizá-los com detalhes, o que é, aliás, muito difícil na lide jornalística; em outros mais, está lá a professora, a esposa, a mãe, a vó, enfim, a Wanda resumida nela mesma, a viver e a respirar sua história, revivendo-a... Para autenticar a assertiva de Carlos Cunha, dita antes sobre acontecimentos históricos que não são fielmente registrados, para o agrado de alguns poucos, Wanda, na crônica ‘res publica [coisa pública], a contar cometimentos sobre a Proclamação da República, data que se comemora esta semana, em 15 de novembro, me faz refletir, a meu modo, que Deodoro varou toda madrugada a beber chá, em Campo de Santana, com o Imperador Pedro II, a jurar-lhe que não o trairia, já que tinha afiado de véspera, a espada de Benjamin Constant, para que o Coronel, como intelectual do movimento, disfarçadamente, nos primeiros gritos do dia, despencasse essa espada contra a Casa dos Orleans e Bragança... Aqui Wanda nos diz que “o idealismo de Benjamin Constant contracenou com as rabugices de Deodoro que, em vez da cabeça da Monarquia queria mesmo era a cabeça do Visconde de Barbacena”. Na azinhaga desse acontecimento, continuo minha reflexão, uma semana antes, no grande baile da Ilha Fiscal era comemorado as bodas de prata da Princesa Isabel com o Conde D’eu, onde fora servido, entre fartas iguarias, e até sorvete, uma grande surpresa para o ano de 1889, como prova inabalável aos convivas dos intocáveis alicerces da Monarquia, em obediência aos arremedos políticos do Visconde de Ouro Preto... Um ensaio de salvação, apenas. Que pena!


Fatos assim que a história não conta, como outros acontecimentos inerentes ao nosso descobrimento e a nossa Independência....Episódios que, de qualquer maneira, já entraram para nossa história ou anedotário ao sabor pilhérico de quem os conta... E o livro todo é pontilhado de vidas sob os mais variados aspectos em que se possa olhar ‘o semblante do cotidiano’, onde Wanda exercita sua magia de contadora de histórias... E como conta bem! Por fim, num dos contos do livro, Wanda revela seu lado realista, apesar da crueza do sentir-se, no engano ficcional com que impacta o leitor. O texto é ‘Dia do Pagamento’, cuja sinopse se estampa assim na contracapa do livro: “Nunca corri tanto em minha vida. Eu corria e olhava pra trás. Que susto! O coração batia forte. Nessas olhadelas que eu dava para trás, avistei a silhueta do ladrão andando em minha direção com as mãos nos bolsos. Ele não corria, mas andava apressado. ‘Meu Deus, o que vou fazer? Lá vem o bandido em minha direção’, pensei nervoso. Quando cheguei à parada do IFMA, não havia uma viva alma. Sentei no meio-fio cabisbaixo, eu estava vencido, aguardando o assaltante. Em questões de segundo, ele jogou o revólver nos meus pés, como se desse uma esmola, e correu rumo ao centro da cidade.” Sem comentários e sem querer meter o dedo em questões que não me cabe aqui fazê-lo... Presumo no texto que somente os proventos de um professor, no Brasil, cuja orientação filosófica viveu por longo tempo sob o pálio pedagógico de um Paulo Freire, pode suscitar uma situação dessas!... Esta é Wanda Cunha, uma das Cristina, filha de Carlos Cunha e Plácida Jacimira. Quem há de contestar as Ervilhas de Mendel?


LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ

FRAN PAXECO:

recortes & memórias

SÃO LUÍS – MARANHÃO – 2020 PARTE XII


“Chronica (do latim) é termo que indica narração histórica, ou registro

de fatos comuns, feitos por ordem cronológica; como também é conjunto das notícias ou rumores relativos a determinados assuntos.” (DICIONÁRIO AURÉLIO, 1986, p. 502)


1912 JANEIRO, 03, A Pacotilha


JANEIRO, 6 - de sua união com Isabel Eugénia de Almeida Fernandes Paxeco, nasceu sua filha, Elza Paxeco7, primeira senhora doutorada pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

