A presente obra está sendo publicada sob a forma de coletânea de textos fornecidos voluntariamente por seus autores, com as devidas revisões de forma e conteúdo. Estas colaborações são de exclusiva responsabilidade dos autores sem compensação financeira, mas mantendo seus direitos autorais, segundo a legislação em vigor.
EXPEDIENTE
MARANHA-Y REVISTA DE HISTÓRIA(S) DO MARANHÃO
Revista eletrônica
EDITOR
Leopoldo Gil Dulcio Vaz
Prefixo Editorial 917536 vazleopoldo@hotmail.com
Rua Titânia, 88 – Recanto de Vinhais 65070-580 – São Luís – Maranhão (98) 3236-2076 98 9 82067923
CHANCELA
Nasceu em Curitiba-Pr. Licenciado em Educação Física (EEFDPR, 1975), Especialista em Metodologia do Ensino (Convênio UFPR/UFMA/FEI, 1978), Especialista em Lazer e Recreação (UFMA, 1986), Mestre em Ciência da Informação (UFMG, 1993). Professor de Educação Física do IF-MA (1979/2008, aposentado); Titular da FEI (1977/1979); Titular da FESM/UEMA (1979/89; Substituto 2012/13), Convidado, da UFMA (Curso de Turismo). Exerceu várias funções no IF-MA, desde coordenador de área até Pró-Reitor de Ensino; e Pró-Reitor de Pesquisa e Extensão; Pesquisador Associado do Atlas do Esporte no Brasil; Diretor da ONG CEV; tem 16 livros e capítulos de livros publicados, e mais de 430 artigos em revistas dedicadas (Brasil e exterior), e em jornais; Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão; Membro Fundador da Academia Ludovicense de Letras; Membro da Academia Poética Brasileira; Sócio correspondente da UBE-RJ; Premio “Antonio Lopes de Pesquisa Histórica”, do Concurso Cidade de São Luís (1995); a Comenda Gonçalves Dias, do IHGM (2012); Prêmio da International Writers e Artists Association (USA) pelo livro “Mil Poemas para Gonçalves Dias” (2015); Prêmio Zora Seljan pelo livro “Sobre Maria Firmina dos Reis” – Biografia, (2016), da União Brasileira de Escritores – RJ; Diploma de Honra ao Mérito, por serviços prestados à Educação Física e Esportes do Maranhão, concedido pelo CREF/21-MA (2020); Foi editor das seguintes revista: “Nova Atenas, de Educação Tecnológica”, do IF-MA, eletrônica; Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, edições 29 a 43, versão eletrônica; Editor da IHGM EM REVISTA, desde 2023; Editor da “ALL em Revista”, eletrônica, da Academia Ludovicense de Letras, números 1 a 10; Editor da Revista do Léo, desde 2017, e desta MARANHAY – Revista Lazeirenta, dedicada à(s) História(s) do Maranhão; Editor da Revista Ludovicus, dedicada à literatura ludovicense/maranhense, desde 2024; Condutor da Tocha Olímpica – Olimpíada Rio 2016, na cidade de São Luis-Ma.
UM PAPO
Esta revista eletrônica destina-se a resgatar a(s) História(s) do Maranhão – entidade geográfica – que, em seu apogeu, se estendia do Cabo de São Roque, passando pelo Mucuripe (Ceará), pelo Piauí, o próprio Maranhão, o Pará, o Amazonas, o Amapá, Roraima, Rondônia, Acre, Tocantins, e parte do Mato Grosso... o Estado Colonial do Maranhão, instituído em 1617, implantado em 1619, subsistindo até a chegada da família real, em 1808, quando passou à província do Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarves... em 1823 foi anexado ao Império Brasileiro. Essas, são as suas histórias...
Temos, fixos, dois importantes colaboradores: Áureo Mendonça, geógrafo, que está a resgatar a história de sua cidade, Viana; e João Bosco Gaspar, guardião da memória da Serra da Ibiapaba, especialmente aqui replicado, quando referências ao Estado do Maranhão, o colonial, e/ou ao Bispado do Maranhão, que por bom período englobava as capitanias do Piauí e do Ceará – aí incluída a Serra...
Está aberta a contribuições...
Sempre que nas mídias sociais sair algum artigo/postagem de interesse, que possa esclarecer algo sobre a nossa História, será aqui replicado, mencionando-se a fonte.
Estão tentando cometer um assassinato moral, de um dos maiores intelectuais que esta terra já teve: Nina Rodrigues. Um imbecil – ainda não conseguimos saber quem é o de cujus – pediu a exclusão de seu nome numa estabelecimento psiquiátrico, acusando-o de racismo. Um imbecil que não conhece a História do Maranhão, e nem a contribuição desse ilustre maranhense para com as ciências do Brasil!!!
LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ
ÁUREO VIEGAS MENDONÇA
Nasceu em Viana-MA, em 1965. Pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci, obteve a graduação como Geógrafo e pós-graduação lato sensu em Metodologia do Ensino em Geografia. Experiência na área de Ciências Sociais Aplicadas com ênfase em Gestão de Pessoas. Pesquisador, servidor público, ocupa o cargo de Técnico Administrativo em Educação, no IFMA Campus São Luís Monte Castelo.
Em sua árvore genealógica, Áureo tem descendência paterna do tronco português, em Sebastião José de Carvalho e Melo – o “Marquês de Pombal” que foi Secretário de Estado do Reino, durante o Reinado de Dom José I, sendo considerado uma das figuras mais controversas e carismáticas da história portuguesa. O autor é herdeiro da veia literária de Sávio Mendonça, autor do livro “História de um menino pobre”, e neto da famosa bordadeira de “lombo de boi” Olívia Mendonça. tem se destacado por suas iniciativas para preservar e promover a história de Viana. Ele tem trabalhado em projetos que visam documentar e divulgar a história local, incluindo a publicação de artigos e a organização de eventos culturais. Além disso, ele tem colaborado com instituições locais para a preservação de documentos históricos e a promoção do patrimônio cultural da cidade.
Essas ações têm sido fundamentais para manter viva a memória histórica de Viana e para educar as novas gerações sobre a importância do patrimônio cultural da região.
Já recebeu diversos reconhecimentos por seu trabalho em Viana. Ele foi homenageado por instituições locais e regionais por suas contribuições para a preservação da história e cultura da cidade. Além disso, seu trabalho tem sido destacado em publicações e eventos acadêmicos, reforçando a importância de suas iniciativas para a comunidade.
Esses reconhecimentos são um testemunho do impacto positivo que ele tem tido em Viana e da importância de seu trabalho para a preservação do patrimônio cultural da região.
Publicou vários artigos e obras sobre a história de Viana. Um dos destaques é o livro “Resgate histórico de Viana”, lançado em 2022. Este livro é uma importante fonte de pesquisa sobre a história, os costumes e a cultura de Viana1 . Além disso, ele tem contribuído com artigos em revistas acadêmicas e participado de eventos como palestrante, compartilhando suas descobertas e insights sobre a cidade23 .
MEMÓRIAS DA CIDADE
(*)
Ano 1966 decisão do torneio intermunicipal de futebol maranhense disputado em São Luís entre Viana x Pinheiro. Viana campeão do torneio intermunicipal, após o retorno do time a cidade houve comemoração pelas ruas do centro histórico de Viana.
Na primeira foto do lado esquerdo Vavá e Lupercínio e do lado direito Jose Gomes o Zé Imbala. No meio deles o dirigente e presidente da Liga Esportiva Vianense Raimundo Nonato Mendonça o Papa Banha segurando o troféu.
Na segunda foto dá para verificar os casarões coloniais ainda em perfeito estado. (*) Áureo Mendonça, pesquisador e escritor.
Fotos: José Gomes, colorização Mariano Silva Neto.
JOÃO BOSCO GASPAR
– poeta, pesquisador e historiador. Filho de Gerardo Vieira Gaspar e Perpétua das Neves Gaspar. Nasceu nos alcantis paradisíacos da Serra Grande (em Tianguá-Ce), numa manhã de inverno tipicamente fria e neblinada, no dia 14 de janeiro de 1964, precisamente na residência da parteira Alcety Moita, no quadrilátero que circunda a atual catedral de Santana.
De origem humilde, estudou no Ginásio Municipal de Tianguá e na Escola de 2º Grau Regina Coeli. Graduado em Língua Portuguesa pela Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA, e Pós-Graduado (Lato Sensu) em História, Cultura e Patrimônio pelas Faculdades INTA (Instituto Superior de Teologia Aplicada), ambas de Sobral-CE. É casado com a Sra. Angelita Fontenele Magalhães, pai de dois filhos (João Victor e João Arthur Fontenele Magalhães Gaspar) e trabalha no Cartório do 1º ofício (Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas) da comarca de Tianguá, como Tabelião Substituto. Foi chefe do Grupo de Escoteiros Mons. Agesilau de Aguiar (hoje Dom Timóteo); apresentador de programa de rádio; projetista cinematográfico (Cine Santana); representante da juventude da Paróquia de Santana, junto à diocese de Tianguá; membro fundador da Pastoral de Juventude do Meio Popular (PJMP) na diocese de Tianguá; participou deváriosencontros,seminários, palestras, assembleias e cursosrepresentandoajuventude da diocese de Tianguá junto ao Regional Nordeste I da CNBB; foi presidente do Centro Cívico da Escola de 2º Grau Regina Coeli; membro fundador do Grupo de Artes e Tradições Folclóricas Serra Grande; presidente da comissão permanente de licitação e assessor administrativo da câmara municipal de Tianguá; foi membro da Comissão Censitária municipal de Tianguá em 2007, e é membro do Conselho de Sentença do Tribunal Popular do Júri da Comarca de Tianguá.
Foi um dos autores da Lei Municipal nº 473/2007, que dispõe sobre a preservação mediante tombamento, do patrimônio (material e imaterial) histórico, artístico, ambiental e cultural do município de Tianguá, e “autor” da Lei Municipal nº 487/2007 que instituiu o Ipê-Amarelo (Pau-D’arco-Amarelo) como árvore símbolo do município de Tianguá. É autor do pedido de tombamento da tanajura como patrimônio imaterial do município de Tianguá.
POR QUE OS DESCENDENTES DE JOÃO DE BARROS NÃO HERDARAM AS TERRAS DO MARANHÃO?
É da lavra do guardião-mor do Arquivo Nacional da Torre do Tombo (1908-1949) e historiador português, António Baião, em [prefácio] “Ásia, de João de Barros”, um dos relatos mais precisos sobre a vida de João de Barros, “o primeiro grande historiador português e pioneiro da gramática da língua lusitana”... o senhor das “terras do rio do Maranhão”. Sobre a descendência de João de Barros, Baião relata o seguinte: “Que foi casado com dona Maria de Almeida, de cujo enlace tiveram os seguintes filhos: Jerónimo de Barros, António de Barros, João de Barros, Diogo de Barros [ou de Almeida], Lopo de Barros, D. Maria de Almeida, D. Isabel de Almeida, D. Catarina de Barros e D. Ana de Barros”. (Fonte: Livro “Ásia, de João de Barros”, prefaciado por António Baião, p. 58)
A pergunta que não quer calar... após a malograda conquista e colonização da capitania doada a João de Barros na costa do Brasil, por que os seus sucessores não herdaram aquele rico território? Pois bem... Fracassado o processo de colonização das donatarias de Antônio Cardoso de Barros, João de Barros, Ayres da Cunha e Fernando de Andrade, todas as terras da costa leste-oeste, a partir de Itamacará até a linha da repartição (Tordesilhas), foram revertidas à coroa, ou seja, voltaram aos domínios do rei. Todas as capitanias criadas a partir de Itamaracá (Paraíba, Rio Grande, Ceará, Maranhão e Pará), ostentavam o título de “capitania real”, ou seja, “terra del-Rei nosso Senhor”. O retorno dessas terras aos domínios do rei, deu-se em virtude do débito contraído junto a coroa portuguesa pelos antigos donatários.
Por João Bosco Gaspar,
AS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS E REAIS, SEGUNDO PERO DE MAGALHÃES GANDAVO:
Por volta do ano de 1572, Pero de Magalhães Gandavo, em seus “Tratados”, afirma que havia no Brasil oito (08) capitanias, seis donatárias e duas reais: Itamaracá (donatária), Pernambuco (donatária), Bahia de Todos os Santos (real), Ilhéus (donatária), Porto Seguro (donatária), Espírito Santo (donatária), Rio de Janeiro (real) e São Vicente (donatária). Até aquele momento, essas oito capitanias representavam o território colonizado pelos portugueses na América. As demais capitanias, concedidas a partir de 1534, foram devolvidas ao reino de Portugal, como a de Antônio Cardoso de Barros, por exemplo, que foi revertida “à coroa”.
Gandavo lembra um ponto importante no formato das capitanias existentes em 1572, informando que o “comprimento de cada uma delas, era disposto no sentido leste-oeste, informação que diverge radicalmente do desenho do professor Jorge Pimentel Cintra, que ordena o comprimento de
algumas capitanias no sentido norte-sul. Contrariado o professor Jorge Cintra, sobretudo com relação aos lotes doados a João de Barros, Aires da Cunha, Antônio Cardoso de Barros e Fernando Álvares de Andrade, Gandavo afirma que: “Tem esta província, assim como vai lançada na linha Equinocial para o sul, oito capitanias povoadas de portugueses, que contém cada uma em si pouco mais ou menos de cinquenta léguas de costa, e demarcam-se uma das outras por uma linha lançada leste oeste: e assim ficam limitadas por estes termos entre o mar oceano e a linha da repartição geral dos reis de Portugal e Castela”.
Fonte: livro “História da Província de Santa Cruz” de Pero de Magalhães Gandavo, 1ª edição, ano de 1576, Lisboa, Portugal. Por João Bosco Gaspar
FRANCESES
NO
CEARÁ
– 1590:
“Por isso é que somente em 1603 se tentou explorar essa região de aparência desértica, vindo numa expedição ou “bandeira” o açoriano Pero Coelho de Sousa, com o objectivo expresso de impedir-se o comércio de estrangeiros que contra pazes capituladas e fora da obediência a seu rei vêm a portos deste estado. . . donde se sabe haverem levado amostras de ouro a sua terra. Pero Coelho com os seus soldados e índios avassalados atingiu a Serra da Ibiapaba e, metendo-se em combate contra os aborígines, viu-os, auxiliados por muitos franceses, mais exatamente dezesseis deles, dos quais prendeu dez, fugidos os restantes. Esses maiores - assim chamavam os autóctones, em contraposição aos “perós” - eram comandados por Adolphe Mambille, nome que alguns escrevem Bombille, achavam-se armados de mosquetes e se haviam fixado naquela montanha desde 1590, por ventura. Para os fins deste modesto estudo é de muito apreço este encontro de gentios aliados a filhos da França, pois que denuncia terem sido estes os primeiros a pisar a terra cearense, mantendo trocas mercantis e produzindo mamelucos que transmitiram aos descendentes o sangue gaulês, antes que o fizesse o dominador legítimo. Yves d'Evreux pretende que o “tuxaua” Jurupariaçu (Diabo Grande), vencido por Pera Coelho, era filho de francês com índia e por isso aliado natural deles”. Texto de Raimundo Girão, em “Franceses no Ceará”, p. 72/73. Imagem ilustração: JEAN BAPTISTE DEBRET, de 1827. Por João Bosco Gaspar,
A
“De fato, a conquista do Maranhão vai se realizar a partir de investimentos particulares, efetivados por uma fração da burocracia luso-pernambucana que buscava nas novas terras honras e cargos. Houve uma verdadeira transferência burocrático-militar de lugares como Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará para a conquista do Maranhão. Essa transferência também diz respeito às famílias políticas luso-brasileiras, como os Sousa, os Albuquerque Coelho, ou os Castello-Branco. Na prática, a conquista foi não só a resposta a um ‘chamado real’, mas também a visualização, por parte desses grupos políticos, de diversas vantagens na construção de outra oligarquia, independente das do Estado do Brasil. Todas as regiões ao norte de Pernambuco teriam um papel na tomada do Maranhão. Assim, foram reunidos índios aliados no Rio Grande do Norte e Paraíba; o Ceará seria um ponto estratégico para abastecimento da frota; e os principais oficiais eram lusopernambucanos.”. Fonte: Trecho do livro “A conquista do Maranhão e as disputas atlânticas na geopolítica da União Ibérica,1596-1626” de Alírio Cardoso, P. 329. Imagem: Desenho de Ernane Pereira “A Queda do Forte”. Por João Bosco Gaspar,
IBIAPINA E A SUA ORIGEM FRANCO-TABAJARA (Por João Bosco Gaspar).
É sabido que no ano de 1604, após sangrenta batalha travada contra as forças tabajaras e francesas (na ladeira do Itagurussu), a expedição de Pero Coelho de Sousa galgou vitoriosa o platô da Ibiapaba, sendo o reduto de Mel Redondo (Viçosa do Ceará) a primeira conquista das forças lusitanas em solo ibiapabano.
Depois de algum tempo, a tropa luso-ameríndia seguiu para o sul da serrania, conquistando em seguida, depois de muita resistência, a importante aldeia de Diabo-Grande (origem da atual cidade de Ibiapina), findando sua marcha gloriosa nas ribeiras do rio Arabê, nas proximidades da atual cidade de São Benedito. Calmon afirma que Pero Coelho “dispusera-se a povoar aqueles sítios. Instalando-se nos pendôres de Ibiapaba dominaria - com a sua atalaia - o caminho litorâneo para o Maranhão e os sertões dos “índios de côrso”.
É sabido, também, que a presença de corsários franceses nestes altiplanos é assinalada desde o ocaso do século XVI (1590), ou antes dessa data, assim se presume, se levarmos em conta os escritos do padre francês
Yves d'Évreux que [em companhia do padre Claude d'Abbeville] participou da expedição francesa enviada ao Brasil em 1612, no malogrado empreendimento chamado de França Equinocial. O padre d'Évreux escreveu o célebre livro “Viagem ao Norte do Brasil Feita Nos Annos de 1613 A 1614 ” onde afirma que o relacionamento entre os franceses “largados na praia” por Jaques Riffault e os tabajaras da Ibiapaba, excedia as relações comerciais. Ciente da aliança entre portugueses e tabajaras firmada em 1604, d'Évreux relata que:
“os portuguezes estavam na Tartaruga, na Serra de Camussy, unidos aos tremembés, aos montagnars, tanto de Ybuapap como de Mocuru, principalmente com Jeropary-Uaçu, isto é, com o Grande-Diabo, príncipe e rei de uma grande nação de cambaes, muito amigo dos francezes, e inimigo natural dos portuguezes, podendo afiançar-se com certeza, que se os francezes ahi fossem, elle trairia os portugueses e unindo-se a elles, por ser mulato-francez, isto é, filho de um francez e de uma índia” (p. 126).
Fontes: Livro “História do Brasil, Tomo 2” de Pedro Calmon, ano de 1941, P. 20, e livro “Viagem ao Norte do Brasil Feita Nos Annos de 1613 A 1614” do padre Yves d'Évreux, p. 126. Por João Bosco Gaspar. Foto: imagem atual da cidade de Ibiapina-CE, antiga aldeia de Diabo-Grande, ou Juripariguaçu.
"ATALAIAS DA IBIAPABA". Tela histórica/decorativa da coleção do Dr. Auricélio Fontenele (Viçosa do Ceará). Guerreiros tabajaras das tabas de Mel Redondo (Irapuã) e Diabo Grande (Juripariguaçu), aguardando a chegada de Pero Coelho de Sousa. Contemplam o dilatado Vale do Lambedouro, trajeto percorrido por Pero Coelho de Sousa e Martim Soares Moreno, antes da histórica batalha do Itaguarussu, em janeiro de 1604.
AS
TRÊS ENTIDADES GEOGRÁFICAS CONQUISTADAS POR PERO COELHO DE SOUSA, EM 1604 – RIO CEARÁ, RIO JAGUARIBE E SERRA DA IBIAPABA (MEL-REDONDO).
“Martim Soares Moreno, na sua "Relação do Siará", descreve assim a entrada de Pero Coelho de Sousa na região: “...fui com o capitão-mor (...) a descobrir e conquistar a província de Jaguaribe, Seará e Mel-Redondo”. É curioso notar que apenas Martim Soares Moreno se refere à palavra Ceará nessas descrições, mas, de maneira muito característica, cita o nome como uma das “províncias” que a bandeira teria ido conquistar, ao lado de um outro rio local (Jaguaribe) e ao de uma personalidade indígena (Mel-Redondo, nome de um morubixaba Tabajara da Ibiapaba).
Começava a se delinear, entretanto, os pontos marcantes do que viria a ser a capitania do Ceará na primeira metade do século XVII, ou seja, o rio Jaguaribe, o rio Ceará, a serra da Ibiapaba”.
Fontes: “Três Documentos do Ceará Colonial”, Thomaz Pompeu Sobrinho e “Entre o Forte e a Aldeia” de Guilherme Saraiva Martins, p. 21. Por João Bosco Gaspar
Fonte primária. Por João Bosco GasparA
HISTORIADORES: (Parte 01).
(1°) Afirma o padre LUIZ FIGUEIRA, testemunha ocular dos fatos, que logo após o assassinato do padre Francisco Pinto, tomou as seguintes providências:
“(...) tinha-se achado hua roupeta minha a qual lhe vestimos, e lavãdolhe o rosto e cabessa cheya de sangue e terra e feita em pedaços o cõpusemos em hua rede p.ª o trazermos p.ª o pe da serra (...). Cõ isto me fui e me deci da serra trazendo diante de my o corpo do p. e ao pe da serra o enterrey, fazendolhe hu moimento de pedras sobre a sepultura para sinal dela, pondolhe tãbem hua cruz á cabeceira (...). Depois q’ enterrey o P. ao pe daquela alta Serra da Ybiapaba em hu logar q’ particularmente se chama Abayára ao longo de hu rio dentro de hu mato (...)”. Fonte: “Relação do Maranhão, 1608, pelo jesuíta Luiz Figueira enviada a Claudio Aquavida” . Revista do Instituto do Ceará, RIC, ano de 1903, p. 124/125/126.
(2°) O grande SERAFIM LEITE, fundamentado nos escritos do padre Luiz Figueira, narra que:
“(...) foram atacados por aqueles índios Cararijus (sic), na sexta-feira, infra oitava da Epifania, a 11 de janeiro de 1608 (...). Defenderam-no os índios amigos, sendo feridos mortalmente dois, entre os quais o fidelíssimo António Caraibpocu. Ferido este, os selvagens arremeteram ao P. Francisco Pinto, e, tendo-lhe uns mão nos braços, estirando-lhos para ambas as partes, ficando ele em figura de Cruz, outros lhe deram tantas pancadas com um pau na cabeça, que lha fizeram pedaços (...). Luiz Figueira, que deveu a vida a achar-se naquela casa desviada e a ter-se recolhido no mato, durante a irrupção dos selvagens, passado o sangrento alvoroto, tratou de voltar ao mar. No sopé da Serra de Ibiapaba, deixou sepultado o corpo do P. Pinto junto dele, um de cada lado, os dois valorosos índios que morreram em sua defesa (...)”. Fonte: “História da Companhia de Jesus no Brasil” do padre Serafim Leite, Tomo 3, p. 08/09.
(3°) O douto THOMAZ POMPEU SOBRINHO, também fundamentado na “Relação do Maranhão”, homologa a narrativa de ambos:
“(...) O cadáver do pe. Pinto e os de dois índios que morreram lutando em defesa dos missionários foram sepultados ao pé da serra da Ibiapaba, no lugar que particularmente se chama Abayara, ao longo de um rio dentro de um mato (...). No nosso modo de pensar a inhumação fez-se no sertão perto da escarpa, ao longo do rio agora conhecido por Ubajara, afluente do rio Coreaú, mas não no lugar onde está a cidade deste nome (...)”. Fonte: “Três Documentos do Ceará Colonial” de Thomaz Pompeu Sobrinho, Raimundo Girão e José Aurélio Saraiva Câmara, p. 145/146/147. Por João Bosco Gaspar
TRANSPORTADO NUMA REDE - O CORPO DO PADRE FRANCISCO PINTO É LEVADO DOS ALTIPLANOS DA IBIAPABA, PARA OS SOPÉS DA SERRA.
Relata o padre Luís Figueira, testemunha ocular daqueles fatos, que os missionários: “(...) foram atacados por aqueles índios Cararijus(sic), na sexta-feira, infra oitava da Epifania, a 11 de janeiro de 1608 (...). Defenderam-no os índios amigos, sendo feridos mortalmente dois, entre os quais o fidelíssimo António Caraibpocu. Ferido este, os selvagens arremeteram ao P. Francisco Pinto, e, tendo-lhe uns mão nos braços, estirando-lhos para ambas as partes, ficando ele em figura de Cruz, outros lhe deram tantas pancadas com um pau na cabeça, que lha fizeram pedaços (...)".
Prossegue o padre Luís Figueira, registrando que, logo após o assassinato do padre Francisco Pinto, tomou as seguintes providências:
“(...) tinha-se achado hua roupeta minha a qual lhe vestimos, e lavãdolhe o rosto e cabessa cheya de sangue e terra e feita em pedaços o cõpusemos em hua rede p.ª o trazermos p.ª o pe da serra (...). Cõ isto me fui e me deci da serra trazendo diante de my o corpo do p. e ao pe da serra o enterrey, fazendolhe hu moimento de pedras sobre a sepultura para sinal dela, pondolhe tãbem hua cruz á cabeceira (...). Depois q’ enterrey o P. ao pe daquela alta Serra da Ybiapaba em hu logar q’ particularmente se chama Abayára ao longo de hu rio dentro de hu mato (...)”. Fonte: Revista do Instituto do Ceará, ano de 1903, em “Relação do Maranhão, 1608, pelo jesuíta Luiz Figueira enviada a Claudio Aquaviva”, p. 124/125/126. Por João Bosco Gaspar
ANO DE 1605 – O REI DE PORTUGAL E ESPANHA, DOM FILIPE II, ORDENA QUE “SE DÊ LIBERDADE AOS ÍNDIOS DA IBIAPABA, ESCRAVIZADOS POR PERO COELHO DE SOUSA”.
Ao retornar ao Recife no ano de 1604, Pero Coelho de Sousa levou consigo, na condição de escravizados, centenas de índios capturados na aldeia de Mel Redondo (Viçosa do Ceará). Na justificação que fez na cidade do Recife, Pero Coelho de Sousa alegou que os gentios da Ibiapaba “devem ser julgados cativos” porque “rebelaram-se, quebraram o pacto, ajudando os franceses e tomaram armas contra nossa gente [Fonte 01].
O governador Diogo Botelho, porém, “dirigiu-se à coroa, a fim de que a questão fosse decidida definitivamente pelas instâncias competentes da metrópole”. [Fonte 02].
E em data de 22 de setembro de 1605, Dom Filipe II de Portugal e Espanha, firmou a seguinte ordem: “Carta de El-Rei ao Governador Diogo Botelho ordenando por meio de alvará se dê a liberdade aos índios que Pero Coelho de Sousa e a sua companhia cativaram [na Ibiapaba] e mandaram a Pernambuco. Lisboa, 22 de setembro de 1605”. [Fonte 03].
Fonte 01: “Correspondência de Diogo Botelho, governador-geral do Brasil”. Fonte 02: “Política indigenista dos portugueses no Brasil:1500-1640”. Fonte 03: “Biblioteca da Ajuda, Lisboa, 51-IX-29, fls. 16”. Foto: Imagem de ilustração colhida na Internet.
Por João Bosco Gaspar,
ÍNDIO DA IBIAPABA, EM PARIS, FRANÇA, NO ANO DE 1613.
“(...) Batizaram-se os índios [da Ibiapaba e do Maranhão] na Igreja do Convento dos Padres Capuchinhos, no bairro de Saint-Honoré em Paris. Estava a Igreja ornamentada com cortinados de sêda bordados a ouro, nos quais se estampava a vida do glorioso precursor de Nosso Senhor Jesus Cristo. O altar-mor estava ricamente preparado e o santuário ornado de sêda. Do lado da nave foi levantado um tablado para sustentar as pias batismais, cobertas com uma grande e bela bacia de prata, ornada de esmalte dourado, por cima da qual havia uma colcha de tafetá branco achamalotado, tão grande que chegava até o chão. Mais ou menos às quatro horas da tarde compareceu a Rainha, logo seguida pelo Rei. O sr. Bispo de Paris, que bondosamente quis ser o celebrante, revestiu então suas vestes pontificais. Apresentaram-se imediatamente os três índios restantes, já preparados e catequizados para a cerimônia. Traziam vestes de tafetá branco, abertas e enfeitadas com botões de sêda, de cima até em baixo na frente, e de cima até a cintura atrás, para com maior facilidade lhe serem aplicados os santos óleos. Principiou a interrogá-los acerca do batismo o sr. Bispo de Paris, servindo eu de intérprete para transmitir aos índios as perguntas a que respondiam em sua língua. Em seguida rezaram o Padre-Nosso a Ave-Maria e o Credo também em sua língua. Não é possível dizer, nem sequer imaginar que terão feito os anjos tutelares desde séculos para a conversão dêsses pagãos e infiéis, principalmente por ter Deus lhes ordenado que amassem aquêles que tinham sob sua proteção. Com que alegria não terão presenciado a conversão, não de um pecador apenas, mas de uma infinidade de almas? E, além do mais, de almas que não eram somente de pecadores, mas sim de bárbaros, de entes cruéis e inumanos? Entrementes, enquanto ocorriam êsses acontecimentos, não cessavam os coros de músicos de Sua Majestade de louvar a Deus, com harmonia incomparável de vozes e instrumentos, pela santa ação. Mas havia ainda outra harmonia não menos agradável ao criador. Essa harmonia de louvores íntimos dessas pequenas almas recém-regeneradas e lavadas no sangue precioso do cordeiro imaculado; essa harmonia dos votos que faziam, em face da Igreja. Tudo terminado, Itapucu, o mais velho dos três, agradeceu humildemente a Suas Majestades a honra e os benefícios recebidos ao serem todos os três feitos filhos de Deus, e pediu respeitosamente que prodigalizassem os mesmos favores aos seus compatriotas. Respondeu-lhe a Rainha que orassem a Deus pelo Rei seu filho e por ela, pois dêles, índios, ela cuidaria com carinho e tôda a proteção possível. Em seguida ajoelharam-se Suas Majestades. Entoou-se o Te Deum Laudamus em ação de graças, e o sr. Bispo de Paris deu sua bênção (...)”.
Fonte: Trecho do Livro “História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras circunvizinhas” do padre Claude d'Abbeville, publicado no ano de 1614, na França. Por João Bosco Gaspar,
“MANEN,
PATUÁ
Y
CARYPYRA”
TRÊS ÍNDIOS DO MARANHÃO, SEPULTADOS EM PARIS – ANO DE 1613”
“Em busca de parentes mortos em Paris – Crônica: Numa ladeira tortuosa da ala sul do Cemitério Père Lachaise, em Paris, estão enterrados muitos "indigentes". Entre eles, na Quadra 56, três amazonenses, "barões da borracha" falidos, que morreram na capital francesa na maior pindaíba, arruinados com a crise de 1914 depois de gastar a fortuna em orgias dignas da dupla Cabral-Cavendish. Os seus nomes sequer são legíveis e só sabemos que as sepulturas pertencem a herdeiros dos donos de seringais graças às informações da historiadora da Universidade do Pará, Rosa Acevedo, com quem visitei as tumbas no inverno de 1982. A neve cobria os túmulos de conhecidos representantes das ciências e das artes, de Molière a Edith Piaf, passando por Victor Hugo, Augusto Comte, Chopin, Sarah Bernhardt, Isadora Duncan, Oscar Wilde, Allan Kardec e tantos outros, cujos admiradores periodicamente colocam flores e até pagam a limpeza das sepulturas. A cova dos "barões da borracha", no verão cobertas de mato, naquele inverno estavam com lama e neve.
Sentiriam frio aqueles ossos que chocalharam um dia pela Av. Eduardo Ribeiro em Manaus e logo depois pelo Boulevard Saint-Michel, esbanjando em curto tempo a fortuna acumulada com a exploração da força de trabalho de nordestinos, cabocos e índios e com negociatas escusas regadas à propinas? Apesar disso, em gesto de desonesta e provinciana comiseração, transferiria eu camélias de um túmulo rico para adornar as sepulturas dos três infelizes, que não têm quem lhes acenda uma vela?
A coroa de flores que eu queria depositar era no jazigo de três outros conterrâneos amazônidas, que morreram em Paris num sábado primaveril, 4 de maio de 1613, após rigoroso inverno, mas não foram sepultados no Père Lachaise. Eles morreram de frio e de solidão no meio de espantosas alucinações e crise de identidade, depois de batizados in extremis com nomes cristãos: Manen, o Anthoine, Patuá, o Jacques e Carypyra, o François. Faziam parte da comitiva de seis índios levados pelos franceses de São Luís do Maranhão a Paris, três dos quais sobreviveram.
O perfil e a biografia de cada um foi desenhado a bico de pena nas crônicas dos capuchinhos Claude D´Abbeville e Yves D´Evreux, que viveram em São Luís. Manen, um deles, nasceu num dia qualquer de 1593, em Renary, aldeia do rio Pará. Nacionalidade: Tupi. Sinais particulares: "cabelos longos e lisos, voz doce e suave, humor fácil, temperamento cordial, afável e brincalhão". Causa mortis: febre ardente e inexplicável, com paralisia das duas mãos.
Anthoine Manen foi enterrado com o hábito de São Francisco no próprio convento dos Capuchinhos, na Rua Saint-Honoré, em Paris, num solene funeral após intenso sofrimento, como nos conta D´Abbeville. Agora, eu só podia levar-lhe flores se localizasse o tal convento. Propus, então, ao antropólogo Renato Athias, que trabalhou no Rio Negro e fazia seu doutorado na França, um rastreamento da área.
Realizamos juntos peregrinação pela Rua Saint-Honoré e pelo Faubourg do mesmo nome. Percorremos de um extremo ao outro, prédio por prédio. Passamos por butiques de renome, lojas chiques de perfumes e cosméticos, joalherias, galerias de arte, restaurantes, salões de beleza, livrarias e até a igreja de São Roque, mas nenhum sinal do convento capuchinho. Não desistimos. Procuramos a residência da congregação em outro bairro, na Rue Boissonade. Lá, ninguém sabia de nada, mas nos deram o telefone em Marselha do historiador da Congregação.
Nas catacumbas
- Alô. Estou procurando um parente meu enterrado no vosso convento - eu disse ao padre Jean Mauzaize, um velhinho simpático cujo nome de congregação é Raoul de Sceaux, autor de uma história dos frades menores da Província de Paris.
Ele informou o local exato do convento próximo ao ângulo da Rua de Castiglione, mas confirmou sua demolição em 1804. Explicou que até o século XVII, quando não havia cemitérios públicos, cada convento tinha o seu privado, dividido por paróquias. Por medidas sanitárias, a Revolução Francesa acabou com todos eles e transferiu os ossos, incluindo os dos índios, para as Catacumbas de Paris em Denfert Rochereau, que recebe visitas no terceiro sábado de cada mês.
Num sábado, lá vou eu e outra amazonense Marilza de Melo Foucher buscar nossos parentes. Descemos enorme escadaria, caminhamos por um túnel comprido, sombrio e úmido com painéis explicativos, atravessamos uma porta metálica do Ossuário Municipal, passamos por um portal com a inscrição que recomenda o visitante parar porque "É aqui o Império da Morte". Não paramos. Mais adiante, uma placa genérica informa que ali estão as ossadas do convento dos Capuchinhos transferidas no dia 29 de março de 1804.
- Encontramos - eu comemorei.
Não foi possível, porém, comprovar o achado. O painel menciona os restos de Santo Ovídio e de outros mortos ilustres, mas omite qualquer registro de Manen, Patuá e Carypyra que lá estão, como sabemos, cobertos pelo pó, o esquecimento e o silêncio. A expressão "memória subterrânea" desenvolvida por Michael Pollak ganha outra dimensão lá embaixo, nas Catacumbas de Paris, um monumento oficial consagrado à história, um lugar de memória que apagou a lembrança das minorias excluídas e marginalizadas. Urubu na carniça.
O que esses índios foram fazer em Paris? D´Abbeville confesa claramente que o objetivo era consolidar a aliança dos franceses com os Tupinambá do Maranhão, na luta contra os portugueses pela ocupação do território. Por isso, os seis índios foram recebidos em "acolhida triunfal e com salvas de canhão", num espetáculo publicitário que pretendia recrutar novos colonos e arrancar uma ajuda de 20 mil escudos da rainha Maria de Medicis para as missões.
Os três sobreviventes – Itapucu [NATURAL DA IBIAPABA] batizado como Louis Marie, Uaruajó como Louis Henry e Japuaí como Louis de Saint-Jean - no dia da cerimônia de batismo desfilaram pelas ruas de Paris, em grande pompa, ao lado de Maria de Medicis e de Luis XIII, ainda adolescente, seus padrinhos no ritual celebrado pelo próprio arcebispo de Paris. Eles se chamaram todos Luís, como seu padrinho, a fim de "tornar familiar o nome do rei para os índios de sua tribo".
A cerimônia começou às 16 horas do dia 24 de junho de 1613 com uma enorme multidão concentrada desde cedo. Centenas de soldados armados foram mobilizados às pressas para guarnecer os portões do convento e impedir que o povo os derrubasse para ver o "espetáculo" caracterizado pelo luxo e a badalação: tapetes de seda ornados de ouro, pia batismal de prata e esmalte dourado, colchas de tafetá e índios com vestidos de seda.
Os outros três índios que morreram, em sua agonia, tiveram alucinações.
Um deles, no leito de morte, viu uma enorme quantidade de urubus negros, que bicavam o seu corpo como se fosse carniça podre. O outro, escondido debaixo do lençol, sonhou com índios que o ameaçavam de morte se ele aceitasse o batismo e renegasse sua cultura. Os capuchinhos não entenderam bulhufas. O frei D´Abbeville
narra tais visões que interpreta como tentações do capiroto na disputa por aquelas almas. Os frades sapecaram água benta para afastar o Tinhoso. Os índios morreram, mas como cristãos - se vangloria o padre.
A trajetória dos donos de seringal na França, assim como os índios batizados e mortos são fios soltos que nos levam a refletir sobre a necessidade de reelaborar a História do Brasil ensinada em nossas escolas”.
Por: José Ribamar Bessa Freire - Diário do Amazonas. Imagens colhidas na Internet
Surge, então, uma pergunta... “real” por que? Porque, ao contrário do que muitos afirmam, a capitania do Ceará não vem da donataria de Antônio Cardoso de Barros, foi criada às expensas da coroa portuguesa em terras do rei. Malogrado o processo de colonização das donatarias de Antônio Cardoso de Barros, João de Barros, Ayres da Cunha e Fernando de Andrade, todas as terras da costa leste-oeste, a partir de Itamacará até a linha da repartição, foram revertidas à coroa, ou seja, voltaram aos domínios do rei.
Após o fracasso da empreitada do capitão Pero Coelho de Sousa em 1604 que tinha por objetivo “conhecer e conquistar” as terras do Jaguaribe, Ceará e Mel-Redondo (Ibiapaba), Martim Soares Moreno “foi incumbido em 1610 pelo governador-geral D. Diogo de Menezes, de fundar um estabelecimento colonial no Ceará”. Em 1612 Martim Soares Moreno toma posse no cargo de capitão-mor da Fortaleza do Ceará.
Em “1613 ausentou-se Martim Soares Moreno do Ceará, na sua ausência a fortaleza do Ceará foi governada sucessivamente por Estevão de Campos (1613), Manuel de Brito Freire (1614) e Domingos Lopes Lobo (1617)”.
Em 1620 Martim Soares Moreno retorna ao Ceará na condição de capitão-mor da recém-criada capitania, nomeado por Carta Régia de 24 de maio de 1619, assinada por D. Filipe II.
Fonte: Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de D. Filipe II, Livro nº 43, fls. 208, RD-211
Link para acessar a fonte primária nos arquivos de Portugal (https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4202506).
Por João Bosco Gaspa
O CEARÁ NA CARTOGRAFIA HOLANDESA DE 1640.
“Os mapas do Brasil gravados e publicados na Holanda no decorrer do século XVII obedecem quase todos aos mesmos modelos. Suas diferenciações estão mais nos elementos decorativos, nos títulos e nos nomes dos gravadores que propriamente no desenho geográfico. Entre todos eles, merece destaque a Nova et Accurata Brasiliae Totius Tabula, feita por Jan Blaeu em 1640. Esse mapa mostra o Brasil desde a foz do Amazonas até a parte que atualmente corresponderia ao Estado do Paraná. A nomenclatura, abundante, é quase toda em português, exceto no trecho compreendido entre a baía de Todos os Santos e o Ceará. Aí há referências em holandês e a indicação de fortes construídos durante a ocupação, como por exemplo o de Mauritius, erigido pelos holandeses em 1637. O Brasil aparece dividido em capitanias, sendo que as do Siara (Ceará), Maragnan (Maranhão) e Para ocupam a parte Norte. O oceano Atlântico aparece com o nome de Oceanus Aethiopicus, e ao longo da costa Nordeste do Brasil tem a designação de Mare Brasilicum”.
Por João Bosco Gaspar
“MAPA DA MAIOR PARTE DA COSTA, E SERTÃO, DO BRASIL”
do padre Jacob Cócleo. “O Padre Jacob Cochleo, francês de Philippeville, Artois, nascido em 1629 e ingresso na missão do Ceará em 1662. Foi de devotamento e sacrifício o seu sacerdócio nestes matos agrestes até 1673, tempo em que o chamaram para o Rio de Janeiro, de cujo Colégio foi Reitor. Acabou figura de alta nota na vida religiosa do Brasil pelas inumeráveis conversões que alcançou de ingleses, holandeses e dinamarqueses na Baía, a ponto de ter falecido ali, no ano de 1710, “em cheiro de santidade”. O Padre Cochleo tivera quartel na aldeia de Parangaba e daí, de quando em quando ia á Serra Grande na sua catequese de apaziguamentos difíceis. Trabalhou muito nessa vinha de Deus, não só a ensinar os Índios, mas também a ajudar os portugueses no presídio da fortaleza”. Fonte: Raimundo Girão “Franceses no Ceará”, 1953 – ACL.
Por João Bosco Gaspar
CAMBRESSIVE = IBIAPABA: UMA HISTÓRIA DE RESISTÊNCIA POTIGUARA (1654-1660):
“A presente tese tem por objetivo analisar a resistência dos potiguaras protestantes que se refugiaram na serra da Ibiapaba, Ceará, após a expulsão dos holandeses em 1654 até a chegada do padre jesuíta Antônio Vieira em 1660. A tese defende que desde o primeiro encontro entre potiguaras e holandeses em 1625, na Baía da Traição, Paraíba; uma aliança foi formada entre as duas nações. Esta parcela da nação potiguara contribuiu, desde os planos de invasão em 1630 em Pernambuco, à ampliação e consolidação da Nova Holanda, e até mesmo após a expulsão dos holandeses em 1654. Não aceitaram o perdão português contido na Capitulação de Taborda de 1654, formularam um plano de resistência, migraram para a serra da Ibiapaba, no Ceará e enviaram Antônio Paraupaba para informar os Estados Gerais Holandeses de tal plano, que inicialmente seria uma espera de dois anos. Porém, os potiguaras resistiram por pelo menos seis anos, o que despertou o interesse português em enviar Antônio Vieira. Esta tese defende que o fato de estes potiguaras terem se convertido à fé reformada, associada a interesses políticos e militares de ambos os lados, foi fator determinante para essa aliança. E, especificamente, no caso do refúgio na Ibiapaba, o conceito de resistência se expressou na prática em uma espera em Deus, dentro desse contexto específico, tornou-se, além de uma espera religiosa, uma resistência política.
A tese conclui não ser mais possível olhar para o Brasil Holandês, somente como holandês, sem a participação decisiva dos potiguaras. Assim, viram neste projeto colonizador a oportunidade de se livrarem do perigo da escravidão, como também a possibilidade real de fazerem parte deste estado, resguardadas às devidas proporções. E que sua temporalidade deve se estender até a assinatura do Tratado de Haia em 1661, pois houve uma resistência político-religiosa potiguara na Ibiapaba entre a expulsão em 1654 e a assinatura do Tratado em 1661.
A tese analisou fontes primárias, tanto produzidas pelos indígenas, quanto as que contêm impressões sobre eles, para verificar a quantidade de conhecimento teológico contido nelas, comparando-as com os documentos doutrinários da Igreja Reformada Holandesa. E se utilizou das Ciências Sociais para fazer a crítica devida às fontes, principalmente da nova história indígena que considera o protagonismo das populações indígenas”. Fonte: Trecho da Tese de Doutorado “CAMBRESSIVE: UMA HISTÓRIA DE RESISTÊNCIA POTIGUARA (1654-1660)” de FRANCISCA JAQUELINI DE SOUZA VIRAÇÃO. Por João Bosco Gaspar
OS ÍNDIOS DA SERRA DA IBIAPABA, CAPITANIA DO CEARÁ, JURAM FIDELIDADE À IGREJA CATÓLICA
ROMANA E AO REI DE PORTUGAL - ANO DE 1660.
TRANSCRIÇÃO INTEGRAL – ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO DE PORTUGAL - AHU-CEARÁ, CAIXA Nº 01 DOCUMENTO Nº 46.
"Carta de Sua Majestade [o Rei de Portugal], para Dom Simão Taguaibuna, principal dos índios tabajaras da Serra da Ibiapaba. Que por carta do padre Antônio Vieira (...), se recebeu o aviso do juramento que o dito principal havia feito nas mãos do dito padre, de ser fiel vassalo de Sua Majestade toda à sua nação e todos os seus descendentes, e de como assim ele, como os outros principais haviam recebido suas legítimas mulheres conforme os ritos da Igreja Romana, e prometido de em tudo o mais guardarem a lei de Deus, como verdadeiros cristãos, e tratarem de ajudar ao descobrimento do Rio Pará [Parnaíba] e conquista de todas as outras nações vizinhas às suas terras [Ibiapaba], para se reduzirem todos a fé de Deus e vassalagem de Sua Majestade, de que todos, Sua Majestade recebes [com] grande contentamento, pelo desejo que Sua Majestade tem de que todas essas nações venham ao conhecimento do verdadeiro Deus; e lhe agradece o zelo e vontade com que se tem disposto a esta empresa, cujo sucesso Sua Majestade fica esperando para lhe mandar fazer mercê, e que o mesmo diga da parte de Sua Majestade aos demais principais, aos quais todos encarrega Sua Majestade, particularmente a obediência e respeito que devem ter aos padres como ministros de Deus e da Santa Madre Igreja, seguindo em todos seus conselhos”.
Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino de Portugal – Documentos da Capitania do Ceará – AHU-CE, Caixa nº 01, Documento nº 46, ano de 1660. Transcrição: João Bosco Gaspar.
ANO DE 1660 – O FIM DA “REPÚBLICA PROTESTANTE DE CAMBRESSIVE”. OS ÍNDIOS “HEREGES” DE PERNAMBUCO SÃO RETIRADOS DA IBIAPABA:
“Ordem de Sua Majestade, que há de vir ao capitão da fortaleza do Ceará. Que por quanto sua Majestade tem ordenado que todos os índios retirados de Pernambuco que se achavam desde o sítio do Ceará até o da Ibiapaba, e suas vizinhanças, e em qualquer lugar daquelas costas ou sertões, se recolham todos ao Maranhão”.
Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino de Portugal, AHU -Ceará, Caixa nº 01, Doc. nº 46. Por João Bosco Gaspar, pós-graduado em História, Cultura e Patrimônio, Tianguá Ceará.
O ENCONTRO ENTRE O PADRE ASCENSO GAGO E O ÍNDIO ARAPÁ... NOS SOPÉS DA IBIAPABA. ANO DE 1695:
Arapá foi um guerreiro indígena alcunhado pelos colonizadores de “gentio de corso” (índios que não tinham aldeias fixas, viviam a saquear as povoações) que viveu nos sopés da Ibiapaba no ocaso do século XVII. Em sua Carta ânua de 1695 o padre Ascenso Gago narra o encontro que teve com esse indígena quando, em companhia de alguns tabajaras, foi “ver em a costa do mar terras capazes para aldear o gentio de língua geral”. Ascenso Gago pergunta aos tabajaras: “que meio poderia eu ter para falar com os tapuias”, os quais responderam “que se pondo fogo aos campos infalivelmente mandariam os tapuias sentinelas a descobrir o que passava”. Prossegue o missionário: “pus fogo no campo, e como estava a erva seca, em breve tempo levantou mui grande labareda e fumaça”. Ascenso Gago pediu que os tabajaras se retirassem para o mato e ficou sozinho esperando os tapuias. “Pouco havia que os de minha companhia se tinham apartado, quando vi dois tapuias que vinham para onde eu estava, agigantados no corpo, como o são quase todos, com seus arcos e frechas nas mãos, e cada um deles com o seu ijocú, ou pau de matar pendente no ombro direito. Adiantei-me a saudá-los em língua tabajara, ao que eles responderam no mesmo idioma, mal e barbaramente. Responderam que estavam em guerra com todas as nações vizinhas, e com mais empenho com o tapuia guanacé, por haver morto um principal chamado Guati. Era o que me dizia isto um principal dos Reriús o qual se chamava Arapá. (...). Ascenso Gago diz que “lhe comecei a louvar a paz e encarecer-lhe a conveniência dela, que tendo paz com as mais nações, livres e sem sobressaltos, fariam suas carreiras pelos campos e matos buscando sustento para suas mulheres e filhos”, e que “era sacerdote do Grande Deus, Senhor de todas as coisas, e por sua vontade viera aquelas terras a pôr em paz todas as nações daquela costa”.
Fonte: Carta Ânua do padre Ascenso Gago de 1695 – Documentos para a história colonial do Ceará, p. 29).
ARAPÁ VELHO DE GUERRA - QUEM FOI ARAPÁ ?
– Foi um guerreiro indígena alcunhado pelos colonizadores de “gentio de corso” (índios que não tinham aldeias fixas e viviam a saquear as povoações), ou "tapuias" (índios considerados bárbaros ou selvagens, pelos demais). O guerreiro Arapá viveu nos sopés da Serra Grande no ocaso do século XVII (1695), vagando entre as serras da Ibiapaba, Serrinha de Dom Simão (Tabainha) e Meruoca. Por ocasião da instalação da Missão Jesuítica da Tabainha, organizada pelo padre Ascenso Gago da Companhia de Jesus no ano de 1697, o "tapuio" Arapá recusou o convite feito pelo jesuíta para se estabelecer naquele aldeamento. Segundo o padre Serafim Leite (História da Companhia de Jesus – volume III): “É esta nação gente de corso, há entre eles 4 principais pelos quais estão repartidos os vassalos, a saber: o principal Timucu, o principal Coió, o principal Arapá, e o principal Guarará”. Em 1943 o antigo distrito de Riachão, parte integrante do município de Tianguá, criado no ano de 1933, passou a chamar-se distrito de Arapá, em homenagem a esse indígena que habitou aquela região.
Por João Bosco Gaspar).
A CRIAÇÃO DA ESCOLA INDÍGENA EM VILA VIÇOSA REAL, CAPITANIA DO CEARÁ - ANO DE 1805
“(...) Todo menino índio de idade de 5 anos acima, será obrigado de frequentar a escola (...). Aqueles que neste exame saírem aptos serão pelo diretor aplicados aos diferentes ofícios, integrando-se aos mestres alfaiates, sapateiros, carapinas e ferreiros, ou outros quaisquer constantes que sejam desta vila. Além desta escola, haverá uma de música. Vila Viçoza Real 18 de abril de 1805. (assinado) João Carlos Augusto de Oyenhausen Gravenburg, governador da capitania do Ceará (...)”.
Fonte: Secção de Manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro – BNRJ, Manuscrito I-28, 9, 13. Por João Bosco Gaspar, pós-graduado em História, Cultura e Patrimônio, Tianguá Ceará.
A CONQUISTA DA BARRA DO RIO PARNAÍBA, DESCRITA PELO PADRE ASCENSO GAGO.
"Certifico eu, padre Ascenso Gago da Companhia de Jesus e missionário dos índios que habitam a Serra da Ibiapaba e seus contornos no distrito do Ceará Grande e Vila de São José de Arribamar, em como o capitão maior Francisco Gil Ribeiro se tem havido no governo desta capitania com toda a satisfação (...) e zelo do serviço de Deus e Sua Majestade, sem vexações nem queixas dos moradores ou qualquer outra pessoa desta capitania, o que tudo há mostrado em várias ocasiões em o serviço de Deus, conservando-se em boa amizade com os missionários que nesta capitania [do Ceará] assistem na cultura dos índios, ajudando quanto pode na devoção e cultura dos mesmos, impedindo o horrível mal que os brancos costumam fazer aos índios, e principalmente os dos soldados, não lhes permitindo ir as aldeias senão à negócio necessário, e sem companhia de outro soldado, por evitar os excessos que faziam quando iam acompanhados; e ultimamente não é consentido ter mancebas (...) como estavam em tempo de seus antecessores. Enquanto ao serviço de Sua Majestade, se viu ter seu incansável zelo na expedição que fez para o descobrimento [do rio] da Parnaíba, em que constou a tropa de mais de mil homens entre brancos e índios de sua jurisdição; que não se havendo nesta ocasião sondado a barra, por inconvenientes que para isso houve, expediu imediatamente cem homens, pouco mais ou menos, a sonda-la, o que tudo se conseguiu sem se receber dano algum dos bárbaros que habitam aquela ribeira, e à custa de grandes desvelos do dito capitão maior, em conciliar e ajuntar os índios e capitães desta capitania para acompanharem os soldados brancos nesta expedição. O que tudo juro IN VERBO SACERDOTIS [pela palavra do Senhor]. Ceará, e Villa de São José de Arribamar, 24 de janeiro de 1706. [assinado] Padre Ascenso Gago”.
Fonte: Arquivo Histórico Ultramarino de Portugal, AHU-Ceará, Caixa nº 01, Documento nº 52, página 12. Por João Bosco Gaspar
CEARÁ, ENTRE OS ANOS DE 1699 E 1702.
O Rei de Portugal, ordena que Leonardo de Sá, “às suas custas”, descubra a barra do Rio Parnaíba: “[H]Ouve Sua Majestade, por bem, tendo respeito a Leonardo de Sá, estar provido pelo governador de Pernambuco em o posto de Coronel de Infantaria de Ordenanças da Capitania do Ceará-Grande, que vagou por deixação que dele fez Manoel da Costa Barros, atendendo ao dito Leonardo de Sá ser pessoa nobre principal e mais afazendada da dita capitania [do Ceará] e haver servido nos postos de capitão da ordenança, capitão de cavalos e sargento-mor com honrada satisfação e achando-se o tapuya levantado na ribeira do Jaguaribe marchou por cabo de 150 homens a socorrer aqueles moradores com gente [e] mantimentos deixando a dita ribeira sossegada havendo-se com grande zelo e dispêndio de sua fazenda, e sendo encarregado do descobrimento da barra do Ryo da Parnahiba marchou por cabo de 700 homens índios e brancos vencendo incômodos daquela jornada em que se padeceram repetidos trabalhos sustentando-se a sua custa e a muitos daquela tropa de que resultou sondar-se a dita barra e conhecer-se a sua capacidade (...), procedendo assim no referido como nos lugares honrados da Republica que exercitou com grande satisfação e desinteresse; e por Sua Majestade esperar dele que da mesma maneira se haverá daqui em diante em tudo o de que for encarregado de seu Real Serviço conforme a confiança que faz de sua pessoa: Há por bem fazer-lhe mercê de o confirmar no posto de Coronel de infantaria da Ordenança da Capitania do Ceará-Grande em que o proveu o dito governador de Pernambuco com o qual posto não haverá soldo algum da fazenda real, mas gozará de todo as honras privilégios liberdades isenções e franquezas que em razão deste lhe pertencerem (...)”.
Fonte: Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Portugal), Registro Geral de Mercês do Reinado de D. João V, livro nº 7, fls. 1020 (505). Por João Bosco Gaspar, pós-graduado em História, Cultura e Patrimônio, Tianguá Ceará
NOTA: Leonardo de Sá era irmão do capitão mor do Ceará, Sebastião de Sá. Agiu coadjuvado por membros da açucarocracia pernambucana residentes na Vila de Igaraçu (daí vem o nome “Barra do Igaraçu”) que ambicionavam aquelas terras. Sua tropa percorreu os vales dos rios Timonha, Ubatuba, Camurupim, Canal do Funil (Lagoa do Portinho) e Pirangi. A partir do ano de 1706, as terras da margem oriental da barra do Parnaíba foram distribuídas a título de Sesmaria pelo capitão mor do Ceará. A primeira Sesmaria, datada de 1706, localizada nas ribeiras do Pirangi, foi concedida ao capitão Rodrigo da Costa Araújo. O padre Ascenso Gago recebeu uma Sesmaria entre os rios Igaraçu e Camurupim, a qual foi vendida, em 1711, ao português Domingos Ferreira de Veras. No ano de 1733 o coronel Thomaz Ferreira de Veras recebeu do capitão mor do Ceará, uma Sesmaria localizada nas proximidades da foz do Rio Camurupim (Praia de Macapá). As Sesmarias concedidas pelo governo do Maranhão no Delta do rio Parnaíba, não ultrapassavam a barra chamada “Igaraçu”.
Link para confirmação.
https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=1882512
ÍNDIOS TREMEMBÉS... "NUNCA CONSEGUIMOS CONVERTER UM SÓ DELES À NOSSA SANTA FÉ.
Os índios Tremembés (peixes racionais), habitavam a costa do mar, entre o Ceará e o Maranhão. Raimundo Girão diz em “Evolução Histórica Cearense” que os tremembés “dominavam as praias que vão de Camocim até além do Parnaíba” e o padre João Felippe Bettendorf afirma que os mesmos “tinham repulsa pelas coisas da religião”. O padre Pedro de Pedrosa, Missionário da Serra da Ibiapaba, informa que: “Tinha tratado muito com os tremembezes sem nunca poder converter um só deles à nossa Santa Fé”.
Em 1679 os índios tremembés da Barra da Tutoya no Maranhão, foram massacrados por Vital Maciel Parente, alguns sobreviventes fugiram para o Ceará.
“Foi tal o furor dos assaltantes que não perdoaram o sexo nem idade. Os índios aliados travando as crianças pelos pés, matavam-nas cruelmente dando-lhes com as cabecinhas pelos troncos das árvores, e de uma maloca de mais de 300, só escaparam 37 inocentes"
Por volta de 1697 o padre Ascenso Gago tinha um projeto de assentá-los entre o Ceará e o Maranhão. Em 1702 o padre José Borges de Novais (não era jesuíta) estabeleceu a Missão dos Tremembés em Almofala (Ceará) e em 1722 o jesuíta João Tavares inaugurou a “Redução dos Tremembés das bocas do rio Parnaíba”, em TutóiaMA.
A Igreja de Almofala (Itarema-CE) não foi construída pelos Jesuítas, conforme registra o padre Serafim Leite em "História da Companhia de Jesus no Brasil" (Tomo III). Por João Bosco Gaspar
ANO DE 1679 - O MASSACRE DOS TREMEMBÉS DA BARRA DA TUTOYA,
É CELEBRADO NO ALTAR-MOR DA IGREJA DE N. SRA. DA VITÓRIA, EM SÃO LUÍS.
Após o massacre dos índios Tremembés da aldeia da Tutoya na foz do Parnaíba, levado a efeito pelo capitão Vital Maciel Parente e testemunhada pelos padres jesuítas Pero Luís (Superior da Missão do Maranhão) e o irmão João de Almeida (francês), a tropa de Vital Maciel Parente e os missionários da Companhia de Jesus retornam à São Luís trazendo os despojos de guerra.
"Foram diretos a Igreja Matriz, dar graças a Deus e a Virgem da Vitória pelo bom sucesso de sua empresa" (padre João Filipe Bettendorff, Superior da Missão do Maranhão).
Entre os sobreviventes trazidos a São Luís, havia um jovem filho do principal da nação dos urutis, cativado pelos tremembés, o qual foi ofertado ao Superior da Missão, e "este o dedicou à Nossa Senhora da Vitória para servi-lá em sua Igreja do Maranhão" (padre João Filipe Bettendorff).
Foto: Altar-mor da Igreja Matriz de São Luís do Maranhão Por João Bosco Gaspar,
“O CÉU NÃO PRESTA PARA NADA, A TERRA SIM... ESTA É BOA” – PALAVRAS DE UM ÍNDIO TREMEMBÉ, AO PADRE JOÃO FILIPE BETTENDORFF, EM 1679:
“NICATUI IBACA, IBINHO, YCATÚ, que quer dizer: Céu, não presta para nada, só a terra sim, esta é boa. Mas disse aquilo como bárbaro, porque como do Céu lhe vinham e abrasavam calmas, e a chuva que o molhava, achava que não prestava, como a terra lhe dava frutas, peixe, carne, e outros mantimentos, que só esta era boa. Morreu este principal e foi enterrado nas areias da praia, pondo-se-lhe, conforme me contaram, sobre a sepultura uma canoa de pesca, e um cachorro ou cão de caça. Cousa pasmosa: ia o cão à caça, e trazia sempre um pedaço para junto da sepultura onde ele se detinha, sem sair de lá senão para ir caçar; mal o pude crer, mas refiro, porque me referiu pessoa digna de todo o crédito, como cousa admirável porém certa; e não é isto incrível para quem leu as histórias do amor e lealdade dos cães e muito menos quando são ensaiados para alguma cousa”.
Fonte : Trecho do livro “Crônica da missão dos padres da Companhia de Jesus no estado do Maranhão” do jesuíta João Filipe Bettendorff, p. 359.
DONA VICTORIA RODRIGUES DA CÂMARA –
A CALÚNIA DO PADRE MATINHOS E A “LENDA” DE LAMARTINE NOGUEIRA –
A briga entre o padre João de Matos Monteiro (padre Matinhos) e o jesuíta Ascenso Gago, iniciada no ano de 1716 pela administração e controle do vasto território da Ibiapaba, deixou marcas indeléveis na história da região norte do Ceará. Um desses signos seria a “paternidade” de dona Victoria Rodrigues da Câmara atribuída ao padre Ascenso Gago.
Gomes de Freitas, em “Dissipando Lendas”, fala que a tradição oral “conduz o historiador a erros e distorções que a pesquisa vem, afinal, corrigir e reparar. Queremos nos referir à Victoria Rodrigues da Câmara, mulher do Comissário Geral e depois capitão-mor Pedro da Rocha Franco, tronco de numerosa família de boa linhagem, largamente disseminada na região norte do Ceará”.
Prossegue: “Uma destas versões, maliciosamente espalhada pelo padre João de Matos Monteiro, vigário do curato do Acaraú que estava em acesa perlenga com os padres jesuítas da Missão da Ibiapaba, afirma que dona Victoria era filha do padre Ascenso Gago, superior da Missão, e por ele criada e educada. Uma outra versão acresce àquela. É que dona Victoria era filha do padre Ascenso e que tivera por mãe uma índia descendente de dom Antônio Felipe Camarão, um dos chefes tabajaras da Ibiapaba.
Luís Januário Lamartine Nogueira, um cronista de Viçosa, deu ênfase a esta última versão, no opúsculo que publicou com o título <<aldeyas de Camarão>> do qual destacamos um trecho:
<<Tenho uma tradição narrada por diversos cronista do Curuayú, de que os descendentes do capitão-mor Pedro da Rocha Franco, pai do mestre-de-campo Antônio da Rocha Franco, são descendentes de dom Antônio Felipe Camarão, em razão de ter o capitão-mor Pedro da Rocha Franco, casado com uma neta de Camarão, filha do padre Ascenso Gago>>. Como se vê, a versão sobre a paternidade de dona Victoria atribuída ao padre Ascenso Gago e uma índia tabajara, tem suas origens altamente suspeitas e duvidosas: uma, fruto dos ódios e difamações do vigário do Acaraú, a outra gerada de uma tradição nebulosa que não encontra justificativa. Agora, a terceira versão, esta autêntica, porque baseada em testemunho válido de documentação insofismável. Dona Victoria era sobrinha do padre Ascenso, bem como as irmãs daquela – Inácia Machado, Inês Pacheca e Úrsula da Câmara, as quais vieram de São Paulo em companhia do tio, Superior da Missão. O padre Serafim Leite, o consagrado autor de <<História da Companhia de Jesus no Brasil>> informa, aliás, que o padre Ascenso Gago: <<tinha em sua companhia quatro sobrinhas>>, o que está plenamente confirmado numa carta que o próprio padre Ascenso dirigiu ao Soberano português, em 5 de março de 1702, pedindo <<para as suas quatro sobrinhas órfãs e pobres>>, a isenção do pagamento de dízimos das terras que as mesmas possuíam por sesmarias. Na petição, que neste sentido dirigiram as quatro irmãs ao representante do Rei no Ceará, assim elas se identificam: <<Dizem dona Inácia Machado, dona Inês Pacheca, dona Victoria Rodrigues da Câmara e dona Úrsula da Câmara, mulheres nobres e órfãs>>. De tudo isso, e em face da pesquisa que fizemos, parece-me não haver mais razão para insistir na falsa tradição da paternidade de dona Victoria. Não era filha do padre Ascenso, nem também descendente da índia tabajara (...)”.
Fonte: “Dissipando Lendas” Revista do Instituto do Ceará, ano de 1968, p. 280-283 e livro “Datas e Sesmarias do Ceará”, volume 03, fls. 106, documento nº 182. Por João Bosco Gaspar
ANO DE 1718... O REI DE PORTUGAL DIZ QUE A DIVISA OESTE DA CAPITANIA DO CEARÁ ERA O RIO PARNAYBA... EM “CARTA ASSINADA E SELADA COM O SELO GRANDE DAS ARMAS DE PORTUGAL”.
Encontra-se Registrada nos Arquivos de Portugal, na Chancelaria de Dom João V, livro nº 51 às fls. 769, datada de 09 de maio de 1718, a confirmação de Carta Patente, do teor seguinte:
“Dom João, por graça de Deus, rei de Portugal, etc. Faço saber aos que esta minha carta patente de confirmação virem, que tendo respeito a Domingos Machado Freire, e estar provido pelo governador da capitania de Pernambuco, Dom Lourenço de Almeyda, no posto de capitão de cavalos do Distrito da Ribeira do Camosy [Camocim] e das mais povoações desde o Rio Acaracu até a Parnayba da capitania do Ceará, que vagou por deixação que dele fez Miguel de Machado Freire [irmão de Domingos], que não estaria confirmado por mim, e atendendo ao dito Domingos Machado Freire, por ser um dos homens nobres e afazendados daquele Distrito [e por ter] servido no posto de tenente de cavalos, fazendo várias entradas ao gentio bravo, com boa satisfação e zelo do meu Serviço Real, e por esperar dele que da mesma sorte se haverá daqui em diante, em tudo de que for encarregado dele, conforme a confiança que faço de sua pessoa.
Hei por bem, fazer-lhe mercê de o confirmar, como por esta confirmo, no dito posto de Capitão de Cavalos do Distrito da Ribeira do Camosy [Camocim] e das mais povoações até o Rio Acaracu e Parnayba, que vagou por deixação que dele fez Miguel de Machado Freire (...), confirmado por mim, em que fora provido pelo dito governador da capitania de Pernambuco, com o qual não vencerá soldo algum da minha fazenda, mas gozará de todas as honras e privilégios, liberdade, isenções e franquezas que por zelo que ao dito posto lhe tocarem.
Pelo que mando ao meu governador de Pernambuco, conheça o dito Domingos Machado Freire por Capitão de Cavalos do dito Distrito e povoações referidas, e como tal o honre e estime, e o deixe servir e exercitar debaixo da mesma posse e juramento que se lhe deu quando nele entrou, e aos oficiais e soldados da mesma Companhia, ordeno também que em tudo lhe obedeçam e cumpram suas ordens, por escrito e de palavras, como devem e são obrigados; e por firmeza de tudo, lhe mandei esta carta patente de confirmação por duas vias por mim assinadas e seladas com o selo grande de minhas armas.
Dada na cidade de Lisboa Ocidental, aos nove dias do mês de mayo, Dionízio Cardoso Pereira, a fez, no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil e setecentos e dezoito [1718]”.
FONTE: Arquivo Histórico Ultramarino de Portugal – AHU, ano de 1718. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Chancelaria de Dom João V, Livro nº 51 fls. nº 769. Por João Bosco Gaspar – pós-graduado em História, Cultura e Patrimônio – Membro do CELDITEC, Comitê de Estudos de Limites e Divisas Territoriais do Estado do Ceará.
Link para confirmação: https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=3882730
MORTE DE MANDU LADINO. Com a isenção da habilitação de genere et moribus:
“(...) Do Brasil às Áfricas: os «brancos da terra» e os que «forão queimados de sol em viagens». Se as nobrezas pré-existentes na Índia tiveram um tratamento deferencial, por parte do centro político português, já quanto ao território brasileiro não aconteceu o mesmo. Nunca se reconheceu uma qualidade inata às diferentes etnias indígenas nem estas tiveram a capacidade de se inserirem no seio das aristocracias emergentes. Somente os descendentes de portugueses ali nascidos conseguiram, a partir de certa altura, qualificar-se mediante o apego às suas raízes ibéricas através de uma memória genealógica, na maioria das vezes bem pouco consistente. Por outro lado, a negritude visível em muitos deles após certas mestiçagens, actuou em prejuízo desses grupos sociais, ao contrário da brancura bramânica, reconhecida e valorizada (...). Com o tempo muitas das formalidades foram aliviadas, em função de diferentes premissas e contextos. Em 23 Janeiro de 1721, D. João V, dispensou de inquirições [de generes] para receberem as insígnias da Ordem de Santiago, D. Sebastiao Saraiva Coutinho, D. José Vasconcelos e D. Filipe de Sousa e Castro, índios da serra de Ibiapaba [capitania do Ceará, subalterna] da capitania de Pernambuco (Brasil). A Mesa da Consciência não levantou objecções por entender que, de acordo com os estatutos da ordem, o mestre dela (o Rei) podia eximir de provanças os nomeados para hábitos, quando soubesse que tinham as qualidades necessárias (...)”.
Fonte: Trecho do livro “A honra alheia por um fio. Os estatutos de limpeza de sangue no espaço de expressão Ibérica (sécs. XVI- XVIII)” de autoria de João Manuel Vaz Monteiro de Figueiroa Rego, da Universidade do Minho (Portugal), Instituto de Ciências Sociais, p. 557 a 561.
Imagem: Cavaleiros da Ordem de Santiago da Espada, Portugal. Por João Bosco Gaspar
RIO PIRANGI... A TERRA DOS ÍNDIOS ASSIMINS.
Como é sabido, o Pirangi é um rio que nasce no município de Viçosa do Ceará, a uma altitude aproximada de 700 m, e depois de percorrer cerca de 130 Km, grande parte em território piauiense, desagua no rio Parnaíba, nas proximidades da cidade de Buriti dos Lopes.
No período colonial, as suas ribeiras eram habitadas pelos índios Assemins (Acemis, ou Axemis), que foram massacrados pelo capitão de ordenanças da capitania do Ceará Grande, Leonardo de Sá, por ocasião da perlustração feita na barra do rio Parnaíba, entre os anos de 1699 e 1702, por ordem do rei de Portugal.
Em represália aos ataques de capitão Leonardo de Sá, os Assemins "mataram muitos vaqueiros e destruíram muito gado vacum e cavalar na ribeira do Piracuruca", adjacências do Pirangi (Fonte: Os Manuscritos dos Arquivos da Casa de Cadaval Respeitantes ao Brasil, volume 2).
No ano de 1706 o capitão-mor do Ceará, Gabriel da Silva Lago, concedeu ao capitão Rodrigo da Costa Araújo, uma sesmaria “no ribeiro Pirangi, vertente do rio Parnahiba”, medindo três léguas de terra de comprido e meia de largo, de cada banda do dito rio Pirangi. (Livro Datas e Sesmarias do Ceará, volume 3, nº 172).
Por volta da década de 1720, o mestre de campo da Ibiapaba, o índio tabajara Dom Filipe de Souza e Castro, conseguiu uma sesmaria no território dos Assemins (sítio Assemim, Viçosa do Ceará), a qual foi ocupada, posteriormente, por volta do ano de 1784, pelo padre Bonifácio Manoel Antônio Lelau, vigário colado da freguesia de Nossa Senhora da Assunção de Villa Viçosa Real (Livro Datas e Sesmarias do Ceará, volume n° 8 documento 660).
Por João Bosco Gaspar
Na sequência da Restauração da Independência portuguesa a 1 de dezembro de 1640, após a dinastia filipina (1580-1640), é assinado em 1668 um Tratado de Paz entre Carlos II de Espanha. O acordo teve a mediação de Carlos II de Inglaterra, que ficava como garante da paz.
Explore a Exposição virtual feita pelo Arquivo Nacional da Torre do Tombo: https://antt.dglab.gov.pt/.../tratado-de-paz-de-1668.../ Imagem: https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4637256 (PT/TT/MSLIV/2542/00007)
#ArquivosPortugal #ArquivosTorreTombo
– A REPÚBLICA PROTESTANTE DE CAMBRESSIVE.
Quando os holandeses foram derrotados pelos portugueses na capitania de Pernambuco em janeiro de 1654 e se retiraram definitivamente do solo brasileiro, os seus aliados indígenas que ficaram no Brasil, tiveram que se refugiar na Serra da Ibiapaba para não serem massacrados pelos lusitanos, visto que tinham sido alertados por esses do perigo que corriam por terem se aliado aos batavos. Sem o apoio e a proteção dos neerlandeses que durante décadas desfrutaram, e na iminência de serem literalmente exterminados pelos portugueses, cerca de quatro mil índios, liderados por Antônio Paraupaba, empreenderam uma marcha sem precedentes na história do Brasil, percorrendo cerca de 750 quilômetros através dos sertões inóspitos do Nordeste, até atingir o planalto da Ibiapaba, onde por certo se davam por seguros.
Os índios protestantes liderados por Antônio Paraupaba, tencionavam criar em solo ibiapabano uma república indígena independente, não de cunho teocrático, mas fundamentada nos princípios da Igreja Reformada da Holanda, da qual eram filiados, como lembra o próprio padre Antônio Vieira: ”muitos deles tão calvinistas e luteranos, como se nasceram em Inglaterra ou Alemanha” (VIEIRA: 1998; p.389).
Antônio Paraupaba, que tinha alguma influência junto a Companhia das Índias Ocidentais, viajou duas vezes (1654 e 1656) para a Holanda com o propósito de conseguir dos batavos, apoio financeiro e militar para realizar seu intento. Esses fatos são geralmente “desprezados” pelos historiadores brasileiros, mas encontram-se devidamente registrados em alguns livros estrangeiros. Sobre tais pretensões o historiador e antropólogo britânico John Hemming, diretor da Royal Geographic Society de Londres e um dos maiores especialistas do mundo sobre os índios do Brasil, em seu livro “Ouro Vermelho - A Conquista dos Índios Brasileiros” escreveu o seguinte:
“Os índios fortificaram-se entre os tobajaras, na serra de Ibiapaba. Denominaram sua república Cambressive e chegaram a fazer uma tentativa, aliás malograda, de obter auxilio dos holandeses. Antônio Paraupaba foi enviado à Holanda e fez um comovente apelo aos Estados Gerais em agosto de 1654. Como nada aconteceu, fez um segundo apelo em 1656. O suplicante é enviado por aquela nação que se refugiou com suas esposas e filhos em Cambressive, no sertão além do Ceará, para escapar aos furiosos massacres dos portugueses. Eles estavam lá havia dois anos, mas ainda se mantinham leais ao governo dos holandeses.
“Se deixar de receber ajuda, aquele povo finalmente deverá cair nas garras dos cruéis e sanguinários portugueses, que desde a primeira ocupação do Brasil têm destruído centenas de milhares de pessoas naquela nação. Paraupaba declarou não poder acreditar que os holandeses deixariam de ajudar os índios, de recompensar seus anos de leais serviços e de proteger a religião reformada (HEMMING: 1978; p. 454)”.
O livro “América Latina Colonial”, organizado pelo historiador britânico Leslie Bethell, diretor do Centro de Estudo sobre o Brasil da Universidade de Oxford e PhD em História pela University Of London, também relata as aspirações dos indígenas refugiados na Cuesta da Ibiapaba em criar um estado indígena independente:
“Quando os holandeses finalmente abandonaram seus fortes brasileiros em 1654, quatro mil nativos das aldeias de Itamaracá, Paraíba e Rio Grande marcharam para o noroeste a fim de se refugiarem no Ceará. Estavam furiosos com o fato de terem sido abandonados pelos holandeses, a quem tinham servido com tanta lealdade por tantos anos. Fortificaram-se entre os tabajaras na serra de Ibiapaba e tentaram criar um encrave independente ao qual deram o nome de Cambressive. Chegaram a enviar à Holanda um cacique educado pelos holandeses a fim de solicitar ajuda militar batava, em recompensa pelos serviços passados e para preservar a religião protestante (BETHELL: 1997; p. 450)”.
Corroborando com tais citações, o historiador Pedro Ceinos, em seu livro “Abya-Yala Escenas de una História Índia de América”, em vernáculo espanhol assevera:
“Desde Itamaraca y Paraíba, Rio Grande y Recife, miles de Potiguaras se dirigen en triste caravana lejos de sus tierras, de sus costas y de sus rios, a buscar refugio en las tierras de Ceará. Avisan su Ilegada a los indios de este país, y les avisan las traiciones holandesas. Llegan “en ça esperanza de permanecer como los únicos señores de Ceará, sin permitir ni a los holandeses ni a los portugueses establecerse entre ellos allí. Será esa capitania su lugar de renacimiento y punto de encuentro”.
Fortificados em las montañas Tobajara e Ibiabapa, Ilmaron a su república Cambressive, la primera republica Independiente de América, y tal vez la única auténticamente americana, enviando a Antonio Paraupaba, el vengador de la matanza de Serimhaem, en busca de reconhecimiento exterior, a Holanda (CEINOS: 1992; p. 215)”.
A propósito, o próprio nome “Cambressive” seria uma homenagem ao grande líder reformador João Calvino, e fazia referência a cidade de “Cambrai”, localizada no departamento de Nord, no norte da França, a terra natal de Gerard Cauvin e Jeanne Le Franc, os pais de João Calvino.
A carta escrita por Antônio Paraupaba aos holandeses em agosto de 1654, faz inúmeras referências ao seu sonho de liberdade e a sua religião. Ao se dirigir aos nobres senhores holandeses, Paraupaba ratifica a crença do seu povo “como suditos bons e firmes na sua fidelidade para com este Estado e a Religião Reformada de Christo, a única verdadeira”, e diz que o auxílio batavo seria de fundamental importância, para que aqueles que, segundo ele, “foram uma vez trazidos ao conhecimento da verdadeira religião”, não fossem privados do “reino de Jesus Christo”.
Antônio Paraupaba, como conhecedor das Escritura Sagradas, faz alusão a Parábola dos Talentos (Mateus 25.14-30), insinuando que os batavos receberam de Deus a incumbência de multiplicar em terras brasileiras, as ovelhas do seu rebanho:
“Nem deixem que elles recaiam na selvageria entre as feras nos sertões bravios. Pois teriam de prestar contas ao Grande e Todo Poderoso Deus que é contra os que por usura enterram a sua libra com medo de gastar (MAIOR: 1912; p. 77)”.
Termina, Paraupaba, implorando socorro imediato aos “pais e defensores dos oprimidos e desamparados”, para que as quatro mil pessoas refugiadas em Cambressive (Ibiapaba), inclusive mulheres e crianças, pudessem sobreviver naquelas paragens, para o bem delas e “para a conservação da Igreja Christã Reformada, a única verdadeira”.
Antônio Paraubapa não foi atendido pelos seus antigos aliados, e faleceu na Holanda no ano de 1657 sem que seus sonhos fossem concretizados, porém, distante do rigoroso frio europeu onde Paraupaba jazia inerte, precisamente no extenso planalto da Ibiapaba nos confins do Ceará, milhares de índios traziam incutidos nas suas mentes os preceitos indeléveis da fé protestante, os quais certamente foram compartilhados e vividos com seus irmãos tabajaras do alto da serrania. Por João Bosco Gaspar
REVOLTA DOS BALAIOS - 1840 - O ÍNDIO TABAJARA, CAPITÃO SIMÃO, MANDA QUEIMAR OS PAPÉIS DO CARTÓRIO DE VILA VIÇOSA, NA SERRA DA IBIAPABA.
“Aquele bruto invadiu o cartório da vila, e, de cócoras em cima da mesa do escrivão, deu ordem a seus soldados para lançarem fogo a toda aquela papelada! O escrivão, aflito, lhe suplicou: Capitão, não me faça este mal; vivo destes livros e autos; extraio deles certidões, ganhando para meus filhos... Não, não! lhe retorquiu o bárbaro. E, voltando-se para a sua gente, lhe disse: Queima, queima tudo; aí é que está a velhacada!".
Fonte: Trecho do livro “Ceará – Lado Cômico” de João Brígido, editora L. C. Choloviecki, Fortaleza, Ceará, publicação de 1899, pg. 179.
COMO TERMINOU A REVOLTA DOS BALAIOS?
A grande maioria dos revoltosos da “Balaiada” aceitou os termos do Decreto nº 244 de 22 de agosto de 1840, assinado por Dom Pedro II, Imperador do Brasil (declarado maior de idade aos 14 anos de idade, em julho de 1840 - foto).
“Art. 1º É concedida anistia a todos aqueles que estiverem por qualquer forma envolvidos em crimes políticos.
Art. 2º Aqueles que seguem a rebelião nas províncias em que ela existe, deverão, para o fim de gozar da anistia concedida, apresentar-se perante qualquer autoridade legal, no prazo de 60 dias, contados da publicação deste Decreto (...)”.
Abreu e Lima, conclui: “Destarte concluiu a sublevação do Maranhão (que durou mais de dois anos) pela apresentação de alguns chefes e prisão de outros, que foram finalmente confinados para diversas províncias por ordem do governo”. (Synopsis dos Fatos Mais Notáveis da História do Brasil – 1845, José Inácio de Abreu e Lima).
Domingos Ferreira de Veras, Antônio de Almeida Portugal e outros líderes balaios residentes nas Frecheiras da Lama, o maior reduto balaio na província do Piauí, aceitaram os termos do decreto imperial, preservando suas propriedades e os seus direitos políticos. No ano de 1855, no contexto da "Lei de Terras", Domingos Ferreira de Veras e Antônio de Almeida Portugal, registram suas propriedades na freguesia da Parnaíba, cerca de dez (10) fazendas, cada proprietário.
Por João Bosco Gaspar
A DESTRUIÇÃO DA "VILA" DE NOSSA SRA. DO MONTE SERRAT DA PARNAÍBA.
O ex-governador do Estado do Maranhão, João da Maia da Gama, no estrito dever de “executar a real ordem de Sua Majestade, de ver e examinar as barras desde o Maranhão até Pernambuco”, após constatar que os irmãos “Lopes”, genros do falecido João Gomes do Rego, tinham “desmantelado” a povoação fundada a mando do coronel Pedro Barbosa Leal, consignou o seguinte em seu relatório: Dia 6 de janeiro de 1729:
“Neste sítio quis Pedro Barbosa Leal fundar uma vila, e pediu a Vossa Majestade licença e o senhorio dela, que até agora não tenho notícia lhe fosse concedida (...). E nela fez uma grande casa de taipa em que assistia seu procurador o capitão João Gomes, e nela se assentou e defendeu no levante dos índios de que era cabeça o índio chamado Mandu Ladino (...). Aqui juntou alguns moradores com casas e fez uma tal ou qual povoaçãozinha a qual por morte do dito procurador João Gomes, quase se extinguiu; e casando as filhas com uns três irmãos chamados os “Lopes”, tiraram a telha as casas, e as desmantelaram e puseram ao tempo para se arruinarem como estão, só para despovoarem o dito sítio e pedirem aquelas terras, como pediram no meu tempo, com engano (...); mas, suponho que Pedro Barbosa em tendo notícia, embargará a dita data (...)”. Fontes: Arquivo Histórico Ultramarino de Portugal, AHU-Avulsos, caixa 04, Doc. 396, ano de 1728 e livro “João da Maia da Gama – Um Herói Esquecido” do historiador português F. A. de Oliveira Martins, publicado em Lisboa no ano de 1944. Por João Bosco Gaspar
“SÍTIO, DONDE CHAMAM, A VILA DA PARNAÍBA”. ANO DE 1728 – A SESMARIA DE PAULO VIVEIROS AFONSO.
Encontra-se registrado no livro de sesmarias do antigo Estado Colonial do Maranhão, o pedido (requerimento que foi deferido) do sertanista baiano, Paulo Viveiros Afonso, respeitante a um Sítio “mui impropriamente” chamado de "Vila da Parnaíba". VEJAMOS:
“Registro de hua Carta de datta de Sexmaria a Paullo [Viveiros] Afonsso no sitio chamado villa da Parnaíba de tres Legoas de terra. Joao da Maya da Gama [sinal público] Faço saber aos que esta minha Carta de data e sexmaria virem que a mim me inviou a dizer por Sua petiçao Paullo [Viveiros] Afonsso que elle tem povoado com gado vacum e Cavallar o citio donde chamao a villa da Parnaíba, Correndo pello Rio Igarasu assima e abaixo que terá tres Legoas de terra de Comprido e húa de Largo, Rezervando terras inúteis, por tanto lhe pedia fosce Servido Conceder-lhe as ditas terras por data de sixmaria. E atendendo Eu [João da Maia da Gama], as Rezoins que alegava como tambem ao que Respondeu o Provedor Mor da fazenda Real (...), Hey por bem de conceder ao supplicante em nome de sua Majestade, que Deos guarde, tres Legoas de terra de Comprido e huá de Largo no citio e Lugar que pede (...). Dada nesta cidade de Sao Luiz do Maranham aos doze dias do mes de [Mayo] Anno do Nascimento de nosso Senhor Jesus Chisto de 1728 eu (a) M.el Roiz Tavares secretario do Estado a fez [sinal público] Joao da Maya da Gama [sinal público]”.
NOTA: Os livros de sesmarias do Estado Colonial do Maranhão, mencionam duas doações feitas na margem ocidental do rio Igaraçu (braço do Parnaíba). Uma, datada de 14 de julho de 1725, feita em nome de João Gomes do Rego Barra, registrada no livro nº 02, às fls. 56-V sob nº 69. E outra, datada de 12 de maio de 1728, feita em nome do sertanista Paulo Viveiros Afonso, registrada no livro nº 04, às fls. 63 sob nº 90. João Gomes do Rego Barra foi preposto do coronel Pedro Barbosa Leal, e segundo o próprio governador Maia da Gama, levantou na margem do Igaraçu “uma grande casa de taipa (...), e nela se assentou e defendeu no levante dos índios de que era cabeça o índio chamado Mandu Ladino”. João Gomes do Rego Barra morreu no ano de 1728, ocasião em que seus genros (os irmãos Lopes), “desmantelaram a povoaçãozinha” da margem do Igaraçu, com o fito de “pedirem aquelas terras” a título de sesmaria. O sertanista baiano Paulo Viveiros Afonso, em 3 de outubro de 1725, recebeu uma sesmaria medindo três léguas de comprimento por uma de largura, situada na margem esquerda do rio São Francisco, a qual abrangia as terras alagoanas da Cachoeira, conhecida, então, como "Sumidouro". Essa sesmaria é a origem da atual cidade de Paulo Afonso. Por João Bosco Gaspar,
ANO
DE
1728 - DESCRIÇÃO DA BARRA DO RIO CAMURUPIM, CAPITANIA DO CEARÁ.
João da Maia da Gama, ex-governador do Estado do Maranhão, no estrito cumprimento do seu dever, de vistoriar as barras dos rios entre o Maranhão e a Parayba, por ordem de Sua Majestade: “(...) despedi um próprio do Reverendo padre Francisco de Lira, superior da missão da Serra da Ibiapaba para me mandar 50 ou 60 índios mais abaixo da última barra do rio Parnaíba ao Porto que chamam das Salinas (...), para do dito Porto das Salinas principiar a minha marcha já pelas primeiras terras da jurisdição do Brasil, e da capitania do Ceará [p. 53]. Fui ver a barra do rio chamado Camurupim que fica cinco léguas para leste da última barra do Parnaíba e do último seu braço chamado Igaraçu. E a boca deste rio Camurupim é muito larga, mas muito baixa e desparcelada com canal só para lanchas e deita ao mar coroas em que rebentam o mar por mais de uma légua [p. 58]”.
Descrição que fez o ex-governador do Estado do Maranhão, João da Maia da Gama, no ano de 1728/1729. Fonte: Trecho do livro “Um Herói Esquecido – João da Maia da Gama” do historiador português Francisco d’Assis Oliveira Martins. Foto: imagem atual da foz do Rio Camurupim, na praia de Macapá, Luís Correia, Piauí. Por João Bosco Gaspar,
ALGUMAS NOTAS PARA ENTENDER NOSSA HISTÓRIA
LEONARDO DELGADO
Os Jogos Escolares Maranhenses (JEM's) são a maior competição esportiva estudantil do Maranhão! É um evento incrível que reúne jovens atletas de todo o estado, promovendo o esporte e a educação.
Os Jogos Escolares Maranhenses (JEM's) são uma iniciativa do Governo do Maranhão, por meio da Secretaria de Estado do Esporte e Lazer (SEDEL), que visa promover a prática esportiva entre estudantes maranhenses. A competição abrange diversas modalidades esportivas e reúne jovens de todas as regiões do estado, incentivando a competição saudável e o desenvolvimento de talentos.
Histórico dos Jogos Escolares Maranhenses
Os Jogos Escolares Maranhenses (JEMs) têm uma longa e rica história, sendo um dos eventos esportivos mais tradicionais do estado. Vamos mergulhar nessa trajetória de sucesso e superação!
Origens:
- 1971: Tudo começou com o Festival Esportivo da Juventude, uma iniciativa pioneira que marcou o início do esporte escolar organizado no Maranhão. O grande campeão da primeira edição foi o Colégio São Luiz.
- 1973: O Festival evoluiu e passou a se chamar oficialmente Jogos Escolares Maranhenses (JEMs), consolidando-se como a principal competição esportiva entre estudantes do estado.
Evolução e Crescimento:
- 1990: Ocorreu a expansão dos JEM’s para o interior, inicialmente, os JEMs eram realizados apenas em São Luís. Com o tempo, o evento se expandiu para o interior do estado, descentralizando as oportunidades e revelando talentos de diversas regiões
- Inclusão de modalidades: Ao longo dos anos, novas modalidades esportivas foram incorporadas aos JEMs, acompanhando as tendências e o interesse dos estudantes. Hoje, o evento conta com uma grande variedade de modalidades, individuais e coletivas, como atletismo, basquete, vôlei, handebol, futsal, natação, judô e muitas outras.
- Crescimento do número de participantes: Os JEMs se tornaram um evento grandioso, com a participação de milhares de estudantes-atletas de escolas públicas e privadas de todo o Maranhão.
Importância dos JEMs:
- Revelação de talentos: Os JEMs revelaram grandes atletas maranhenses que se destacaram em nível nacional e internacional, como a jogadora de vôlei Virna Dias e o jogador de basquete Paulão Prestes.
- Incentivo ao esporte: O evento incentiva a prática esportiva nas escolas, promovendo a saúde, a educação e a inclusão social.
- Integração e intercâmbio: Os JEMs proporcionam um ambiente de interação e troca de experiências entre estudantes de diferentes regiões do estado.
- Desenvolvimento do esporte no Maranhão: Os jogos contribuem para o desenvolvimento do esporte no Maranhão, incentivando a formação de atletas e a profissionalização do setor.
Curiosidades:
- Professor Dimas: Um dos grandes incentivadores dos JEMs, o professor Dimas foi fundamental para o desenvolvimento do evento e a inclusão do handebol na competição.
- Cláudio Vaz (Alemão): Outro nome importante na história dos JEMs, Cláudio Vaz, conhecido como Alemão, também foi um dos pioneiros na organização dos jogos.
JEMs hoje:
- Os JEMs são organizados pela Secretaria de Estado do Esporte e Lazer (Sedel).
- O evento é dividido em etapas: regionais e estadual.
- Os campeões estaduais representam o Maranhão nos Jogos Escolares da Juventude, a maior competição estudantil esportiva do Brasil.
Informações Importantes sobre os JEM's:
Objetivo:
Incentivar a prática esportiva nas escolas, revelar novos talentos e promover a integração entre alunos de diferentes regiões do Maranhão.
Organização:
Os JEM's são organizados pela Secretaria de Estado do Esporte e Lazer (SEDEL), em parceria com as Secretarias Municipais de Educação.
Modalidades:
Os jogos incluem diversas modalidades esportivas, individuais e coletivas, como:
- Paralímpicas: Atletismo, bocha, judô, natação, tênis de mesa, futebol de 5, goalball.
Categorias:
Os jogos são divididos em duas categorias:
- Infantil: 12 a 14 anos (2013, 2012 e 2011)
- Infanto: 15 a 17 anos (2010, 2009 e 2008)
Etapas:
Os JEM's são realizados em etapas:
- Etapa Municipal: Competições realizadas em cada município para classificar os atletas para a etapa regional.
- Etapa Regional: Competições entre os campeões municipais de cada região do estado.
- Etapa Estadual: Competição final entre os campeões regionais, realizada em São Luís, para definir os campeões estaduais.
Edição 2024:
- Abertura: 9 de agosto de 2024, no Ginásio Georgiana Pflueger (Castelinho), em São Luís.
- Período: 10 de agosto a 2 de setembro de 2024.
- Modalidades: 20 modalidades individuais e 5 coletivas, além de 16 modalidades paralímpicas.
- Local: As etapas regionais foram realizadas em diversas cidades do Maranhão, e a etapa estadual em São Luís.
Previsão da Edição 2025
- Abertura: 8 de agosto de 2025, no Ginásio Georgiana Pflueger (Castelinho), em São Luís.
- Período: 9 de agosto a 1 de setembro de 2025.
JOGOS ESCOLARES DE BARRA DO CORDA
Os Jogos Escolares de Barra do Corda (JEBC’s) é um evento esportivo importantíssimo para a cidade, incentivando a prática esportiva e a integração entre os alunos das escolas do município.
Em 2025 completará 47 anos, durante esse período tivemos 44 eventos, pois não foi possível realizar os jogos nos anos de 2020 e 2021, por causa da pandemia do covid-19.
Histórico dos Jogos Escolares de Barra do Corda
Na década de 1940, foi criada a Colônia Agrícola Nacional do Maranhão, em Barra do Corda. Seu administrador, Eliezer Moreira, manda construir escolas em cada um dos núcleos agrícolas que contasse com 50 crianças em idade escolar; foram criadas escolas nos núcleos do Naru, Barro Branco, Unha de Gato, Cateté de Cima e Cateté de Baixo, Canafistula, Passagem Rasa, Suja Pé, Seridó, Uchoa, Conduru, Mamui, Centro do Ramos, e outros.
Em períodos certos de tempo concentrava na sede do município os alunos das escolas da Colônia para as Olimpíadas Escolares da CANM (Colônia Agrícola Nacional do Maranhão).
O Moises da Providência Araújo era um dos coordenadores do evento. Centenas de crianças e de jovens disputam na velha Praça da Matriz – Praça Melo Uchoa, hoje – jogos de Voleibol, Futebol, Atletismo em suas várias modalidades, e brincadeiras tais como corrida de saco, cabra cega e outras.
Acidadeparavapara apreciartais competições. Essas Olimpíadas iniciavam-sesemprecom um grandedesfile das escolas que contava com a ajuda das irmãs capuchinhas (MOREIRA FILHO, 2008, p. 97/98).
Origem dos JEBC’s
Com o crescimento das práticas esportivas, nas décadas de 1960, o prefeito Sr. Alcione Guimarães Silva, cria em 1978 os JEBC (Jogos Escolares de Barra do Corda), tendo o colégio Nossa Senhora de Fátima, como a primeira escola campeã, dos jogos, onde manteve-se campeã até o ano de 1981, pendendo o título para o Centro Educacional Cenecista de Barra do Corda – CNEC.
É importante lembrar que a entrega das medalhas e troféus, ocorriam sempre durante o desfile de 7 de setembro.
Evolução e Crescimento:
2009 – na 31° edição dos JEBC’s, os jogos passam a ser realizados nas categorias infantil e infanto e tivemos a antecipação de sua realização para o mês de maio.
Importância dos JEBCs:
- Revelação de talentos: Os JEBCs revelaram grandes atletas maranhenses que se destacaram em nível nacional e internacional, como a jogadora de vôlei Nyeme Nunes, e no futebol Wenderson Galeno.
- Incentivo ao esporte: O evento incentiva a prática esportiva nas escolas, promovendo a saúde, a educação e a inclusão social.
- Integração e intercâmbio: Os JEBC’s proporcionam um ambiente de interação e troca de experiências entre estudantes de diferentes regiões do municipio.
- Desenvolvimento do esporte no Cordino: Os jogos contribuem para o desenvolvimento do esporte no municipio, incentivando a formação de atletas e a profissionalização do setor.
Etapas:
Os JEBC's são realizados em uma única etapa num período de aproximadamente um mês (final de maio e inicio de junho)
Informações Importantes sobre os JEBC's:
Objetivo:
Incentivar a prática esportiva nas escolas, no município de Barra do Corda, revelar novos talentos, promover a integração entre alunos de diferentes instituições de ensino em torno do esporte
Organização:
OsJEBC's sãoorganizados pelaSecretariaMunicipal deEducaçãodeBarra doCorda(SEMED-BDC), em parceria com Secretaria de Esporte e Juventude – SEJUV e Liga Desportiva Escolar e Cultura de Barra do Corda – LDECBC nas categorias 12 a 14 anos e de 15 a 17 anos.
Modalidades:
Os jogos incluem diversas modalidades esportivas, individuais e coletivas, como:
- Individuais: Atletismo, Atletismo Adaptado, Badminton, Ciclismo, Natação, Vôlei de Praia e Xadrez (Infantil) nos naipes feminino e masculino.
- Coletivas: Futebol, Futsal, Beach Soccer, Handebol, Voleibol e Basquetebol nos naipes feminino e masculino.
- Paralímpicas: Atletismo e Natação.
Categorias:
Os jogos são divididos em duas categorias:
- Infantil: 12 a 14 anos (2013, 2012 e 2011)
- Infanto: 15 a 17 anos (2010, 2009 e 2008)
Previsão para Edição 2025:
- Abertura: 23 de maio de 2025, no Estádio Leandrão, em Bairro Altamira.
- Período para Realização dos Jogos: 26 de maio a 13 de junho de 2025.
- Período para Inscrições dos Municípios Via Sistema: Até 15/06/2025
- Modalidades: 7 modalidades individuais e 6 coletivas, além de 2 modalidades paralímpicas, num total de 13 modalidades no total.
- Local: serão realizadas em diversas localidades na cidade.
Etapa Regional dos Jogos Escolares Maranhenses
AetaparegionaldosJogosEscolaresMaranhenses (JEMs)éasegundafasedessagrandecompetiçãoesportiva estudantil. É uma fase eliminatória onde os atletas de cada região do Maranhão se enfrentam em busca da classificação para a etapa estadual em diversas modalidades esportivas. Os melhores atletas e equipes dessa etapa avançam para a fase estadual.
Importância da Etapa Regional dos Jogos Escolares Maranhenses:
- Descentralização do esporte: Leva a oportunidade de competir para atletas de todas as regiões do estado, incentivando o esporte no interior.
- Revelação de talentos: Permite que jovens atletas de diferentes cidades mostrem seu potencial e sejam descobertos por olheiros e treinadores.
- Espírito esportivo: Promove a integração e o intercâmbio entre estudantes de diferentes municípios, além de estimular valores como a amizade, o respeito e a superação.
- Preparação para a etapa estadual: Serve como preparação para a etapa estadual, dando aos atletas a oportunidade de competir em alto nível e adquirir experiência.
Modalidades esportivas da Etapa Regional dos Jogos Escolares Maranhenses
As modalidades esportivas disputadas variam de acordo com a região, mas geralmente incluem: modalidades individuais (atletismo, atletismo adaptado e vôlei de praia) e as modalidades coletivas (basquete, vôlei, handebol, futsal, beach soccer).
Divisão em regiões na Etapa Regional dos Jogos Escolares Maranhenses
A divisão em regiões na etapa regional dos Jogos Escolares Maranhenses é uma estratégia importante para garantir a organização e o sucesso da competição. A cada edição dos Jogos Escolares Maranhenses, a Secretaria de Estado do Esporte e Lazer (SEDEL) divulga a divisão regional oficial, indicando quais municípios fazem parte de cada região e onde serão realizadas as competições.
No ano de 2024 esta estratégia alcançou 126 municípios (58% do total do maranhão que é 217 municípios), foram 11 cidades sedes (São Luís, Arari, Imperatriz, Barra do Corda, Caxias, Anapurus, Colinas, Chapadinha, Bacabal, Santa Helena e Carutapera)
Essa divisão leva em consideração diversos fatores, como:
- Distância geográfica: As regiões são delimitadas de forma a agrupar municípios que estão próximos geograficamente, reduzindo custos e tempo de deslocamento para os atletas e equipes.
- Infraestrutura esportiva: A disponibilidade de locais adequados para a realização das competições, como ginásios, campos de futebol e pistas de atletismo, também influencia a divisão regional.
- Número de escolas: A quantidade de escolas inscritas em cada região é considerada para garantir um número equilibrado de participantes em cada etapa.
Entre os motivos para as divisões em regiões na etapa regional dos Jogos Escolares Maranhenses, temos:
- Melhor organização: A divisão em regiões facilita a organização da competição, permitindo um controle mais eficiente das inscrições, da programação dos jogos e da logística.
- Maior participação: Ao dividir o estado em regiões, mais escolas têm a oportunidade de participar dos jogos, incentivando a prática esportiva em todo o Maranhão.
- Menorimpacto financeiro: Areduçãodas distâncias entre os municípios de umamesmaregiãodiminui os custos com transporte e hospedagem, tornando a participação mais acessível para as escolas.
Importante: A divisão em regiões pode sofrer alterações a cada edição dos jogos, dependendo de critérios como o número de inscrições e a disponibilidade de infraestrutura esportiva
A Terra de Santa Cruz
O atentado que terminou com Miguel de Vasconcellos e Brito, defenestrado do paço real a 01 de dezembro de 1640, rompeu o tendão principal do governo madrilenho de Portugal.
O duque de Bragança havia assentido, não sem hesitar, com sua elevação ao trono pelo pequeno grupo golpista, e foi aclamado Rei duas semanas depois. De início, ainda era uma empresa de futuro incerto, e apesar do impacto imediato no combalido poder espanhol, muitos não apostavam no sucesso da Restauração portuguesa.
De fato, a aclamação em Lisboa foi seguida por apreensão e angústia. Embora a transição dos postos militares e das fortalezas pelo Reino tenha ocorrido pacificamente, com exceção do presídio açoriano (comandado por um castelhano), foi preciso aguardar a confirmação das principais cidades e seus governantes. A grande maioria do país estava pega de surpresa, muitos hesitavam em aderir, tantos outros aderiram por força das circunstâncias, desgostosamente.
Do Brasil, em específico, parecia ter D. Filipe mais confiança na lealdade que D. João. A cabeça do Estado era governada por D. Jorge Mascarenhas, um veterano que ascendera da aviltante proto-fidalguia graças à política nobiliárquica dos Filipes, dos quais fora um vassalo fiel e prestativo. Foi governador de Mazagão em 1615, ondeperdeu um filho. Ocupouapresidência daCâmaradeLisboaem 1624.Quatroanos depois, recebeu o recém-criado condado de Castelo-Novo. Entre 1630 e 1633, Mascarenhas foi uma peça importante de Olivares, nomeado como um dos interventores da “Junta da Fazenda”, que administrariam assuntos como o apresto de armadas e a tributação no reino passando por cima das instituições do governo português.
Se o golpe da restauração tivesse ocorrido naqueles anos, ele é que provavelmente seria assassinado. Quando estava à frente do governo do Brasil, em 1640, era Vice-Rei e Marquês de Montalvão – títulos que recebeu muito provavelmente para que Salvador fosse governada por um nobre de grande estatura como o Recife, que fora entregue pela W.I.C. a um conde de casa importantíssima e primo em segundo grau do Stathoulder holandês.
Mais ao sul, no Rio de Janeiro, o capitão era Salvador de Sá e Benevides, mergulhado até os bigodes em interesses platinos. Servira a monarquia no combate a ameríndios na bacia do Prata, onde arranjou para si um casamento com a herdeira de uma vasta fortuna crioula. Esteve em Potosí em meados de 1630, conheceu o caminho dos peruleiros até Buenos Aires. É uma personagem simbólica do que era a integração dos impérios ibéricos, a penetração dos mercados da prata pelo comércio escravista. Esperava-se que os interesses de Montalvão, em sua casa e seus títulos, e os de Salvador de Sá, no tráfico platino, seriam suficientes para que o Brasil aderisse ao embargo contra os rebeldes de Portugal, asfixiando economicamente o movimento sedicioso.
Mas isso não ocorreu. Quando a notícia da dezembrada restauradora chegou em Salvador, em 15 de fevereiro de 1641, Montalvão portou-se com grande habilidade – porém, em favor de D. João IV. A história é bastante conhecida. O correio veio a Salvador em uma caravela, mas o mestre veio sozinho à terra e estranhamente ordenou-a de volta ao mar. Sozinho, procurou o governador para entregar a carta do rei aclamado. Montalvão acautelou-se, já que havia grande quantidade de castelhanos e outros vassalos de Madri ente os soldados. Um aum, os principais moradores foram chamados aoencontrodogovernador,quecomunicavapessoalmente novidade, de modo a não se alastrar prematuramente a notícia. Depois de parlamentar com esse grupo restrito, Montalvão atestou pela unanimidade em favor de D. João, que foi ali mesmo aclamado como o legítimo monarca. Enquanto isso, havia-se já ordenado a prontidão das companhias da gente portuguesa do presídio, enquanto os terços de Nápoles e Castela permaneceram aquartelados. À frente da guarnição, o governador e demais oficiais da Coroa e Câmara da Bahia desfilaram pela cidade em direção à Sé, onde o bispo Pedro da Silva tirou-lhes o juramento de fidelidade à D. João IV, rei de Portugal. Castelhanos e italianos foram desarmados sem incidentes, para depois embarcar rumo às Índias de Castela. Lavradas as atas, Montalvão despachou para as demais capitanias do Estado o relato do acontecido, sugerindo a mesma cautela na condução de tais alterações.
À Lisboa, partiram com a notícia dois jesuítas, Antônio Vieira um deles, e o próprio filho do governador, D. Francisco. Até março e abril, as povoações no Espírito Santo, no Rio de Janeiro e em São Vicente estariam todas fiéis ao novo regime.
Jamais configurou-se um partido castelhano nas colônias, com o que a lealdade que Madri esperava dos quadros ali empregados mostrou-se ilusória. Nem o Mascarenhas, nem o Benevides cogitaram arriscar o pescoço em nome dos Filipes. Certamente, aquiescer à rebelião portuguesa também era um risco considerável: implicava em ato de grave insubordinação. Contudo, o cálculo de ambos resultou em aposta na aclamação. Não sabiam o que se passava na península.
Tinham pouca notícia de Madri, que também falhou no apresto de uma força que apoiaria os partidários de Castela no Brasil. Sabe-se apenas de um correio, enviado em 05 de janeiro, e da fragata que levou as cartas dos Mascarenhas ao pai. D. João teve todos os meios para comunicar-se com a colônia sempre antes que D. Filipe.
Havia no Brasil (e na Bahia, especificamente) elementos importantes em articulação a favor de D. João. A começar pela Companhia de Jesus, onipresente no território Brasileiro.
Se na repartição meridional do Estado os inacianos estavam acuados pela reação ao breve de Urbano VIII, reiterando a proibição do escravização de ameríndios, na Bahia ainda tinham muita força. A administração dos aldeamentos significava o controle de um contingente disponível ao recrutamento militar, fundamental na guerra cotidiana da escravidão negra, além do que uma reserva de trabalho para fortificações e demais obras na capitania.
Vêmo-los interferindo em assuntos vários do governo, inclusive a fazer peso dentro da administração pelo pronto pagamento de ordenados da folha eclesiástica, em tempos onde todo o dinheiro era pouco para o provimento da defesa.
Costurada aclamação do Bragançana colônia, os padres daCompanhia estiveram em todos os lados: um deles foi incumbido de garantir a lealdade na Bahia, enquanto outros dois voltavam com as notícias do seu sucesso; foram também jesuítas que levaram os avisos ao Rio de Janeiro e ao Espírito Santo.
Note-se que, meses antes do 1º de dezembro de 1640, Antônio Vieira já usava o púlpito contra Madri. Citava Camões abertamente, o que, segundo Calmon, era atitude temerária. Em maio, enquanto a esquadra de Lichthart fazia arder o Recôncavo, Vieira dispensou meias-palavras: Ocorre aqui ao pensamento o que não é lícito sair à língua; e não falta quem discorra tacitamente, que a causa desta diferença tão notável [entre as vitórias de Manuel I João III e as derrotas dos Filipes foi a mudança de monarquia.
O tom nativista nesse discurso é nítido. Antônio Vieira pavimentava o caminho para legitimar a sublevação bragantina: durante o governo dos Áustrias, havia-se usurpado a Coroa pela herança ilegítima do trono por príncipes estrangeiros, que ademais falhavam em proteger seus vassalos; pelo contrário, eram muitos os flagrantes de tirania.
Entre os habitantes da Bahia, permaneceram certos registros, esporádicos. de uma aspiração à lusitanidade de se ter “rei português”, ou “rei natural”; ou mesmo agir e “ser bom português”, clamar pela “pátria natural”. Em geral, são manifestações populares, igualmente freqüentes em Portugal, que todavia dividem espaço com regionalismos menores o sentimento de comunidade.
Certamente, não havia unanimidade. O episódio que supostamente envolveu Amador Bueno em Piratininga, cuja história parece ainda carecer de fontes mais confiáveis, não obstante indica alguma alteração entre os paulistas por conta da aclamação.
Houve aquele colono que, no calor do argumento (as cachaças não estavam proibidas) chamou o ex-duque de “Rei de copas” diante do ouvidor-geral. Disse mais: que D. João era um “Rei de comédia”, se comparado ao “poder e governo d‟El Rey de Castela”. O grosso da rafaméia comungava de ilusões sebastianistas ou do “messianismo brigantino” que gravitava o processo da Restauração. Isso, porém, diz muito pouco sobre a aclamação de D. João. Desde Aljubarrota, o povo sempre hostilizou, mais ou menos, o castelhano. Na Bahia, por volta de 1640, isso não seria diferente. Antes é necessário entender o arranjo de interesses que permitiu a mobilização deste sentimento popular e promoveu a mudança de monarquia sem oposições. Neste sentido, vale notar que a aclamação não foi seguida de um largo confisco de bens castelhanos na capitania. Menciona-se apenas o seqüestro de “uma terra de canas” de D. Miguel de Noronha, o 4º. conde de Linhares,
que talvez tenha sido agregado à sua casa no casamento de Filipa de Sá, filha de Mem de Sá, com o 3º. conde. Além disso, três naus da Coroa de Castela foram aprendidas no porto. Em 1642, veio ordem à Bahia para arrestar os bens de Pedro de Baeça e demais participantes na conjura contra D. João.
O senhor de engenho e o lavrador do Recôncavo dependiam da oferta estável daquele serviço (em certo sentido,umbemdeexportaçãometropolitano,comojáressaltouLeonorFreireCosta),etinhammuito aperder com as taxas de frete daquele período turbulento, de concentração do capital mercantil.22 Para estes (que incluem, aliás, os padres da Companhia), a Restauração significava a possibilidade de pacificação da rota comercial com Lisboa.
Apesar do acordo luso-neerlandês que resultou na assinatura da trégua, em junho de 1641, a expectativa de pacificação seria traída pelos acontecimentos. Com a conquista de Angola, São Tomé, Sergipe e Maranhão pelas forças da WIC, rompeu-se a principal linha de fornecimento de escravos para as colônias portuguesas, inviabilizando qualquer via de apaziguamento. Quando Antônio Teles da Silva chegou a Salvador, em setembro de 1642, para governar o Estado do Brasil no lugar deixado por Montalvão, suas iniciativas no sentido da articulação do levante pernambucano e reabertura do conflito encontraram ressonância entre os moradores da Bahia. Segundo Evaldo Cabral, a opção pela metrópole lusitana era também um reflexo do rápido desenvolvimento da economia açucareira fluminense, depois que a ocupação de Pernambuco pela WIC expulsou colonos, escravos e capital comercial empregados ali para outras capitanias. Enquanto isso, o fluxo da prata de Potosí estava em decadência desde a década de 1620, o que plausivelmente seria uma tendência perceptível a pessoas como Salvador de Sá e seus associados, que então teriam optado pelo açúcar, e portanto por Lisboa."
Fonte: A aclamação de D. João IV na Bahia. Wolfgang Lenk
FRANÇA ANTÁRTICA: A COLÔNIA FRACASSADA DOS FRANCESES NO RIO DE JANEIRO.
Na segunda metade do Século XVI a França era um poder europeu florescente, mas era uma nação dividida por guerras religiosas causadas pelo Surgimento do Protestantismo, colocando católicos ("papistas") contra huguenotes, hereges Calvinistas. Nicolas Durand de Villegagnon (1510-71), oficial da Marinha, simpatizava com os huguenotes e desejava encontrar-lhes um refúgio colonial longe da França. Ele recrutou o apoio do rei francês Henrique II, que queria despejar os huguenotes em outro continente, e vários aristocratas de inclinação huguenote, para financiar o empreendimento.
Navegando com dois navios e 600 colonos provavelmente desesperados e em grande parte protestantes em novembro de 1555, Villegagnon foi para a Baía de Guanabara, no Brasil. Segundo o historiador Francis Parkman, também havia "jovens nobres, inquietos, ociosos e pobres, com artesãos imprudentes e marinheiros normandos e bretões piratas" entre as fileiras.
Portugal já havia estabelecido assentamentos no Brasil, mas os franceses vinham invadindo clandestinamente a costa há anos para colher o lucrativo Pau-brasil nativo.
A escolha do Brasil foi explicada pelas já antigas relações comerciais com as tribos Tupinambás do litoral e pelapresença numerosadeintermediários normandos ousaintongeais entreos índios. Estaescolhafoitambém justificada pela mínima resistência que Portugal deveria opor às ambições de conquista do Rei de França.
Nesse conflito entre católicos e calvinistas na França surgir uma terceira solução, intermédia entre a lealdade à Igreja de Roma e uma ruptura brutal com ela. “Nem Roma nem Genebra”, Em 1555 após desembarcar e imediatamente celebrar a missa, os colonos escolheram uma ilha, chamada Serigipe pelos índios locais. Construíram um forte que chamaram de Fort Coligny, em homenagem ao famoso huguenote e banqueiro da colônia Almirante Gaspard de Coligny.
Eles planejaram um assentamento mais permanente no continente próximo.
À aldeia continental ainda pouco desenvolvida, Villegaignon deu o nome de Henriville, em homenagem a Henrique II , o rei da França, que aprovou a expedição, e havia fornecido a frota para a viagem. Villegaignon garantiu sua posição fazendo uma aliança com os índios Tamoio e Tupinambá da região, que lutavam contra os portugueses.
Este terceiro partido é o dos “intermediários”, partidários, sob a autoridade do Rei de França, de uma reforma interna da Igreja que levaria ao afrouxamento dos laços com Roma sem abraçar a Reforma Calvinista. Seriadealguma formaumasoluçãogalicanapara acrise religiosa.Villegagnon,éindiscutível, éuma daquelas pessoas galicanas de mentalidade média que procuram refundar a Igreja francesa sobre os seus próprios fundamentos, nacionais e monárquicos, numa dupla fidelidade ao Evangelho e à pessoa do rei. Um rei assimilado a Cristo e cuja santidade é reafirmada com ainda mais vigor.
Com Villegagnon, o ideal galicano do cidadão comum se unirá à utopia brasileira. Na verdade, se podemos falar de uma utopia da França Antártica, é antes de tudo neste sentido preciso, tanto religioso como político, de uma refundação cristã ou, como disse Calvino na sua síntese teológica, de uma “instituição cristã” numa terra estrangeira.
Villegagnon porém logo teveuma mudançadeconvicções religiosas,como muitos franceses fizeram naqueles dias, e voltou ao catolicismo, problemático em um assentamento de maioria protestante.
Outros três navios com 300 colonos virgens (incluindo pelo menos cinco mulheres e uma freira!) chegaram dois anos depois, em 1557. Entre eles estavam alguns zelosos padres calvinistas huguenotes, com os quais Villegagnon teve um feroz conflito. No dia 10 de março de 1557 esse grupo realizou o primeiro culto protestante da história do Brasil e das Américas. Villegagnon porem os baniu, primeiro para o continente, depois para a França, e eles navegaram de volta para a Europa sem comida ou suprimentos.
Por ocasião da Páscoa de 1558 ocorreu um primeiro enfrentamento entre os católicos e os calvinistas, devido à oração proferida por Villegagnon que segundo Léry deixou entender que ele havia aderido ao calvinismo. A partir de então, em diversas situações não ficaram claras as tendências de Villegagnon, até que na Ceia de Pentecostes, ainda segundo Léry, Villegagnon declarou ter mudado de opinião em relação a Calvino: "declarando-o um herege transviado da fé," e a partir daí as relações com os protestantes se deterioraram completamente, devido à inconstância religiosa de Villegagnon e a desumanidade com que tratava sua gente,
até que os calvinistas resolveram deixar a Guanabara. Para os calvinistas a atitude de Villegagnon era decorrência do fato de ter recebido cartas do Cardeal de Lorena censurando-o por ter mudado de religião. O sonho de Calvino no Brasil acaba com a expulsão dos calvinistas do Forte Coligny em 1558, que retornaram à França , embarcados num velho navio normando.
Villegagon, o novo católico, estava farto e voltou para a França logo depois, mas não antes de açoitar e exilar vários outros colonos.
Nomesmoperíodo,eclodiuumarevoltaindígenacontraodomínioportuguêsnaregiãoentreoValedoParaíba e a Baía de Guanabara. Diferentes tribos da cultura Tupinambá fizeram causa comum contra os portugueses, então aliados aos seus antigos inimigos: os Tupiniquins.
Esta revolta, conhecida como Confederação dos Tamoios, foi explorada pelos colonos franceses. Na verdade, Villegagnon aproveitou a oportunidade para formar uma aliança com os insurgentes. No entanto, a rendição confederada representou o início da expulsão dos franceses e o fim da Antártida Francesa.
Os Portugueses alertados da presença de Franceses Protestantes no Rio de Janeiro montaram uma frota de 26 navios de guerra para recuperar a Baía de Guanabara e expulsar os huguenotes. Depois de três dias, os portugueses, liderados pelo novo governador do Brasil, Mem de Sá, destruíram o forte, mas não conseguiram exterminar os colonos, que, com a ajuda de seus aliados tupis, fugiram para o continente. O sobrinho de Mem, Estácio de Sá, fundou o Rio de Janeiro no Morro do Cão em 1565, mas os colonos franceses continuaram por ali até 1567, quando Estácio e os portugueses finalmente os expulsaram. E assim o sonho da França Antarctica chegou ao fim.
Entre o primeiro bando de colonos estava o franciscano André Thévet (1516-90), atuando como o padre da frota de Villegagnon. Ele escreveu suas observações sobre a história natural e os povos do Brasil em seu livro As Singularidades da França Antártica (1558). Ele foi o primeiro na França a escrever observações de plantas nativas como abacaxi e tabaco. Outro colono, o ministro huguenote Jean de Léry (1536-1613), escreveu suas experiências em "História de uma viagem à terra do Brasil, também chamada América" (1578).
A obra portuguesa no Brasil foi eminentemente militar no primeiro século, e isto lhe valeu o império americano. As Guerras de Portugal com os índios hostis, os franceses, os corsários, os holandeses e os castelhanos, tiveram na posse da terra o papel excepcional na História do Brasil.
O governo de Portugal, em virtude daquelas guerras, que abrangem os três primeiros séculos, fixou na costa as feitorias, fortificou os portos, marcando os contornos da colônia, enviou- lhe armadas de socorro e exército restauradores.
Não fôra essa politica, e os franceses não sairiam do Rio de Janeiro, os espanhóis de Santa Catarina, os holandeses da Bahia e Pernambuco, ficando para Portugal o Maranhão ou o Pará, mais defendidos dos povos nordicos pelo seu clima equatorial; assim, o mapa da America do Sul seria como o da Africa hoje, com a sua Angola recortada entre densas provincias estrangeiras. Os seus métodos eram uniformes e inflexiveis: aliarse a umas, contra outras tribos indígenas, e jamais transigir com o estrangeiro, mantendo contra ele a exclusividade da conquista" Fonte: História da Civilização Brasileira. Pedro Calmon/Francis Parkman, Pioneiros da França no Novo Mundo , University of Nebraska Press, 1996.
DESFILE DE CARROS DE BOI DE CURURUPU CELEBRA O HOMEM DA ROÇA
1 de dezembro de 2024Raimundo Borges Agenda Maranhão – Com uma população estimada em cerca de 31 mil habitantes (Censo 2022), o municipio de Cururupu, nolitoral ocidentaldoMaranhão, a pouco mais de 156km dacapital, São Luís, teve a monotonia do último domingo, 24, quebrada por uma manifestação que já entrou para o calendário de eventos da cidade, embora se realize há apenas 15 anos: o desfile de carros de boi. A preparação para o cortejo começa cedo na localidade Pitombeira, no bairro Areia Branca, um dos pontos de encontro dos carreiros, como são chamados os condutores dos carros de boi. Os primeiros carros começam a se concentrar por volta das seis da manhã.
Grupos de tambor de crioula fazem o aquecimento antes da largada e do farto café da manhã servido aos participantes, moradores e convidados. Uma grande mesa repleta de bolos de tapioca, milho e fubá, biscoitos, mingau, sucos e frutas é preparada, a cada ano, por alguma entidade indicada previamente. Neste ano, o terreiro Casa de Axé Tupinambá, do Pai Thiago de Oxóssi, foi responsável pelo oferecimento dos quitutes. Um dos primeiros a chegar, Emerson Viana, 25, participa do desfile desde os 15, levado pelo pai, José do Espírito Santo, 50. A carroceria é coberta com meaçaba, tipo de esteira de palha de babaçu, decorada com melancia, abacate, jaca, quiabo, maxixe, jerimum e porções de farinha de coco, tapioca e feijão na vagem embaladas em pequenos sacos plástico. Tudo cultivado na roça de onde eles tiram o sustento da família, no povoado São Raimundo. Após ajustar a parelha encaixada sobre a cabeça dos animais, o lavrador parece animado. “Venho com prazer, isso aqui representa a nossa cultura”, diz.
O desfile começou em 2009 por iniciativa da Associação dos Remanescentes do Quilombo. da Comunidade Rio das Pedras. No primeiro ano reuniu 102 carreiros, trabalhadores rurais que têm no carro de boi o meio para transportar todo tipo de produto entre povoados da zona rural. De lá para cá, o número vem diminuindo. “O roubo de gado fez muitos migrarem para a carroça”, explica a coordenadora do evento, Maria de Nazaré Marques de Oliveira, secretária de Assistência Social do município.
Em 2024, foram 52 carros de boi, quantidade. suficiente para encher ruas e estradas de terra com o som estridente produzido pelas rodas de madeira anunciando a passagem do cortejo.
Há, no entanto, quem participe do evento apenas para manter viva a tradição, mesmo que a lida no campo não seja mais o seu oficio. É o caso do empresário Mariano Gomes, 54, dono do carro puxado pelos bois “Todo Lindo” e “Te Admira”, caracterizado com as cores e escudo do seu time de futebol do coração, o Vasco da Gama. Ele usa o carro apenas uma vez por ano quando chega o dia do desfile, que tem o apoio da Prefeitura de Cururupu.
Dono de postos de combustivel, Bolinha, apelido pelo qual é mais conhecido na cidade, passou dos 12 aos 16 anos ajudando o pai na roça, no povoado Ceará, até mudar para São Luís onde conseguiu emprego na fábrica
da Alumar. Em 2008, foi para Angola, depois viveu na República Dominicana e na Venezuela. Com a prosperidade financeira conquistada como operário da construção civil mudou de status, mas não esqueceu suas origens. “Não perco pornadaesseencontro, é aminharaiz,fazparteda minhahistóriadevida”,empolgase.
Depois de mais de quatro horas de desfile sob um sol abrasador, o cortejo chega a Praça de São Benedito, no Centro da cidade, onde os grupos são avaliados por uma comissão que premia o carro mais “cantador”, o mais original e o mais criativo. Todos os carreiros recebem certificados e placas de participação ao final e se confraternizam como se não houvesse vencidos naquela romaria.
Autores de um inventário sobre os carros de boi de Cururupu,oprofessor da UFMA Arkley Marques Bandeira e o seu orientando Marcelo Oliveira Santos atribuem a expansão pastoril em direção a Amazônia Maranhense, na segunda metade do século XX, à chegada dos carros de boi ao Maranhão. “É nesse contexto que as frentes pecuaristas alcançam a zona litorânea, ocupando os municipios das Reentrâncias Maranhenses, como é o caso de Cururupu”, diz Bandeira, doutor em Arqueologia.
A tradição do carro de boi sobrevive há séculos e se ressignifica como símbolo da resistência das comunidades rurais que travam a batalha cotidiana por cada palmo desse chão para plantar e para colher. Na estrada de terra ou no asfalto, vai continuar cantando e servindo aos homens do campo que fazem desse tipo de transporte de tração animal um suporte de histórias e memórias afetivas.
Como diria a letra de “Carro de Boi”, música de Jorge Benjor: “Bota pouca carga mas rica carga Pois o boi nem o carro são de carga O boi e o carro são de estimação”.
HOMENAGEM AO PRIOR DO CRATO
JORGE BENTO
D. António, Prior do Crato (1531-1595), era filho natural do Infante D. Luís e neto de D. Manuel I. Em 1574 assume o posto de governador da praça de Tânger; e em 1578 acompanha o rei D. Sebastião na malfadada aventura de Marrocos.
Após o desaparecimento de D. Sebastião na batalha de Alcácer-Quibir (4 de agosto de 1578), regressa a Portugal e reclama o trono. A pretensão é negada; o país fica entregue provisoriamente ao velho cardeal D. Henrique, tio do rei. O cardeal falece a 31 de janeiro de 1580, precisamente quando as Cortes reúnem em Almeirim para designar o ocupante do trono, disputado por diversos pretendentes. Entre estes destacam-se a duquesa de Bragança (D. Catarina), Filipe II de Espanha, e D. António. Filipe II subornou os ‘grandes’ do reino com o ouro vindo das Américas, e eles (como sempre agem os possidentes!) penderam para o seu lado.
D. António atrai o povo para a sua causa, à semelhança da situação vivida aquando da crise de 1383-1385. A 24 de julho de 1580 é aclamado rei de Portugal pelo povo, no castelo de Santarém. E também em Lisboa, Setúbal e em numerosos lugares. Um mês mais tarde, a 25 de agosto, as suas forças são derrotadas na batalha de Alcântara pelos espanhóis e seus cúmplices.
D.António fogeparaoNorte,sendoperseguido atéVianadoCastelo. Durante6meses abriga-seem mosteiros e em casas de partidários. Em 1581 procura, em vão, apoio militar na Inglaterra. Em 1582 vai para a ilha Terceira, que havia tomado o seu partido. No continente e na Madeira, o poder era já exercido por Filipe II, reconhecido pelas Cortes de Tomar em 16 de abril de 1581 como Filipe I de Portugal.
Chegado a Angra, D. António mandou de imediato reforçar as defesas da cidade, face à iminência de um ataqueespanholeàação doscorsários.NaTerceiratinhaocorrido,em15dejulhode1581,aprimeiratentativa de desembarque dos espanhóis, dando origem à batalha da Salga, sendo os invasores completamente derrotados. Participaram nessa invasão os escritores Miguel Cervantes e Lope de Vega. Finalmente em 1583, quando D. António já não se encontrava no local, forças espanholas muito superiores logram dominar a ilha, após violentos combates.
D. António exila-se então em França. Depois de alguns meses, desloca-se à Inglaterra, onde negoceia o auxílio da rainha Isabel I, visando tomar Lisboa. Ataca a capital em 3 de junho de 1589, provocando grande estrago. Porém a armada inglesa, comandada pelo famoso almirante Francis Drake, é atingida pela peste e retira-se. D. António viu assim gorada a tentativa de tomar a cidade, de resto bem guarnecida pelos espanhóis. Parte novamente para o exílio; até à morte em Paris (26 de agosto de 1595) continuou a lutar pela restauração da independência de Portugal.
O fim do domínio filipino consuma-se em 1 de dezembro de 1640, quando D. João, neto da duquesa D. Catarina de Bragança, é aclamado como rei D. João IV. Nesse dia glorioso, Miguel de Vasconcelos, um exemplar dos corifeus e traidores de 1580/81, sofreu a justa punição; e D. António pôde finalmente descansar em paz.
RESTAURAÇÃO DA SOBERANIA
JORGE BENTO
O feriado de hoje celebra a restauração da soberania nacional em 1 de dezembro de 1640, um dia tão importante como o da independência reconhecida pelo Tratado de Zamora de 5 de outubro de 1143. A efeméride deve ser solenemente comemorada, não para acordar a animosidade contra o domínio filipino, mas para escutar a voz do passado e não esquecer a traição cometida em 1580 pela nobreza e o alto clero. A traição não é vicissitude de outrora; é tentação sempre latente.
Longe vai o tempo justificativo da desconfiança em relação aos vizinhos: de Castela nem bom vento nem bom casamento! Outras nações da Ibéria podem proclamar o mesmo. O importante é desconfiar dos ventos e dos Éolos que agora sopram lá fora e cá dentro. Para tanto há que despertar a necessidade de conhecer a história e ter memória. Com elas apagadas também se apaga, pouco a pouco, o espírito da soberania, já dormente nesta era. Urge restaurá-lo, tal como a prontidão para avaliar alinhamentos e emendar o rumo. Por este andar vamos acabar na pança dos fascistoides.
"Tudo aquilo o que aprendi sobre a moral dos homens, aprendi-o nos campos, jogando futebol".
Não existe consenso quanto à origem do futebol, tal como acontece noutras vertentes do desporto ou até mesmo da própria história. Existem conhecimentos de que na China entre o Século II e III A.C. (antes de Cristo) existiu algo semelhante ao futebol, o que é comprovado através de um manual militar da dinastia de Han que incluía um exercício de educação física chamado “Tsu’Chu” que consistia em chutar uma bola de couro para uma rede colocada entre 2 paus de bambu que distavam entre si de 30 a 40 cm (o que hoje se consideraria uma mini baliza),o que exigia uma elevada técnica.
Mais tarde, cerca de 500 anos depois, registou-se o aparecimento do “Japanese Kemari”, uma versão mais evoluída que consistia em um grupo de pessoas, em círculo, jogarem a bola entre si sem a deixar cair ao chão. Este exercício que nasceu no Japão é ainda utilizado na actualidade, de uma forma lúdica, no início dos treinos de futebol ou com os amigos na praia.
A evolução da história do Futebol também passou por Roma, onde o jogo se designava por “Harpastum”, e pela Grécia onde o designavam por “Episkyros”. No entanto, existem alguns indicadores, referidos por diversos autores e validados pela Fédération Internationale de Football Association (FIFA), que revelam que o futebol começou a praticar-se, da forma como é conhecido actualmente, em meados do século XIX na GrãBretanha.
Segundo a FIFA, este desporto terá surgido oficialmente em 1863 em Inglaterra marcando assim um ponto decisivo do desenvolvimento do futebol, uma vez que foi nesta altura, logo após a separação definitiva entre o Footebol Rugby e o Footebol Association, que foram discutidos normas e regulamentos juntamente com os clubes e faculdades em Londres, dando origem a que, oito anos mais tarde, fosse criada a Associação de Futebol em Inglaterra que contava já com 50 clubes membros.
Em 1872 foi realizado o primeiro jogo internacional, que decorreu entre Inglaterra e Escócia, muito antes do futebol ser conhecido no resto da Europa. Foi em 1885 que a Associação de Futebol em Inglaterra enfrentou os primeiros problemas relacionados com o profissionalismo e se viu obrigada a legalizá-lo. Seguidamente começaram a criar-se associações de futebol.
Depois da Grã-Bretanha, surgiu a Associação de Futebol da Escócia em 1873, sendo seguida, em 1875, pela do País de Gales e pela da Irlandesa que foi criada em 1880. Os próximos países a criarem as suas associações de futebol foram a Holanda e a Dinamarca em 1889, a “O Fenómeno do Futebol em Portugal: estudo caso Concelho da Guarda” 2013 Nova Zelândia em 1891, a Argentina em 1893, o Chile em 1895, a Suíça e a Bélgica em 1895, a Itália em 1898, a Alemanha e o Uruguai em 1900, a Hungria em 1901 e a Finlândia em 1907.
Em Maio de 1904 foi fundada, em Paris, a FIFA, existindo 7 membros fundadores: França. Bélgica, Dinamarca, Holanda, Espanha, Suécia e a Suíça.
No ano de 1912, encontravam-se já filiadas 21 associações nacionais nesta Federação.
Em 1925, havia já 36, em 1930 (ano do primeiro Campeonato do Mundo) contava já com 41 associações filiadas, em 1938 com 51 e em 1950, depois de um intervalo provocado pela segunda guerra mundial, o número acabou por chegar às 73.
Actualmente a FIFA conta com 204 associações-membro de todas as partes do Mundo.
CARTÃO POSTAL DO ESTÁDIO NHÔZINHO SANTOS, SÃO LUÍS DO MARANHÃO, FINAL DA DÉCADA DE 1970.
O campo de futebol antes era um cemitério, um dos mais antigos da cidade, pertencente à irmandade de Bom Jesus dos Passos. Era um cemitério das elites, vez que no quadro dessa associação havia proeminentes membros do poder local. Foi o primeiro lugar de sepultamento da conhecida Ana Jansen.
A demolição ocorreu entre os anos 1920/30, sob protesto de intelectuais, que viram se perder a arte tumular que ali havia. No seu entorno surgiu a Vila Passos, cujo nome faz referência direta à também desaparecida irmandade católica.
PLANTA DA VILA DE PASTOS BONS POR VOLTA DE 1810.
Pastos Bons é a cidade mais antiga do sul maranhense, sendo fundada por colonizadores impulsionadas pelo movimento ganadeiro que saindo da Bahia, subiu o Rio São Francisco alçando o sul piauiense. Desse modo, uma vez transpondo o rio Parnaíba chegaram ao Maranhão. Como explica Carlota Carvalho, pastos bons foi um designação regional que essa região recebeu, em razão da qualidade do pasto que aqui havia. A priori, a vila de Pastos Bons se estendia das margens do rio Parnaíba até às margens do rio Tocantins, sendo a maior vila do Maranhão, com fundação por volta dos anos de 1730 a 1760, sendo a sua igreja erguida em 1764 conforme data inscrita em seu frontispício. Pastos é, portante, a cellula mater de todas as cidades e vilas da parte sul do Maranhão. Essa gravura mostra como era organizado a vila por volta do ano de 1810, ficando a igreja ao centro, o quartel militar na parte de cima da vila, sendo essa estrada à esquerda a que ligava Pastos Bons a Aldeias Altas, atual Caxias, a estrada à direito a São Félix de Balsas e estrada abaixo ligava Pastos Bons ao Arraial do Principe Regente, onde hoje fica a cidade de Colinas. Mirador foi emancipado em 1870, desmembrado de Pastos Bons.
PRIMEIRA ESCAVAÇÃO DE RAIMUNDO LOPES - PENALVA (1919)
FLAVIOMIRO MENDONÇA
Raimundo Lopes foi intelectual eclético de sua época, autor de múltiplas obras e de centenas de artigos em jornais e revistas, polígrafo em diversas áreas de conhecimento científico, como História, Geografia, Antropologia, Etnologia, Arqueologia entre outros. Sem formação específica para tais fins, atuou também, como cartógrafo/desenhista elaborando mapas, croquis, desenhos e fotografias, servindo de recursos para a ilustração e a documentação de seus variados temas pesquisados. Raimundo Lopes destacou-se pelo pioneirismo no Maranhão, num período em que a Arqueologia ainda estava numa fase considerada intermediária, desvencilhando-se da simples curiosidade para um processo mais investigativo, com escassez de recursos e de uma carência na formação acadêmica específica.
Em 1919, iniciou seu trabalho de campo direcionado ao estudo das habitações lacustres, no Lago Cajari, em frente a um lugar chamado Tracoeira (nas proximidades do atual bairro Trizidela), em Penalva, no mês de janeiro, que para seu descontentamento, as estearias se encontravam inteiramente cobertas de água. Persistente, retorna ao Lago Cajari, no mesmo ano, no mês de novembro, período de estiagem, com os esteios completamente descobertos, encontrando abundância de artefatos, muitos já fragmentados devido ao trânsito de pescadores durante o período de verão. Destes materiais líticos foram coletados machados, polidores, cunhas e amuletos.
Visita do cientista Albert Einstein ao museu de antropologia do Rio de Janeiro durante a gestão de Raimundo Lopes.
A ORIGEM DA PALAVRA "BAITOLA"
Quem nunca ouviu algum cearense (ou não) chamar algum amigo ou companheiro pela alcunha de "Baitola"?