FRAN PAXECO E SUA ESPOSA ISABEL - Fonte: VIEIRA DA LUZ, 1957 7

ELZA FERNANDES PAXECO MACHADO (São Luís, 6 de Janeiro de 1912 — Lisboa, 28 de Dezembro de 1989) foi professora, filóloga e escritora. Filha de Fran Paxeco, cônsul de Portugal no Maranhão, e de Isabel Eugénia de Almeida Fernandes Paxeco, casada com o filólogo português José Pedro Machado. Prima do jornalista Óscar Paxeco. Estudou no Brasil, na França, na Grã-Bretanha, nas Universidades de Gales, Londres e Lisboa os cursos de Filologia Românica e Germânica (em que foi aprovada com HonoursSumma cum Laudes) e Língua e Literatura Inglesa (Master ofArts). Primeira senhora doutorada pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1938), com aprovação por unanimidade, onde veio a ensinar, como leitora de francês, tendo leccionado igualmente as cadeiras de Literatura Francesa e de Língua e Literatura Inglesas. Estagiou no Liceu de Pedro Nunes em 19381939. Exerceu de Fevereiro de 1940 a Outubro de 1948, quando foi exonerada a seu pedido. Fez parte de júris de admissão ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Representou em Portugal a Associação das Academias Brasileiras de Letras, tendo sido eleita sócia correspondente da Academia Maranhense de Letras. Publicou com seu marido, José Pedro Machado, o Cancioneiro da Biblioteca Nacional, 1949-1964. Sócia Efectiva da Sociedade de Geografia de Lisboa, eleita em sessão de 27 de Fevereiro de 1964. Deixou colaboração dispersa por numerosas publicações nacionais e estrangeiras de entre as quais se destacam as revistas da Faculdade de Letras de Lisboa, Brasília, de Coimbra , Revista das Academias Brasileiras de Letras, do Rio de Janeiro, Revista de Portugal, Ocidente e outras. https://pt.wikipedia.org/wiki/Elza_Paxeco


PUBLICA - O Maranhão: subsídios históricos e corográficos. São Luís do Maranhão, 1912. Portugal e a Renascença. São Luís do Maranhão, 1912. Os Braganças e a restauração. São Luís do Maranhão, Tipografia da Pacotilha, 1912.



A PACOTILHA, 09 DE JANEIRO DE 1912


A PACOTILHA, 13 DE JANEIRO DE 1912

PACOTILHA, 19 DE JANEIRO DE 1919



PACOTILHA, 27 DE JANEIRO 1912


PACOTILHA, 30 DE JANEIRO



FEVEREIRO 1912, 1ยบ - A PACOTILHA



PACOTILHA, 02 DE FEVEREIRO 1912

10 DE FEVEREIRO



PACOTILHA, 12 FEVEREIRO 1912

PACOTILHA, 14 DE FEVEREIRO 1912


PACOTILHA, 21 DE FEVEREIRO 1912



PACOTILHA, 27 DE FEVEREIRO DE 1912


MARÇO, 03 – O Jornal O Cruzeiro do Sul, do Acre, publica:


MAIO, 03 – em O Cruzeiro do Sul, do Acre:


PACOTILHA, 08 DE MARÇO DE 1912

PACOTILHA, 25 DE MARÇO DE 1912



PACOTILHA, 30 DE MARÇO DE 1912

PACOTILHA, 15 DE ABRIL DE 1912


PACOTILHA, 25 DE ABRIL DE 1912



PACOTILHA, 02 DE MAIO DE 1912


Ano 1912\Edição 00106 (1) 04 de maio de 1912


PACOTILHA, 09, 10, 13, 14 DE MAIO DE 1912









PACOTILHA, 20 DE MAIO DE 1912


PACOTILHA, 22 DE MAIO DE 1912



PACOTILH, 23 DE MAIO E 1912



PACOTILHA, 31 DE MAIO E 1912



PACOTILHA, 06 DE JUNHO DE 1912


PACOTILHA, 25 DE JUNHO DE 1912


PACOTILHA, 28 DE JUNHO DE 1912


JULHO, 02 - O Jornal Pequeno, do Recife 8 registra o recebimento da obra de Fran Paxeco: Portugal e a renascenรงa:

PSCOTILHA, 04 DE JULHO DE 1912

8

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=800643&pesq=Fran%20Paxeco&pasta=ano%20190