Na linguagem coloquial, baitola, viado e gay têm o mesmo significado: trata-se de um homossexual.
A palavra "baitola" surgiu no Ceará, nas primeiras décadas do século XX.
Por volta de 1913, chegou ao Ceará o inglês de nome Francis Reginald Hull, o conhecido Mr. Hull (pronunciase Mister Ráu), que deu o nome a uma famosa avenida, na cidade de Fortaleza-CE.
Mr Hull fora designado superintendente de uma Rede Ferroviária no Ceará e passou, em muitas situações, a fiscalizar as obras de construção e reparo, na própria Ferrovia.
Mr Hull era homossexual assumido.
Sempre que ele ia pronunciar a palavra "bitola", que significa a distância entre os dois trilhos, pronunciava "BAITOLA".
Quando ele se aproximava, de onde estavam os trabalhadores, estes, que não gostavam do modo como eram tratados pelo tal chefe, diziam: "Lá vem o baitola, lá vem o baitola".
A partir daí, passou-se a associar a palavra baitola ao homossexualismo masculino.
Fonte: Professor Kelsey Bravos
JOÃO PEREIRA MARTINS, proprietário da firma “Martins & Irmão”, gestora da “Fábrica Santiago”, a maior indústria química de São Luís até meados do século XX, produtora de produtos de limpeza, dentre os quais o conhecido “Sabão Martins” e o algodão medicinal, dito “Algodão Hidrophilo Martins”.
A imagem constou em matéria da Revista da Associação Comercial do Maranhão do ano de 1928, com a seguinte legenda: “Regressou de sua viajem à Europa o conceituado industrial João Pereira Martins, chefe da importante firma desta praça Martins, Irmão & C. e figura de destaque no commercio do Maranhão. O distincto cavalheiro, que é um espirito dotado de larga visão progressista, introduziu no seu estabelecimento industrial melhoramentos que levaram os productos daquella poderosa firma a gosarem de destacado renome e merecido conceito. A Revista da Associação Commercial saúda-o effusivamente.”
As instalações da fábrica foram quase inteiramente perdidas, sendo hoje um memorial de ruínas atrás do supermercado Mateus da Cajazeiras.
OS INDÍGENAS QUE AJUDARAM OS PORTUGUESES NA CONQUISTA DA AMAZÔNIA
Fonte: CASTRO, Therezinha de. O Brasil da Amazônia ao Prata. Rio de Janeiro: Colégio Pedro II, 1983. 122p. Ouro vermelho: a conquista dos índios brasileiros - Página 340. John Hemming · 2007/ Alianças entre os índios e os portugueses na Amazônia colonial Rafael Ale Rocha
Desde o início da presença dos portugueses no Século XVII, a conquista do sertão amazônico deu-se por meio de alianças com as sociedades indígenas ali estabelecidas.
Desse modo, os lusitanos arregimentavam aliados nos embates contra potências estrangeiras e índios de “corso” – além de garantir o suprimento de mão de obra. O povoamento do território e a expansão para o sertão, portanto, se fizeram pela formação de aldeamentos. É certo que alguns grupos (ou lideranças) indígenas buscaram inserir os portugueses nas guerras que travavam contra índios inimigos. Observe-se, por exemplo, o caso dos sacacas da Ilha de Joanes (Marajó).
No dia 12 de janeiro de 1616 os Portugueses aportaram na futura capital do Estado do Pará.
Primitivamente , Belém ( Mairi , para os indígenas ) era habitada pelos tupinambás. Seu cacique se chamava Guaimiaba ( Cabelo de Velha ). Saltou , em primeiro lugar , à terra , um expedicionário de nome Antônio de Deus . Vendo a não hostilidade dos nativos, os portugueses ali estabeleceram um forte sob o comando de Francisco Caldeira Castelo Branco.
Castelo Branco deu o nove da nova Colônia de "Feliz Lusitânia" colocando-se sobre a Proteção de Nossa Senhora de Belém. O Cacique Guaimiaba e seus índios ajudaram na construção do Forte do Presépio e das primeiras casas de Feliz Lusitânia.
De acordo com o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, por volta do século XVII,os sacacas viviam em guerra com os aruãs e eram aliados dos karipunas, nações que, juntamente com os mocoons, os ingaíbas e os mariapãs, habitavam a ilha de Joanes. Pelos relatos dos aliados karipunas, os sacacas “tiveram noticias que se achava gente branca na parte onde hoje é a cidade do Pará, o qual era muito valorosa e com esta fama a procuraram passando a outra banda da baía em canoas que lhes deram os ditos seus camaradas Karapunas”.
Em 1620 o Rei Jaime I da Inglaterra, desafiando os Portugueses, ordenou o estabelecimento de uma colônia no Rio Amazonas.
A Destruição das Colônias Inglesas na Amazonia foi liderada pelo Capitão português Pedro Teixeira, que teve a ajuda de cerca de dois mil homens, a maioria indígenas flecheiros em noventa e oito canoas tendo por objetivo atacar e apoderar - se dos estabelecimentos.
Durante todo esse período, os esforços daqueles índios em favor do Capitão Teixeira foram notáveis, conquistaram o forte dos ingleses escalando os muros, conseguiram a sua rendição, a 24 de outubro de 1629, arrasando a posição.
Os Ingleses voltaram em 1630 com duzentos homens e se instalaram num forte Perto do Rio Filipe, perto de Macapá, sob o comando de Thomas Hixson. Jacome Raimundo de Noronha foi combate-los em 1631 com alguns soldados brancos de infantaria e 36 canoas repletas de guerreiros indígenas da aldeia jesuítica de Cametá. O Padre Jesuita Luís Figueira relatou em carta ao Rei Filipe III que: "Os índios ajudam e ajudaram sempre os portugueses na guerra contra os ingleses e holandeses, dando-lhes mantimentos de farinha e peixes, remando sempre as canoas de Guerra, sem que sua Majestade gaste nada."
Em 1637, um fato estava fadado a marcar definitivamente a história do Brasil em seu longo e seguro processo de ocupação do que é hoje a Amazônia. O sertanista Pedro Teixeira, com uma expedição integrada por mil e duzentos índios de remo e peleja, 70 soldados portugueses, 47 canoas mais algumas mulheres e curumins, totalizando mais de duas mil pessoas, partiu de Cametá, no Pará, com dois objetivos bem claros: chegar a Quito, no então Vice-Reino do Peru e, na viagem, fazer um reconhecimento mais pormenorizado do Rio
Amazonas. A iniciativa de Noronha e Teixeira rompeu o Tratado de Tordesilhas na prática e terras então espanholas passaram a ser controladas por portugueses, com o auxilio dos indígenas aliados.
Os cambebas, principais aliados dos portugueses, foram descritos como a maior e mais importante das várias nações que habitavam as margens do rio Amazonas. Além de sua alta densidade populacional, os cambebas foram notáveis por seu nível avançado de organização sociopolítica. Eles eram um povo sedentário, de mentalidade cívica, que usava roupas e tinha uma autoridade política identificável.
Em 1639, Pedro Texeira observou mais de 400 vilas cambebas entre o rio Javari e o rio Jutaí. Eles foram universalmente reconhecidos como os melhores canoeiros do rio. Eles usavam lindas roupas de algodão multicoloridas, incluindo "calças e camisas de algodão", enquanto as mulheres usavam "duas peças do mesmo tipo, uma das quais servia como um pequeno avental, a outra para formar uma cobertura indiferente para os seios".
Na história da missão jesuítica na região Amazônica há uma figura interessante de uma índia que o batismo cristãodeuonomedeMariaMoaçara,eatriboemprestou-lheotítulodeprincipaleza,pois,dizemos cronistas, ela exercia funções de governança.
Convertida a fé católica pelo Padre Betendorf em 1669, dois anos depois, a Chefe dos Tapajos, que se encontrava viúva, vestida a Portuguesa, se recusou a ser casar com outros índios de seu povo, e aconselha por sua Mãe, Dona Anna, se casou com Rafael Gonçalves, português do Brasil ( um mestiço três partes português e uma parte africano), casamento esse abençoado pelo Padre Pier Consalvi, Moaçara também mantinha boas relações com o Governador do Grão Pará, António Pinto da Gaia.
Durante esse período (1669-1678) muitas índias dos Tapajos começaram a se casar com os colonos portugueses e negros africanos, a aldeia dos Tapajos, a mais importante das missões do Pará, foi batizada pelos Jesuítas de “Imaculada Conceição ou de Nossa Senhora da Conceição de Guaratianga” que fazia fronteira com a Cidade de Belém do Pará
Outros grupos indígenas da Amazônia colonial inseriram os brancos em seus conflitos contra índios inimigos. No início de 1700, por exemplo, um aldeamento no Japurá teve origem a partir de conflitos travados entre principais. De acordo com Alexandre Rodrigues Ferreira, o principal (chefe indígena) manau Baçuriana, habitante do rio Negro, era “perseguido” pelo principal Caricuá e seus aliados. Assim, Baçuriana “vio-se obrigadoadeixaresterioeretirar-separao Iupurá”.Sabendodaexistênciadoaldeamento deTefénoSolimões (futura vila de Ega), onde missionava o padre carmelita frei Francisco de Seixas, Baçuriana, “discorrendo que delle [do missionário carmelita] dependia a sua maior segurança, se resolvêo visita-lo, e a pedir-lhe um Missionário que com elle vivesse na sua Aldeã”.
Outro exemplo bem conhecido é a aliança acordada entre muras e portugueses, na medida em que, como informa a historiografia,os primeiros procuraram os segundos porque visavam adquirir um forte aliado na guerra contra os mundurucus.
É evidente que os índios buscaram o auxílio dos brancos, para intervir em contendas travadas com um grupo indígena inimigo. De igual forma, os interesses de ambos (índios e brancos) também pareciam estar em jogo – aos missionários interessava a catequese e aos caciques, o refúgio de ataques dos seus contrários. No Século XVIII, devido a ameaçada de constantes invasões por parte dos espanhóis do Vice-reino do Peru e dos Holandeses do Suriname, os portugueses, após assumirem a soberania e o controle total da região de Roraima com a construção do Forte São Joaquim, criaram diversos povoados e vilas na localidade, juntamente com nativos indígenas da etnia Macuxi. Nossa Senhora da Conceição e Santo Antônio, no rio Uraricoera; São Felipe, no rio Tacutu e Nossa Senhora do Carmo eSanta Bárbara, no rio Branco, foram os principais povoados criados na época, abrigando um número populacional significativo
“BREVEDESCRIÇÃODASGRANDESRECREAÇÕES DO RIO MUNI DO MARANHÃO, pelo
Padre João Tavares, da Companhia de Jesus, Missionário no dito Estado, ano 1724”. por
LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ
Professor de Educação Física – CEFET-MA
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO MARANHÃO
ACADEMIA LUDOVICENSE DE LETRAS
DELZUITE DANTAS BRITO VAZ
Professora de História – CEM “LICEU MARANHESE”
SOBRE
JOÃO TAVARES 1
Clóvis Ramos (1986; 1992) 2 ao analisar o surgimento da imprensa no Maranhão, afirma ser jornalista o magnífico João Tavares com sua Informação das recreações do rio Munim do Maranhão. Em seu roteiro literário do Maranhão (2001) 3·, refere-se a João Tavares como: “... cronista, professor de humanidades e filosofia, missionário. Padre da Companhia de Jesus, nascido no Rio de Janeiro a 24 de setembro de 1679, chegado ao Maranhão, e catequizando índios, os tremembés, arrebanhou-os em aldeias, fundou a cidade de Tutóia. Faleceu no Maranhão em onze de julho de 1744. Deixou manuscritos valiosos, interessado em explicar, também, o nome Maranhão e o fenômeno das pororocas, que o fascinava. No Dicionário histórico e geográfico da província do Maranhão de César Marques, no verbete Maranhão, vem mostrado como um escritor original, de prosa poética. (RAMOS, 2001, p. 3-4).
Esse Autor, baseado em César Marques4, e citando como bibliografia: Breve descrição das grandes recreações do rio Munim do Maranhão, 1724, passa a transcrever o que consta das páginas 454/455 daquele dicionário:
“AS POROROCAS DO MARANHAY
“Foi de indústria, por dar gosto a Vossa Revma. que, como tão perito na língua brasílica, folgará lhe diga o que por mim tenho alcançado acerca da etimologia desta palavra Maranhão, ponto em que tenho ouvido alternar por boca e por escritos antigos, sobre nunca assentarem em nada de quanto disseram nada tem fundamento no meu fraco entender. Veja os antigos manuscritos da missão.
“O padre Bartolomeu Leão, da Província do Brasil, reformador do catecismo da língua brasílica, me recomendou muito quando vim para o Maranhay, que me avistasse com
1 SOUZA, José Coelho de. OS JESUÍTAS NO MARANHÃO. São Luís : Fundação Cultural do Maranhão, 1977, p. 56-57
2 RAMOS, Clóvis. OS PRIMEIROS JORNAIS DO MARANHÃO – 1821 - 1830. São Luís : SIOGE, 1986; RAMOS, Clóvis. OPINIÃO PÚBLICA MARANHENSE (1831 a 1861). São Luís : SIOGE, 1992.
3 RAMOS, Clóvis. ROTEIRO LITERÁRIO DO MARANHÃO – Neoclássicos e Românticos. Niterói : (s.e.), 2001
4 MARQUES, César Augusto. DICIONÁRIO HISTÓRICO – GEOGRÁFICO DA PROVÍNCIA DO MARANHÃO. 3ª ed. São Luís : (s.e.), 1970.
o padre Ascenso Gago, o mais perito que por então reconhecíamos neste idioma brasílico, soubesse dele o que sentia nesse ponto. Ambos morreram ignorantes do que aqui quero dizer, e nunca o dissera sem ter visto com os meus olhos as pororocas do Maranhay. Pelo que digo que a palavra Maranhay se compõe de dois verbos e de um substantivo. Os verbos são maramonhangá, que significa brigar e anham que significa correr (até aqui atinava o dito Bartolomeu Leão) e o substantivo é a palavra ou letra que significa água, e ainda tirada de Maranhão por corrupção de palavra, assim como estão infinitos nomes da língua brasílica corrupta pela pronúncia dos portugueses.
“Nesta palavra não podia atinar o padre Leão sem ver ou lhe disserem o que passa pelo Maranha. Deram os naturais este principal nome a esta terra do que nela mais principalmente avultava que são as pororocas, cujo aspecto é uma briga das águas correndo. Tudo isto diz a palavra Maranhay – água que corre brigando. Perguntarme-hão pois porque não se chama o Maranhay pororoca; respondo que pororoca é a palavra que explica o que se ouve; parece-me que se compõe da palavra opõe, que significa rebentar de estouro, como o ovo quando rebenta, e da palavra cororan, que significa roncar continuamente, como o mar; ou é palavra simples, feita pela freqüêntativa, tirada sempre do verbo opõe. De qualquer sorte que tomem a palavra pororoca, sempre significa estourar ou estalar, de onde do que se ouve se chama aquela fúria das águas – pororoca; e do que se vê se chama todo este Estado –Maranhão”. (RAMOS, 2001, p. 3-4; MARQUES, 1970, p. 437).
Realmente, César Marques àquelas páginas refere-se às pororocas do Rio Munim, mas a descrição é outra, como se observa:
“O Padre João Tavares na carta já alegada dá dêste fenômeno da pororoca uma tão poética descrição, que nos pareceu que sem ela não ficaria bem acabado êste maravilhoso quadro: - ‘Enquanto a maré vaza tudo vai em paz; em enchendo começam a pelejar em um lugar a enchente, que vem do oceano, com a vazante, que vem dos ditos rios (Mearim e Pindaré). O lugar desta peleja dista da barra dos dois rios como vinte léguas. Briga ali a enchente com a vazante, sem a maré passar daquele lugar para diante por espaço de tr6es horas. Nestas três horas toma a enchente fôrça, e nas águas vivas toma maior fôrça; forma grande pé atrás, alteia sobre a vazante à maneira de dois homens, que estivessem forcejando peito a peito, e um dêles vencendo levasse o outro abaixo de costas; assim vence a enchente, que naquele lugar só alterca por três horas, e no instante que cavalga sobre a vazante dá tal estouro, e continua com tal urrar, e corre com tal violência com três marés, ou três serras de águas, lançando para trás a modo de guedelha branca desgrenhada uns fios de água, acometendo a tudo quanto é baixo com tal fúria , que parece vai a ofender a seus contrários, ou a acudir a algum descuido da natureza, arrancando árvores, derrubando ribanceiras e cobre em três horas tudo quanto havia a cobrir nas seis ordinárias de uma maré. Daqui vem vazar a maré até onde se forma a pororoca nove horas, e daí para cima enche em três horas.” (MARQUES, 1970, p. 455).
Prossegue César Marques a descrição da pororoca - não encontrada no texto da “Breve descrição...” abaixo transcrita – como se fosse daquela carta. Como a cópia que tenho, em microfilme, é cópia de outra, conforme consta no final do texto5; é de se supor que no original do Padre Tavares houvesse as explicações citadas:
“Restava agora examinar a causa desta extraordinária vagância das águas, a qual vi, e repetidas vêzes tornei a ver, sem nunca chegar a perceber a sua verdadeira causa. Ocorria-me que o pêso das águas doces pugnando com as salgadas, depois de
5 “Esta Relação foi tirada de uma carta que o Padre da Companhia João Tavares, Missionário no Maranhão escreveu ao seu Visitador Geral o Padre Jacinto de Carvalho no ano de 1724. - “Biblioteca Pública Eborence - “Códice CV 1 = 7 = a folha 165”.
grandes pugnas, vinha a vencer a fôrça das águas do mar, e com fôrça do receio que tinha tido naquela pugna, rompia naquele extraordinário ímpeto. Porém contra isto está que em muitos, ou em todos os mais rios não faz êstes efeitos, e só são particulares no Estado do Maranhão, onde os há só aqui e nos rios Mearim e Pindaré perto da cidade de S. Luís do Maranhão; e também se diz há uma pequena pororoca no rio Guamá perto da cidade do Pará e nos mais rios nada, nem nos da Europa e outras partes, e só conta a mesma maravilha no Rio Ganges da Índia. Além do que observa-se no curso da dita pororoca que em muitas partes e rios largos sucede correr primeiro uma margem e depois descer pela outra por modo de redemoinho, correndo ao redor quantas canoas encontra, e acabando isto vai surgir mais acima, continuando o mesmo ímpeto com que principiara, de que se convence Ter outra causa êste movimento tão extravagante. Faz um grande estrondo o mar da pororoca, e se ouve em uma légua de distância; comove também os ares em forma que sempre a precede um grande vento comovido dos mares dela.
“Isto é o que observei; deixo a outros o discurso das suas verdadeiras causas”. (p. 455).
Ainda do que consta do Dicionário... de César Marques, no verbete História (p. 372-376), ao relacionar as obras disponíveis do Catálogo dos Manuscritos da Biblioteca Pública Eborence, onde foram colhidas notícias de diversos manuscritos sobre as coisas do Maranhão, encontrando-se entre aqueles uma:
“ - Breve descrição das grandes recreações do rio Monim do Maranhão, pelo Padre João Tavares, da Companhia de Jesus, missionário do dito Estado – 7 fôlhas em quarto” (p. 375).
Às páginas 437/448, sob o verbete Maranhão, César Marques passa analisar a etimologia desse nome Maranhão, com base em textos disponíveis e explicações apresentadas. Afirma aquele autor que, para servir de contrapeso às hipóteses de algumas destas pretendidas etimologias 6:
“... acrescentaremos outra opinião, que se não for a verdadeira terá ao menos o mérito de ser fundada em inéditas indagações sobre a língua brasílica. O Padre João Tavares não escreve na sua carta Maranhão, mas sim Maranhay, do que dá a seguinte satisfação - ...” (p. 437).
transcrevendo o que Clóvis Ramos (2001) trás como sendo das páginas 454/455 daquele Dicionário, acima já transcrito ... Ainda à página 438, e ainda referindo-se ao estado do Maranhão, traz que:
“O alegado Padre Tavares, para quem o país era tão familiar, escreveu na carta sobredita o seguinte: ’Dizerem os cronistas que há aqui um rio, que se chama Maranhão, do qual tomou a denominação todo o Estado, é para mim consideração pia, que eles fizeram. E, se não, digam-me: onde está esse rio ?’” 7
Já o sociólogo Rossini CORRÊA (1993)8, comenta uma carta de João Tavares a um superior seu – seriam as “Breves descrições...” ? -, descrevendo a paisagem da Ilha de São Luís, ante a chegada possível de missionários europeus ao Maranhão. Afirma que aqueles religiosos deixariam as
6 Estas são comentários de João Francisco Lisboa, em seus Apontamentos para a história do Maranhão; de um jornal português, Panorama vol. 3, 1939, retirado da obra Maranhão conquistado a Jesus Cristo e à Coroa de Portugal pelos religiosos da Companhia de Jesus; do livro do padre Manoel Rodrigues, Marañon y Amazonas, dentro outros, que reproduzem estes textos (MARQUES, 1970, p. 437)
7 Alguns autores trazem esse rio como sendo o Mearim
8 CORRÊA, Rossini. FORMAÇÃO SOCIAL DO MARANHÃO: o presente de uma arqueologia. São Luís : SIOGE, 1993
delícias da Itália, não pelos trabalhos, mas pelas recreações do Maranhão, conforme consta das “Breves descrições...”, tecendo os seguintes comentários:
"Como na Ilha Grande foi decantada pelo espaço contrário aos trabalhos (os quais, no mínimo, resguardaria) antieticamente haveria de apresentar expressiva contenção de exercícios corporais, enquanto expressão de labuta, de fadiga e de descanso decorrentes de diligência em atividade física. Permitiria - na contrapartida da terra de gente excepcional - a alternativa das recreações para o cultivo e o requinte do espírito. Desdobrado da hipótese das recreações coletivas, o raciocínio desenclausurado outro não é, senão o de que, no Maranhão, seria comunitária a amizade pelas luzes, pela razão, pela sabedoria etc., considerada a educação do pensamento e do sentimento um fragmento indispensável das recreações. ." (40).
“A afirmativa do padre João Tavares foi riquíssima, porque vaticinou uma permutaas delícias (da Itália) pelas recreações (do Maranhão). Sociologicamente significativa, haja vista que, na substituição, as delícias européias não terminariam trocadas pelos trabalhos americanos. Ao contrário, o fundamento do intercâmbio seria a validade indicada como vantajosa - a das recreações maranhenses." (p. 39).
O Padre jesuíta João Tavares é considerado o fundador da cidade de Tutóia - Ma; era natural do Rio de Janeiro, onde teria nascido a 24 de setembro de 1679. Viera para o Maranhão como mestre de Filosofia e Teologia, tendo ensinado também Gramática. Foi Vice-Reitor do Colégio9 Cumprida sua missão, deram-lhe opção de voltar ao Rio de Janeiro, não a aceitando, por amor aos Teremembés. Faleceu em São Luís, em 11 de julho de 1743 – (ou 44, segundo Ramos, 2001).
Os Teremembés dominavam vastas regiões do norte maranhense – região dos Lençóis e Delta do Parnaíba -; o governo manda uma expedição, em 1679, sob o comando de Vital Maciel Parente; encontrando um troço de índios, estes são dizimados – mais de 300. Somente em 1722, se efetuaria a redução desses índios, por obra do Pe. João Tavares, cognominado Apóstolo dos Teremembés. O próprio padre descreve os costumes daqueles índios marítimos, definindo-os como “peixes racionais”.
Em 1724, o missionário pediu, e obteve duas léguas de terra e a ilha dos Cajueiros. Teve problemas com fazendeiros – três irmãos e um primo, que a invadiram, para criação de gado – e, não conseguindo resolvê-lo com o Governador – que também tinha interesse na região, retirando índios para seu serviço -, recorreu a El-Rei, que deu ganho de causa ao missionário e exigiu que se cumprissem as condições do aldeamento: servir aos brancos nas pastagens de gado vacum e cavalar e garantir para a Coroa a vigilância daquela faixa marítima. O padre comprou os gados introduzidos irregularmente aos fazendeiros.
A missão chamou-se Nossa Senhora da Conceição. Em 1730, contava com 233 índios ainda pagãos, que aprendiam a doutrina.
João Tavares situou a aldeia nas praias dos Lençóis, onde faz barra principal um dos braços do Parnaíba, chamado Santa Rosa e também Canal de Tutóia.
9 O Colégio de Nossa Senhora da Luz, em curto espaço de tempo, tornou-se excepcional centro de estudos filosóficos e teológicos da ordem no Estado (universitate de artes liberais). Era o que melhores condições de estudos oferecia. Já em 1709, o Colégio do Maranhão era Colégio Máximo, nomenclatura usada pelos discípulos de Loyola para seus estabelecimentos normais de estudos superiores. Nesse colégio funcionavam as faculdades próprias dos antigos colégio da Companhia: Humanidades, Filosofia e Teologia, e, mais tarde, com graus acadêmicos, no chamado curso de Artes. Os estudos filosóficos compreendiam: no 1º ano, Lógica; no 2º, Física; no 3º, Matemática.
O Colégio Máximo do Maranhão outorgava graus de Bacharel, Licenciado, Mestre e Doutor, como se praticava em Portugal e na Sicília, segundo os privilégios de Pio IV e Gregório XIII. Dentre os estabelecimentos de ensino dos jesuítas, as Escolas Gerais ocuparam um lugar de destaque, pelo fato de terem tornado o ensino popular ao alcance de todos. (CAVALCANTI FILHO, Sebastião Barbosa. A QUESTÃO JESUÍTICA NO MARANHÃO COLONIAL – 1622 – 1759. São Luís : SIOGE, 1990, p. 36).
César Marques (1970), no verbete Tutóia, de seu Dicionário..., informa serem os índios Trememés (sic), os mais bem figurados, valentes e prestimosos que tinha a Capitania, segundo o pensar do Governador Gonçalo Pereira Lobato e Sousa – 1753/1761. Esses índios tinham, em 1727, no tempo do Governador e Capitão-General João da Maia da Gama – 1722/1728 -, duas datas de seis léguas de terra, as quais foram medidas e demarcadas à custa dos mesmos índios. Prossegue:
“Pouco tempo era passado quando das bandas da Parnaíba vieram uns homens que foram situando aí fazendas de gado vacum e cavalar, e sucitando-se questões entre eles, os índios os expeliram, e um jesuíta, que lá vivia em muita intimidade, com o fim de terminar tais pendências, comprou aos seus legítimos donos o gado existente, e de então por diante ficaram os padres da Companhia possuindo como suas as terras destes índios.” (p. 622) (grifos meus).
César Marques não traz João Tavares como o fundador de Tutóia, nem o identifica como o jesuíta que vivia entre os Teremembés - embora fosse conhecido como o Apóstolo desses índios, o mesmo ocorrendo com CARDOSO (2001)10, que apresenta a descrição dos 217 municípios maranhenses. Às páginas 572-581 traz a descrição de Tutóia, basicamente transcrevendo do que consta no Dicionário de César Marques, não fazendo referência, também, a João Tavares...
João Tavares, padre da Companhia de Jesus, é o autor da “Breve descrição das recreações do Rio Muni do Maranhão, pelo João Tavares da Companhia de Jesus missionário, do dito estado. 1724”. A seguir, transcrição do manuscrito disponível no Arquivo Nacional, Divisão de Manuscritos 5, 3, 24 11:
“BREVE DESCRIÇÃO DAS GRANDES RECREAÇÕES DO RIO MUNI DO MARANHÃO, pelo Padre João Tavares, da CompanhiadeJesus,missionárionoditoEstado,ano1724”. 12
“São as águas deste Rio tão salutíferas que seis dias purgou com suavidade, a quantas por ele navegamos. Toda a margem deste Rio é de claras areias, em partes descampadas, em parte rendadas em aprazível selva, em partes cobertas de arvoredos copado, em partes cortados de água e lamenta, a que chamam os naturais igarapé, em partes com ribanceiras de altura de dez palmos, de cima das quais desfazem de quando em quando torrentes de frias águas da grossura de um homem encorpado com suave sussurro, a que chamam os naturais tororoma13 .
“Pelas costas das margens do Rio se levantam grossas árvores entremeadas em parte de vistosas palmeiras entremeadas com as celebres Baunilhas, droga hoje tão apreciada para sal do chocolate, e como rezam; pois é tal a sua graça que não há fera nem aves que a não procure.
“Entre tanto recreativo arvoredo se viu de espaço a espaço umas árvores a que chamam Visgueceyras estas se levantam sobre o mais arvoredo, como para serem vistas, com uma ástea
10 CARDOSO, Manoel Frazão. Tutóia. In O MARANHÃO POR DENTRO. São Luís : Lithograf, 2001, p. 572-582.
11 Os Autores tomaram conhecimento desse texto de João Tavares quando da elaboração de artigo intitulado “’Pernas para o ar que ninguém é de ferro’- as recreações em São Luís do Maranhão, no período imperial”, estudo segundo colocado do Prêmio “Antônio Lopes” de Pesquisa Histórica, do Concurso Literário e Artístico “Cidade de São Luís”, 1995, quando se referiam aos jornais que se dedicavam ao lazer, instrução, literatura e artes, editados nos primórdios da imprensa maranhense. A primeira referência encontrada foi em Rossini Corrêa, logo depois em Clóvis Ramos; após cerca de 10 (dez) anos de buscas – Biblioteca Pública Benedito Leite, Arquivo Público do Estado do Maranhão, Biblioteca Nacional e no próprio Arquivo Nacional - quando tomou conhecimento da conclusão do levantamento dos manuscritos disponíveis – junho de 2003 – fez nova consulta, dando-se-lhe conta de que havia uma cópia dentre aqueles documentos. Mandaram buscar, então, cópia; adquirida através de suporte em microfilmagem (custo: R$ 40,00), fotocopiada na Biblioteca Pública Benedito Leite (custo: R$ 78,00 !).
12 A transcrição do documento foi feita pelos Autores, e revista por Jairo Ives de Oliveira Pontes, professor de História do CEFETMA; e Heitor Ferreira Carvalho, professor de História, técnico do Arquivo Público do Maranhão, a quem os Autores agradecem.
13 Tororoma – do Tupi, corrente fluvial forte e ruidosa (Jairo Ives de Oliveira Pontes, comunicação pessoal)
branca, direta, sem algum outro ramo por toda a astea. Querendo armar a copa, cruza dois braços como fez Jacob, sobre eles forma toda a copa maneiras de uma meia laranja com 50 e tantas braças de circuito. Acima desta abóbada não se verá umas folhas mais altas que a outra; o mais curioso jardineiro não tosquiará uma muito mais esfericamente. Não brota fruta alguma pela rama, como o comum das árvores; toda a sua recreativa fruta, esta por baixo da copa, tão igual no comprimento toda pendente, que se pode pegar uma régua pelas extremidades sem que toque com alguma demora, cada fruta terá palmo e meio de comprimento tornando à maneira de bilros de fiar rendas, finíssima sobre o delgado no pé, em grosso proporcionalmente para o meio, torna a abaichar para fazer garganta, inha para fazer cabeça, e a cubra em ponto rombuda.
“O que mais eleva a atenção que depois de tanta coerência, e igualdades do sujeito, se veja tanta incoerência incidentais, por que em uma árvore se vê toda a fruta de verde claro: em outra a fruta cor de carmesim, em outra toda a fruta de verde escuro; em outra toda a fruta variada de verde claro, verde escuro e de cor escarlate. Tanto me arrebatava na vista destas árvores que em aparecendo alguma já me chamávamos Soldados para me darem a recreação de a ver em antecipada recompensa das vistas, que ao depois me deva para chorar.
“A largura deste Rio será como de vinte braças, por minha estimativa terá 200 léguas até a nascença. O peixe, as aves, a caça, e o mel, há em grande abundância. Enquanto navegamos, saiam a terra 10, 12, soldadospelas oito horas da manhã, pelas dez da mesma manhã os avistamos lavando-se a beira do Rio; tomávamos ali ponta, a bondade de meu Deus.
“Ali vi porcos monteses, veados de várias castas, antas de tamanho do maior capado, tamanduá uaçú, como uma vitela tatupeba vestido verdadeiramente de armas brancas; ali vi os pobres dos macacos, espretados tão sisudo, como defuntos. Voltei os olhos para as aves e ali vi o Nambyaçú, gênero como de Perdiz comum peito de carne com entrecascas, como cebola em tanta quantidade que debulhamos os entrecascas encheram um prato ordinário. É esta ave mui escassa por falhar, sura 14 vistosa bem armada, voa como a Perdiz, mas a grandeza, que chega a de uma Pavoa, faz que d6e grande baque quando pousa e que não se esconde quando pretende põem 12 ou 15 ovos de azul celeste do tamanho dos da Pavoa; chamo-lhe a gênero como da Perdiz, por ser o maior do qual tenho visto oito espécies de perdizes. Tem o 2º lugar macacauã, o qual canta infortunadamente como o galo, `meia noite formando silabas da maneira que o galo forma quatro. Tem o 3º lugar a perdiz verdadeira assim chamada por ser assim em tudo semelhante a da Europa.
“Segue-se o Namby por antonomasia, cujos ovos são da cor de rosa, impertinentes no falar, e aonde muito ao remedo. Segue o piscoapa que será como uma franga de quatro meses. Segue-se o Nambú pintado de branco, com friso, e pé encarnado. Segue-se uma espécie, que agora estando escrevendo falou junto a minha choupana. Fui a o ver, ele se escondeu a erva de sorte que o não cheguei a ver. Disseram-me estes Tapuias que era como uma franga. Segue-se a Tureirina que é como uma rola, a que canta às Avemarias, meia noite e ao amanhecer.
“Ali vi os Mutuns pouco menos de um peru, Huns de crista cor de coturno e penacho negro, e encrespado, outros de crista amarela e penacho; as fêmeas são pintadas de branco, e negro, com lavores como primaveras com penacho crespo, e pintado de branco e preto; metia compaixão ver essa ave morta, se bem que sabe bem de qualquer sorte guisado. Ali vi as Jacutingas pouco menores que os Mutuns. Ali vi os Jacumins tão estimados por serem as penas contra o ar, por se demesticarem bem, pela galanteria com que a todos de casa faz festas todas as manhãs pela comparação com que em vendo as galinhas com pintos os furta todas às Mães, e os cria com grande cuidado; no mato dá sinal às 8 horas da noite, a meia noite, e de madrugada. Ali vi o Turu, ave como um franganete, com crista de galo, anda em bandos, cantam juntos a tarde, e de madrugada. Foi o que vi de caças, e aves nesta vez, em outras vezes vi outras castas, perdoando os caçadores as vezes, e caças de menor grandeza, como as pacas, cantam juntos à tarde e de madrugada.
14 do Tupi, panturrilha (Jairo Ives de Oliveira Pontes, comunicação pessoal)
“_______ Pacas, quatis, Acutio, Araras e papagaios prombo, trocas, etc
“Sentei-me a ver aquela benção do Altíssimo, e me esqueci de quantos trabalhos tem esta miserável vida. Vendo-me os soldados absorto, a mim que tenho visto todo sertão desde o Rio de Janeiro até o Maranhão, disseram-me: mais se admirará R. Padre se por aqui viaje quando o Verão oferta mais e faltam águas pelo sertão, e vêm caça e que habitar a beira do Rio. Ferviam os caldeirões e fervia o peixe a comer os fragmentos da cozinha. Lançavam os Soldados uma tripa crua de porco montês dentro da água, e logo pularam e nele vinham e nela vinham pegadas as Piranhas, a duas e a quatro, de sorte que em vinte credos enchiam um cagete de peixe. São estas Piranhas do tamanho, cor e figuram de um panpasso pequeno. As deste rio são gostosas, brancas, de carne alva, e gordura cor de azeite. Chamaram-lhe os naturais piranha, que no seu idioma quer dizer tesouras por que são mui mordazes, e corta o seu dente de sorte que nada agüentará que não tema a piranha.
“Deixo de usufruir o delicioso Manduba, Mandim Açú, ______ leitões da água doce.
“Não é alheio dessa relação, nem de fim dela, dizer que tem esta Ilha do Maranhão a forma de uma cobra em arco, cuja cauda é a ponta de areia onde está até a Fortaleza da barra, e cuja cabeça é aquele negro boqueirão o qual está olhando para a cauda por entre cuja cauda e cabeça entram para o ventre desta Serpente, onde está situada a Cidade do Maranhão: serve de crista postiça a esta cobra a Ilha das Cobras, por entre a qual e o boqueirão tão medonhamente passamos a buscar a terra firme. Esta fazendo ponta em Itaculumin, dá um cerco a aquela cobra de trezentas e tantas léguas na minha estimação até a ponta do Mearim; Meari Itaculumin são duas pontas da grande meia lua que faz a terra firme para dentro deste meia-lua absorvem a cobra, ou Ilha do Maranhão para cujo efeito abre a terra firme set horrorosas bocas dos sete famosos Rios que deságuam ao redor da Ilha do Maranhão: para a parte da cabeça até as costas da cobra lança a terra firme os quatro maiores Rios, convém a saber: Pinaré que para Ter mais força deságua unido com o Meari, Itapecurú, Muni; destes quatro rios não sabemos a nascença ainda dos três primeiros; para a frente do meio da cobra, até a cauda, lança a terra firme três deliciosos rios; convém a saber Tutuaba, Anajatuba, Periá, destes três sabemos as nascenças, mas de nenhum dos sete sabemos os haveres dos seus incultos exteriores. Só sabemos serem habitados por homens, feras, ferozes; serem de terras pingues cercados para fora de amenas e férteis campinas sobremodo as quais = fluunt Lacte et mele = sem exageração; sertões frios, e por isso sadios.
“O quanto excedem estes sertões no saudável aos do Pará, assim foram seus habitadores mais um pouco macios. Quantas vezes navegando por estes Rios, dizia como magoa do meu coração: ahi! Senhor, não sois ainda servido de povoan estes Rios de missões, certos que se isto se chegasse a conseguir como se vai dispondo deixam os Religiosos as delícias da Itália, não pelos trabalhos, mas pelas recreações do Maranhay.
“Terá Vossa Reverendíssima reparado na ortografia com que escrevo a palavra – Maranhay –contra o comum. Foi de industrias por dar gosto a V.R. que como tão perito na língua Brasílica folgará lhe diga o que por mim tenho alcançado acerca da etimologia desta palavra Maranhão, ponto em que tenho ouvido alternar por bocas e por escritos antigos, e sobre nunca assentarem em nada, de quanto disseram, nada tem fundamento no meu fraco entender; Vejam-se os antigos manuscritos da missão. O Padre Bartolomeu Leão da Província do Brasil, reformador do Catecismo da língua Brasílica me recomendou muito quando vim para o Maranhay, que me avistasse com o Padre Ascenso Gago, o mais perito que por então reconhecíamos neste idioma Brasílico, soubesse dele o que sentia neste ponto; ambos morreram ignorantes de que aqui quero dizer, e nunca o disseram ser ter visto com os meus olhos as pororocas do Maranhãy: Pelo que digo que a palavra Maranhay se compõe de dois verbos, e de um substantivo, os verbos são MARAMONHANGÁ, que significa brigar; e anham que significa correr (até aqui atinavam desta padre Bartolomeu Leão) e o substantivo é a palavra, ou letra, que significa água, e ainda tirada da palavra Maranhan, por corrupção da palavra, assim como estão infinitos nomes, da língua Brasílica corruptos pela pronúncia dos Portugueses: nesta palavra não podia atinar o Padre Leão sem ver ou lhe dizerem
o que passa pelo Maranhay; deram os naturais este principal nome a esta terra do que nela mais principalmente avultava, que são as pororocas; cujo efeito é uma briga das águas correndo. Tudo isto diz a palavra Maranhay, água que corre brigando. Perguntar-me-ão, pois por que não se chama Maranhay, pororoca: respondo que pororoca é palavra que explica o que descreve; parece-me que se compõem da palavra opõe que significa rebentar de estouro, como o ovo quando rebenta, e da palavra cororan que significa roncar continuamente, como o mar. Ou é palavra simples feita freqüentativa, tiradas sempre do verbo opõe 15
“De qualquer sorte que tomem a palavra pororoca, sempre significa estourar, ou estalo donde do que se ouve se chama aquela infernal fúria das águas pororoca e do que se vê se chama todo este Estado Maranhay. 16
“Dizem os cronistas que há aqui um Rio que se chama Maranhon, do qual tomam a denominação todo o Estado é para mim consideração para que ele fizeram. E se não digam-me onde está este Rio ? 17
“Já que entretive a Relação com estas curiosidades mais próprias para Crônica, quero dizer o que entendo da fundada da pororoca ou causa dela. É de saber que como estas terras são tão rasas visivelmente se se vê a terra abaixando do sertão para o mar, isto se vê sem embaraço de duvidas no Rio Itapecurú pelo qual quem vai navegando vê ao longe terra alta de uma a outra parte. Chega ao lugar em que mascara a terra alta e a vê a rasas como a de donde marcar a tem alta.
“Deste mesmo lugar já demarca outra tem alta, e chegando a dela terra tão baixa ao parecer como o de donde demarcara terra alta, e assim todo o Rio até onde chamam as areias.
“Donde a vir descendo a terra para o Mar de quatro centos e mais léguas. Faz que venham as águas com peso. Para mais peso sobre o Rio Pinaré e Rio Meari; por uma mesma faz, unidos estes dois grandes pesos d’água, acham o mar em que deságuam encanado com meia légua de largura. Por esta meia légua de mar, saírem estes dois Rios Pinaré e Meari, até chegarem e faz, que se forme entre a Ilha dos Caranguejos, e a terra firme. Em quanto a maré vaza tudo vai em paz em a maré enchendo começam a pelejar em um lugar a enchente que vem do Oceano com a vazante que vem dos ditos Rios, o lugar desta peleja dista da barra dos dois rios com vinte léguas; brigam ali a enchente com a vazante sem a maré passar daquele lugar para diante por esforço de três horas. Nestas três horas torna a enchente força e nas águas vivas torna maior força; Forma grande pé atrás alteia sobre a vazante, a maneira de dois homens que estiveram forcejando peito a peito e um deles vencendo levasse o outro a largo de costas, assim vence a enchente, que naquele lugar só alterca por três horas e no instante que cavalga sobre a vazante dá tal esturro, e continua com tal urrar, e corre com tal violência com três marés ou três serras d’água lançando para trás a modo de gadelha branca desgrenhada uns fios de água, acometendo a tudo o que há com tal fúria a que parece vai a ofender a seus caminhos, ou a acudir a algum da Natureza, arrancando árvores, derrubando ribanceiras, e cobrem em três horas tudo quanto havia cobrir nas seis ordinárias de uma maré.
“Daqui vem vazar a maré até onde se forma a pororoca nove horas e daí para cima enche em três horas. Deixada aqui estas notícias, e continuando minha navegação pelo Rio Muni acima. 18
“Esta Relação foi tirada de uma carta que o Padre da Companhia João Tavares, Missionário no Maranhão escreveu ao seu Visitador Geral o Padre Jacinto de Carvalho no ano de 1724.
“Biblioteca Pública Eborence “Códice CV 1 = 7 = a folha 165 “Nota: neste doc. Vem sempre escrita “Maranhay” em vez de Maranhão.”
15 Comparar este trecho com a descrição em Ramos, Clóvis, 2001, acima.
16 Comparar este trecho com a descrição em Ramos, Clóvis, 2001, acima.
17 Comparar este trecho com a descrição em Marques, César, 1970, acima.
18 Comparar este trecho com a descrição em Marques, César, 1970, acima.
ACERCA DA DEMANDA JUDICIAL EM DETRIMENTO
DA MEMÓRIA DE NINA RODRIGUES
“Nina Rodrigues lançou os fundamentos da antropologia e etnologia do negro brasileiro. Neste campo de pesquisas tudo o que se tem feito e poderá realizar não prescindiu, não prescinde, nem prescindirá dos trabalhos do insigne maranhense como ponto de partida ou de referência.”
(Antônio Lopes em texto de 1946, intitulado “Instituto Histórico”)
Os membros do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão abaixo assinados, cientes da existência de processo judicial/ação popular movida por um advogado com o propósito de retirar, da denominação do famoso hospital psiquiátrico do Estado do Maranhão mantido na Capital, o nome do grande maranhense Nina Rodrigues, porentendero referidocausídicoquea homenagem, mantidahá mais de80anos, feririao princípio da moralidade administrativa, qualificando aquele cientista do passado como apologista de teorias eugenistas; Considerando que existe, no bojo do processo, audiência pública convocada para o dia 18 de fevereiro de 2025;
Considerando a contribuição de Raimundo Nina Rodrigues para a antropologia, a psiquiatria, a medicina legal e a cultura brasileira, enfim, destacando-se ele em estudos seminais sobre alimentação, sexologia, epidemiologia etc.;
Considerando ser ele reconhecido como fundador da antropologia criminal brasileira e pioneiro nos estudos sobre a importância do negro na formação do Brasil;
Considerando que Raimundo Nina Rodrigues viveu de 1862 a 1906, sendo, pois, a sua atuação científica informada, como não poderia deixar de ser, pelas teorias do seu tempo, algumas reconhecidas hoje como racistas, mas que então eram predominantes no mundo científico;
Considerando que o Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, segunda instituição cultural mais antiga do Maranhão, fundada em 1925, tem por missões estatutárias (art. 1º): I – estudar, debater e divulgar questões sobre História, Geografia e ciências afins, referentes ao Brasil e, especialmente, ao Maranhão; II – cooperar com os poderes públicos que visem ao engrandecimento científico e cultural do Estado, colocando-se à disposição das autoridades para responder a consultas e emitir pareceres sobre assuntos pertinentes às suas finalidades; III – defender e velar o patrimônio histórico do Maranhão;
Considerando a lição legada pelo principal fundador do IHGM, o erudito Antônio Lopes (1889–1950) –“Cultuar a tradição, venerar o passado, estudar o Maranhão, eis para que foi criado o Instituto. Bendito culto, que evoca o passado para o brilho do presente e torna cada vez mais entranhado o amor à terra maranhense e suas glórias”;
Considerando a obrigação, que temos, como membros do IHGM, de defender esse patrimônio imaterial, no qual o nome de Nina Rodrigues, patrono de uma de suas cadeiras, assim como de cadeiras de outras entidades respeitáveis do Estado, a exemplo da Academia Maranhense de Letras, figura como uma das mais notáveis figuras do nosso passado cultural;
Considerando que cada personagem histórico deve ser estudado e entendido no contexto da época em que viveu, sem lhe negar os méritos que tenha eventualmente demonstrado, embora refutando a reprodução de suas condutas que hoje se choquem com os mais elevados ideais consagrados pela marcha da civilização; e Considerando que a iconoclastia irresponsável, representada pela injustificada demolição de estátuas e monumentos, pela supressão de símbolos e homenagens, é a tradução de um ingênuo desejo de modificar o passado, e não a expressão do maduro desejo de discuti-lo e entendê-lo, visando à sua superação, pelo aproveitamento do que resultou de positivo e pela refutação do que se revelou nefasto para o mundo hodierno, CONCLAMAM OS INTELECTUAIS E ESTUDIOSOS MARANHENSES E BRASILEIROS A CERRAR FILEIRAS CONTRA A PUERIL TENTATIVA, porém, potencialmente danosa para a memória nacional, de suprimir o nome do médico maranhense Raimundo Nina Rodrigues do homônimo Hospital Psiquiátrico Estadual, por considerarem que será perigoso precedente, apto a gerar o fortalecimento do
desiderato de reescrever a história a partir da destruição do patrimônio cultural e da supressão da memória hoje consolidados.
São Luís – Maranhão, dezembro de 2024.
SANATIEL
Caríssimos confrades e confreiras, a cidade de São Luis, como tudo na natureza, está passando pela sua estação de outono, onde a predominância do silêncio dos casarões, revestidos de azulejos, murmuram, tristes, uns para os outros, por terem sido abandonados pelos que hoje vivem do outro lado do rio Anil. Estes provavelmente nada falaram de Ana Jansen para seus filhos, e muito menos de Nina Rodrigues, João Lisboa ou Gonçalves Dias. A névoa em que a cidade e a cultura estão envolvidas, medra pelos homens que hoje habitam está sociedade sem memória. Ninguém quer sentir, na livraria, o cheiro do livro que quer lhe contar as histórias daqueles que fizeram a herança cultural desta terra onde jorrava ouro e diamantes sob a forma de crônicas, poesias, novelas e romances. Não ouvimos mais o estampido musical das rodas dos bondes sobre os trilhos de metal, nem os sons transcendentais dos sinos nas torres das igrejas chamando o buscador para as missas dominicais. Necessário se faz meditarmos urgentemente sobre o que devemos fazer para acordar São Luis.
CIENTIFICISMO E
DE NINA RODRIGUES
CLÁUDIO ANTÔNIO DE FREITAS BANDEIRA
CIENTIFICISMO E FICÇÃO DE NINA RODRIGUES | CIÊNCIA E CULTURA
Nina Rodrigues é considerado o fundador da antropologia criminal brasileira e pioneiro nos estudos sobre a cultura negra no país. Iniciou seus estudos de medicina na Bahia, mas concluiu no Rio de Janeiro, RJ (1888).
Nina Rodrigues nasceu em Vargem Grande, MA e é hoje considerado o fundador da antropologia criminal brasileira e pioneiro nos estudos sobre a cultura negra no país. Iniciou seus estudos de medicina na Bahia, mas concluiu no Rio de Janeiro, RJ (1888). Voltou à Bahia para assumir a cátedra na Faculdade de Medicina em 1891, quando promoveu a nacionalização da medicina legal brasileira, até então fiel seguidora dos padrões europeus.
Desenvolveu profundas pesquisas sobre origens étnicas da população e a influência das condições sociais e psicológicas sobre a conduta do indivíduo. Com os resultados de seus estudos propôs uma reformulação no conceito de responsabilidade penal, sugeriu a reforma dos exames médico-legais e foi pioneiro da assistência médico-legal a doentes mentais, além de defender a aplicação da perícia psiquiátrica não apenas nos manicômios, mas também nos tribunais.
Analisou pioneiramente os problemas do negro no Brasil. Morreu em Paris, França. Entre seus livros destacaram-se: As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil (1894), O animismo fetichista dos negros da Bahia (1900) e Os africanos no Brasil (1932).
O Instituto Médico-Legal Nina Rodrigues (IMLNR), o mais antigo dos quatro órgãos do Departamento de Polícia Técnica da Bahia, foi criado (1906) pelo professor Oscar Freire e intitulado Nina Rodrigues pela Congregação da Faculdade de Medicina da Bahia, em homenagem ao famoso professor catedrático de Medicina-Legal, falecido naquele mesmo ano, aos 44 anos de idade.
Raimundo Nina Rodrigues (1862- 1906) foi o primeiro estudioso brasileiro da virada do século XIX para o XX a colocar o negro brasileiro enquanto um problema social, como uma questão de importância para a compreensão da formação racial da população brasileira; ainda que pese a perspectiva racista, nacionalista e cientificistaemqueconstróiapráticadiscursiva. Asíntesedistoestánolivro“OsAfricanosnoBrasil”(18901905).
Nina Rodrigues
Segundo estudiosos, sua obra, vista no conjunto, afigura-se como um clássico da literatura afro-brasileira. Trata-se de uma vasta e rica coletânea de informações e dados a respeito do universo cultural das comunidades negras no Brasil. Esforço etnográfico que nenhuma outra obra antes dela realizara. A obra também é avaliada como um imenso esforço intelectual de mais de uma década (1890-1905), no intuito de reunir registros e
evidências (escritas e orais), no dizer do próprio autor, dos “últimos africanos no Brasil”. O que faz dela um ponto de referência bibliográfico obrigatório para todos os estudiosos da problemática do negro na sociedade brasileira.
Contudo a análise crítica literária e historiográfica do discurso racista de Nina Rodrigues em “Os Africanos no Brasil” mapeia as condições de sua existência, para entendê-lo. O contexto histórico, cultural, literário e institucional contribui, em grande parte, para a formação do pensamento do escritor e estudioso, segundo pesquisadores de sua obra. Ele é que permite entender a mentalidade racista, nacionalista e cientificista veiculada pela sua obra, afirma o estudo Os Africanos no Brasil: Raça, Cientificismo e Ficção: Nina Rodrigues.
Como médico legista e professor de medicina legal na Universidade da Bahia, no fim do século XIX e início do século XX, dificilmente escaparia de um pensamento deste tipo; pois, encontrava-se atuando – e por ele foi formado – dentro de um ambiente institucional, acadêmico e intelectual recortado, basicamente, pelas teorias e ideias racistas, nacionalistas, evolutivo positivistas, de sabor oitocentista. Darwin, Augusto Comte, Heckel, Cesari Lombroso, Enrico Ferri e R. Garofollo e Alexandre Lacassagne foram seus mestres, para os quais, numa atitude de discípulo, dedicou o volume de “As Raças Humanas e Responsabilidade Penal no Brasil”.
Desta forma, Nina Rodrigues assume e comunica na sua obra, um discurso sobre o negro pautado no paradigma da determinação biológica e cultural da superioridade ariana, na medida em que ele recebe influências dos ideólogos e teóricos do mesmo (NETO, 2008).
A descoberta do Schistosoma mansoni – Em 2008, o país comemorou discretamente o bicentenário da primeira instituição de Ensino Superior do País, a Faculdade de Medicina da Bahia; e o centenário da descoberta do Schistosoma mansoni pelo professor Manuel Augusto Pirajá da Silva (1873 – 1961). Médico e cientista brasileiro nasceu em Camumu, Bahia. Sua descoberta implicou em grande avanço no tratamento das doenças tropicais, como por exemplo, a identificação do verme causador da esquistossomose.
Pirajá da Silva formou-se pela Faculdade de Medicina da Bahia (1896), defendendo uma tese sobre meningite cerebroespiral epidêmica, exerceu a clínica antes de iniciar a carreira de pesquisador e professor como assistente da cátedra de Clínica Médica (1902) Seus primeiros estudos sobre a esquistossomose tiveram início em 1904. Observou que os ovos do parasita, eliminados por um doente em Salvador quando descobriu e fez completa descrição do Schistosoma mansoni (1908), parasita que provoca no homem a esquistossomose chamada intestinal, explica Tavares-Neto.
Foi em seguida para a Europa (1909), onde estudou microbiologia no Instituto Pasteur de Paris e no Instituto de Doenças Marítimas e Tropicais de Hamburgo, Alemanha. Diplomou-se como médico colonial pela universidade da capital francesa (1911) e frequentou o laboratório de parasitologia (1911-1912) da Faculdade de Medicina de Paris. Estudou ainda doenças tropicais no Tropeninstitut de Hamburgo e publicou um notável trabalho descrevendo a cercária da esquistossomose (1912).
Volta ao Brasil e passa a ocupar o cargo de professor de história natural médica e de Parasitologia, na Faculdade de Medicina da Bahia e o de história natural no Ginásio Baiano (1914), ficando nesta disciplina até a aposentadoria (1935). Foi nomeado, inspetor sanitário rural (1921) e recebeu a medalha Bernhard Nocht, do Instituto Alemão de Doenças Tropicais, de Hamburgo (1954), e dois anos depois a grã-cruz da Ordem do Mérito Médico, que lhe conferiu o presidente Juscelino Kubitschek, por destacados serviços prestados à ciência e à cultura médica do Brasil.
Morreu em Salvador e entre outros feitos científicos realizados por esse cientista ao longo da sua vida, destacaram-se, além da identificação do Schistosoma mansoni ou Schistosoma americanum, realizou outras descobertas, como a concentração da solução de tártaro emético para o tratamento da leishmaniose e do granuloma venéreo, registrou os dois primeiros casos de blastomicose na Bahia e descobriu o Triatoma megista, um dos transmissores da doença de Chagas. Faleceu em Salvador, no ano de1961.
“Analisando a documentação desse período (1905-1908), disponível no Acervo Geral da Fameb (1808-2007), fica patente a obstinação do doutor Pirajá da Silva, à época professor-assistente da 1ª Cadeira de Clínica Médica da Fameb, porque as condições disponíveis à pesquisa e ao ensino prático eram bastante precárias”, afirma o professor Tavares-Neto segundo o qual antes de “antes de Pirajá da Silva, o maior expoente científico
foi o professor Raymundo Nina Rodrigues, nas áreas da Medicina Legal e Antropologia, também o introdutor do método científico no ensino médico da Fameb e um dos precursores brasileiros”.
O ex-diretor da Faculdade de Medicina acrescenta que, no tempo de Pirajá da Silva, as condições locais em nada favoreciam a descoberta que realizou. “Não obstante, isso é ainda mais inimaginável se o examinador estiver impregnado dos atuais valores impostos pelo mercado da tecnociência. Mais ainda porque Pirajá da Silva estudava um espécime biológico ainda hoje pouco valorizado, as fezes humanas, e tinha como equipamento mais sofisticado um microscópio do tipo mono ocular; no entanto, era sólida a formação de Pirajá da Silva em Microbiologia e Parasitologia, inclusive considerando os seus relatórios de pesquisa e suas publicações”.
As ideias de Raimundo Nina Rodrigues, e sua influência na sociedade atual
João Coelho
As ideias de Nina Rodrigues e sua influência na sociedade atual
João Pedro Coelho Silva
Este trabalho tem como objetivo além de informar, conscientizar a população contra todo e qualquer ato de preconceito e racismo. Atualmente leis e propagandas estão sendo criadas para tentar combatê-las, mostrando que somos todos iguais. O artigo 3º da Constituição Federal é um exemplo, onde no seu inciso IV diz: “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Nesse artigo, a principal forma de discriminação abordada é em relação à cor, mostrando os fundamentos das ideias do Médico Raimundo Ninas Rodrigues em relação aos negros, associando os mesmos a maior aptidão ao cometimento de crimes, e tentando o contrapor.
Este trabajotiene como objetivo además de informar, educar a lapoblación contra todos y cualquieracto de prejuicio y racismo. Actitudes como estas son ridículas, y es triste qué passa em el mundo en que vivimoshoy em día com tantos avances, todavia hay. Actualmente se estáncreandoleyes y anúncios para tratar de combatirlas, mostrando que somos todos iguales. Artículo 3 de nuestraconstitución es um ejemplo, donde em su articulo IV disse: “Constituyen objetivos fundamentales de la República Federativa de Brasil promover elderecho de todos, sinprejuicios de origen, raza, sexo, color, edad, y otras formas de discriminación”. En este artículo, la principal forma de discriminación que vamos a comentar se relaciona com color, mostrando los fundamentos de las ideias médicas Raimundo Nina Rodrigues enlo referente a los negros, associando lamismalamayoraptitudlacomisión de tales delitos y tratando de contrarrestar.
Preconceito em geral é visto de forma comum na nossa sociedade, ainda mais com a facilidade de acesso a internet, onde pessoas usam do anonimato para desferir palavras ofensivas e altamente preconceituosas contra outras, achando que nunca será descoberto só pelo fato de estarem atrás de uma tela de computador.
Dentre essas ofensas, não só pela internet, mas também na vida real, todos correm o risco de sofrê-las, mas na maioria das vezes por conta de uma péssima herança na educação, os negros são as maiores vítimas.
Péssima herança, pois não é de hoje que os negros são vítimas de preconceito. No Brasil, desde a época que os trouxeram da África para trabalhar como escravos, sendo tratados como animais, onde o “homem branco” era melhor e livre só pela cor, que já existia isso.
É triste ver que barbáries como essas permanecem até hoje, onde nossa sociedade séculos depois ainda permanece com isso, prejudicando o convívio de todos. A constituição da república federativa do Brasil, o código Penal, e a Lei caó (Lei 7726), são exemplos de defesa dessas igualdades, protegendo as vítimas que sofrem essas ofensas.
O Brasil já tem uma punição bastante severa para quem comete esse tipo de crime, mas o que precisa ser feito junto a isso são campanhas de conscientização, mostrando para a população que além do negro ser igual à todos, o Brasil é um país de enorme miscigenação e que tem uma influência dos costumes, da cultura, e do viver muito grande desse povo.
Por esses motivos, levando em conta a igualdade de todos independente de qualquer coisa, e também que pensamentos ruins como essejávem de anos atrás, tendocomo exemplooMédicoNinaRodrigues, quevamos abordar a influencia dessas idéias até hoje, e que elas devem ser combatidas.
Em um primeiro momento mostraremos quem foi Nina Rodrigues, médico conhecido nacionalmente por suas pesquisas e seu trabalho, principalmente na Bahia, suas principais obras, e seu legado para o inicio de um estudo que vem crescendo cada vez mais no Brasil e no mundo, que é a Antropologia Criminal. Depois vamos mostrar a ligação do Brasil com o negro, a forma que vieram de seus países para ca, e suas heranças de cultura e estilo de vida que permanecem vivas até hoje.
Em um terceiro momento, vamos abordar o perfil da população carcerária brasileira, mostrando quem são essas pessoas que estão atrás das grades, sua idade, o estudo que possuem, e principalmente a cor. Esse último aspecto que está relacionado com as idéias desse grande médico, será o principal tema para esse artigo. Em seguida vamos tratar do crime de injúria racial, que foi criada para diminuir o preconceito, e garantir a igualdade de todos.
Olhando os dados apresentados pelo INFOPEN, superficialmente Nina Rodrigues teria razão em suas teorias, pois os negros ocupam a maior parte da população carcerária brasileira, mas isso é que vamos procurar contrapor.
Em um momento seguinte, na conclusão, trataremos de possíveis soluções para diminuir esse quadro, onde o negro, pobre e o baixo escolarizado é a maior vitima da política criminal brasileira.
Com isso, este estudo pretende fazer uma reflexão, querendo mostrar que pensamentos racistas e radicais não levam a nada, e o passado é um exemplo disso, com o nazismo.
Se hoje, depois de muita luta, a Constituição brasileira dá garantias aos cidadãos, visando sempre à dignidade da pessoa humana, devemos valorizar isso, procurando soluções realmente inteligentes.
Raimundo Nina Rodrigues
Raimundo Nina Rodrigues, Médico e Antropólogo Brasileiro, nasceu em Vargem Grande, Maranhão. Filho de Coronel Francisco Solano Rodrigues, proprietário de terras, e de Luiza Rosa Nina Rodrigues, descendente de uma das cinco famílias de judeus sefarditas que chegaram às terras maranhenses, fugidas de perseguições político-religiosas da Península Ibérica (Corrêa, 1998, p. 319).
Em 1882, Nina Rodrigues ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia. Em 1885, transferiu-se para a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e cursou o quarto ano. No ano seguinte retornou à Bahia e estagiou na Santa Casa de Misericórdia. Em 1886, concluiu o curso de graduação no Rio de Janeiro e elaborou sua tese de doutorado cujo titulo era Das Amiotrofias de Origem Periférica, defendida no final de 1887 (Corrêa, 1998, p. 321)
Fundador da Antropologia criminal Brasileira, seguindo ideias de Lambroso, e pioneiro nos estudos sobre a cultura negra no País, escreveu diversas obras, dentre elas: As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil, O animismo fetichista dos negros da Bahia e Os africanos no brasil.
A antropologia criminal, hoje também denominada biologia criminal, é ciência criminológica que deve seu aparecimento, como conjunto de princípios sistematizados, a Cesare Lombroso. Segundo o famoso médico italiano, há um tipo humano especial, devidamente caracterizado por uma série de traços somato-psíquicos, e
que é o “delinqüente nato”. Existem, assim, certos homens naturalmente criminosos, perfeitamente identificáveis por características particulares, a maioria das quais externamente visíveis. (LUNA, Jessica). Hoje, a antropologia criminal (ou biologia criminal, como falam os alemães) é definida como a ciência que pesquisa “os fatores individuais do crime”, nele compreendendo os coeficientes “endógenos, somáticos e psíquicos, inerentes à vida do homem”. A psicologia criminal se insere, assim, nos domínios da biologia criminal, como parte integrante desta. Assim, a biologia criminal, compreendendo o estudo “morfopsicomoral do delinqüente, absorve em si a anatomia, a psicologia e a psicopatologia do criminoso”. (LUNA, Jessica).
Como Médico,deixou um enorme legado, principalmentena Bahiaondeo InstitutoMédico Legal de Salvador leva seu nome. Em compensação foi bastante polemico em outro ponto, no qual tentava entender a influencia da raça para cometimentos de crimes. Entre suas idéias, deixou frases como: “O negro é rixoso, violento nas impulsões sexuais, muito dado à embriaguez, e nesse fundo de caráter imprime na criminalidade colonial atual”(NINA RODRIGUES, Raimundo).
Com isso, percebe-se a postura altamente preconceituosa desse ilustre Médico, que para ele, o negro tinha uma aptidão maior para o crime, devido sua genética. Pena que pensamentos como esse permanecem até hoje, pois em pleno século XXI muitas pessoas pensam dessa forma, vendo que por ser negro, irá ser criminoso. Negros e o Brasil
Com o açúcar em alta no Brasil colonial, muitos proprietários de terras visando maior lucro recorreram para uma mão de obra mais barata, trazendo para ca muitos negros que eram traficados pelos portugueses para trabalhar como escravos nos canaviais. Durante o transporte, nos chamados navios negreiros, eles eram trazidos de forma desumana, sem comida nem banheiro, precisando fazer as necessidades no mesmo local onde viajavam.
Assim que chegaram nas fazendas, para trabalhar, eram tratados iguais à animais, dormindo nas senzalas, forçados a cumprir suas obrigações em troca de uma simples comida. Não tinham salários, férias, entre outros direitos, e quando não cumpriam essas obrigações apanhavam de forma cruel, que em alguns casos chegava até a morte.
Com essa forma desumana pela qual eram submetidos, muitos deles acabaram se revoltando, fugindo das fazendas e se refugiando nos quilombos. “As pequenas aldeias abrigavam os negros fugitivos e, unidos, formavam uma comunidade econômica, política, social, religiosa e militar, de acordo com os costumes de seus países de origem. Assim se tinha a sociedade livre”. (Negros no Brasil. Info).
“Os quilombos se localizavam em áreas de difícil acesso. O Brasil era dividido em 15 capitanias – no século XVI – e havia alguns quilombos espalhados. Onde hoje se situa o município de União dos Palmares, Alagoas, existia um dos mais importantes vilarejos clandestinos: o Quilombo dos Palmares. Comercializados nas capitanias de Pernambuco e Bahia, eles corriam para os quilombos. Havia um poderoso homem, líder de Palmares, que recebia os recém-chegados, Ganga Zumba. Ele pertencia a um reino tribal da Angola e veio escravizado para o Brasil. No entanto, constituiu seu quilombo, que chegou a marca dos 35 mil habitantes e era fortemente armado”. (Negros no Brasil. Info).
Essas comunidades mesmo sendo fortemente armadas, ainda deixavam os negros inseguros, pois há qualquer momento poderiam ser surpreendidos e capturados. De pouco a pouco, a liberdade foi chegando através dos movimentos abolicionistas, até chegar definitivo em 1888.
Depois do século XIX, a Inglaterra questionou a escravidão brasileira. Com isso foi publicado a lei Bill Aberdeen, em 1845, que proibia o tráfico negreiro. Com toda essa pressão, foi aprovada no Brasil a Lei Eusébio de Queiróz, que acabou com o tráfico negreiro. Em um momento depois, já no ano de 1871, foi aprovada a Lei do Ventre livre, dando a liberdade aos filhos de escravos que nasceriam após a aprovação da lei. Já em 1885, foi aceita a Lei dos Sexagenários para libertar os escravos maiores de 60 anos. (Negros no Brasil. Info).
Finalmente em 13 de maio de 1888, através da Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel, os negros tiverem a liberdade em todo o mundo. Mesmo com a liberdade, muitos deles se submeterem a trabalhos ruins, pois tiveram dificuldade para se inserir no mercado de trabalho após a abolição da escravatura, e essa era a única forma de sobreviverem. Os que não arrumavam empregos, mesmo ruins, ficaram sem ter moradia, comida, vivendo com muitas necessidades em locais precários.
O perfil da população carcerária no Brasil
Este artigo tem como base para pesquisa, dados obtidos através do INFOPEN, onde mostra detalhadamente a real situação do perfil da população carcerária Brasileira, trazendo características sobre faixa etária, raça, grau de escolaridade, sexo, classe social, dentre outras informações sobre os detentos.
Com uma frase do próprio levantamento, é possível perceber de como está a situação dos jovens brasileiros, onde 56% da população prisional são de pessoas entre 18 e 29 ano, 57% solteiros e 53% não concluíram nem o ensino fundamental:
“Nota-se que a maior parte população prisional é formada por jovens”. (INFOPEN, 2014)
Aeducação éaprincipal baseparaum país sedesenvolver.Além degeraroportunidades dojovemse capacitar einserir-semais facilmentenomercado de trabalho, ajudando a ele etoda economiadopaís, a educaçãoforma um cidadão de bem, refletindo em toda sociedade.
Infelizmenteisso nãoocorrenoBrasil.Opaís possui a3ª pioreducação doranking, em umapesquisa realizada em 2014, pela Economist Intelligence Unit. E os resultados disso não poderiam ser outros. Jovens com pouco auxilio e incentivo do governo para estudar, geralmente entram com mais facilidades no mundo do crime, pois além de não ocupar a mente e ter planos de vida, acabam ficando sem oportunidades e a margem da sociedade em geral, e isso é o que ocorre atualmente, pois 53% dos presos não chegaram nem a concluir o ensino fundamental.
A Finlândia é um grande exemplo a ser seguido, pois o país é o numero 1 no ranking de educação da mesma pesquisa, e o resultado disso é que uma de suas cidades foi eleita a 7ª melhor para se viver, possuindo estabilidade, saúde, cultura, meio ambiente, educação e infraestrutura.
Outros programas de incentivo, como a prática de atividades esportivas também são importantes, pois além da disciplina que o esporte proporciona, também ocupa o tempo do jovem com coisas saudáveis, preenchendo seu dia-dia em conjunto com a escola.
Já em relação a raça, cor ou etnia, os negros ocupam 67% do sistema prisional brasileiro. Olhando esse perfil, pode-se até pensar que Nina Rodrigues teria alguma razão, e é o que acaba acontecendo hoje com muitas pessoas, onde trazem consigo esse pensamento preconceituoso e racista.
Nossa finalidade é tentar mostrar que a cor do individuo não influencia em nada para o cometimento de um crime, e sim mostrar alguns dos possíveis fatores disso, para assim diminuir o preconceito que abala e prejudica nossa “sociedade moderna”.
O trafico de escravos através de navios trouxe para o Brasil milhares de negros para trabalharem forçadamente durante o período colonial, fazendo com que a população negra no Brasil crescesse muito.
Com a lei Áurea assinada em 1888, na qual os escravos estavam livres, quase todos eles ficaram desempregados e foram para as cidades, sem terem moradias, empregos, comidas etc.
Atualmente, segundo o IBGE, 51% da população brasileira é negra, e cerca de 39,2% dos brasileiros ganham até um salário mínimo. Mas por essas questões históricas que acabaram refletindo nos dias de hoje, a maioria dessa população de baixa renda é negra.
Com isso, sem oportunidades, e com uma enorme deficiência do Estado em suprir necessidades das famílias de baixa renda, proporcionando escolas boas, um curso superior, oportunidade de emprego, e outras chances de melhorarem de vida, esses jovens entram no mundo do crime com mais facilidade, gerando consequentemente dados como esses.
Por esses motivos, a população prisional do Brasil é feita da maioria de negros, onde acaba despertando um pensamento preconceituoso nas pessoas que não tem um olhar critico sobre esse tema, chegando a ter opiniões parecidas com as de Nina Rodrigues. Mas esses dados nada se relacionam a raça do individuo, e sim com esses fatores onde o Estado tem que se fazer mais presente.
Sobre esse tema, vale ressaltar uma frase de Martin Luther King Jr. Que diz “Eu tenho um sonho. O sonho de ver meus filhos julgados por sua personalidade, não pela cor de sua pelé.”
Crime de injúria racial
A nossa legislação, visando proteger as pessoas que sofrem ou sofreram algum tipo de ofensa, criou punições para junto com campanhas de conscientização, tentar diminuir esse quadro que infelizmente ainda permanece em nosso meio, deondedeveriaterdesaparecido hámuito tempo. Dentreessas punições, mostraremos ocrime de injuria racial, sua pena, e diferença com o racismo.
O crime de injúria se encontra no código penal, dentro dos crimes contra a honra. O código, em seu artigo 140, caput, diz: “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: pena- detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa”. No parágrafo terceiro do mesmo artigo, encontramos uma causa de majoração de pena relacionada à injúria racial, sendo ela: “Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: pena- reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa”.
É possível perceber a preocupação e o cuidado que o legislador está tendo com esses indivíduos vitimas desse tipo de crime, pois no § 3º do artigo 140, algumas mudanças ocorrem, sendo elas: passa de detenção para reclusão, a quantidade da pena aumenta, e agora vai ser cumulado com multa, diferente de antes.
A população em geral confunde ou acha que é a mesma coisa injúria racial e racismo, mas cada uma delas possui características peculiares e diferenças. O primeiro está contido no Código Penal brasileiro e o segundo, previsto na lei n. 7.716/1989. Enquanto a injúria racial consiste em ofender a honra de alguém, valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, o crime de racismo atinge uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda integralidade de uma raça. Ao contrário da injúria racial, o crime de racismo é inafiançável e imprescritível. (CNL, Agência de Noticias).
Em geral, o crime de injúria está associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com intenção de ofender a honra da vítima. Já o crime de racismo, previsto na lei n. 7.716/1989, implica conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos. Nesses casos, cabe ao Ministério Público a legitimidade para processar o ofensor. A lei enquadra uma série de situações como crime de racismo, por exemplo, recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impediro acesso às entradas sociais em edifícios públicos ouresidenciais eelevadores ouàs escadas deacesso, negar ou obstar emprego em empresa privada, entre outros. (CNJ, Agência de Noticias).
Conclusão
Esse trabalho teve como principal objetivo, conscientizar a população de forma geral, mostrando a igualdade e a importância dos negros em nosso país, onde temos uma influencia muito forte deles em muitos aspectos. Também foram abordados alguns fatores que geram dados como os que vimos acima, dados esses que não possuem nenhuma ligação com raça ou cor, e sim com fatores históricos, em um momento onde o Estado deveria ter atuado ajudando os negros que tinham sido libertos, e nada fez, deixando-os a mingua. Hoje em dia, o governo tem tentado suprir essa desigualdade que se fez presente por muito tempo, e isso é de extrema importância.
Outro tema abordado foi em relação à faixa etária da população prisional no Brasil, que é composta de maior parte por jovens. Algumas soluções foram propostas para tentar diminuir esse quadro, mostrando algumas maneiras do Estado cuidar das nossas crianças e adolescente, dando oportunidades para um futuro melhor, e consequentemente afastando-os do caminho ruim.
Essas ideias abordadas no trabalho, para dar certo, não é só o Estado que tem que cumprir seu papel, e sim toda sociedade. Com os dois, cada qual cumprindo sua função de forma consciente e exemplar, o nosso país se tonará um lugar bem melhor para se viver.
Referências
ALEXANDRE, Yuri. Negros no Brasil. Disponível em:. Acesso em 23 de janeiro de 2016.
ARANHA, Gervácio Batista. DE LIRA, Silvano Fidelis. As ambiguidades de Raimundo Nina Rodrigues: Notas sobre a presença negra nos trópicos. Disponível em:. Acesso em 27 de janeiro de 2016.
ARAÚJO, Telmo Renato da Silva. Raimundo Nina Rodrigues e a questão racial brasileira no século XIX. Disponível em:. Acesso em 20 de janeiro de 2016.
Bahiana. Edu, Raimundo Nina Rodrigues. Disponível em:. Acesso em 20 de janeiro de 2016.
BARBOSA, Angélica. OLIVEIRA, Joice. TODOROV, Vinícius. Escravidão na África. Disponível em: http://escravidaonaafrica.blogspot.com.br/2009/11/traficoetravessia-transatlantica_24.html>. Acesso em 09 de fevereiro de 2016.
BARBOSA, Mário Davi. Originalidade e pessimismo: A recepção da criminologia positiva na obra de Nina Rodrigues. Disponível em:. Acesso em 22 de janeiro de 2016.
CARVALHO,Leandro."Tráficonegreiro"; Brasil Escola.Disponível em. Acesso em 02defevereirode2016. CATARIN, Cristiano Rodrigo. Tráfico negreiro. Disponível em:. Acesso em 01 de fevereiro de 2016.
CHAMBOULEYRON, Rafael. Escravos do atlântico equatorial: Tráfico negreiro para o Estado do Maranhão e Pará (século XVII e início do século XVIII). Disponível em:. Acesso em 10 de fevereiro de 2016.
CORRÊA, Mariza. Raimundo Nina Rodrigues e a “garantia da ordem social”. Disponível em:. Acesso em 21 de janeiro de 2016.
DAS NEVES, Marcia. A concepção de raça em Raimundo Nina Rodrigues. Disponível em:. Acesso em 22 de janeiro de 2016.
Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de informações Penitenciárias. Disponível em:. Acesso em 21 de janeiro de 2016.
DE SOUSA, Carolina. Carta de Alforria. Disponível em: < http://www.historiabrasileira.com/escravidao-nobrasil/carta-de-alforria/>. Acesso em 30 de janeiro de 2016.
DE SOUSA, Carolina. Senzalas. Disponível em: < http://www.historiabrasileira.com/escravidao-nobrasil/senzalas/>. Acesso em 30 de janeiro de 2016.
DE SOUSA, Carolina. Tráfico de escravos para o Brasil. Disponível em: < http://www.historiabrasileira.com/escravidao-no-brasil/trafico-de-escravos-paraobrasil/>. Acesso em 30 de janeiro de 2016.
DOS SANTOS, Elaine Maria Geraldo. Antropologia criminal nos primeiros anos da Republica. Disponível em:. Acesso em 15 de fevereiro de 2016.
EconomistIntelligence Unit (EIU). Saiba quais são as melhores cidades para se viver em 2015. Disponível em:. Acesso em 28 de janeiro de 2016.
FERRETTI, Sérgio Figueiredo. Nina Rodrigues e as religiões Afro-brasileiras. Disponível em:. Acesso em 28 de janeiro de 2016.
FUENTES, André. Impávido colosso. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/blog/impavido-colosso/emranking-da-educacao-com-36-paises-brasil-fica-em-p.... Acesso em 27 de janeiro de 2016.
Geledés, A história da escravidão negra no brasil. Disponível em:. Acesso em 23 de janeiro de 2016.
IBGE, O trabalho dos negros Africanos. Disponível em:. Acesso em 18 de janeiro de 2016.
IBGE, Regiões de origem dos escravos negros. Disponível em:. Acesso em 18 de janeiro de 2016.
IBGE, Denominações étnicas. Disponível em:. Acesso em 19 de janeiro.
IBGE, Resistências dos escravos. Disponível em:. Acesso em 20 de janeiro de 2016.
IBGE, População negra no Brasil. Disponível em:. Acesso em 20 de janeiro de 2016.
IBGE, A herança cultural negra e racismo. Disponível em:. Acesso em 20 de janeiro de 2016.
KAFER, Josi. Conceito geral com base doutrinária de Antropologia Criminal. Disponível em:. Acesso em 30 de janeiro de 2016.
LIMA, Jônatas Dias. As 11 melhores cidades do mundo para se viver. Disponível em:. Acesso em 27 de janeiro de 2016.
LUNA, Jéssica. Antropologia Criminal. Disponível em:. Acesso em 12 de fevereiro de 2016.
MARQUESE, Rafael de Bivar. A dinâmica da escravidão no Brasil: Resistência, tráfico negreiro e alforrias; Século XVII a XIX. Disponível em:. Acesso em 03 de fevereiro de 2016.
Negros no Brasil, História dos negros no Brasil. Disponível em:. Acesso em 18 de janeiro de 2016.
Negros no Brasil, Escravidão no Brasil. Disponível em:. Acesso em 19 de janeiro de 2016.
Negros no Brasil, Escravidão dos negros. Disponível em:. Acesso em 19 de janeiro de 2016.
Negros no Brasil, Sociedade Brasileira contra a escravidão. Disponível em:. Acesso em 19 de janeiro de 2016.
Negros no Brasil, Quilombo dos Palmares. Disponível em:. Acesso em 19 de janeiro de 2016.
Negros no Brasil, Movimento Negro. Disponível em:. Acesso em 20 de janeiro de 2016.
Negros no Brasil, Racismo no Brasil. Disponível em:. Acesso em 20 de janeiro de 2016.
Negros no Brasil, Situação dos Negros no Brasil. Disponível em:. Acesso em 20 de janeiro de 2016.
Negros no Brasil, Violência contra os Afro-brasileiros. Disponível em:. Acesso em 21 de janeiro de 2016.
Negros no Brasil, Cultura Negra. Disponível em:. Acesso em 21 de janeiro de 2016.
Negros no Brasil, Mercado de trabalho para os Afro-brasileiros. Disponível em:. Acesso em 20 de janeiro de 2016.
NETTO, José Apostolo. Os Africanos no Brasil: Raça, cientificismo, e ficção em Nina Rodrigues. Disponível em:. Acesso em 25 de janeiro de 2016.
NUNES, Sylvia da Silveira. Racismo no Brasil: Tentativas de disfarce de uma violência explícita. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttextπd=S1678-51772006000100007>. Acesso em 10 de fevereiro de 2016.
ANTROPOLOGIA CULTURAL E PSICOLOGIA DAS MULTIDÕES (1880-1906)
A obra do médico e antropólogo Raimundo Nina Rodrigues é tradicionalmente enquadrada nos moldes de um discursocientificista,típicodofinaldoséculoXIX,marcadopelo racialismodogmático,importadoeadaptado ao cenário nacional. Este artigo problematiza tal panorama, comum aos estudos do pensamento social brasileiro,edeslocaaherançaintelectualrodrigueanadaesferadeumdarwinismo-socialexacerbado, dotípico determinismo racial, para áreas de estudos antagônicas. Tomando como eixo de reflexão textos seus sobre antropologia cultural e psicologia gregária, o objetivo é abrir caminhos pouco explorados pela historiografia, a partir da adoção, pelo médico maranhense, de leituras da chamada escola evolucionista-social e também da sociologia tardiana. O contato e o acomodamento de propostas que divergiam do conteúdo oitocentista paradigmático fizeram do conjunto da obra de Nina Rodrigues - em especial o recorte da problemática racial - um objeto intrincado, arquétipo do momento tensionado em que viviam as ciências de seu tempo.
Ao debruçar-se sobre o conjunto de obras do médico maranhense Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), tem-se a sensação de que ele escrevera de tudo um pouco. Controverso e polêmico, Rodrigues foi um personagem de destaque na sociedade brasileira em fins do século XIX e início do XX. Na esfera de atuação científica e acadêmica, tratou de temas inéditos e adotou teorias estrangeiras, acomodando-as, ao seu modo, à realidade brasileira. Deixou uma herança que suscita discussões até os dias atuais e é revisitada por muitos dedicados à história intelectual.
No universo da prática medicinal ele se dedicou intensamente à saúde pública, denunciando situações graves que comprometiam os serviços sanitários/higiênicos estaduais e federais, exigindo a ampliação do controle das epidemias de influenza, febre amarela, beribéri e lepra, o combate à liberdade profissional, a atenção especializada aos alienados e aos criminosos, e a reformulação do ensino de medicina em geral - só para citar algumas das questões que mais o afligiam. Não fugia às contendas para as quais era arrastado (ou para as quais se arrastava), defendendo teses francamente discriminatórias, em especial em relação ao negro, ao indígena e ao mestiço.
Rodrigues viveu o momento caótico dos primeiros anos da República e procurou, na medida do possível, intervir na realidade cotidiana do novo país. Demandou, em diversas oportunidades, a valorização do perito médico-legal, como profissional indispensável à atuação conjunta com a justiça e lutou pela centralização federal e estadual de diversos serviços de saúde, entregues aos poderes locais. Insurgiu-se, quando da promulgação do Código Penal (1894) e da formulação do Código Civil (1901), contra os legisladores por não aprovarem responsabilidades distintas para brancos e “homens de cor”, tese que estava muito longe de ser unanimidade entre médicos e juristas.
Rodrigues, como é sabido, alimentou uma afeição objetiva e científica pelas religiões de matriz africana. Num tempo marcado pela intolerância racial, pelas recorrentes incursões policiais nos terreiros, manteve suas pesquisas de campo na capital e no recôncavo baianos. Sem nunca rejeitar a ideia-síntese de inferioridade do negro, ele deixou aos seus sucessores uma “etnografia detalhada e verossímil da religião afro-brasileira”, sendo mencionado, anos depois de sua morte, não apenas como o fundador da antropologia brasileira, mas também como o “primeiro etnógrafo do Brasil urbano” (MAGGIE e FRY, 2006, p. 10).
As obras de Rodrigues, dispersas e inacessíveis, ao longo do século XX - à exceção, talvez, daquelas ligadas ao tema das religiões afro-brasileiras - foram pouco exploradas. A evidência, denunciada, entre outros, por Mariza Corrêa e Lilia Schwarcz, e da qual também compartilhamos, nos sugere que no momento atual, no alvorecer do século XXI, ainda há muito a se escrever em torno de suas contribuições médico-científicas. No ano do centenário de sua morte, em 2006, em texto intitulado Os livros esquecidos de Nina Rodrigues, Corrêa
alertou seus leitores sobre a importância de se renovar o olhar sobre algumas de suas obras mais conhecidas, entre elas aquelas ligadas à abordagem sobre as raças e jogar luz sobre seus escritos vinculados ao tema da Psicologia das Multidões (CORRÊA, 2006, p. 60-62).
Ao avançar sobre o universo específico das coletividades, seu funcionamento no meio social brasileiro e sua relação com o debate racial, Rodrigues teve contato com autores capitais, entre os quais destacamos neste artigo Edward B. Tylor (1832-1917) e Gabriel Tarde (1843-1904), que o fizeram reexaminar algumas das premissas do racialismo. Embora a inferioridade do negro, do índio ou do mestiço frente ao ariano se mantivesse como o pilar de suas reflexões, Rodrigues tensionou alguns dos pressupostos mais caros a si e aos teóricos racialistas. Ainda que nunca tenha chegado a negar o racismo científico, inspirado pelas sugestões de Corrêa, argumento que aquelas leituras, gradativamente, abriram fissuras nos próprios ideais de Nina Rodrigues, cedendo espaço e criando um quadro teórico distinto e intrincado que pretendemos explicitar a seguir.
Cabesinalizar ainda aimportância paraesteartigo daretomada, em décadas recentes, por estudiosos nacionais e estrangeiros, dos clássicos de Tarde e Tylor, algo que permitiu-nos estabelecer uma interlocução efetiva entre estes últimos e Nina Rodrigues. Ambos, considerados durante longo período pela academia como “autores menores”, o primeiro no campo da sociologia e o segundo da antropologia e etnografia, permaneceram, durante a maior parte do século XX, desmerecidos, preteridos, por razões diversas, frente a outros grandes nomes de suas áreas, como Émile Durkheim, Bronisław Malinowski, Alfred Radcliffe-Brown, entre outros.
Nossa proposta é também, de alguma forma, fruto do resgate atual desses escritores que tiveram papel fundamental no momento de gestação das disciplinas às quais tantos se dedicam atualmente. E se, como lembra Marilyn Strathern (1987), casos como o de Malinowski, que conspirou para derrubar Tylor e Frazer e suas ideias, tiveram sucesso em seu tempo, os destronados ou “assassinados intelectualmente”, renascem agora em pleno século XXI, trazendo consigo ideias, conceitos, recursos, significados, que tornaram possível, nesta ocasião, em especial, uma releitura da obra de Nina Rodrigues.
Nina Rodrigues e sua obra: interpretações
Desde a morte precoce de Rodrigues, em 1906, na França, vários foram os textos, em tom enaltecedor, publicados por médicos, folcloristas, escritores e memorialistas em torno de seu legado. No entanto, apenas a partir da segunda metade do século XX, uma produção efetivamente acadêmica passou a ganhar musculatura. Dentre os intelectuais comprometidos com a temática rodrigueana, o escritor Edison Carneiro e a antropóloga
Mariza Corrêa foram pioneiros. Carneiro, em Ladinos e crioulos, de 1964, foi um dos primeiros a questionar a então “Escola Baiana” ou “Escola Nina Rodrigues”, formada por profissionais que, segundo ele, de dez em dez anos apareciam com o intuito de exultar os méritos científicos do médico maranhense (CARNEIRO, 1964).
MarizaCorrêa,no clássico Ilusõesdaliberdade (defendidocomotesededoutoradoem1982epublicadocomo livro apenas em 1998), retoma a questão levantada por Carneiro e a aprofunda1. Devido ao seu trabalho, sabese hoje que a Escola não foi criada no tempo de vida de seu patrono, surgindo posteriormente pelas mãos de nomes como Afrânio Peixoto, Arthur Ramos, Oscar Freire, Homero Pires e até Gilberto Freyre, que se diziam teoricamente próximos ao “mestre”. Como bem demonstra a autora, no entanto, se, no geral, seus “seguidores espirituais” pretendiam criar uma genealogia mítica a partir de sua atuação, no particular, eles se distanciaram de suas teses e as negavam inteiramente.
Embora o livro de Corrêa se concentre nos autoproclamados discípulos de Rodrigues e na emergência da antropologia no Brasil, muito de sua atenção volta-se ao personagem-chave deste artigo. Ao dissertar sobre os fundamentos do pensamento rodrigueano, a autora afirma que o critério racial como parâmetro biológico perpassa grande parte de sua obra, ainda que não fosse seu foco principal. Em meio ao debate sobre a abolição da escravidão e após esta, ele colocou o negro como “objeto de ciência”. Corrêa nos apresenta um estudioso (e entusiasta) da desigualdade das raças humanas que, fosse na prática clínica diária, fosse na atuação política e institucional, tentava convencer seus pares da inferioridade dos não-arianos no Brasil e as consequências nefastas da predominância destes para o destino da nação.
Poucos anos antes, em 1974, o norte-americano Thomas Skidmore publicava Black into white (Preto no branco), livro que só viria a ganhar sua primeira edição brasileira em 1989 2 Por aqui, a obra teve uma recepção à altura de sua importância, muito embora o autor incorresse em assertivas controversas como, por
exemplo, ao afirmar que a questão racial não foi relevante na intensa luta antiescravista de meados do século, reiterando certa visão de “harmonia social”, propagada por intelectuais e abolicionistas de renome como Joaquim Nabuco (1849-1910).
Skidmore também afirma que Rodrigues foi o mais “prestigiado doutrinador racista brasileiro de sua época” (2012, p. 103). Militante da causa médica e científica, em especial da médico-legal, como aponta de forma apropriada Schwarcz, “Nina procurou fazer de suas teses não uma questão pessoal, mas uma matéria de ciência, fartamente amparada na bibliografia da época” (SCHWARCZ, 2012, p. 15). Nada indica que Rodrigues fizesse proselitismo, mantendo, inclusive, debates públicos, na imprensa e em periódicos especializados, com os que discordavam dele. Posto isto, Skidmore procura entender o significado do sentimento de nacionalidade e abrir uma interlocução com Silvio Romero (1851-1914), Euclides da Cunha (1866-1909), o próprio Nina Rodrigues, entre tantos outros que procuravam decifrar os enigmas deste “laboratório racial” dos trópicos 3
As doutrinas raciais estrangeiras que aportaram no Brasil por volta da segunda metade do século XIX foram acolhidas e rearranjadas, a partir da realidade nativa, por intelectuais como os citados acima. Lilia Schwarcz tratou da temática e de como essas teorias foram adaptadas, ensinadas e difundidas em diferentes instituições brasileiras no clássico O espetáculo das raças, publicado em 1993. Sua obra trata de muitos personagens, entre eles, Nina Rodrigues, que se figura nesse livro como um disseminador das teorias deterministas e um crítico da mestiçagem, processo este que poderia levar à degeneração física, moral e psíquica da população.