PACOTILHA, 08 DE JULHO DE 1912



PACOTILHA, 12 DE JULHO DE 1912



PACOTILHA, 13 DE JULHO DE 1912

PACOTILHA 15 DE JULHO DE 1912




PACOTILHA, 18 DE JULHO DE 1912



PACOTILHA, 22 DE JULHO



PACOTILHA, 29 DE JULHO DE 1912




Ano 1912\Edição 00185 (1) – PACOTILHA, 05 DE AGOSTO


PACOTILHA, 07 DE AGOSTO DE 1912



PACOTILHA 12 DE AGOSTO DE 1912



PACOTILHA, 14 DE AGOSTO DE 1912


PACOTILHA, 15 DE AGOSTO DE 1912



PACOTILHA, 19 DER AGOSTO DE 1912



PACOTILHA, 21 DE AGOSTO DE 1912


PACOTILHA, 23 DE AOSTO DE 1912




PACOTILHA, 28 DE AGOSTO DE 1912



PACOTILHA, 9 DE SETEMBRO DE 1912



PACOTILHA, 16 DE SETEMBRO DE 1912



PACOTILHA, 17 DE SETEMBRO DE 1912



PACOTILHA, 27 DE SETEMBRO DE 1912



PACOTILHA, 1ยบ DE OUTUBRO DE 1912


PACOTILHA, 03 DE OUTUBRO DE 1912

PACOTILHAM, 04 DE OUTUBRO DE 1912


PACOTILHA, 05 DE OUTUBRO DE 1912



OUTUBRO, 07 – No Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, sobre o Dia de Portugal:


07/10 – Em O Paiz, do Rio de Janeiro, em matéria sobre a República Portuguesa

A PACOTILHA, 07 DE OUTUBRO DE 1912



08/10 – Em A Imprensa, do Rio de Janeiro publicada matéria sobre a República Portuguesa:

PACOTILHA, 08 DE OUTUBRO DE 1912



10/10 – em O Paiz, do Rio de Janeiro:

PACOTILHA, 12 DE OUTUBRO DE 1912





A PACOTILHA, 14 DE OUTUBRO 1912




PACOTILHA, 17 DE OUTUBRO DE 1912



PACOTILHA, 19 DE OUTUBRO DE 1912


PACOTILHA, 26 DE OUTUBRO DE 1912

PACOTILHA, 28 DE OUTUBRO DE 1912


PACOTILHA, 30 DE OUTUBRO DE 1912



PACOTILHA, 31 DE OUTUBRO DE 1912




Ano 1912\Edição 00261 (1) PACOTILHA, 02 DE NOVEMBRO DE 1912


PAOTILHA, 04 DE NOVEMBRO DE 1912






PACOTILHA, 07 DE NOVEMBRO DE 1912

PACOTILHA, 08 DE NOVEMBRO DE 1912




PACOTILHA, 12 DE NOVEMBRO DE 1912


PACOTILHA, 13 DE NOVEMBRO DE 1912

PACOTILHA, 15 DE NOVEMBRO DE 1912



PACOTILHA, 18 DE NOVEMBRO DE 1912




PACOTILHA, 20 DE NOVEMBRO DE 1912



PACOTILHA, 25 DE NOVEMBRO DE 1912



PACOTILHA, 26 DE NOVEMBRO


PACOTILHA, 27 DE NOVEMBRO DE 1912



PACOTILHA, 29 DE NOVEMBRO DE 1912

PACOTILHA, 02 DE DEZEMBRO DE 1912




PACOTILHA, 12 DE DEZEMBRO DE 1912


PACOTILHA, 13 DE DEZEMBRO DE 1912


PACOTILHA, 16 DE DEZEMBRO DE 1912



PACOTILHA, 17 DE DEZEMBRO DE 1912

DEZEMBRO, 25 - No Diário do Piaui referência à Fran Paxeco, em um longo artigo publicado em duas edições – duas partes, com o título O idealismo filosófico e o ideal artístico:


Relatório dos Presidentes de Província: proposto o nome de Fran Paxeco para comissão de instalação de Engenho Central São Pedro, no Pindaré

PACOTILHA, 27 DE DEZEMBRO DE 1912




PACOTILHA, 28 DE DEZEMBRO DE 1912


PACOTILHA, 30 DE DEZEMBRO DE 1912

PACOTILHA, 31 DE DEZEMBRO DE 1912



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