Ademarcação deumadiferençaontológicaentreas raças existentesem nossoterritóriofezdeNinaRodrigues, segundo Schwarcz, seu porta-voz mais extremado, um verdadeiro “arauto da diferença” (2006, p. 52). Essa imagem, resumida como Nina Rodrigues: um radical do pessimismo (SCHWARCZ, 2009, p. 90-103), título de um importante trabalho de sua autoria, revela um adepto inconteste do darwinismo-social e da antropologia criminal. Tal assertiva a levará a afirmar que, assim se posicionando, tornou-se um dos intelectuais mais coerentes de seu tempo “negando o modelo evolucionista social” (2009, p. 92).
Marcos Chor Maio, em artigo de 1995, intitulado “A medicina de Nina Rodrigues: análise de uma trajetória científica”, ecoa sobre um hiato na historiografia brasileira, a falta de uma biografia sobre o médico maranhense - estranhamento também compartilhado por Corrêa e Schwarcz, únicas autoras que, em sua opinião, investigaram os vínculos entre Rodrigues e a medicina do final do século XIX (MAIO, 1995, p. 226237). Maio, entretanto, se concentra no papel do personagem-título de seu artigo na institucionalização da medicina no final dos oitocentos e no fortalecimento da medicina-legal enquanto especialização da área.
O retrato composto segue os anteriores, isto é, o de um racialista que não acreditava na possibilidade de os negros serem tratados em pé de igualdade com os brancos, “já que seriam inferiores biologicamente e, portanto, incapazes de se conduzirem como cidadãos em seus plenos direitos” (p. 232). Se de um lado Schwarcz afirma, de forma precisa, que ele se tornou, com esse tipo de especulação, um “autor maldito”, Maio recorda que essa maldição impossibilitaria Rodrigues de se tornar um “mito” da medicina, um dos grandes nomes na galeria dos esculápios da pátria, tal como se tornara Oswaldo Cruz (1872-1917).
Dentre os trabalhos mais recentes, o de Ana Maria Galdini Raimundo Oda, historiadora da medicina e da psiquiatria, tenta relacionar os conceitos de raça, mestiçagem, degenerescência e alienação mental a partir da obra do médico maranhense. Em sua tese de doutorado intitulada Alienação mental e raça: a psicopatologia comparada dos negros e mestiços brasileiros na obra de Raimundo Nina Rodrigues, de 2003, Rodrigues é apresentado como um cientista defensor da existência de uma psicopatologia inerente à raça negra, devido ao seu funcionamento mental primitivo.
A investigadora, porém, com uma leitura acurada dos trabalhos de Rodrigues, relativiza seu radicalismo fatalista. A inferioridade do negro, na ótica proposta pelo médico, não deveria soar como um insulto à raça, mas um fenômeno de ordem natural, pelo qual outros grupos raciais teriam passado. Os negros não seriam nem piores, nem melhores que os brancos, estariam apenas em outra fase de desenvolvimento civilizacionalum pressuposto caro ao evolucionismo social, como veremos.
Oda irá explorar, em outros trabalhos, como as observações clínicas e etnográficas rodrigueanas lhe deram subsídios para questionar ideias correntes entre alienistas europeus e americanos, e o permitiu matizar noções sobre a inferioridade dos negros, sem que jamais negasse sua veracidade científica (ODA, 2004, p. 133144; ODA, 2009, p. 759-765). Nossa hipótese segue caminho semelhante, dado que ao longo de nossa
pesquisa nos deparamos com um escritor e acadêmico que nos pareceu hesitante frente a teorias que se excluíam mutuamente,mas quenapontadesuapenapareciamsecomplementardeum modo muito particular. Edward Burnett Tylor e o evolucionismo cultural
As tentativas de Nina Rodrigues de classificação racial, inicialmente na sua província natal, Maranhão, depois voltadasparatodoopaíssãoreveladorasdesuaadesãoaospressupostosmaisarraigadosdoracismocientífico. O termo raça, entendido como um conceito morfobiológico - isto é, aplicado a povos distintos para explicar ou explicitar diferenças fenotípicas e caracteres somáticos - emergiu com força em meados do século XIX como parte de um discurso cientificista construído pela classe letrada ocidental, sobretudo europeia (MUNANGA, 2004, p. 22).
Os ensaios rodrigueanos colocaram-no face a essa “esfinge” do nosso futuro, “o problema ‘do Negro’ no Brasil” (RODRIGUES, 2010, p. 9). Sobre o assunto ele publicou, em 1896, na Revista Brazileira, em forma de “capítulos”, O animismo fetichista dos negros baianos, que irá resultar no segundo livro de sua autoria, de mesmo nome. 4 Nesse estudo, o autor traça um panorama da regularidade das práticas que ele classifica como “animistas” e “fetichistas” em Salvador (RODRIGUES, 2006b).
O “animismo fetichista” é um conceito típico da etnologia dos oitocentos, que agrega, em nível teórico e descritivo, duas características das populações “primitivas” da África, Ásia e Américas. A primeira delas é a noção de que minerais, vegetais e animais possuem uma espécie de energia intangível, uma alma, uma personalidade, um espírito animado, o animismo 5 A segunda característica traz o aspecto da adoração, por parte dos africanos, de coisas, amuletos, talismãs, objetos mágicos, eventos naturais, enfim, fetiches de toda sorte 6.
Esses atributos de grupos humanos considerados inferiores, das “tribos” mais baixas na escala de desenvolvimento humano, foram explorados por Edward Burnett Tylor, tendo este, de acordo com estudiosos (CASTRO, 2005; STOCKING JR., 1963), entre suas publicações, duas obras de grande impacto: Researches into the early history of mankind and the development of civilization (TYLOR, 2005), de 1865, e sua obraprima Primitive culture, de 1871, divido em dois volumes, o primeiro The origins of culture e o segundo Religion in primitive culture.7
Tylor, ao lado de Lewis Henry Morgan (1818-1881) e Sir James George Frazer (1854-1941) são os pais do pensamento evolucionista na antropologia, também entendido como “antropologia cultural”. Cabe recordar que Mariza Corrêa já dizia ser importante para um antropólogo ter uma vaga noção de quem foi Morgan ou Tylor, de sua importância na constituição da disciplina e da crítica que se pode fazer aos parâmetros teóricos e políticos de ambos. Contudo [...] embora reconheçamos como quase banal a afirmação desta dupla pertinência do campo antropológico - a um contexto do saber e a uma história política -, quando visto de longe e em termos gerais, esse reconhecimento poucas vezes se estende ao estudo da história da antropologia no Brasil (CORRÊA, 2013, p. 19).
O pesquisador português Frederico Delgado Rosa chama atenção para outra problemática. Presença obrigatória em qualquer manual ou coletânea de textos de história da antropologia, a obra principal de Tylor, no entanto, tem sido objeto de leituras parciais e apressadas, quando muito. Regra geral, afirma, estudantes e docentes do século XXI conhecem uns poucos parágrafos do primeiro e do segundo capítulos, os mais recorrentes nas compilações e justamente aqueles que podem, inapropriadamente, induzir ao erro quando separados do resto. Afirma Rosa:
Por que perder tempo com dois pesados volumes de 1871, num total de cerca de mil páginas de teoria obsoleta e de etnografia pré-moderna em segunda mão? Para tentar responder a essa pergunta é necessário antes de mais devolver a Tylor o seu próprio pensamento, passando por cima de algumas ideias feitas (ROSA, 2010, p. 297).
Portanto, se Tylor já circulava de forma muito restrita à época de Nina Rodrigues, assim permaneceu ao longo do século XX. Continua atualmentesem traduçãopara oportuguês e apesar doesforçode alguns autores como Celso Castro e Vanda Serafim, a retomada em torno de sua obra teve mais fôlego no exterior com o já citado Frederico Delgado Rosa, além de Robert Lowie, Laavanyan Ratnapalan, e, especialmente, George Stocking Jr.
Otriunvirato -Tylor,Morgan eFrazer -defendia, grossomodo, que,porbaixoda“finacamada”decivilização erigida pelas elites brancas, havia um vasto sedimento de selvageria e barbarismo capaz de interferir no desenvolvimento natural e racional da humanidade. Ao descer na escala social, era possível encontrar esses “espécimes”, camponeses e trabalhadores incultos europeus que mais se assemelhavam aos selvagens africanos e americanos.
Se os registros europeus em torno do animismo e do fetichismo remontam aos séculos XVIIe XVIII, no Brasil é apenas no XIX e, em especial, em jornais baianos da segunda metade da centúria, que esses termos passam a ser utilizados de forma pejorativa em referência à população afro-brasileira 8. No meio acadêmico, os conceitos também aparecem para descrever a “mitologia áfrico-baiana” e, sobretudo, reforçar a preponderância negativa do negro, tal como faz Rodrigues: “Para nos servir da expressão de Tylor ou melhor da expressão consagrada na Costa D`Africa, pode-se affirmar que na Bahia todas as classes, mesmo a dita superior, estão aptas a se tornarem negras” (RODRIGUES, 2006b, p. 116).
Quando morreu, Rodrigues já estava em tempo de finalizar o quarto livro de sua autoria, intitulado Os africanos no Brasil9 A obra, publicada postumamente, reunia uma série de textos inéditos (RODRIGUES, 2010). A sua opção pelo estudo do negro como um elemento diferencial impôs certa cautela na abordagem do tema. O médico afirma que o “critério científico da inferioridade da raça negra” nada tem em comum com a “exploração revoltante” a que foram submetidos. Do ponto de vista “neutro” da ciência, diz, esta “inferioridade”, assim como o próprio cativeiro, nada mais é do que “um fenômeno de ordem perfeitamente natural, produto da marcha desigual do desenvolvimento filogenético da humanidade nas suas diversas divisões ou seções” (2010, p. 12).
Consideramos queessainterpretação éapoiadanas leituras queRodrigues fezdos livrosdeTylor.No primeiro volume de Primitive culture, o autor apresenta, em diversos momentos, seu interesse e afeição pelas tribos selvagens modernas. Tal como o médico maranhense, denuncia a ignorância em relação a essas populações, resultado de antropólogos que têm procurado converter “la moderada diferencia intelectual existente entre un inglés y un negro, en algo equivalente a la inmensa distancia que separa a um negro de un Gorila.” 10 Assim, diz, não há porque se surpreender que alguns selvagens pareçam “macacos” aos olhos de “homens ilustrados” que os caçam como bestas ferozes nas selvas e que “no alcanzan a apreciar, en absoluto, la verdadera cultura que un mejor conocimiento descubre siempre entre las tribos más primitivas de la humanidade” 11 (TYLOR, 1977a, p. 355-356).
Tendo a leitura completa da obra-prima de Tylor em perspectiva, talvez seja possível afirmar que, ao depararse com povos então considerados primitivos e incultos dos territórios bravios, o autor identificou semelhanças evidentes que estes exibiam ao serem comparados com as populações ditas “civilizadas”. O desafio então era encontrar uma fórmula para interligar em um único e complexo processo de evolução social sociedades que se encontravam em etapas distintas de desenvolvimento.
Segundo o historiador Laavanyan Ratnapalan (2008, p. 131-142), Tylor toma emprestado do arqueólogo John Lubbock (1834-1913) a identificação de estágios, comuns a todas as raças no planeta: o selvagerismo, nível mais baixo de desenvolvimento humano; o barbarismo, um degrau intermediário; e por fim o civilizatório, o mais avançado, representado sobretudo pela Inglaterra vitoriana, da qual Tylor é representante autodeclarado. 12 Para o antropólogo Roque de Barros Laraia:
Mais do que preocupado com a diversidade cultural, Tylor a seu modo preocupa-se com a igualdade existente na humanidade. A diversidade é explicada por ele como o resultado da desigualdade de estágios existentes no processodeevolução.Assim,umadastarefasdaantropologiaseriaade “estabelecer,grossomodo,umaescala decivilização”, simplesmentecolocando as nações europeiasem um dos extremos dasérieeem outro as tribos selvagens, dispondo o resto da humanidade entre dois limites (LARAIA, 2014, p. 32-33).
A tese que possibilita Tylor estudar minuciosamente os níveis primitivos do que ele chama globalmente de “cultura” e “civilização” da humanidade é o paralelo que ele constrói entre as “tribos” selvagens de seu tempo, descritas por viajantes, naturalistas e cientistas em geral, com aquelas que viveram em eras passadas; e o estudo comparativo entre as primeiras e os povos civilizados. Ao utilizar os termos “cultura” e “civilização” como sinônimos, Tylor tem por objetivo, segundo o historiador George Stocking Jr., salientar a existência de uma “hierarquia de valores”, já que as civilizações espalhadas pelo mundo se encontravam, cada qual, em graus distintos de uma sequência única de desenvolvimento humano progressiva (STOCKING JR., 1963, p. 784).
Em O animismo, Nina Rodrigues cita Tylor em diversos momentos, trazendo para o debate sobre a raça negra no Brasil conclusões muito semelhantes às que o pensador inglês imputava às “raças primitivas modernas” e às “raças incultas europeias” de uma forma geral. Os fatos coletados por Tylor, por intermédio dos relatos de cronistas coloniais e neocoloniais, “seem to favour the view that the wide diferences in the civilization and mental state of the various races of mankind are rather diferences of development than of origin, rather of degree than of kind” 13 (STOCKING JR., 1963, p. 361).
Segundo Rodrigues, apesar do processo de mestiçagem tão característico do Brasil e que ele via como uma via de degradação da sociedade em um futuro distante, ainda era perfeitamente possível encontrar na Bahia uma espécie de “estratificação das sobrevivências morais africanas” em estado de “admirável pureza” (RODRIGUES, 2010, p. 272). Preservar essas “sobrevivências” para análises antropológicas e sociológicas eraimperioso. Afinal, Rodrigues demonstraumapreocupaçãomaiorcom onegroesublinhaqueoqueimporta ao Brasil é “o quanto de inferioridade lhe advém da dificuldade de civilizar-se” (p. 291).
A concepção de “sobrevivência” de costumes primitivos pode ser exemplificada, por exemplo, na prática da “mutilação cadavérica” ou dépeçage discutida por Rodrigues na 5ª Memória História apresentada à Faculdade de Medicina da Bahia (FAMEB). A redução do corpo humano à condição de provisão alimentar, segundo ele, era uma questão psicológica de épocas remotas das quais só resta na “estractificação psychica do homem moderno, a recordação organica da impulsividade sanguinaria, toda animalesca, felizmente dominada hoje, mas ainda assim capaz de reviver nos desvios morbidos da mentalidade” (RODRIGUES, 1904, p. 161).
A teoria das sobrevivências, no entanto, não era uma hipótese nova no campo da etnologia e da antropologia comparada. Quem a formulou sistematicamente foi, novamente, Tylor, que se utilizou desse método como única forma de ter acesso à “cultura” de raças ancestrais já capituladas pelas sociedades modernas. Como afirma o antropólogo Celso Castro: Passava-se a dispor de uma espécie de “máquina do tempo” que permitia, observando o mundo dos “selvagens” de hoje, ter uma idéia de como se vivia em épocas passadas. Assim, as informações sobre a sociedade antiga esobre amente dohomemprimitivo,até entãodependentes dos relatos da antigüidadegrecoromana - Heródoto, Tucídides, Tácito etc. - poderiam ser complementadas por novos relatos (CASTRO, 2005, p. 14).
As sobrevivências é que permitiram a Tylor aprofundar a sua metodologia comparada ao colocar no mesmo patamar o que ele classifica como o “negro da África Central” e o “camponês inglês” de seu tempo: “Si elegimos, de este modo, cosas que hayan cambiado poco en el largo curso de los siglos, podemos trazar um cuadro en el que apenas habrá um palmo de diferencia entre un labrador inglés y um negro del Africa Central” 14 (TYLOR, 1977a, p. 24).
Nina Rodrigues endossa a visão particular de Tylor ao tratar do esquartejamento de cadáveres, já citado anteriormente. Se entre os homens “civilizados”, tal prática é repugnante e imoral, o mesmo não ocorre entre algumas populações selvagens modernas. Estas possuem o hábito de ingerir determinadas partes do corpo humano ou empregá-las em rituais religiosos, algo que repousa “em crenças de caráter animistas das mais primitivas”.
A ingestão ou utilização de pedaços do corpo humano seria um exemplo extremo do absoluto desapego desses povos com limites éticos e morais, sobretudo no que toca aos ditames cristãos. Diz Rodrigues que “são pela maior parte casos de parada do desenvolvimento psyquico em phases remotas da evolução do sentimento e da concepção religiosa” (RODRIGUES, 1904, p. 186). O médico maranhense faz coro às premissas de Tylor de que, seja nas tribos selvagens modernas, seja nas comunidades rurais das sociedades europeias, observam-se costumes que só são explicáveis “en gran medida, como un producto desarrollado del sistema más antiguo y más primitivo” 15 (TYLOR, 1977a, p. 92).
Estaríamos diante, portanto, de fenômenos que, apesar de ocorrerem contemporaneamente ao momento em que Rodrigues ou Tylor escrevem, encontram-se, do ponto de vista científico desses autores, em etapas rudimentares do desenvolvimento intelectual humano, comum a todas as culturas e civilizações. Os dados reunidos por Rodrigues pelos recantos de Salvador e seu diálogo com Tylor podem sugerir uma leitura distinta daquela desenvolvida por Lilia Schwarcz quando afirma que o médico maranhense “(...) opôs-se ao suposto do evolucionismo social de que a ‘perfectibilidade’ era possível para todos os grupos humanos. Ou seja, não acreditava que todos os grupos humanos fossem capazes de evoluir igualmente e chegar ao progresso e à civilização” (SCHWARCZ, 2012, p. 14).
Muito embora seu pessimismo fosse irrefutável, Rodrigues deixa escapar, em determinados trechos de seus trabalhos, que todas as raças possuíam capacidade, propriedade e alcance parauma evolução, fosse estamoral, psíquica ou religiosa. Fechamos este item com um desses recortes, no qual Rodrigues compara a “tendencia manifesta e incoercivel” que o crioulo e o mulato possuíam para fundir o ensino católico e as crenças fetichistas, com os primórdios do cristianismo e sua homogeneização sobre as crenças “politeístas”: Como que para demonstrar que as leis da evolução psycologica são fundamentalmente as mesmas em todas as raças, esta fusão que tende a adaptar a comprehensão das concepções monotheistas catholicas á fraca capacidade mental do negro que se esta fazendo na Bahia exatamente segundo o mesmo processo porque, nos começos do cristhianismo, se fez a conversão da Europa polytheista ao monotheismo cristão então nascente (RODRIGUES, 2006b, p. 109).
A sociologia tardiana e as coletividades anormais
Outro contraponto efetivo às premissas raciais tão bem cristalizadas pela historiografia contemporânea em torno da obra de Nina Rodrigues são seus trabalhos na esfera da chamada Psicologia das multidões ou Psicologia das massas. Nesse campo do saber, o sociólogo francês Gabriel Tarde é a referência principal para o médico maranhense e um autor que irá relativizar de forma contundente os usos e abusos da raça no seu domínio de conhecimento.
Tarde pode ser apontado como um dos marcos da sociologia francesa do século XIX. Tornou-se presidente da Société de Sociologie de Paris e professor do Collège de France, firmando-se em seu tempo e publicando obras em toda a Europa. Após sua morte, porém, seu legado permaneceu à sombra de Émile Durkheim (18581917) e apenas muito recentemente, nas quatro últimas décadas do século XX, surgiu um renovado interesse em seus trabalhos, que ganharam novas edições e reimpressões. No Brasil, recebeu atenção significativa, não só com suas publicações traduzidas e comentadas por especialistas, assim como estudos acadêmicos, com destaque para os sociólogos Eduardo Viana Vargas (2001) e Tiago Seixas Themudo (2002). Segundo interpretações recentes, o autor elabora uma espécie de microssociologia da existência de crenças e desejos. Ele procura entender como se dá a sua perpetuação e/ou desaparecimento no meio social. Tal explicação ocorre, grosso modo, pela analogia que é estabelecida entre a repetição de fenômenos em áreas como, por exemplo, a física e suas ondas vibratórias continuadas, com aqueles da transformação social que, por sua vez, funcionariam pela sugestão, imitação e repetição (VARGAS, 2001).
Tarde também cita a biologia, a astrologia, a química e a geologia como fontes das partículas elementares que apresentam comportamentos de agrupamento e reprodução que se assemelham ao mundo social (TARDE, 2007). Essa tendência, em última instância, aplicaria o termo “social” a qualquer tipo de associação. Segundo Vargas, para Tarde, indivíduos e sociedades são “como células e átomos, são todos compostos e, como tais, imediatamente relacionais” (VARGAS, 2004, p. 175).
Tarde afirma que o que determina para qual lado inclina-se uma coletividade é um conjunto de causas psicológicas e sociais. Entre estas, ele cita: as vicissitudes da história, seus avanços e reveses, como a formulação de leis, a criação de instituições nacionais, a religião, o nível de riqueza ou pobreza de uma civilização; as paixões cultivadas mais ou menos abertamente na sociedade; os vícios tradicionais que reinam livres; os preconceitos e o ceticismo; os relaxamentos de conduta, as imoralidades, certos desregramentos da palavra escrita e falada; as complacências covardes pelo sucesso, dinheiro e poder (TARDE, 2005, p. 180181).
Tarde é categórico: nada “brota do chão por geração espontânea” (p. 181). Para que uma multidão seja capaz de pôr em prática uma ideia considerada imprópria e indesejada, que em outros tempos muito bem poderia ter recrutado não mais que dez adeptos, as “influências sociais” prevalecem sobre o que classifica de “predisposições naturais”. Notemos que estas últimas não são descartadas, mas são requeridas apenas “numa certa medida”. Por exemplo, em texto de 1898, ao diferenciar “multidão” de “público” (discussão que não nos interessa diretamente), Tarde afirma: [...] na composição de uma multidão, os indivíduos só entram por suas similitudes étnicas, que se adicionam e se reforçam, e não por suas diferenças próprias, que se neutralizam, e também que, no movimento de uma multidão, os ângulos de individualidade se atenuam mutuamente em proveito do tipo nacional que sobressai. Isso acontece apesar da ação individual do líder ou dos líderes que sempre se faz sentir, mas que é contrabalançada pela ação recíproca de seus comandados (TARDE, 2005, p. 16).
Porém, o que conta de forma determinante, isto sim, é um estímulo por meio das conversações, das festas, das leituras, da presença nos cafés e nos clubes, dos encontros nas ruas, nas praças e nos pátios das fábricas. É daí que se forma um “alinhamento” entre os desiguais, capaz de lançar nessas almas, “num longo contágio de imitação lenta, a semente de ideias anteriores capazes de favorecer a acolhida de uma ideia nova”. Seja ela uma proposta criminosa, seja revolucionária, penetra fundo suas raízes e “do primeiro que a concebeu, ela transmite-se, por impressionabilidade imitativa ainda, a um único catecúmeno inicialmente, depois a dois, três, dez, cem, mil” (TARDE, 2005, p. 185).
Constatamos que, em Tarde, a evidente multiplicação das causas que levam as multidões aos excessos mais escandalosos não contempla os fatores “patológico”, “doentio”, “mórbido”, que para Rodrigues são essenciais - ainda que a figura do “louco”, como produto dos laços sociais, esteja contemplada em seu quadro teórico. Para Tarde, ao contrário, fatores estes identificados por ele como “naturais”, “etnológicos” ou “antropológicos” - sobretudo aqueles ligados à “antropologia física” -, vinculados ao fundo hereditário dos participantes das coletividades, existem e são parte de um todo, mas não se evidenciam como fatores de primeira grandeza:
Esses desvarios são de todas as épocas: multidões de qualquer raça e clima, multidões romanas acusando os cristãos pelo incêndio de Roma ou por uma derrota da legião e lançando-os às feras, multidões da Idade Média acolhendo contra albigenses, contra os judeus, contra um herético qualquer as suspeitas mais absurdas, cuja propagação faz, para elas, as vezes de demonstração, multidões alemães de Munzer sob a Reforma, multidões francesas de Jourdan sob o terror, é sempre o mesmo espetáculo. Todas “terroristas por medo” como Madame Rland dizia de Robespierre (TARDE, 2005, p. 166-167).
Tarde é bastante preciso nesse ponto ao comentar que o “fator hereditário” tem uma importância menor nos ajuntamentos formados sob a influência de um sentimento forte e intenso. Perceberíamos facilmente, diz ele, “que a influência do clima, da estação, da raça, das causas fisiológicas, é pertinente, mas foi bastante exagerada” (p. 178). Não somente não há clima ou estação que predestinem uma multidão à perversidade, como também “não há uma raça que seja viciosa ou virtuosa por natureza” (p. 179). Cada raça é capaz de produzir indivíduos que, em um coletivo, se voltam ora para o mal, ora para a mais pura benevolência.
Sendo Nina Rodrigues leitor assumido de Tarde, é possível imaginar o impacto que um discurso antideterminista como este teve em suas reflexões. Não é possível negar que, no que toca ao caráter mórbido e doentio do estudo das multidões, esses autores nem sempre estavam em acordo. Mas também é verdade que, de um ponto de vista geral sobre a gestação das coletividades, ambos estavam muito mais em sintonia do que em desarmonia.
O médico maranhense não só concorda sobre a facilidade com que as paixões se transmutam em estados de excitação e violência a partir de múltiplos fatores, mas, para nossa surpresa, aponta para elementos além da predisposição e da hereditariedade para explicar a existência desses mesmos estados. Sobre os indivíduos envolvidos em acessos coletivos, Rodrigues chega ao ponto de afirmar: “Não a trouxeram do berço” (2006a, p. 99). Esse curto trecho - deveras impactante, na medida em que é uma antítese do determinismo científicoé algo pontual e, não obstante, raro em seu texto. A raça, de fato, está presente em Rodrigues, é sem dúvida um dos pilares de seu pensamento, porém não é tomada literalmente como o único fator de explicação.
Gabriel Tarde vai encaminhar o debate sobre as multidões, no sentido de entender como as leis da sugestão e, sobretudo, da imitação são capazes de entusiasmar e alarmar uma coletividade sob a iniciativa de um sujeito, apto a manifestar suas intenções com habilidade e despotismo. Essa característica aglutinadora de certas personalidades é algo essencial na formação das duplas, trios e demais ajuntamentos, que podem vira alcançar dezenas de milhares de pessoas.
Tarde torna-se o mais notório teórico deste que é um fenômeno regulador das iniciativas renovadoras e repetitivas. Estas ocorrem pelas mãos do homem, entendido enquanto “ser social”, um “imitador por esencia”. Tarde, no estudo clássico As leis da imitação, faz uma comparação destas com as leis da física e da biologia para reforçar a sua hipótese: “la imitación desempenã em las sociedades um papel análogo al de la herencia en los organismos ó al de la ondulación em los cuerpos brutos” 16 (TARDE, 1907, p. 32).
Mas para que a imitação ocorra é necessário entender como se dá o vínculo entre aquele que sugere e aquele que imita. Daí que Tarde muda de estratégia: “Aqui el sociologo debe ceder la palavra al psicólogo” 17 (p. 100). Tarde antecede Nina Rodrigues, tendo este último, segundo Corrêa, também deslocado “sua atenção dos aspectos fisiológicos para os aspectos psíquicos do comportamento humano”. Rodrigues, portanto, segue uma
trilha semelhante, mas o fez, note-se, sem abrir mão do conhecimento pretérito adquirido, a única solução que encontrou para explicar a organização e o funcionamento das multidões (CORRÊA, 2013, p. 113).
Tarde - em consonância com a sua microssociologia voltada para pensar detalhes e acontecimentos infinitesimais - procura definir “la substancia” que o ato de imitar comporta. Essencialmente, trata-se de uma “ideia”, um “querer”, um “juízo” ou um “propósito”, em que se expressa certa dose “de creencia y de deseo, quees, enefecto,todael almadelaspalavrasdeunalengua,delasoraciones deumareligión(...) 18;(TARDE, 1907, p. 175). Os sentidos transmitidos pelas palavras, isto é, as crenças e os desejos são a matriz comportamental das associações progressivas que resultam nas multidões.
Este é um dos caminhos utilizados por Rodrigues para analisar Canudos e Antônio Conselheiro, seu líder máximo, em A loucura epidêmica de Canudos: Antônio Conselheiro e os jagunços, de 1897 (2006a), e em Epidemia de loucura religiosa em Canudos; história médica do alienado meneur, de 1901 (1939). Foi em um meio sociologicamente instável, ou melhor, em uma fase sociológica marcada por uma crise social e religiosa que “Antônio Maciel cavou os fundos alicerces do seu poderio material e espiritual quase indestrutível” (RODRIGUES, 2006a, p. 41). Era preciso, portanto, desnudar
[...] o segredo dessa crença inabalável, dessa fé de eras priscas em que a preocupação mística da salvação da alma torna suportáveis todas as privações, deleitáveis todos os sacrifícios, gloriosos todos os sofrimentos, ambicionáveis todos os martírios (p. 41).
Tal como Tarde, Rodrigues entende que o elemento passivo dessa equação, embora aceitando inquestionavelmenteas ideiasdelirantes, “reage porseuturnosobreo elemento ativo,retificando,emendando, coordenando o delírio que só então se torna comum” (p. 41). O sociólogo francês afirma que o insuflador é responsável pelos efeitos diretos, ainda que o motivo principal, ao se expandir, possa mudar de feição, intensificando-se “por uma espécie de progressão matemática” e o que era desejo moderado, torna-se paixão e fanatismo (TARDE, 1907, p. 143-147). A convivência prolongada e os modos de existência semelhantes reforçam o bloqueio contra ingerências exteriores ao universo criado em coletividade e fortalecem o delírio.
Para Nina, Antônio Conselheiro “é seguramente um simples louco” (RODRIGUES, 2006a, p. 48). Porém, nota o médico
[...]alguma coisamais do queasimplesloucurade um homemeranecessária para esteresultadoeessa alguma coisa é a psicologia da época e do meio em que a loucura de Antônio Conselheiro achou combustível para atear o incêndio de uma verdadeira epidemia vesânica (p. 48).
Segundo Rodrigues, a associação e a comunicabilidade de pessoas enfermas e predispostas que levam ao compartilhamento da loucura são “o reflexo senão de uma época pelo menos do meio” de que fazem parte (p. 42). Os predispostos já estão, em muitas ocasiões, presos a uma vesânia oculta e implícita. Bastaria uma causa próxima e imediata para desencadear uma explosão de “histeria” coletiva. No caso de Canudos, com a derrota da comunidade e após o exame do crânio de Antônio Conselheiro, o médico não encontrou as respostas que esperava. Sua conclusão foi inequívoca: “É pois um crânio normal” (p. 90). Algo que contrariava as premissas das escolas criminalistas das quais era um entusiasta, nomeadamente a italiana, encabeçada por Cesare Lombroso (1835-1909), Enrico Ferri (1856-1929) e Raffaele Garofalo (1851-1934) e a francesa, liderada por Alexandre Lacassagne (1843-1924) e Paul Broca (1824-1880).
Era preciso, portanto, ir além da taxonomia dos traços faciais e corporais, isto é, da cor da pele, do tipo de cabelo, dos índices radial e tibial, do pé chato ou da saliência posterior do calcanhar - sinais ou “estigmas” típicos de degenerescência racial, possíveis de serem atestados por um médico-forense. O que Rodrigues tentava incorporar à sua análise eram as contingências eventuais e as influências sociais para o entendimento mais adequado de casos como o de Canudos, o que poderia ser fornecido pela leitura tardiana. Esta, aliás, é tão marcante em Rodrigues que este chama para si e para a sociedade à sua volta a parte devida de responsabilidade pelos fracassos ou sucessos do passado e, sobretudo, aqueles que se avizinham no horizonte republicano pós-abolição. Algo impensável na ótica de muitos autores que interpretam a imagem de Rodrigues como alguém que transfere a grupos específicos, racialmente identificados, os destinos da nação. São suas as palavras: “Antes de exultar pelo castigo, que em breve fulminará os culpados, façamos, pois, rigoroso exame de consciência e confessemos com Tarde que ‘é um pouco culpa de todos nós, governo, oposição, opinião pública, que certas organizações poderosas tenham, como se diz, desgarrado para o mal’” (RODRIGUES, 2006a, p. 126).
RodriguesserefereaotextoemqueTardeafirmaqueacadabombaqueexplode,acadaescândaloparlamentar que abala a opinião pública, “cada um de nós, mais ou menos, deve rezar a meaculpa; temos todos a nossa pequena parte nas causas do nosso alarme”. Rodrigues, entretanto, deixa claro que isso deve ser feito “sem prejuízo do valor sempre incontestável do fator antropológico na determinação criminosa” (p. 127). É um claro esforço de acrescentar aos “fatores naturais” de cada população, - entendidos aqui como predisposição e hereditariedade, isto é, raça em seu sentido biologizante - a influência do “ambiente social” e das “circunstâncias políticas e culturais” como uma chave importante de entendimento das convulsões coletivas (p. 126).
Como bem recordam Yvonne Maggie e Peter Fry, os dados etnográficos reunidos por Nina Rodrigues contradizem a teoria do determinismo biológico. Porém, que ele “não tenha chegado a questionar o paradigma no qual tinha construído sua carreira não deve nos surpreender” (MAGGIE e FRY, 2006, p. 9). É nesse domínio tensionado e conflituoso do conhecimento que o médico racialista, comumente retratado nos estudos acadêmicos, encontra-se com outro incomum, aberto às novas teorizações, como as da sociologia tardiana aqui retratada.
O racialista vacilante
A tentativa de Nina Rodrigues de conciliar visões distintas sobre as idiossincrasias raciais impressiona pela complexidade e oferece elementos para uma discussão aprofundada sobre o tema. Ao contrário do que é comumente admitido, acreditamos que Rodrigues não foi, indiscutivelmente, o maior e mais notório divulgador brasileiro do racialismo.
Pode-se argumentar que tais assertivas não são uma novidade, na medida em que já se sabe, pelos trabalhos de autores como Corrêa e Schwarcz, que o médico maranhense assimilou e “abrasileirou” as teorias que colhia no exterior. Suspeitamos, no entanto, que os desdobramentos de seus estudos não só erigiram uma interpretação particular, própria, “rodrigueana”, da realidade brasileira, mas refletiram, também, uma reorientação teórica do conceito de raça em sua obra - algo que Corrêa já apontava em suas investigações originais, mas não levou adiante.
Rodrigues adotou, como mostramos anteriormente, parte do aparato intelectual proposto por Edward B. Tylor. A rigor, Tylor propõe um prospecto escalonado da evolução da humanidade. Dito de outra forma: sua visão está assentada nos “estágios”, “níveis” ou “escalas” em que o homem dá seus primeiros passos como um selvagem, progride para o barbarismo e evolui rumo à civilização. Pouco importa se são negros da África ou camponeses da Grã-Bretanha, para ele toda e qualquer raça pode vir a passar pelas etapas descritas.
Há embutida nessa proposta uma homogeneização das culturas e civilizações que contradiz frontalmente os princípios do racismo científico. Se negros, índios e brancos possuem a mesma possibilidade de prosperar material e intelectualmente, a única característica que os distingue é, efetivamente, em qual estágio se encontram. Tratar as diferentes raças em um mesmo tronco evolucionário tem, portanto, implicações diretas no significado do termo: “raça” deixa de ser sinônimo de diferenças inatas entre os homens e passa a configurar-se como um artificio ilustrativo das analogias e equivalências entre povos que se encontram em fases iguais ou distintas da evolução social.
Levando-se em conta a afirmação de Rodrigues de que as “leis da evolução psycologica” são rigorosamente as mesmas para todas as raças, não faz sentido imputarmos a ele um fixismo racial tão rigoroso que impedisse, efetivamente, a ideia de mobilidade das raças pelos níveis hierárquicos graduados relatados por Tylor.
Com essa perspectiva, no Brasil, povos em diferentes níveis de desenvolvimento convivem na mesma linha de tempo e, no caso da Bahia, no mesmo espaço. Sendo assim, no que toca, por exemplo, ao esquartejamento, estão, cada qual, ligados a estágios distintos do aprimoramento mental da humanidade, dado que o “dépècage vae desaparecendo com o aperfeiçoamento e a cultura dos povos” (RODRIGUES, 1904, p. 166).
Ao evocar o evolucionismo-social/cultural na tentativa de explicar o comportamento primitivo da população afro-brasileira, Rodrigues acaba por incorporar uma fissura no molde racialista ao qual se vinculou em outros estudos. Contudo, não podemos afirmar que ele se tornara irremediavelmente um membro da escola evolucionista-cultural. Seu pensamento, tensionado entre duas das principais vertentes do cientificismo do século XIX, não primou exatamente pela coerência.
ParaTylor, por exemplo, oprogresso eraum movimentocontínuodas raças em evolução.Suapostura otimista contrasta com o pessimismo sobre o futuro do Brasil que Nina Rodrigues nunca escondeu - muito embora essa
assertiva também possa ser questionada, dado que ele continuamente procurava por soluções para o problema das raças “atrasadas”, como seu esforço, em diferentes estâncias do poder estatal, para criar medidas concretas em áreas de higiene e sanitarismo públicos.
Também é verdade que para Rodrigues, seguindo as orientações teóricas de Tarde, não seria possível entender o processo de gestação de uma multidão sem levar em conta “a comparticipação indireta do meio social e do momento político” - o que não significa - sublinha, com convicção - em diminuir a “responsabilidade direta e imediata dos criminosos” (RODRIGUES, 2006a, p. 126). Há, parece-nos, um esforço contundente do médico na tentativa de mobilizar dois argumentos excludentes entre si.
Todavia, talvez o que a nós pareça hoje uma discrepância, não o tenha sido para Nina Rodrigues. Pessimista convicto em relação aos negros e mestiços, suas certezas lentamente foram relativizadas. Se, por um lado, seus diagnósticos estavam fundamentados em determinismos de raça, por outro, não ignoravam o agenciamento político, as identidades negociadas, ou, como queria Tylor, as mobilidades sociais pontuadas na escala de evolução.
Não fosse assim, Rodrigues não teria dividido os mestiços em superiores, degenerados e instáveis, tendo os primeiros uma educação mental feliz, organização hereditária adequada à civilização e plenamente capazes de responder por seus atos perante a justiça (p. 152). Não haveria também de separar os negros em inferiores e superiores - tal era o caso da primazia das lideranças sudanesas sobre os bantos no Brasil.
Dificilmente afirmaria, em estudo detalhado, a superioridade mental de Lucas da Feira, bandido enforcado em 1849 em Feira de Santana (Bahia), cujo crânio, analisado por Rodrigues - assim como o de Conselheiro - não apresentava nada de anormal. Não defenderia, igualmente, que a “paranoia” se manifestava tanto em brancos, como em negros, e que estes últimos tinham a capacidade para alcançar um nível intelectual elevado que fornecia os elementos para um delírio “superior”. O perito explica que
A escala vai aqui do produto inteiramente inaproveitavel e degenerado ao producto valido e capaz de superior manifestação da actividade mental. A mesma escala deverá percorrer a responsabilidade moral e penal, desde a sua negação em um extremo, até a afirmação plena no extremo oposto (RODRIGUES, 1894, p. 141).
A raça e o clima de um lado, as tradições, os hábitos, os valores, entre outros elementos, de outro, são dados importantes em sua equação - ainda que, do ponto de vista atual, mostrem-se incompatíveis - e possuíam, cada qual, seu devido lugar no plano de teorização que propunha. Em algum ponto de sua trajetória, Rodrigues se dá conta de que “raça”, tal como usado no século XIX, não era o único conceito a oferecer subsídios capazes de explicar o funcionamento da sociedade brasileira (ou de partes desta).
Se por um lado a miscigenação e o papel do negro no Brasil são temas centrais em seu pensamento, o médico, como um racialista vacilante, remou no sentido contrário e foi capaz de dar um peso significativo a hipóteses quecontemplavam outros aspectos dos agrupamentos humanos.Entendemos isso como umafórmulaoportuna que ele encontrou para compatibilizar um “racismo científico dogmático” com as novas perspectivas sociais, psicológicas e antropológicas que emergiram com força no século XIX. Nesse esforço, Rodrigues fez de seus trabalhos um retrato fiel do momento de tensão, transição e inquietude por qual passavam intelectuais de sua geração.
Considerações finais
Conforme aprofundava-se nas temáticas brasileiras, tornava-se cada vez mais nítido para Nina Rodrigues a dificuldade de se aplicarem rígidos determinismos biológicos a uma população tão diversificada. Surgiam evidências de que as identidades sociais não eram, afinal, realidades fixas e permanentes, mas ao contrário podiam domesticar “realidades biológicas e até tradições” (RODRIGUES, 1894, p. 101) - ainda que tudo o que aprendera durante sua formação como médico apontasse para o inverso. Corrêa lembra que o autor maranhense chegou a um “beco sem saída”, depois de uma expedição pelos desvios mórbidos da mentalidade, “em que o reconhecimento da intromissão do social na natureza lhe criara novos problemas e lhe abria novas perspectivas (...)” (CORRÊA, 2013, p. 157). Sua solução foi tratar raça e o que chamaríamos hoje de “cultura” como dois aspectos de um mesmo problema, duas faces de uma mesma moeda (p. 175).
Diante de fenômenos supostamente ligados ao fundo degenerativo das raças inferiores, a sociedade dos homens, com suas instituições e modos de viver, suas formas de sociabilidade e conduta, também influenciavam os destinos individuais e coletivos. É preciso apontar que a ambiguidade e a incongruência de seu pensamento se deram no contexto de um esforço pessoal e público, ainda que interpretado hoje como
fracassado e mal direcionado, de formular um corpo teórico coerente e verossímil que, podemos afirmar, reflete um encontro tensionado entre teorias divergentes. Referências
BIRD‐DAVID, Nurit. “Animism” revisited: personhood, environment, and relational epistemology. Current Anthropology, v. 40, n. 1, Special Issue Culture - a second chance? p. 67-91, feb. 1999.
CARNEIRO, Edson. Ladinos e crioulos. Estudos sobre o negro no Brasil Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964.
CORRÊA, Mariza. As ilusões da liberdade. A Escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013.
CORRÊA, Mariza. Os livros esquecidos de Nina Rodrigues. Gazeta Médica da Bahia, Salvador, n. 76, supl. 2, 2006, p. 60-62.
CASTRO, Celso. Evolucionismo cultural/textos de Morgan, Tylor e Frazer Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
MAGGIE, Yvonne; FRY, Peter. Introdução. In: RODRIGUES, Raimundo Nina. O animismo fetichista dos negros baianos Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional/Editora UFRJ, 2006.
LORIMER, Douglas. Theoretical racism in late-victorian anthropology, 1870-1900. Victorian Studies, v. 31, n. 3, p. 405-430, Spring1988.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
LATOUR, Bruno. Reflexão sobre o culto moderno dos deuses fe(i)tiches Bauru; São Paulo, EDUSC, 2002.
MAIO, Marcos Chor. A medicina de Nina Rodrigues: análise de uma trajetória científica. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 226-237, abr./jun. 1995.
MONTEIRO, Filipe Pinto. O “Racialista Vacilante”: Nina Rodrigues sob a luz de seus estudos sobre multidões, religiosidade e antropologia (1880 - 1906) 241 f. Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde). Fundação Oswaldo Cruz, Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2016.
MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. In: BRANDÃO, André Augusto P. (org.). Programa de educação sobre o negro na sociedade brasileira Niterói: Eduff, 2004. p. 17-34.
ODA, Ana Maria Galdini Raimundo. Alienação mental e raça: a psicopatologia comparada dos negros e mestiços brasileiros naobradeRaimundoNinaRodrigues. Tese(Doutorado em CiênciasMédicas).Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Campinas, SP, 2003.
ODA, Ana Maria Galdini Raimundo. Uma preciosidade da psicopatologia brasileira: a paranoia nos negros, de Raimundo Nina Rodrigues. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, ano VII, n. 2, p. 133-144, jun. 2004.
ODA, Ana Maria Galdini Raimundo. Passado e presente na psicopatologia da paranoia. Revista Latinoamericana Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v. 12, n. 4, p. 759-765, dez. 2009.
RATNAPALAN, Laavanyano. E. B. Tylor and the problem of primitive culture. History and Anthropology, v. 19, n. 2, p. 131-142, 2008.
RODRIGUES, Raimundo Nina. Estudos de craniometria. O crânio do salteador Lucas e o de um índio assassino. Gazeta Médica da Bahia, Salvador, anno XXIV, n. 9, março de 1892.
RODRIGUES, Raimundo Nina. 5ª memória. A psychologia da mutilação cadavérica. O esquartejamento criminoso. Revista dos Cursos da Faculdade de Medicina da Bahia, Salvador, Typographia Bahiana, ano II, Tomo II, p. 157-199, 1904.
RODRIGUES, Raimundo Nina. As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1933.
RODRIGUES, Raimundo Nina. O alienado no Direito Civil brasileiro São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939.
RODRIGUES, Raimundo Nina. O animismo fetichista dos negros baianos Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional/Editora UFRJ, 2006b.
RODRIGUES, Raimundo Nina. Mestiçagem, degenerescência e crime. História, Ciências, SaúdeManguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, 2008, p. 1151-1180.
RODRIGUES, Raimundo Nina. Atavismo psíquico e paranoia. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v. 12, n. 4, p. 766-789, dez. 2009.
RODRIGUES, Raimundo Nina. Os africanos no Brasil Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010.
ROSA, Frederico Delgado. Edward Tylor e a extraordinária evolução religiosa da humanidade. Cadernos de Campo, São Paulo, n. 19, 2010, p. 297-308.
SANSI, Roger. Feitiço e fetiche no Atlântico moderno. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 51, n. 1, p. 123-153, 2008.
STRATHERN, Marilyn. Out of context: the persuasive fictions of anthropology [and comments and reply]. Current Anthropology, v. 28, n. 3, p. 251-281, jun. 1987.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil - 18701930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Quando a desigualdade é diferença: reflexões sobre antropologia criminal e mestiçagem na obra de Nina Rodrigues. Gazeta Médica da Bahia, Salvador, ano 140, n. 76, supl. 2, p. 47-53, 2006.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nina Rodrigues: um radical do pessimismo. In: BOTELHO, André e SCHWARCZ, Lilia Moritz (orgs.). Um enigma chamado Brasil: 29 intérpretes e um país. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 90-103.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na sociabilidade brasileira. São Paulo: Editora Claro Enigma, 2012.
SKIDMORE, Thomas. Brazilian intellectuals and the problem of race, 1870-1930. Occasional Paper, Vanderbilt University, n. 6, p. 1-8, 1969.
SKIDMORE, Thomas. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
STOCKING JR., George W. Matthew Arnold, E. B. Tylor, and the uses of invention. American Anthropologist, New Series, v. 65, n. 4, p. 783-799, aug. 1963.
TARDE, Gabriel. Las leyes de la imitación: estudio sociológico. Madrid: Editora Daniel Jorro, 1907.
TARDE, Gabriel. A opinião e as massas São Paulo: Martins Fontes, 2005.
TARDE, Gabriel. Monadologia e sociologia - e outros ensaios São Paulo: Cosac Naify, 2007.
THEMUDO, Tiago Seixas. Gabriel Tarde. Sociologia e subjetividade Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2002.
TYLOR, Edward Burnett. Cultura primitiva. Los orígenes de la cultura (1) Madrid: Editorial Ayuso, 1977a.
TYLOR, Edward Burnett. Cultura primitiva. La religión en la cultura primitiva (2) Madrid: Editorial Ayuso, 1977b.
TYLOR, Edward Burnett. Researches into the early history of mankind and the development of civilization New York: Elibron Classics, 2005.
VARGAS, Eduardo Viana. A microssociologia de Gabriel Tarde. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 27, p. 93-110, 1995.
VARGAS, Eduardo Viana. Antes tarde do que nunca: Gabriel Tarde e a emergência das ciências sociais. Rio de Janeiro, Contra Capa, 2001.
VARGAS, Eduardo Viana. Multiplicando os agentes do mundo: Gabriel Tarde e a sociologia infinitesimal. Revista brasileira de Ciências Sociais, v. 19, n. 55, São Paulo, p. 172-176, jun. 2004.
1 Aqui utilizamos a última edição: CORRÊA, 2013.
2 Aqui utilizamos a versão mais recente: SKIDMORE, 2012
3 Já em 1969, Skidmore utiliza a expressão “laboratório racial” para definir como o Brasil era visto pelos estrangeiros, abordagem que será incorporada pela historiografia brasileira. Cf.SKIDMORE, 1969.
4 O primeiro livro de sua autoria intitula-se As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil, publicado em 1894.
5 Segundo Tylor, o termo “animismo” não foi uma invenção sua, mas pensado pelo médico e químico Georg Ernst Stahl (1659-1734), autor, entre outros de Theoria medica vera. Physiologiam & pathologiam, tanquam doctrinæ medicæ partes vere contemplativas, e naturæ & artis veris fundamentis, intaminata ratione, & inconcussa experientia sistens de 1708. Cf.BIRD‐DAVID, 1999, p. 67-91.
6 O fetisso aparece inicialmente nas crônicas do viajante holandês Pieter de Marees nas costas do golfo de Guinénoséculo XVII; é apropriadopelotambémholandêsWillemBosman(1672-1703),quetomou oCastelo de São Jorge de Mina dos portugueses; e, enfim, foi incorporado aos escritos do naturalista francês Charles De Brosses (1709-1777) que pensava estar definindo a forma mais elementar de uma religião: o fétichisme. Cf. SANSI, 2008, p. 123-153, e LATOUR, 2002.
7 Aqui utilizaremos as edições em espanhol de ambos os livros: TYLOR, 1977a; TYLOR, 1977b
8 Aocontráriodo quesepoderiapensar,nãohárelaçãodofetichecom ofeitiço,como queriam seus detratores. Enquanto este último é o objeto da feitiçaria, o primeiro é entendido pelos intelectuais da época como uma das características das religiões primitivas. Cf. BLUTEAU, Raphael apud SANSI, 2008.
9 O terceiro livro de sua autoria intitula-se O alienado no direito civil brasileiro e foi publicado em 1901.
10 “(...) a moderada diferença intelectual entre um inglês e um negro, em algo equivalente à imensa distância que separa um negro de um gorila”. Tradução minha.
11 “(...) não conseguem apreciar, em absoluto, a verdadeira cultura que um conhecimento melhor sempre descobre entre as tribos mais primitivas da humanidade”. Tradução minha.
12 Para um panorama mais detalhado sobre as vertentes e os personagens que moldaram a antropologia vitoriana, em especial Edward B. Tylor, ver: LORIMER, 1988, p. 405-430.
13 “(...) parecem favorecer a visão de que as grandes diferenças na civilização e no estado mental das várias raças da humanidade são mais diferenças de desenvolvimento do que de origem, antes de grau do que de tipo”. Tradução minha.
14 “Se escolhermos, dessa maneira, coisas que mudaram pouco ao longo dos séculos, podemos desenhar uma imagem na qual haverá apenas um palmo de diferença entre um labrador inglês e um negro da África Central”. Tradução minha.
15 “em grande medida, como um produto desenvolvido de um sistema mais antigo e primitivo”. Tradução minha.
16 “(...) a imitação desempenha nas sociedades um papel análogo ao da herança nos organismos ou da ondulação nos corpos brutos”. Tradução minha.
17 “Aqui o sociólogo deve ceder a palavra ao psicólogo”. Tradução minha.
18 “[...] de crença e desejo, que é, com efeito, toda a alma das palavras de uma língua, das orações de uma religião”. Tradução minha.
MISBA – Museu Interativo da Bahia RODRIGUES, Nina.pdf
Resumos
NINA RODRIGUES E A PATOLOGIZAÇÃO DO CRIME NO BRASIL
CRISTIANE BRANDÃO AUGUSTO
Rev. direito GV 7 (1) • Jun 2011 • https://doi.org/10.1590/S1808-24322011000100011
Este artigo se dedica à análise do movimento de "patologização" do criminoso por uma leitura histórica do impacto do "cientificismo cerebral" na esfera criminal. mais particularmente, atenta-se para a recepção das teorias de matriz lombrosiana pela criminologIa brasileira do século XIX, na qual se vê o microcosmo do conflito de interesses de classes e raças mediado pela autoridade médica que, na sua crença científica (ou na sua filiação ideológica), procurava esclarecer os limites entre a falta moral e a loucura - ou os dois (loucura moral) como doença ou como pura perversidade - e procurava apontar para os juízes a forma correta (científica) de se sancionar ou de se tratar a loucura.
Este artigo se dedica à análise do movimento de "patologização" do criminoso por uma leitura histórica do impacto do "cientificismo cerebral" na esfera criminal. mais particularmente, atenta-se para a recepção das teorias de matriz lombrosiana pela criminologIa brasileira do século XIX, na qual se vê o microcosmo do conflito de interesses de classes e raças mediado pela autoridade médica que, na sua crença científica (ou na sua filiação ideológica), procurava esclarecer os limites entre a falta moral e a loucura - ou os dois (loucura moral) como doença ou como pura perversidade - e procurava apontar para os juízes a forma correta (científica) de se sancionar ou de se tratar a loucura.
The current work aims at performing an analysis of the criminals "pathologization" movement by means of a historical reading of the impact of ''brain scientificism" in the criminal sphere. more particularly, there is an emphasis on the reception of the lombrosionism matrix theories in 1 9th-century brazilian criminology, in which we can see the microcosms of classes and races conflicts of interests, mediated by the medical authority who, in his scientific beliefs ¡or in his ideological filiations), looked for illuminate the limits between the moral fault and the madness - or the both (moral madness) as pathology or as pure perversity -and tried to show the correct form ¡scientific} of punishing or treating.
O paradigma naturalista da medicina ocidental do século XIX impactou as explicações sobre a conduta humana, alcançando também a conduta delituosa. Ao se desmistificar a igualdade de todos por meio da naturalização das diferenças, reforçaram-se os componentes biológicos causais e, por conseguinte, uma visão mais fisicalista, menos abstrata, foi incorporada nas explicações da ação criminosa, suscitando revisões dos parâmetros da teoria clássica. Leituras médicas sobre o fenômeno do crime, focado na etiologia a partir de dados eminentementebiólogos,formamoconjuntodarededesaber-poder1 edificadanas instituições médicojurídicas e multiplicada pelos "cientistas" do Iluminismo e a qual podemos denominar "medicalização do crime"ou,maisespecificamentepelasmatrizesteóricasdarelaçãocrime-doença,denominarde"patologização do crime".
Por toda a trajetória da cientificidade da medicina e a autoridade atribuída aos médicos na produção de verdades, o paradigma da racionalidade biológica ocupou, historicamente, um espaço privilegiado na fabricação de certezas não limitadas a esfera médica. Uma medicalização da sociedade, então, não se encontra nessa posição privilegiada somente nos dias de hoje e sua estreita relação com a criminología também não é recente (Serpa Jr., 1998; Rousseau, 1993; Darmon, 1991).
Não se pretende, todavia, afirmar que a medicina é uma entidade dotada de urna essência e de uma essência negativa , cuja razão de existir estaria reduzida às conspirações políticas de controle e de poder. E por isso que, apesar do termo "medicalização" ter sido utilizado amplamente pelas ciências sociais com uma conotação
crítica a patologização da sociedade e seus desdobramentos, implicando uma censura ao reducionismo, há outras questões envolventes que merecem ser destacadas dessa análise. Melhor explicando, em que pesem as tradicionais leituras sobre "medicalização/patologização" das últimas décadas, alguns autores vêm alertando para uma utilização desmedida e pouco precisa do termo, bem como para a relevância de se perceber uma relação bidirecional entre a medicina e a sociedade, que aponta para novas valorações nos dias de hoje (Rosenberg, 2006; Rose, 2007). Não se trataria de uma via de mão única, como a manifestação de um saber-poder soberano que submeteria seus súditos e nenhum impacto sofreria. Trata-se, em verdade, de um movimento de ida e volta, que gera ações e que também é gerado por ações dos indivíduos e dos grupos (Rosenberg, 2006). Por exemplo, o processo de incursão da medicina na sociedade, fortemente estabelecido a partir do século XIX, nos permitiu ser o que atualmente somos, e agir, individual ou coletivamente, como agimos: as práticas cotidianas de higiene, dieta, vacinação; metáforas médicas e formas de compreensão dos problemas sociais a partir do organismo; a introdução de terapêuticas para controle e estabilização dos humores, emoções, desejos, etc. (Rose, 2007).
Ademais, é de se convir que o projeto médico de alcançar autoridade para além dos limites de sua competência talvez não integrasse as aspirações de todos os médicos, nem, realmente, tenha se concretizado por completo. Assim, se é possível admitir não ter havido uma patologização de todas as esferas da sociedade, é necessário checar quais categorias médico-positivistas de fato foram incorporadas ao nosso cotidiano e á legislação brasileira.
I O CIENTIFICISMO E A ANTROPOLOGIA CRIMINAL BRASILEIRA
No Brasil o movimento da medicalização se manifestou fortemente no final dos anos 1800. Roque Spencer Maciel de Barros, em seus estudos sobre a "ilustração brasileira", considera que a partir de 18702 tivemos anos bastante representativos em função de acontecimentos externos (a terceira República francesa e a Guerra Franco-alemã) e internos (fim da Guerra com o Paraguai e fundação do Partido Republicano). Sem deixar de reconhecer as "raízes em passado pouco longínquo", as duas últimas décadas do Império corresponderam ao momento em que "ganham corpo as novas ideias do século Positivismo, Darwinismo, Materialismo etc. , a 'reação científica", enfim, para usar de uma expressão empregada por Clóvis Bevilaqua" (Barros, 1986). O clima de um iluminismo atrasado absorve boa parte de nossos estudiosos que passam a focar na ciência para responder às questões sobre os caminhos a serem trilhados pela literatura, pela política, pelo direito, pela educação e pelo aprimoramento moral. No processo de adequação da mentalidade brasileira ao Positivismo, era preciso, agora, resgatar o "tempo perdido" através da formação intelectual e da cultura. O propósito era atingir os níveis de aprimoramento da " civilização", atingir o "nível do século", desembocando, inevitavelmente, na forma republicana de governo para superar o "atraso cultural" e fazer-nos acompanhar o progresso mais evoluído das sociedades. A consequência inarredável era a laicização do Estado, do Direito, da Medicina, da Educação, enfim, da vida.
Em sentidomacro,portanto, acivilizaçãoobedeceriaaum processo históricoúnicodeevolução,mas o estágio de desenvolvimento de cada sociedade corresponderia a sua fase evolutiva neste processo.
Significava um alto grau evolutivo-social o reconhecimento concreto das liberdades e das igualdades. No caso brasileiro, pleiteava-se ainda a efetivação de direitos básicos através da remodelação ou eliminação de instituições inconciliáveis com as novas pretensões liberais, como era o caso, por exemplo, da escravidão e da vinculação entre Igreja e Estado.
Ao lado do Liberalismo, o Cientificismo angariou seus representantes brasileiros. Mais uma vez, Barros distingueumdooutropelopontodepartida,sebemque,emgeral,oponto dechegadaeraomesmo: oprimeiro partia do valor para implementar ações ("a legislação adequada pode transformar o povo"), enquanto o segundo partia do ser, do conhecimento do real, para o dever-ser ("o povo adequado pode transformar a legislação").
De acordo com os valores cientificistas, a "marcha fatal" do universo físico também se verifica no universo humano, pois este pertence ao mesmo mundo daquele, porém em nível mais complexo. Daí porque Barros entende ter o novo cientificismo, o do final do século XIX, uma perspectiva dinâmica, histórica, de desenvolvimento, de evolução, ou seja, "o mundo humano, como objeto de conhecimento, não é mais dado como algo que é, mas como algo que vem a ser" (Barros, 1986). O objeto dinâmico de conhecimento integra a sociologia, a biologia, a psicologia, a criminología, etc.
A conduta humana passa a ser apreciada de forma individualizada, contudo, em relação a etapa do progresso da humanidade. Em outras palavras, o comportamento do indivíduo deve ser avaliado na conformidade de suas particularidades biopsicológicas, mas, ao mesmo tempo, os "biologismos" e os "psicologismos" estavam imersos na dinâmica universal da evolução, pelo contributo do Materialismo, Positivismo,3Darwinismo, Spencerismo e Haeckelianismo.
Com efeito, se o Brasil da primeira metade do século XIX estava começando a receber os informes de um cientificismo, na segunda metade daquele mesmo século, o pais estava começando a se inscrever num cientificismo positivista e darwinista, pelo qual se proporcionou ultrapassar eficazmente os umbrais da Faculdade de Medicina para se estender a outros campos, como a política, a educação, o direito.
Ao associar o estado individual do nacional com o estágio de desenvolvimento universal, a intelectualidade permitiu a visualização de um papel maior da ciência médica, não circunscrito ao organismo pessoal, mas prescrevendo a terapêutica ao organismo social. Esse movimento de ampliação da intervenção médica é também um registro indireto do objetivo de se elevar a nação brasileira a mesma fase de algumas nações europeias, notadamente a França ou a Alemanha.
De qualquer modo, aqui, a tutela do criminoso também passou a ser disputada pela Justiça e pela Medicina. Os chamados crimes sem razão abriram grandemente a porta para a entrada da psiquiatria na esfera criminal e, a medida que ela foi adentrando, foi diminuindo a importância das medições e da antropometría: "uma das consequências da psiquiatrização crescente do exame médico-legal foi o recuo da antropometría. Dos tempos gloriosos de fins do XIX, quando Lombroso era vivo e a superfície do corpo, sua aparência e suas medidas podiam representar as janelas da alma, quase nada sobrevivia nos anos 1830 e 1840 "(Feria, 2005). Não que elas tenham deixado de perfazer o conteúdo dos exames médico-legais, mas a relevância de outrora não mais se punha.
Antes de 1870, portanto, a intervenção médica no campo criminológico era bem tímida, resguardada aos casos em que era necessário a constatação de que o agente era um louco de todo gênero para efeitos de desculpabilização constatação reclamada como questão de fato (a evidência da alienação pelo senso comum),poralguns,equestãodedireito,poroutros(aavaliaçãotécnico-científicanãocondicionaria adecisão judicial).
A partir da generalização das patologias mentais, com um certo número de "doenças" comportamentais principalmente, a partir das teorias do atavismo e da degeneração , a figura do médico-perito se tornou indispensável tanto para proceder ao diagnóstico do louco (fosse o louco moral, o degenerado, o alienado, etc), como para o tratamento mais humanizado e mais adequado no que tange à resposta penal correta e suficiente para quem realizou o fato definido em lei como crime.
Ademais, com o programa higienista, a medicina social construiu planos de ação preventiva, unindo a "limpeza" dos focos de doença a padrões de comportamento moral, que exigiam a adequação da população ao que teria sido rotulado como puro, sadio, saudável. Fugir desses padrões caracterizava infração penal e, no fundo,representavaumacertaformadeloucura:oquepodialevaralguémanãoaderiràsnormasdasociedade, as quais pretendiam, no final, a sua própria proteção e bem-estar? A classe intelectual dominante tinha dificuldades de compreender a "renúncia racional" aos códigos vigentes por certas camadas sociais e, por conseguinte, as tentativas de responder a tais inquietantes perguntas vinham, geralmente, pela desvinculação dos comportamentos aos valores morais.
Nesse ponto, o Judiciário e a Medicina se aproximavam. As explicações por certa amoralidade comportamental agradavam aos parâmetros com que o Judiciário estava habituado a lidar e, por outro lado, possibilitavam os médicos a definir a (ir)responsabilidade do agente com base em sua "vida pregressa", o histórico de sua existência e ainda de seus parentes. Ao mesmo tempo, a confusa relação entre medicina e direito penal, que tanto favoreceu as publicações da Criminologia Cientifica ou Positiva, ao ser transplantada para os Asilos de Alienados ou para, depois, os Manicômios Judiciários, transpareceu o obscuro limite entre otratamentopsicopatológicoeotratamento moral ouaambiguidadeentreainstituiçãodaprisãoeainstituição do asilo.
Se no texto legal parecia clara a diferença entre os imputáveis e os inimputáveis e, consequentemente, o tipo de reclusão/internação que deveriam receber, bem como o cuidado técnico a ser-lhes dirigido, se médico ou jurídico, no plano concreto, todavia, as práticas institucionais eram dúbias e pouco definidas. Primeiramente, não havia consenso sobre a elasticidade da interpretação da legislação, pois, afinal, qual é o alcance da
expressão "louco de todo gênero"? Ou com o Código de 1890, o alcance da expressão "completa privação de sentidos e de inteligência"? Em segundo lugar, exigia-se adequação "moral" ao louco, bem como superação da "patologia" do criminoso. Falava-se em Manicômio ou em seção especial no Hospício para os "loucoscriminosos" e presídios específicos para "reincidentes incorrigíveis", ou seja, de certo modo, a prisão se fez asilo e o asilo se fez prisão, guardando entre si a característica das instituições totais (Goffman, 2008).
Com efeito, a progressiva intervenção da medicina psiquiátrica na justiça vai, aos poucos, incorporando outros comportamentos delituosos em que se põe a questão da culpabilidade. Tradicionalmente, não praticava crime aquele que sofria de delírio e que possuía distúrbios, mas, diante das monomanias, degenerações, atavismos e outras complexidades mentais, o médico se vê na legitimidade de questionar o funcionamento do direito de punir, quando aplicado a situações onde os motivos desaparecem e o fato parece sem explicação plausível, racional.4 Vê-se também perante o desafio de averiguar a responsabilidade ou não do agente, de evitar o erro de se condenar um louco ou de se inocentar um criminoso que pudesse estar tentando se passar por louco.
Por seu turno, a "interferência" do saber-poder médico e a "pretensão" de ampliar os casos de desculpabilização incomodaram muitos juristas. Questionável, por si só, a competência da Medicina e questionável também sua legitimidade para decidir o destino de alguém que está submetido á Justiça. Os conflitos de atribuição entre os médicos e os juristas foram, então, inevitáveis, quando os exames passaram a constituir um instrumento de poder sobre o destino das pessoas; e como instrumento de poder se tornaram alvo de disputa e de conflituosidade tanto internamente, pelas divergências teóricas entre os próprios médicos, como externamente, no embate com a policia e com o judiciário.
Pondera Feria (2005) que os principais "adversários" da produção médico-científica, em que o laudo se concretizava como diagnóstico da verdade, se personificavam no material policial produzido, muitas vezes por meio de tortura; nos veredictos leigos do júri; nas provas atécnicas, como a testemunhai.
De fato, além das veementes opiniões contrárias ao Tribunal do Júri, os cientistas da época também se voltaram contra os testemunhos, a ponto de propor a realização dos exames de sanidade mental também nas testemunhas, conforme propunham Ferreira Antunes e Juliano Moreira.
A crença na certeza da perícia motivou o projeto de estender os exames médico-legais para outros indivíduos relacionados ao processo, bem como instigou médicos influentes a propor a obrigatoriedade de alguns exames a todos os delinquentes e não só quando houvesse requisição judicial.
A medicalização do criminoso brasileiro eclodiu no fim do século XIX, portanto, por uma série de fatores presentes nesse momento histórico de profusão científica, que permitiria a "elevação" do país á categoria de nação civilizada. Seriam necessárias várias medidas não só no campo do Direito e da Política, mas também da Literatura, da Economia, da Filosofia e da Educação.5
Acontece que, enquanto na Europa, a Escola Positiva da Criminología veio cem anos depois da conquista de direitos civis pelo reconhecimento das liberdades e igualdades, no Brasil, a reivindicação pela Escola Científica-Liberal veio simultânea ás reivindicações pela efetivação das garantias básicas, como a liberdade de consciência. Não é de se estranhar, pois, que o primeiro Código Criminal da República, apesar de datar de 1890, tenha incorporado pouco da doutrina Positiva, sendo mais fiel á Escola Clássica. Era necessário, primeiro, implementar o novo Estado e, paulatinamente, aprender a lidar com a nova estrutura para, depois, avaliar aconveniência da adoçãodas teorias de Lombroso,Ferri e Garófalo, cujaresistênciajáeramanifestada por muitos. Esse trio italiano, entretanto, teve a capacidade de estimular novas reflexões e de avançar na medicalização do criminoso, garantindo o espaço do saber médico no Judiciário.
2 O CRIMINÓLOGO NINA RODRIGUES
Um dos grandes responsáveis pela consolidação desse saber-poder no Brasil foi Raimundo Nina Rodrigues. Omédico eprofessorera consideradoporLombrosoo"Apóstolo daAntropologiaCriminal noNovo-Mundo". Uma de suas obras de maior relevância foi As raças humanas e a responsabilidade penal no Brazil, de 1894, cujo titulo jádemonstrasuapreocupação recorrentecom as possíveis inter-relações entrecaracterísticas físicoraciais e criminalidade.
Com o mesmo modelo evolucionista, Nina Rodrigues parte do princípio de que foi com o aperfeiçoamento da série animal que se deu a crescente complicação do sistema nervoso, cuja composição histológica ou bioquímica da massa cerebral dependia de muitas décadas de adaptação e de transmissão hereditária por muitas gerações. Nisso se incluíam os graus sucessivos do desenvolvimento mental dos povos, os quais,
dependendo de seu estágio evolutivo, não estariam aptos a receber, de uma hora para outra, a civilidade de uma cultura muito diferente. Assim como cada indivíduo tem seu ritmo de evolução, os povos têm seus graus de evolução mental, daí "a impossibilidade de supprimir a intervenção do tempo nas suas adaptações e a impossibilidade, portanto, de impor-se, de momento, a um povo, uma civilisação incompatível com o gráo de seu desenvolvimento intellectual" (Rodrigues, 1894).
Para exemplificar o atropelo do tempo e o insucesso de adaptação social, esse autor se refere aos aborígenes dizendo estarem eles incapacitados organicamente para atender ao que exigia a civilização. Tratava-se, portanto, de uma realidade material a que o estudo das "raças inferiores" poderia contribuir, fornecendo á ciência os casos em que as observações positivas constatariam tal incapacidade orgânica, cerebral, afastando as especulações metafísicas da filosofia espiritualista: Applicado á genese das idéas do bem e do mal, do justo e do injusto, do direito e do dever base moral e supposto fundamento do direito de punir da escola criminalista classica , o methodo comparativo, que vimos operar tão grande revolução na psychologia, demonstra que, longe de uma procedencia sobrenatural ou suprasensivel, essasidéas não sãomais do que oresultadoideal da elaboraçãopsychicaporquepassou osentimento instinctivo de defeza fatal e mesmo inconsciente nas suas manifestações reflexas primordiais. A inneidade dellas, verificada pela analyse subjectiva nas raças superiores e que pareceu justificar a crença na sua proveniência extra-natural, se explica ao contrario muito naturalmente pela procedencia hereditaria, legado quefoidemuitosseculos derepetiçãoeaperfeiçoamento,oqueacabouporidentifical-asetornal-asinherentes ao aperfeiçoamento psychico da humanidade (Rodrigues, 1894).
Argumentando a favor da relativização das idéias tidas como universais do bem e do mal, do justo e do injusto de acordo com o país e a raça, contrapõe-se ao ensino oficial e clássico do qual ainda estava impregnada a legislação brasileira. A antropologia, dizia Rodrigues, seria a ciência capaz de desmentir essa universalidade através da comparação entre os povos dos sentimentos de reprovação ou louvor, de criminalidade ou permissão, de punição ou de prêmio, presentes em uma mesma época ou os sentimentos que um mesmo povo teve ao longo de diversas épocas.
Assim é que a ideia de justiça, por exemplo, se apresenta hoje para nós diferentemente de como se apresentava em momentos mais remotos e também se apresentava hoje para nós diferentemente de como se apresenta ainda hoje para outros povos que tenham graus diferenciados de evolução mental. Disso dependeria um aperfeiçoamento social que paulatinamente, ao longo de gerações, vai inculcando no cérebro humano uma determinada noção compartilhada entre aqueles que se encontrem no mesmo nível evolutivo. O mesmo se daria com a noção de crime e de pena. Segundo Nina Rodrigues:
... para que se possa exigir de um povo que todos os seus representantes tenham o mesmo modo de sentir em relação ao crime, que formem todos da acção delictuosa e punivel o mesmo conceito, para que a pena, aferida pela imputabilidade, não se torne um absurdo, um contrasenso, indispensavel se faz que esse povo tenha chegado ao gráo de homogeneidade que Tarde, inspirando-se nas suas theorias sobre a imitação, descreveu magistralmente como o elemento social da identidade em que, em sua teoria, faz elle consistir o criterio da responsabilidade penal (Rodrigues, 1894).
Ao se contrapor a uniformidade universal da legislação, o autor defende um conjunto específico de leis para determinadas regiões. Um Código Penal nacional e isonômico ofenderia um postulado médico básico, o de que as pessoas são biologicamente distintas e, por isso, também o são os sistemas culturais.
As premissas do estudo de Nina Rodrigues (1894) foram resumidas por ele da seguinte forma: (1) a cada fase daevolução da humanidade,se comparam raças antropologicamentedistintas, correspondeuma criminalidade própria, compatível com o grau do seu desenvolvimento intelectual e moral; (2) existe uma impossibilidade material, orgânica, deos representantesdas fases inferiores daevoluçãosocialpassarem bruscamente, em uma só geração, sem transição lenta e gradual, ao grau de cultura mental e social das fases superiores; (3) perante as conclusões tanto da sociologia como da psicologia moderna o postulado da vontade livre como base da responsabilidade penal só se pode discutir, sem flagrante absurdo, quando for aplicável a uma agremiação social muito homogênea, que esteja num mesmo grau de cultura mental média.
Ao considerar o acentuado desnível em que vivem as raças inferiores, o médico sustentou que a organização fisiopsicológica desses indivíduos não comporta uma mesma consciência do direito e do dever de que seriam possuidores os povos cultos em razão do acúmulo de aperfeiçoamento transmitido hereditariamente durante a sua passagem da selvageria ou da barbárie a civilização. Por isso, nada justifica responsabilizar os selvagens
e os bárbaros pela falta dessa consciência, do mesmo modo que não justificaria punir os menores por não serem adultos ou os loucos por não serem sãos. Nina Rodrigues, nesse sentido, se mostra em sintonia com a teoria do atavismo empregada por Lombroso, não se fazendo de rogado ao declarar que constitui fonte dos atos violentos e antissociais a impulsividade primitiva típica das raças inferiores; típica, pois coerente com os atos reflexos e automáticos das espécies menos evoluídas. Ao contrário, quanto mais subirmos na escala evolutiva, mais se esperam ações refletidas, amparadas em arranjos psíquicos de ordem mais elevada. Dentre os elementos antropológicos puros da população brasileira, o desafio residia na averiguação da responsabilidade criminal do negro (representado pelos povos africanos e pelos negros crioulos não mesclados) e do índio (ou raça vermelha representada pelo brasileiro guarani e por seus descendentes civilizados) incorporados á nossa sociedade. A raça branca (representada pelos brancos crioulos não mesclados e pelos europeus, ou de raça latina, principalmente os portugueses e os italianos, ou de raça germânica, os teuto-brasileiros do sul da República) era o exemplar dos povos superiores. Os mestiços,6 também, por carecerem de unidade antropológica, reforçavam a prova da necessidade de que a questão da responsabilidade fosse solucionada sempre no nível individual. Senão, vejamos, diante da perpetração de um crime por um negro ou por um índio excepcionalmente evoluído:
Para logo surgirá a duvida muito bem fundada, o problema imperioso de saber: se o conflito, que a imposição, mais ou menos violenta, de uma civilisação superior, creou entre os sentimentos moraes novos, superficiaes e ainda não completamente radicados de um lado, e os instinctos antigos, cimentados e estratificados pela herança de uma longa cadeia de antepassados, de outro lado, é ou não de ordem a perturbar tão profundamente o mecanismo da determinação voluntaria, de modo a dar ganho de causa e predominio ás impulsões instinctivas e indomaveis, criminosas no novo meio , mas completamente inimputaveis" (Rodrigues, 1894).
Se, á primeira vista, negros e índios merecem, por sua inferioridade a priori, uma responsabilidade atenuada, certoéqueoutros negros eíndios em estadoselvagem sãototalmenteirresponsáveis, segundoNinaRodrigues. Quanto aos mestiços, dependendo do estágio em que o indivíduo se encontrasse na escala evolutiva que vai do produto "inteiramente inaproveitável e degenerado" ao produto "válido e capaz de superior manifestação da atividade mental" igual correspondência terá a responsabilidade moral e penal, desde a sua completa negação em um extremo, até a sua afirmação no lado oposto. A intuição, todavia, é que, por ser o mestiço um "híbrido social", ele conta com um "defeito de organização", uma "insuficiência" ou "desarmonia do desenvolvimento fisiopsicológico", devendo ser menos responsável do que os brancos civilizados. Às raças inferiores
... falta-lhes a consciencia plena do direito de propriedade. E a consciencia do direito é momento capital, elemento constitutivo da qualificação de criminalidade (Berner, Tobias Barreto).
Domina-os a impulsividade. E a impulsividade, seja pathologica por destruição morbida do freio superior dos motivos psychicos de ordem mais elevada, das emoções nobres, seja congenital ou constitucional por falta ou por insufficiencia do desenvolvimento desse freio , é sempre a mesma e tem o mesmo alcance. Em ambos os casos ella mantem dominada a livre determinação voluntaria e destroe pela base toda e qualquer responsabilidade que se funde na liberdade do querer" (Rodrigues, 1894).
Tendo a inferioridade de certas raças como forte convicção, Nina Rodrigues se entusiasmou com a história de Antônio Conselheiro. Apesar de defender a análise individualizada, o médico tomou todo o grupo de jagunços como objeto e generalizou o diagnóstico ao intitular o episódio "a loucura epidêmica de Canudos". Em primeiro plano, põe a "vesania" que aflige a personagem principal e o meio propenso á sua proliferação: "é examinada por este prisma que a cristalização do delírio de Antonio Conselheiro no terceiro período da sua psychose progressiva reflete as condições sociologicas do meio em que se organizou" (Rodrigues, 1897). A saga de Antonio Maciel é, então, estudada com detalhes.
Sua história de missionário delirante pelos sertões da Bahia parece consubstanciar a fase megalomaníaca do final de sua vida, após alguns meses de propaganda religiosa no Ceará, de prisão por suspeição de crime com posterior absolvição, e de descontentamento com as mudanças políticas de secularização do fim da década de 1880. A instituição do governo Republicano provocou sua insubordinação ao governo civil e o reconhecimento deste governo pelo clero incitou a revolta contra os poderes eclesiásticos. A luta armada começou.
Quando Nina Rodrigues escreveu esse relato, o exército já se encontrava há três meses em Canudos sem conseguirdar cabo da revolta. Intrigava-lhe,portanto, como um louco como Conselheiroconseguira mobilizar tantas pessoas com sua palavra. A resposta, ele encontrou nas características raciais dos jagunços, o qual ... é um producto tão mestiço no physico que reproduz os caracteres anthropologicos combinados das raças de que provém, quanto hybrido nas suas manifestações sociaes que representam a fusão quasi inviavel de civilizações muito desiguaes (...) revelam-se inteiriços o carater indomavel do indio selvagem, o gosto pela vidaerrante enomade, aresistencia aos soffrimentos physicos, á fome, ásede,ás intemperies, decididopendor pelas aventuras da guerra cuja improvização elles descobrem no menor pretexto, sempre promptos e decididos para as razzias das villas e povoados, para as depredações a mão armada, para as correrias de todo o genero que os interesses do mando, as exigencias da politicagem e as ambições de aventureiros fazem succeder-se de continuo por toda a vasta estensão das zonas pouco habitadas do paiz (Rodrigues, 1897).
O ambiente era ideal para estimular os instintos guerreiros desses mestiços. Faziam o que determinavam suas peculiaridades atávicas sem possuírem a capacidade mental por desenvolvimento intelectual, ético e religiosoinsuficienteouincompleto ,paracompreenderasmudançaspolíticasquesofisticaram aencarnação do poder na lei republicana. A dependência de uma voz de comando, da figura tradicional do monarca, foi, nas explicações de Nina Rodrigues, a origem da força sugestiva de Conselheiro.
Em outro trabalho, o autor, além de aprofundar o estudo sobre as " collectividades anormaes", examinou os casos de loucura a dois e, especialmente, o atentado da Praça Mauá. Aos 5 de novembro de 1897, Marcellino Bispo tentou assassinar o então presidente Prudente de Morais, a mando de Deocleciano Martyr. Nina Rodrigues estuda o perfil do executor e o classifica como um "regicida", pois
Aos regicidas pertence elle [Marcellino] pela idade, pois contava apenas 22 annos e os regicidas raramente têm mais de 30, oscillando de ordinario entre 20 e 25. Entre os regicidas celebres tinham (...) Guiteau, 40, etc. E esta precocidade é a melhor prova de que as solicitações psychicas que conduzem ao regicidio se encontram especialmente nos jovens, exactamente como as demais manifestações da degenerescencia. Pelos laços hereditarios, Bispo pertence tambem aos regicidas. É elle mestiço em sangue muito proximo dos indios brasileiros, pois seus pais descendiam de indios do extincto aldeiamento do Urúcú, em Alagôas. Já desta circumstancia se pode induzir o grau da sua impulsividade hereditaria. Mas a autoridade que, por ordem do governo, abriu inquerito sobre a familia de Bispo, informa que si os pais do assassino eram honestos, pacificos e laboriosos, 'houve outros parentes do criminoso, caboclos perversos e assassinos e dentre estes um que ha tempos assassinou o proprio irmão'. Aos regicidas pertence principalmente Marcellino Bispo por sua natureza, pois como todos os regicidas é evidentemente um degenerado (Rodrigues, 1939).
Esse regicida, que possuía inteligência "acanhada" e instrução "rudimentar", deixava morbidamente se sugestionar, e seus impulsos naturalmente selvagens e violentos, eram perfeitos para transformá-lo em prisioneiro moral de quem o explorasse nessas tendências inatas. Nisso residia o fundamento do crime a dois e não muito longe estava o crime das multidões.
Voltando, assim, às coletividades anormais e ao livro que recebeu esse titulo, Nina Rodrigues complementou as anotações sobre Canudos. Seguindo a crença nas explicações comportamentais por meio da conformação do cérebro, ele acrescentouàs conclusõesanteriores sobre os jagunços o estadode exaltaçãopassional coletiva em quese encontrava aquelamultidão,desaparecendo"o controledavida cerebral, e com elle, apersonalidade consciente e o discernimento" (Rodrigues, 1939). Nesse sentido, a sugestão de Antônio Conselheiro não teria provocado simplesmente uma adesão consciente, mas sim "um estado delirante collectivo, de carater politicoreligioso, dotado de uma tal intensidade que poude impellir os sectarios a todos os sacrificios. Foi um verdadeiro estado de multidão vesanico que se formou nesta seita de predispostos, de desequilibrados e loucos" (Rodrigues, 1939).
A excitação causada por Conselheiro se faria cessar por ele próprio ou com sua morte, o que acabou por acontecer em 1897. A cabeça foi separada do corpo e seu crânio foi oferecido a Nina Rodrigues. Nos parâmetros das pesquisas craniométricas, registrou-se: ... nenhuma anomalia que denunciasse traços de degenerescencia: é um craneo de mestiço onde se associam caracteres anthropogicos de raças differentes. Só relataremos aqui, pois, as indicações mais importantes. E um craneo dolichocephalo e mesorrhyno, quasi sem dentes, e com notavel atrophia das arcadas alveolares. Tem uma capacidade de 1670 cc. (...) E pois um craneo normal. Esta conclusão, que está de accordo com as
informações recolhidas sobre a historia do alienado, confirma o diagnostico de delirio chronico de evolução systematica" (Rodrigues, 1939).
Por mais que Conselheiro fosse o comandante, não seria afastada, classica-mente, a responsabilidade dos jagunços. Nossa legislação adotava o principio do livre-arbitrio, logo os mestiços maiores e não doentes mentais seriam considerados imputáveis. As concepções de Nina Rodrigues, todavia amparadas nas teorias do atavismo, da hereditariedade, da degenerescência, da inferioridade, enfim, na escola italiana de Lombroso , firmavam uma nova doutrina e intentavam transformações nas instituições penais que levassem em consideração a ausência ou diminuição da culpabilidade de determinados indivíduos por força de sua raça, de sua mestiçagem não evoluída ou de seu "estado de multidão", como no exemplo de Canudos.
No Brasil, a teoria da degenerescência se destinou fortemente aos índios, aos negros e aos mestiços, na tentativa da explicação da inferioridade e suas consequentes manifestações, adaptando o princípio da igualdade para a realidade biológica: é preciso tratar desigualmente os desiguais (Alvarez, 2002).
Como podemos perceber com Nina Rodrigues, o contexto sociopolítico de fins do século XIX e início do XX favoreceu a consolidação da Antropologia [criminal] brasileira e sua atualização pelas mãos de Afranio Peixoto, Juliano Moreira, Arthur Ramos e outros, bem como a adoção de medidas públicas que consideravam as teses raciais em voga no pensamento social leigo e culto.
É impossível, portanto, falar do Brasil daquela época e não fazer referências ao tema racial.
3 CONCLUSÃO
As expectativas quanto aos resultados que as pesquisas da Antropologia Criminal poderiam fornecer cruzaram continentes, oceanos e desembarcaram no Brasil. O papel que a medicina desempenhou no estudo da Criminología científica, fortemente, no final do século XIX, impactou a literatura médico-jurídica brasileira e, aqui, fez escolas. Nomes como Raimundo Nina Rodrigues, Teixeira Brandão, Heitor Carrilho, Juliano Moreira, aplicavam suas premissas no campo criminológico, e renomados juristas e advogados também se deixaram seduzir por tais ideias. Entre eles, a título de exemplificação, João Vieira de Araújo, Augusto Olympio Viveiros de Castro, Cândido Mota, Esmeraldino Olympio Torres Bandeira, Antônio Moniz Sodré de Aragão e Pedro Lessa (Tórtima, 2002).
No Brasil, assim, também presenciamos a proximidade entre a Medicina e o Poder Judiciário, onde médicos reclamam o posto de peritos, cientistas imparciais não subordinados ao chefe de polícia e não desacreditados em sua isenção e competência. Na visão médica, o homem do direito era como um "assessor que colocaria sob a forma da lei o que o perito médico já diagnosticara e com o tempo trataria de sanar"(Schwarcz, 2008). Na visão jurídica, a questão se inverte, pois o homem da medicina era como "um técnico que auxiliaria no bom desempenho desses profissionais das leis" (Schwarcz, 2008).
Vê-se claramente um campo de disputas entre médicos e juristas que, todavia, mais se complementam no projeto de construção da nação do que se excluem. A "dialética" de convergência e divergência entre esses saberes aproximou-os em certos pontos e distanciou-os em outros, contudo, isso só revela um fluxo e contrafluxo normal no plano intelectual, registrado na história da intelectualidade brasileira.
Considerando que a racionalidade dos doutores poderia estar atrelada a uma mentalidade elitista, a uma opção políticado tipo monarquia versus repúblicaou escravidão versus abolicionismo, nãose podemesmo descartar a hipótese de essa construção teórica do século XIX ter referendado uma dominação social e uma garantia de ordem higienista que levava para fora da normalidade os mestiços, os capoeiras, os degenerados, os vadios, os inertes, os malandros e os criminosos.
Naépocanãohaviaaespecificidadedeumaintelectualidademédicavoltadaparaaadequaçãodeum programa de inclusão do Brasil no mundo "evoluído" com o perfil de uma população miscigenada e tropical. Nesse ambiente, fica claro que negros ocupavam um espaço de inferioridade, os porões das classes sociais. Muitas vezes ainda vistos como "coisa", serviam a seus senhores na medida das necessidades destes.
A partir da década de 1870, todavia, o cenário começou a mudar. Os contextos externo e interno, bem como o fortalecimento do movimento abolicionista, favorecerem o surgimento de novas reivindicações e de novas orientações políticas, literárias, artísticas, econômicas, etc.
Referências bibliográficas
ALVAREZ, Marcos César. A criminología no Brasil ou como tratar desigualmente os desiguais. DADOSRevista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 45, n. 4, p. 677-704, 2002.
BARROS, Roque Spencer M. de. A ilustração brasileira e a idéia de universidade. São Paulo: Convívio; 1986. p.7, 109.
CASTEL, Robert. A ordem psiquiátrica: a idade de ouro do alienismo. Rio de Janeiro: Graal, 1978.
CORRÊA, Mariza. As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. 2. ed. rev. Bragança Paulista: Universidade de São Francisco, 2001.
DARMON, Pierre. Médicos e assassinos na Belle Époque. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
FERLA, Luis Antonio C. Feios, sujos e malvados sob medida: do crime ao trabalho, a utopia médica do biodeterminismo em São Paulo (1920-1945) [Tese]. Pós-Graduação em História Econômica da Faculdade de Filosofia, Letra e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005, p. 169
FOUCAULT, Michel. Os anormais: curso no Collége de France (1974-1975). São Paulo: Martins Fontes, 2002.
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. 8. ed. São Paulo: Perspectiva, 2008.
ILLICH, Ivan. A expropriação da saúde: Nêmesis da medicina. 4. ed. São Paulo: Nova Fronteira, 1975.
RODRIGUES, Raimundo Nina. A loucura epidemica de Canudos: Antonio Conselheiro e os jagunços. Revista Brazileira, Rio de Janeiro, , p. 4, 11,12, 1897.
_______. As collectividades anormaes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1939, p. 89, 130, 133,173, 173.
_______. As raças humanas e a responsabilidade penal no Brazil. Bahia: Imprensa Popular, 1894, p. 3, 8, 16, 19, 84-85, 104-105.
ROSE, Nikolas. Beyond Medicalisation. Lancet, n. 369, p. 700-703, 2007.
ROSENBERG, Charles E. Contested Boundaries: Psuchiatry, Disease, and Diagnosis. Perspective in Biology and Medicine, v. 49, n. 3, p. 407-424, summer 2006.
ROUSSEAU, G. S. Para uma semiótica do nervo: a história social da linguagem em novo tom. In: BURKE, Peter; PORTER, Roy. (Orgs.) Linguagem, indivíduo e sociedade. A história social da linguagem. São Paulo: XXXXX, 1993.
SCHWARCZ, Lilia M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no brasil 18701930. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
SERPA JR., Octavio. Mal-estar na natureza: estudo crítico sobre o reducionismo biológico em psiquiatria. Belo Horizonte: Te Cora Ed., 1998.
TÓRTIMA, Pedro. Crime e castigo para além do Equador. Belo Horizonte: Inédita, 2002.
1 Sugerem-se leituras da tradição foucaultiana de abordagem arqueológica e genealógica nas ciências humanas. Ver, por exemplo, Michel Foucault, As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas (4. ed., Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1987).
2 Schwarcz compartilha esse entendimento, mencionando a Lei do Ventre Livre, de 1871, o fortalecimento de centros de ensino que ocorreu naquela década, além de representar um marco na história das ideias brasileiras, pois sintetiza o "momento de entrada de todo um novo ideário positivo-evolucionista em que os modelos raciais de análise cumprem um papel fundamental" (2008, p. 14).
3 Barros reduz o termo "Positivismo" à doutrina de Comte, mas concorda que, em termos mais gerais, poderíamos substituir "cientificismo" por aquele.
4 Trata-se de casos como o de Henriette Cornier e Pierre Rivière, estudados por Foucault (2002). Para Robert Castel: "Essas exceções literalmente transtornantes questionam o direito de punir ao nível de seu funcionamento. Atos tão deslocados que não podem mais ser recodificados em termos de motivos. Eles desconcertam toda e qualquer justificativa racional da sanção, pois não podem ser referidos a nenhum cálculo. Que o aparelho da gestão da loucura o assuma, portanto" (1978, p. 169).
5 Para Barros "é preciso substituir o romantismo pelo naturalismo, em literatura; o direito natural pelo direito positivo, na jurisprudência; o espiritualismo pelo monismo, positivista ou materialista, em filosofia; a monarquia pela república, em política; o privilégio pela livre concorrência, em economia, em educação; é preciso libertar a consciência do artificialismo das imposições constitucionais, para submetê-la apenas ao seu determinismo natural e às legítimas injunções coletivas; é preciso tornar livre o trabalho, rever a situação da mulher, reexaminar a concepção do Estado" (1986, p. 172).
6 Segundo Nina Rodrigues "O conflicto, que se estabelece no seio do organismo social pela tendencia a fazer, á força, iguaes perante a lei e seus effeitos, raças realmente tão distinctas e desiguaes , tem o seu simile e se deve realisar no seio do organismo individual, nos casos de mestiçamento, que combina e funde de momento em um mesmo individuo qualidades physicas, physicologicas e psychicas, não só distinctas, mas aindadevalormuitodifferentenopontodevistadoconceitoevolutivodoaperfeiçoamentohumano.Éverdade biologica bem conhecida que nos cruzamentos de especies differentes o exito é tanto menos favoravel quanto mais afastadas na hierarquia zoologica estão entre si as especies que se cruzam" (1986, p. 91).
RAÇA E CRIMINALIDADE NA OBRA DE NINA RODRIGUES: UMA HISTÓRIA
PSICOSSOCIAL DOS ESTUDOS RACIAIS NO BRASIL DO FINAL DO SÉCULO XIX
MARCELA FRANZEN RODRIGUES
RESUMO - Este artigo tem por intuito rever e analisar algumas obras de Nina Rodrigues (1862-1906) que tratam, sobretudo, de seus trabalhos acerca da inferioridade física e mental dos negros e mestiços no Brasil, baseando-se mormente no saber produzido por criminalistas italianos como Lombroso, Garófalo e Ferri. Raimundo Nina Rodrigues foi um médico maranhense, radicado na Bahia, que no final do século XIX interessou-sepelosestudosraciaisapartirdaMedicinaLegal.Produziudiversasobrasnasquaisbusca explicar e analisar o que ele considerava provas irrefutáveis da inferioridade da raça negra. Assim, Nina Rodrigues se debruçava sobre casos de crimes, de loucura, de crenças religiosas, sempre na busca de pistas que pudessem comprovar suas teorias sobre a inferioridade racial. Neste trabalho procura-se analisar tais obras, a fim de apreender as motivações do autor assim como compreender o contexto científico da época, buscando-se, assim, alguma contribuição para a história da psicologia no Brasil.
Palavras-Chave: Nina Rodrigues, raça, crime, medicina legal, história da psicologia.
1 Introdução
Raimundo Nina Rodrigues foi um médico brasileiro que no final do século XIX buscou, entre outras coisas, desvendar os mistérios da mente e do espírito dos negros brasileiros. Racista, eugenista, conservador, foi um intelectual rejeitado apartirdasegunda metadedo século XXpor contadestas características que, se não eram, à época, exclusivas dele, tornaram-se malditas: hoje em dia seu nome quase não é citado, a não ser em revisões críticas da história dos estudos raciais. Sua produção não foi muito extensa temporalmente – cerca de vinte anos – mas foi intensa, no sentido de que escreveu muito sobre temas diversos, apesar de ter se mantido fiel aos chamados estudos do negro.
Nina Rodrigues nasceu em Vargem Grande, município do Maranhão, em 1862. Aos 20 anos de idade mudouse para a Bahia, a fim de cursar a Faculdade de Medicina. Já com o título de doutor 1, Nina Rodrigues, em 1888, foi para a cidade de São Luís do Maranhão, onde clinicou durante algum tempo, tendo, neste período escrito artigos sobre higiene pública e também um trabalho sobre a lepra, no qual se encontra a sua primeira tentativa de um quadro classificatório das raças no Maranhão. Em 1889 voltou para a Salvador a fim de assumir a Cadeira de Clínica Médica na Faculdade de Medicina da Bahia e no mesmo ano passou a fazer parte da redação da Gazeta Médica da Bahia, uma das mais importantes publicações médicas do País (Oda, 2003; Schwarcz, 1993). Em 1891, foi transferido para a disciplina de Medicina Legal, primeiramente como substituto, sendo oficializado no cargo quatro anos depois. Até sua morte, em 1906, Nina Rodrigues permaneceu neste cargo, desempenhando importante papel na institucionalização da Medicina Legal no país. A produção de Nina Rodrigues foi ampla, abarcando diversas áreas da medicina – sendo mais efetiva na medicina legal, mas não restrita a ela. Entre os anos de 1890 e 1892, escreveu sobre as epidemias de abasia astasia ocorridas no Maranhão e na Bahia, além de textos voltados à discussão da mestiçagem, como "Mestiçagem, Degenerescência e Crime".
Publicou o seu primeiro livro - "As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil" – em 1894, hoje consideradaumadesuas mais importantesobras. Estelivroera, segundoo autor,um "estudo das modificações que as condições de raça imprimem à responsabilidade penal" (Rodrigues, 1957, p.27), com o objetivo de sistematizar as suas lições na disciplina de Medicina Legal (Oda, 2003).
Em 1895, já como titular na cátedra de Medicina Legal, ajudou a fundar, juntamente com Juliano Moreira e Alfredo Britto, a Sociedade de Medicina Legal da Bahia, sendo eleito presidente. Ainda neste ano foi aceito como membro da Médico-Legal Society de Nova Iorque (Corrêa, 2001; Oda, 2003).
Nos primeiros anos da década de 1900, Nina Rodrigues se dedicou a uma série de escritos sobre Medicina Legal voltados à perícia médica, e outros de especial interesse para a psicologia, tais como "Atavisme psychique et paranóia", publicado nos Archives de Anthropologie Criminel de Lion em 1902 e "La paranóia chez les nègres", do ano seguinte, publicado na mesma revista. Raimundo Nina Rodrigues faleceu precocementeemjulhode1906,deixandoumaobradeimportânciaímparparaos estudossobreraçanoBrasil.
De acordo com Ana Maria Oda (2003), pode-se classificar a produção de Nina Rodrigues em quatro pontos, são eles: os estudos de organização sanitária pública; medicina legal, psiquiatria forense e antropologia física; os estudos de psicopatologia comparada e, finalmente, a etnografia dos povos africanos da Bahia. Exceto o primeiro item, que apresenta um limite temporal específico – o início da carreira de Nina Rodrigues –, todos os outros temas estão presentes ao longo dos seus vinte anos de produção, sendo que o tema da criminalidade entre negros e mestiços perpassa boa parte de sua obra.
A atuação de Nina Rodrigues dentro da Medicina Legal foi muito ampla, podendo ser localizada em diversos âmbitos que vão desde a organização sanitária até a psiquiatria forense. Aqui interessam, principalmente, seus trabalhos sobre antropologia física e criminal e psiquiatria forense, dentro dos quais o estudo do corpo e da mentedo negrosesobrepõe.Voltadoprincipalmenteaotemadacriminalidaderacial, NinaRodrigues analisou diversos casos de delitos envolvendo negros e mestiços, nos quais os corpos, cabeças, mentes e história de vida dos sujeitos eram avaliados no intuito de desvendar as motivações de seus crimes.
2 Raça, crime e punição
A conversão absoluta de Nina Rodrigues ao campo da Medicina Legal pode ser datada na publicação de"As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil", de 1894. O livro é dedicado aos consagrados médicos e juristas da área, como Lombroso, Ferri, Garófalo e Lacassagne 2, "em homenagem aos relevantes serviços que os seus trabalhos estão destinados a prestar a medicina legal brasileira, atualmente simples aspiração ainda" (Rodrigues, 1957, p.21). De acordo com Maio (1995), além disso, percebe-se também uma identificação do autor com as teorias eugênicas de Galton e com o darwinismo social de Spencer. Mas, foi principalmente baseado nas teorias lombrosianas que Nina Rodrigues desenvolveu as ideias apresentadas em "As Raças Humanas", no qual o autor considerava um "simples ensaio de psicologia criminal brasileira" (Rodrigues, 1957, p.24). Fundamentado, sobretudo, nas aulas que vinha ministrando na disciplina de Medicina Legal da Faculdade de Medicina da Bahia, o livro tinha como propósito apresentar as modificações que as condições de raça imprimiriam à responsabilidade penal, assim como criticar o Código Penal Brasileiro de 1890.
Neste livro, considerado por Leite (1992) a exposição explícita de preconceito contra índios e negros, Nina Rodrigues defendeu um tratamento diferenciado para negros, índios e mestiços – produtos das chamadas raças inferiores – no Código Penal Brasileiro. Seu argumento partia do pressuposto de que haveria uma diferença fundamental entre as raças no que se referia à sua constituição mental:
A concepção espiritualista de uma alma da mesma natureza em todos os povos, tendo como conseqüência uma inteligência da mesma capacidade em todas as raças, apenas variável no grau de cultura e passível, portanto, de atingir mesmo num representante das raças inferiores, o elevado grau a que chegaram as raças superiores, é uma concepção irremessivelmente condenada em face dos conhecimentos científicos modernos (Rodrigues, 1957, p.28).
Para embasar sua proposta de um código diferenciado, Nina Rodrigues utilizou longas citações de autores como Tarde 3 eGarófalo parasustentarqueapróprianoçãode crimese alteraconformeotempoeasociedade. Assim, lembra que o grande crime na Grécia Antiga era deixar os pais sem sepultura, na Idade Média era o sacrilégio, tendo o homicídio pena muito mais leve. Se a ideia de crime se alterou ao longo do tempo, nada mais natural que a ideia de justiça se modificasse também. Para que todos tivessem a mesma noção de justiça e responsabilidade, era necessário, segundo o autor, que houvesse uma homogeneidade populacional, o que era impensável, uma vez que as populações se encontravam em níveis distintos de evolução mental. Assim, Nina Rodrigues concordou com Tarde quando este afirmou que para se chegar a homogeneidade populacional era preciso que:
As inclinações naturais, quaisquer que sejam, tenham recebido, em larga escala, do exemplo ambiente, da educação comum, do costume reinante, uma direção particular que as tenha especificado [...]. Quando a sociedade tem fundido assim à sua imagem todas as funções e todas as tendências orgânicas do indivíduo, o indivíduo não faz um movimento, um gesto, que não seja orientado para um fim designado pela sociedade. Além disso, é preciso que, em larga escala também, as sensações brutas fornecidas pelo corpo e a natureza exterior em face um do outro, tenham sido profundamente elaboradas pelas convenções, pela instrução, pela tradição, e convertidas deste modo em um conjunto de ideias precisas, de juízos e de prejuízos, conformes em maioria às crenças dos outros, ao gênio da língua, ao espírito da religião ou da filosofia dominante, à
autoridade dos avós ou dos grandes contemporâneos. Depois disso, pense o que pensar o indivíduo, ele há de pensar com o cérebro social" (Tarde apud Rodrigues, 1957, p.45).
Uma vez que a cada fase da evolução social de um povo corresponderia um tipo específico de criminalidade (de acordo com o desenvolvimento intelectual e moral) e que a análise científica mostrava a impossibilidade de uma homogeneidade populacional, o pressuposto da vontade livre, ou livre arbítrio – doutrina que estaria, segundo Oda (2003), de acordo com a Escola Clássica de Direito, na qual se baseava o sistema penal brasileiro à época –, não ofereceria a mínima consistência porque não escaparia, segundo Nina Rodrigues, às contingências do desenvolvimento evolutivo. Seguindo a teoria spenceriana 4, o autor acreditava que toda e qualquer ação seriadeterminadapelas conexões psíquicas geradas pela experiência – que poderiam sermesmo anterior à existência do indivíduo – e que estavam acumuladas na sua constituição. Assim, o autor concluiu que, a cada fase da evolução da humanidade, se se comparassem raças distintas, corresponderia uma criminalidade própria em harmonia e em acordo com o grau do desenvolvimento. De forma que a noção de vontade só poderia ser aplicada a um grupo social homogêneo, o que não era, nem de longe, o caso da sociedade brasileira.
Aplicando tais conceitos à realidade do Brasil, Nina Rodrigues sustentou que os crimes cometidos por indígenas, negros ou mestiços só poderiam ser analisados a partir de um ponto de vista racial que levasse em conta os valores morais e as noções de justiça vigentes nos seus respectivos grupos, ao que Oda dá o nome de "ética étnica" (2003, p.215). Afirma Nina Rodrigues:
Ora, desde que a consciência do direito e do dever, correlativos de cada civilização, não é o fruto do esforço individual e independente de cada representante seu; desde que eles [índios, negros e mestiços] não são livres de tê-la ou não tê-la assim, pois que essa consciência é, de fato, o produto de uma organização psíquica que se formou lentamente sob a influência dos esforços acumulados e da cultura de muitas gerações; tão absurdo e iníquo, do ponto de vista da vontade livre, é tornar os bárbaros e selvagens responsáveis por não possuir ainda essa consciência, como seria iníquo e pueril punir os menores antes da maturidade mental por já não serem adultos, ou os loucos por não serem sãos de espírito (Rodrigues, 1957, p.79).
Os selvagens – negros e índios – teriam, de acordo com Nina Rodrigues, um código de conduta próprio, estabelecido nos seus locais de origem e que difeririam muito dos códigos de conduta dos povos ditos civilizados.
Os negros africanos são o que são: nem melhores nem piores que os brancos: simplesmente eles pertencem a uma outra fase do desenvolvimento intelectual e moral. Essas populações infantis não puderam chegar a uma mentalidade muito adiantada e para esta lentidão de evolução tem havido causas complexas. Entre essas causas, umas podem ser procuradas na organização mesma das raças negríticas, as outras podem sê-lo na natureza do habitat onde essas raças estão confinadas. Entretanto, o que se pode garantir com experiência adquirida, é que pretender impor a um povo negro a civilização européia é uma pura aberração (Rodrigues, 1957, p.114).
Como exigir, questiona o autor, que todas as diferentes raças encontradas no Brasil respondam por seus atos perante a lei com igual plenitude de responsabilidade penal? É possível admitir que os índios e negros, bem como seus mestiços, tenham discernimento para decidir entre cometer ou não um crime? Seria correto, pergunta ainda Nina, conceber que a consciência do dever e do direito destas raças seja a mesma da dos brancos? Nina Rodrigues não pôde responder a estas questões.
Assim, para o autor, um negro que cometesse um crime de honra, por exemplo, não poderia ser julgado da mesma maneira que um branco que tivesse cometido o mesmo crime. Suas aptidões mentais, suas formas de ver o crime e seus códigos de conduta eram outros. O branco deveria ser punido mais severamente que o negro, pois ele teria domínio sobre o código da civilização. Sua superioridade mental o obrigaria a ter consciência e pensar racionalmente sobre o crime que porventura viesse a cometer, diferentemente do negro, queseria acometido porsuas emoções, quedominariam suaconsciência,incapacitando-oparaaracionalidade. O caso do indígena (puro) era o mesmo que o do negro.
Basta refletir um instante em que só os africanos e os índios conservam, mais ou menos alterados, do novo meio social, os seus usos e costumes, como ainda em que fazem deles com os novos um amalgama indissolúvel, para se prever que nas suas ações hão de influir poderosamente as reminiscências, conscientes ou inconscientes da vida selvagem de ontem, muito mal contrabalançadas ainda pelas novas aquisições emocionais da civilização que lhes foi imposta (Rodrigues, 1957, p.79).
Desta forma, não havia duvidas de que negros e índios necessitavam de um código que previsse sua incapacidade e atenuasse sua responsabilidade. No caso dos mestiços, a situação se complicaria mais.
Para Nina Rodrigues, a escala da mestiçagem poderia ir desde o "produto inteiramente inaproveitável e degenerado aoproduto válidoecapazdesuperior manifestaçãodaatividademental"(Rodrigues,1957,p.134).
A mesma escala deveria percorrer a responsabilidade moral e penal, uma vez que o autor não considerava que todos fossem irresponsáveis. Nina Rodrigues acreditava que os mestiços poderiam ser distribuídos em três grupos distintos: o primeiro corresponderia aos mestiços superiores que, ou pela predominância da raça civilizada em sua constituição, ou por uma feliz combinação mental, poderiam ser considerados perfeitamente equilibrados e plenamente responsáveis; ao segundo grupo pertenciam os mestiços evidentemente degenerados, os quais devem ser considerados parcial ou totalmente irresponsáveis; por fim, no último grupo estariam os mestiços comuns, que mesmo superiores às raças selvagens das quais descendiam, traziam o desequilíbrio causado pelo cruzamento, não podendo ser equiparados àquelas raças, de forma que se encontravam em constante iminência de cometer ações anti-sociais e não deveriam, por isso, ser plenamente responsáveis.
A sugestão proposta por Nina Rodrigues foi de que cada região do país possuísse seu próprio código, adaptado às condições raciais e climáticas de cada uma delas, abandonando a unidade legal que era defendida pelo direito clássico. Mas, como bem lembra Oda, é claro que a distinção no código proposta pelo autor implicaria não apenas na imputabilidade penal, mas, também, na "relativização da capacidade civil, isto é, da cidadania no sentido amplo" (2003, p.217).
Após "As Raças Humanas", Nina Rodrigues passou a escrever frequentemente sobre a relação entre raça e crime.Nesses textos, sempredefendeu aresponsabilidadediferenciada comoamelhorformadetratar os casos criminais, para comprovar suas teorias, utilizava-se, sobretudo, de observações empíricas. Encontram-se exemplos desse método em textos como "Depeçage Criminel", "Lucas da Feira", aqueles sobre o conflito de Canudos, como "Antônio Conselheiro e os Jagunços", entre outros.
3 O caso de Lucas da feira
Seguindo o método de Nina, vamos aqui nos detalhar na apresentação de seu ensaio sobre Lucas da Feira, publicado em 1985. É comum que, à primeira leitura deste texto, não lhe seja dada muita relevância: parece ser apenas mais um dos textos racistas de Nina Rodrigues, no qual o corpo do negro fora medido, analisado e profanado. Uma segunda leitura, mais aprofundada, nos mostra que o texto ultrapassa esta primeira visão e pode ser localizado entre as obras chave do que, penso, ser a transição de um Nina Rodrigues simplesmente cientificista e médico para um Nina Rodrigues afetado pela importância dos indicadores sociais.
Adepto da teoria lombrosiana do criminoso nato, logo no início o autor afirma crer que "poucas populações estarão, como a do Brasil, em condições de oferecer à escola criminalística italiana uma confirmação mais brilhante às doutrinas que ela defende" (Rodrigues, 2006, p.104). Ironicamente, ao longo do texto percebe-se que ele mais se afastou do que aproximou das doutrinas que tanto elogiava. Vejamos o caso de Lucas. Lucas da Feira foi um negro escravo fugido que, em 1828, juntou um bando de negros – escravos como ele –cometendo diversos crimes ao longo de vinte anos. Em 1848, Lucas foi preso, negando seus crimes de início, mas, após intenso interrogatório, acabou por admitir ter matado mais de vinte pessoas, roubado e raptado, além de ter violado seis moças (Rodrigues, 2006). Ainda assim, e mesmo sabendo que seus dias estavam contados, afirmou que não entregaria nenhum de seus comparsas por ser este um ato de traição para com aqueles que tanto o ajudaram. Não era este o comportamento previsto por Lombroso para os criminosos: estes sempre buscariam atenuar seus atos acusando outros e reclamando terem cometido seus crimes sob influência edomínio dos cúmplices. Contudo, nãofoisomenteo comportamento deLucas depois depreso quenão estava de acordo com a teoria italiana; seu comportamento durante a vida e seu corpo após a morte não se pareciam em quase nada com a descrição do criminoso nato.
Durante a vida de crimes, Lucas evitou, sempre que pôde, assaltar e assassinar pessoas da vila, porque os conhecia: "Assim, pois, como verdadeiro selvagem, a vila e seus habitantes representavam para ele sua pátria, sua tribo, seu clã: os outros não eram mais do que estrangeiros em face dos quais ele não se julgava obrigado a ter considerações" (Rodrigues, 2006, p.108).
Este comportamento de Lucas – que, mesmo fugindo, também respeitou seus senhores e nunca os machucou, além de só ter matado quem ele entendia tê-lo traído de alguma forma, certo que com requintes de grande
crueldade – demonstrava para Nina Rodrigues que Lucas era sim um verdadeiro criminoso, porque tinha instintos sanguinários, mas não era um criminoso nato.
Por fim, o estudo de seu crânio demonstrou que, ao contrário do que o médico esperava, Lucas da Feira não possuía nenhum traço étnico marcante; à primeira vista parecia um crânio perfeitamente normal, com caracteres próprios aos crânios dos negros,mastambém àqueles"pertencentesaos crânios superiores,medidas excelentes, iguais às da raça branca" (Rodrigues, 2006, p.106). Lucas era filho de negros africanos e sua negritude era comprovada por todos os que o conheceram, de forma que a ideia de que ele tivesse um mínimo de sangue branco era muito pouco provável. As medidas do crânio de Lucas, somadas ao seu comportamento em vida,mostravam aNinaRodrigues queele era um criminoso paraos brasileiros,queviviam sob civilização europeia, porque provavelmente na África ele teria sido um rei, um guerreiro, um herói.
E assim, Nina Rodrigues chegou à conclusão que o verdadeiro estudo da criminalidade não poderia se firmar somente na craniometria:
Compreende-se assim o valor que se deve dar à ausência de caracteres criminais no crânio de Lucas e vê-se como não podemos criticar os dados da antropologia criminal, prendendo-nos preconcebidamente aos caracteres físicos com a exclusão de uma sábia análise psicológica. É preciso, antes de tudo, fazer dos criminosos um estudo completo (Rodrigues, 2006, p.164).
Essa análise completa compreendia, além dos exames osseométricos, um estudo detalhado da vida psicológica da pessoa e o conhecimento do meio social e climático no qual a pessoa vivia, tal como feito pelo autor no ensaio sobre Antônio Conselheiro.
Pode-se analisar o caso de Lucas da Feira por diferentes prismas. Entretanto, para este trabalho, sua relevância encontra-se, sobretudo, no fato de Nina Rodrigues não haver encontrado no corpo de Lucas importantes marcas, traços e características físicas, materiais, de sua degenerescência ou de seu atavismo psíquico. Sim, sabia-se que o ex-escravo era um criminoso, assim como constatava-se que era negro. Sabia-se também que era canhoto –marcaindiscutível dedegenerescência –,quetinha um "olharpeculiar" (Rodrigues, 2006, p.105) e que possuía uma leve anormalidade no formato do crânio. Anomalias estas, aliás, que poderiam também ser encontradas em um indivíduo branco. Ou melhor, que poderiam ser encontradas em qualquer pessoa. Mas Lucas não era qualquer pessoa. Lucas tinha atacado e saqueado diversos vilarejos durante vinte anos. Tinha violado e assassinado, muitas vezes com requintes de crueldades, podendo seus atos serem comparados aos dos assassinos mais bárbaros. Mas, diferentemente dos casos analisados pelo autor em "As Raças Humanas", Lucas possuía um rígido código de conduta: ele só matava quando, em sua avaliação, isto era necessário; não matava conhecidos – mas matava conhecidos traidores, caso em que usava da Lei de Talião além de outros castigos.
Assim, Nina Rodrigues perguntou-se como poderia um negro supostamente degenerado em função de sua raça, cuja mentalidade inferior se comprovaria por seus crimes, possuir um código de conduta tão elaborado? Lucas era, antes de mais nada, um produto de seu meio. Hoje poder-se-ia dizer, inclusive, que Lucas era o que a sociedade e a cultura fizeram dele. Resposta não muito distante da dada pelo médico maranhense em finais do século XIX.
4 Mestiços e crimes
Em 1899, Nina Rodrigues escreveu um artigo intitulado "Mestiçagem, Degenerescência e Crime", no qual dava exemplos de crimes cometidos por mestiços. Em sua análise, buscava distinguir a influência da degeneração nos criminosos. Para tanto, contemplou o estudo craniométrico e fisiognômico do criminoso, de acordo com os parâmetros da criminologia. Assim, conduziu a análise dos casos de forma a confirmar sua tese de que os crimes são mais fruto da degenerescência recorrente pelo cruzamento de raças distintas, do que de responsabilidade individual, e por isso deveriam ser atenuados.
No início deste artigo, Nina Rodrigues discorreu sobre os discursos científicos que, no final do século XIX, debatiam a questão da mestiçagem. Os primeiros referiam-se à discussão entre poligenistas e monogenistas. A visão monogenista congregou a maior parte dos intelectuais que, de acordo com a Bíblia, acreditavam que a humanidade vinha de uma fonte comum, sendo as diferenças entre os homens vistas como um gradiente, que iria do mais ao menos perfeito (mas sem supor uma noção de evolução). Já a visão poligenista provinha de uma interpretação biologicista, baseada na análise dos comportamentos humanos, que passaram a ser crescentemente vistos como resultados imediatos das leis biológicas e naturais e implicando, portanto,
diferentes origens humanas (Schwarcz, 1993). Assim, enquanto os primeiros buscavam mostrar o hibridismo dos cruzamentos humanos, os segundos buscavam comprovar a viabilidade de tais cruzamentos. "Assim, o critério de viabilidade e de capacidade dos mestiços foi posto no terreno das ciências naturais. Tanto como para os animais, esse critério deveria ser a perfeita eugenesia dos mestiços humanos, que uns apoiavam e outros negavam" (Rodrigues, 2008, p.1151). No entanto, o debate entre os poligenistas e os monogenistas acabou atenuado com a publicação e divulgação da teoria evolucionista de Darwin, que passou a constituir, segundo Schwarcz (1993), uma espécie de paradigma da época, amenizando antigas disputas.
Deste modo, segundo Nina Rodrigues, a psicologia mórbida entrou em ação e colocou de lado a questão de saber se o mestiço era ou não eugenésico – ou seja, capazes de melhorar a sua descendência –, para debater se os mestiços eram um produto normal, socialmente viável ou se, ao contrário, constituiriam "raças abastardas inferiores, uma descendência incapaz e degenerada" (Rodrigues, 2008, p. 1152). Neste sentido, a psicologia coletiva – a partir de nomes como Gobineau 5, Spencer, Keane e Le Bon – ocupou-se da questão. Já o estudo médico da influência degenerativa da mestiçagem era mais recente. Nina Rodrigues lembra que o próprio Morel, "criador da noção clínica de degenerescência" (Rodrigues, 2008, p. 1152) a desconhecia. Foi, portanto, a psicologia criminal que acabou por acentuar, ou afirmar, a possibilidade desta consequência do cruzamento. Mas, ainda assim, poucas ou nulas eram as documentações que apoiassem esta teoria:
A razão principal para essa ausência de documentação é a dificuldade de separar de maneira segura a influência do cruzamento da de muitas outras causas, de ordem biológica e social que pode ter simultaneamente exercido influência na degenerescência ou na decadência precoce desses povos mestiços e que são dadas ou invocadas como provas da ação degenerativa da mestiçagem (Rodrigues, 2008, p. 1152).
Foi justamente por conta desta ausência de documentação que o autor se propôs a resolver o problema através da observação direta e imediata:
A observação, tal como feita até hoje, voltando-se para todo um povo ou para casos muito limitados e muito específicos, não pode trazer senão provas muito discutíveis e não pode iluminar a questão com as luzes soberanas da verdade. Num país inteiro e sem o recurso a estatísticas no caso dos povos que se prestam a essa discussão, é quase impossível distinguir a influência da mestiçagem entre as mil outras causas complexas, suscetíveis de produzir sua decadência. Em alguns casos muito especiais é sempre justo suspeitar de uma exceção ou de uma influência degenerativa local, responsável pela ação imputável ao cruzamento (Rodrigues, 2008, p.1153).
Assim, Nina Rodrigues afirma que tais análises seriam melhor realizadas em cidades pequenas, "nas quais é mais fácil distinguir as diferentes causas degenerativas, dado que a população local não se distingue em nada do tipo médio geral da província ou estado" (Rodrigues, 2008, p.1153) buscando, também, o histórico médico destas populações. A localidade escolhida, Serrinha – no interior do estado da Bahia –, era composta por mestiços, principalmente pardos, além de possuir uma quantidade significativa de negros. Serrinha também gozava da reputação de abrigar uma população séria e trabalhadora. No entanto, Nina Rodrigues fez questão de mostrar que, apesar da fama, a população local estava longe de ser um exemplo, já que se utilizava de métodos atrasados de produção agrícola, além de não possuir espírito empreendedor, dificultando o progresso da região.
Ao longo do texto, o autor apresentou diversos casos de degenerescência entre a população de Serrinha no intuito de comprovar a sua frequência entre os mestiços, assim como justificar sua tese sobre o fundo degenerativo dos criminosos mestiços:
A degenerescência dos mestiços devia ter uma influência decisiva e predominante sobre sua criminalidade, o que era de prever, mas não seria justo inferir daí que essa criminalidade deva ser forçosamente muito elevada, pois compreendemos perfeitamente que a degenerescência, sob a influência de causas múltiplas e difíceis de precisar, difíceis mesmo de conhecer, pode tomar formas variadas: mais criminosas aqui, mais vesânicas lá, e assim por diante (Rodrigues, 2008, p.1166).
Vê-se, pois, que Nina Rodrigues acreditava que se a violência e a impulsividade das raças inferiores afetavam a qualidade dos crimes, não necessariamente influenciava na quantidade. O caso de Serrinha era um exemplo de localidade com baixa criminalidade, mas na falta de estatísticas confiáveis, era impossível realizar um estudo comparativo com outras localidades do estado e outras regiões do país, mas, com base em estudos realizados em outros países, o autor acreditava ser possível afirmar que o tipo violento predominava na criminalidade da população de cor. Assim, no intuito de comprovar que a criminalidade é fruto da
degenerescência causada pela mestiçagem, o autor acreditou ser suficiente a análise da história de duas famílias, cujos casos de criminalidade associavam-se intimamente com as manifestações da degenerescência, de forma a demonstrar que a tendência ao crime era hereditária.
5 Desmembramento criminal
Em 1898, no artigo "Des Conditions Psychologiques du Depeçage Criminel", NinaRodrigues tratou dos casos de mutilação criminosa. Iniciou o texto citando Lacassagne, que diz que o desmembramento seria um fenômeno presente desde sempre nas culturas primitivas, merecendo, portanto, um estudo mais detalhado, pois seria uma das características mais marcantes do instinto destruidor. Em seus dias, ainda segundo Lacassagne, não havia mais tantos casos como antigamente, não porque os primitivos tivessem aceitado as leis e os costumes da civilização – como pensariam os antropólogos – mas por serem ainda caracterizados por seus instintos atávicos. Assim, para Lacassagne, os primitivos do final do século XIX ainda eram condenados à imitação, tal como seus antecedentes.
Umavezqueo Brasil era, segundoNinaRodrigues,um país com grandenúmerodepessoasde raças inferiores e, pior, com grande número de produtos do cruzamento entre raças, tinha uma boa parte da população com instintos atávicos e logo o estudo do desmembramento poderia ser muito bem aplicado em nossa terra. Assim, Nina Rodrigues resolveu debruçar-se sob o assunto e estudar o fenômeno do desmembramento no Brasil a partir dos três tipos propostos por Lacassagne – a saber, o desmembramento "religioso" ou "sacrificial"; o "judicial" e o "criminoso", além de um último tipo proposto pelo próprio Nina Rodrigues, o desmembramento "guerreiro" ou "ornamental".
O desmembramento guerreiro – ou de guerra – era comum entre as tribos indígenas que aqui estavam antes da chegada de Portugal. Segundo o autor, era comum que os índios usassem como troféus crânios e membros de seus inimigos, cujos ossos serviam, igualmente, como decoração de corpos e casas.
Esta prática existe ainda hoje e com a mesma finalidade entre as tribos selvagens que ocupam as extensas zonas desertas do país. Ela existe igualmente entre os descendentes semi-civilizados, puros ou mestiços, do índio e do negro, ainda que atenuada, porque transformada em crime, mas o caráter e os instintos guerreiros ainda são facilmente percebidos nestes povos. Nos pontos distantes do litoral, onde pouco se sente a influência da civilização, estes povos nômades vivem em incursões, exatamente como viviam seus antepassados selvagens aqui, na América, ou na África. Estas pessoas estão constantemente envolvidas com assaltos à mão armada onde se revela todos os sentimentos e instintos bárbaros ainda mal contidos de seus ancestrais (Rodrigues, 1898, p.7 [tradução livre]).
A título de exemplo, o autor descreve – com riqueza de detalhes – um caso onde um fazendeiro foi morto a tiros por um bando de capangas enquanto dormia, produto de uma vingança dos filhos de um fazendeiro vizinho. Não satisfeitos com o assassinato, o grupo de homens – mestiços – arrastou o corpo até a frente da casa, onde o espancaram e esquartejaram, largando-o no meio do pasto dos animais, ato após o qual atearam fogo nas cabanas dos trabalhadores da fazenda.
Amutilação eaantropofagiareligiosa – segundotipo – também eram comuns entreos índios eentreos negros, tendo sido encontrado não somente na América Central, mas também no Brasil:
Nas minhas pesquisas para um trabalho no qual me ocupo atualmente, sobre a criminalidade entre os negros brasileiros, cheguei a descobrir traços desta abominável prática no Brasil. Pude constatar em uma antiga provínciadoatual Estado doMaranhão,aexistênciadecasos deexumação clandestinadecadáveres derecémnascidos para a confecção de feitiços (fetiches) ou sortilégios de negras feiticeiras. É quase certo que esta prática tem sido amplamente empregada nos cultos de feitiçaria africana que ainda desfrutam de grande prestígio hoje em dia no Brasil (Rodrigues, 1898, p.7; [tradução livre]).
Oterceirotipo analisado pelo autor éodesmembramentojudiciário, feitoem nomedalei. O exemplo utilizado pelo autor – o esquartejamento de Tiradentes em 1796 – demonstra bem a importância do ato como, além de punição, exemplo para aqueles que poderiam pensar em se rebelar.
O quarto – e último – tipo analisado foi o criminal, no qual se encontrava o maior interesse do autor. E, uma vez que não era fácil fazer, através das antigas observações, uma análise sobre o estado mental dos esquartejadores, "porque, (...) mesmo tendo observações deveras interessantes, as doutrinas oficiais –dedicadas ao exame meticuloso dos crimes – mostravam desprezo pelo estudo do criminoso" (Rodrigues, 1898, p.10 [tradução livre]), era importante, portanto, realizar um novo estudo.
O autor descreveu alguns casos de mutilações e passou à análise dos criminosos. No entanto, antes de passar à sua análise é importante abrir um parêntesis: no primeiro caso, um juiz havia esquartejado a amante, ambos brancos. Este, apesar de ser um caso de mutilação, não representava um bom exemplo para o autor, uma vez que o juiz "só" havia esquartejado a amante para que o corpo coubesse na caixa em que seria enterrado, de forma que não houve a intenção do desmembramento. Por coincidência, os casos considerados pelo autor como típicos de desmembramento criminal, foram cometidos por negros/mestiços. E também, por coincidência, são os rostos dos criminosos negros e mestiços que ilustram o artigo.
A seu ver era lamentável que os criminosos não tivessem sido submetidos a exames cuidadosos, porque poderiam seus casos ajudar a melhor compreender o desmembramento criminal. No entanto, o autor pôde perceber que os motivos psicológicos que levariam ao desmembramento de cadáveres seriam múltiplos e variados. A prática obedeceria aos sentimentos mais diversos e conflitantes, não sendo um simples ato, uma vezqueseriacapazdeinfluenciardiretaeimediatamenteatransmissãohereditáriaouatávicaaosdescendentes dos mutiladores.
Nina Rodrigues, assim, considerou que as formas religiosas, guerreiras e judiciárias do desmembramento possuíam uma função social que as explicariam por si mesmas. Era uma prática condenável, sem dúvida, praticada principalmente por povos primitivos, mas que continha na sua função social (e cultural) um atenuante. No entanto, o desmembramento criminal, por sua vez, provinha de um ato criminoso, individual, causado por um retorno atávico. E assim sendo, a degenerescência explicaria – e justificaria – a frequência de criminosos negros e mestiços entre os mutiladores. E o que a degenerescência explicava, a justiça deveria atenuar.
Mas, para Nina Rodrigues, não era somente nos crimes que se percebia o quanto os negros eram degenerados. A degenerescência explicava a alienação entre os negros e mestiços, e que muitas vezes, o crime e a alienação andavam de mãos dadas. De modo que seria difícil dizer, a partir dos casos analisados pelo autor, o que vinha antes: o louco ou o criminoso. A única certeza do autor era a de que os negros e mestiços estavam, por suas condições raciais, mais propensos a uma vida criminosa do que os brancos.
6 Considerações finais
Nos anos que trabalhou no Laboratório de Medicina Legal da Faculdade de Medicina da Bahia, Nina Rodrigues deve ter visto muitos casos de crimes cometidos por negros e mestiços, mais do que por brancos, com certeza. Neste artigo, teve-se por intuito mostrar as formas pelas quais o médico procurou explicar tais índices de criminalidade de acordo com as teorias que estavam em voga na época. Raimundo Nina Rodrigues foi, neste sentido, um intelectual que dialogou com diversos saberes, principalmente europeus, e buscou adaptá-los à realidade brasileira. Pode-se perceber através das suas obras que há um leve progresso, na falta de palavra melhor, que vai de uma dureza teórica baseada na antropologia criminal até um início de uma percepção do relativismo cultural. No entanto, com a precocidade da morte de Nina Rodrigues jamais saberemos que rumo seus estudos teriam tomado no século XX. Hoje, após anos de luta da população negra contra o preconceito racial (luta esta que ainda perdura dia após dia), sabemos que as teorias que Nina Rodrigues tanto acreditava, já não são mais passíveis de serem levadas a sério. No entanto, rever sua obra nos mostra um pouco do quanto os negros foram tratados como objetos pela ciência no Brasil também, e pode deixar a dúvida do quanto tais estudos contribuíram e contribuem para a compreensão da visão que se tem desta parte da população hoje em dia, não só no senso comum, mas pela própria ciência.
Referências
Corrêa, M. (2001). As Ilusões da Liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil. Bragança Paulista: Editora da Universidade São Francisco.
Jacó-Vilela, A. M., Espírito Santo, A., & Pereira, V. (2005). Medicina Legal nas teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1830-1930): o desencontro entre medicina e direito... Interações , X, 9-34.
Leite, D. M. (1992). O Caráter Nacional Brasileiro. São Paulo: Ática.
Maio, M. C. (1995). A Medicina de Nina Rodrigues: Análise de uma Trajetória Científica. Cadernos de Saúde Pública, 2, 226-237.
Oda, A. M. G. R. (2003) Alienação Mental e Raça: a psicopatologia comparada dos negros e mestiços brasileiros na obra de Nina Rodrigues. Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas, Campinas, SP. Brasil.
Readers, G. (1938). D. Pedro II e o Conde de Gobineau (correspondências inéditas). São Paulo: Companhia Editora Nacional.
Rodrigues, R. N. (1898). Des conditions psychologiques du depeçage criminel. Archives d'Anthropologie Criminelle de Criminologie et de Psychologie Normal et Pathologique , 13, pp. 5-33.
Rodrigues, R. N. (1957). As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil. Salvador: Livraria Progresso.
Rodrigues, R. N. (2006). As Coletividades Anormais. Brasília: Edições do Senado Federal.
Rodrigues, R. N. (2008). Mestiçagem, Degenerescência e Crime. História, Ciência e Saúde - Manguinhos , 15, 1151-1180.
Schwarcz, L. M. (1993). O Espetáculo das Raças. Cientistas, instituições e questão racial no Brasil 18701930. São Paulo: Companhia das Letras.
Schwarcz, L. M. (1996). As teorias raciais, uma construção histórica de finais do século XIX: o contexto brasileiro. In: R. Queiroz, & L. Schwarcz, Raça e Diversidade (pp. 147-185). São Paulo: Edusp. Ventura, R. (1991). Estilo Tropical: história cultural e polêmicas literárias no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras.
Notas
1 A obtenção do título de doutor era dada ao aluno que, depois de cursada a faculdade de medicina, sustentava em público uma "tese, escrita no idioma nacional ou em latim, e impressa à própria custa. A tese compreendia uma "dissertação" e a enumeração de "proposições" que se traduziam, muitas vezes, na transcrição ipsis verbis de aforismos de Hipócrates" (Jacó-Vilela, Espírito Santo, & Pereira, 2005, s/p).
2 Cesare Lombroso (1835-1909), Enrico Ferri (1856-1929) e Rafaelle Garófalo (1851-1934) são considerados os fundadores da Escola Italiana de Criminologia, que tinha por objetivo estudar os aspectos físicos, sociais e psíquicos dos criminosos. Alexandre Lacassagne (1843-1924) foi um criminalista francês, ligado à escola lombrosiana.
NINA RODRIGUES: SUA
DAS MASSAS NOS PRIMÓRDIOS DA PSICOLOGIA SOCIAL BRASILEIRA
O artigo aborda a influência de idéias advindas do Evolucionismo Biológico, Social e da Psicologia das Massas nos primórdios da Psicologia Social brasileira. No final do século XIX, formulações de Spencer e Darwin sobre as culturas e raças influenciaram na estruturação do paradigma do evolucionismo social, o qual foi impulsionado na Bahia por Nina Rodrigues. Ele elaborou descrições de aspectos culturais brasileiros e de tipos humanos e teorizou sobre o movimento social de Canudos. O racismo científico manteve-se hegemônico até a década de 1930. Perdeu terreno; entretanto, o racismo permaneceu como uma categoria ideológica. Na Psicologia Social contemporânea são escassos os estudos sobre o tema. psicologia social; evolucionismo; psicologia das massas
RESUMO OartigoabordaainfluênciadeidéiasadvindasdoEvolucionismoBiológico,SocialedaPsicologia das Massas nos primórdios da Psicologia Social brasileira. No final do século XIX, formulações de Spencer e Darwin sobre as culturas e raças influenciaram na estruturação do paradigma do evolucionismo social, o qual foi impulsionado na Bahia por Nina Rodrigues. Ele elaborou descrições de aspectos culturais brasileiros e de tipos humanos e teorizou sobre o movimento social de Canudos. O racismo científico manteve-se hegemônico até a década de 1930. Perdeu terreno; entretanto, o racismo permaneceu como uma categoria ideológica. Na Psicologia Social contemporânea são escassos os estudos sobre o tema.
Palavras-chave: psicologia social, evolucionismo, psicologia das massas.
A descrição e a análise das primeiras construções científicas na Psicologia Social brasileira demandam uma abordagem histórica, e tal reconstrução necessita considerar o imbricamento entre contexto e atividade humana que ocorre no tempo, sempre ancorado no processo de desenvolvimento sociopsicológico.
Harris (1997), ao abordar a contextualização na história da Psicologia, afirma que sua reconstrução tem largamente ignorado a influência de fatores políticos e ideológicos na trajetória da disciplina, salientando que isto obscurece o modo através do qual o contexto influencia os temas orientadores de pesquisa e os conteúdos dos conhecimentos científicos produzidos.
Buscando compatibilizar tais considerações com a emergência da Psicologia Social brasileira, o presente artigo procura descrever a influência do colonialismo europeu na configuração do paradigma do Evolucionismo Social ou racismo científico, assim como situar o momento de emergência da Psicologia das Massas naquele continente, para que se possa compreender o papel do colonialismo científico, ou seja, a subjugação da primeira articulação brasileira em Psicologia Social às teorias estrangeiras que desqualificavam povos de outros continentes.
Rodrigues (1939)1 aplicou o paradigma ao contexto social baiano no final do século XIX, produzindo conhecimentos sobre aspectos do ambiente cultural, de tipos humanos, do comportamento de grupos e de pessoas envolvidas no movimento social de Canudos. Salientamos que não temos a pretensão de esgotar o assunto, porém oferecer uma contribuição à compreensão da emergência da Psicologia Social brasileira. Os conteúdos sobre os temas acima abordados serão apresentados na seguinte seqüência: do evolucionismo biológico ao evolucionismo social; Nina Rodrigues e o evolucionismo social; Nina Rodrigues e a Psicologia das Massas; Considerações finais.
DO EVOLUCIONISMO BIOLÓGICO
AO EVOLUCIONISMO SOCIAL
Enfocando a questão do paradigma científico, Montero (2001) o conceituou como um modelo científico que incorpora tanto a concepção do sujeito construtor do conhecimento sobre o fenômeno em estudo, quanto uma visão do mundo em que as pessoas vivem e das relações sociais decorrentes. A pesquisadora salientou, então,
Herbert Spencer (1820-1903) pode ser considerado o fundador do racismo científico, a partir de suas elaborações sobre o que denominou de evolucionismo social, quando transplantou, do mundo biológico ao mundo cultural, o modelo das tipologias e dos sistemas classificatórios, implementando a noção de diferenças entre os povos e as sociedades.
Discorrendo sobre o evolucionismo, Spencer (1862/1904) afirmou que os elementos constitutivos da vida passam por modificações, propiciadas pela redistribuição da matéria e do movimento, gerando mudanças que operavam em um continuum do menos ao mais complexo, através de diferentes estágios. Ressaltou que este processo era universal, englobando os organismos e as sociedades.
Spencer (1862/1904) categorizou os povos como superiores e inferiores: os primeiros eram constituídos pelos europeus e os segundos, por indianos e indígenas. Classificou as sociedades, considerando a industrial como civilizada e mais evoluída, devido às suas formas de organização e divisão do trabalho. Nomeou as demais de primitivas, especificando-as como homogêneas, graças à incapacidade dos seus membros de alterar artificialmente as condições de existência e desse modo promover diferenciações econômicas.
Spencer (1862/1904), ao defender a existência de transformações em todas as sociedades e em todas as espécies, assegurou que, nas raças humanas, nem todas as mudanças implicavam em progresso.
Além disso, o autor afirmou que, no processo de evolução social, existia uma luta pela supremacia entre os povos ou entre as pessoas, a qual estabelecia, de forma natural, a superioridade, a persistência do mais forte e a subordinação do mais fraco.
Darwin (1871-1974), influenciado por aspectos da obra de Spencer, elaborou teorizações evolucionistas que demarcavam, naquela época, as noções de superioridade cultural e racial, constitutivas do paradigma vigente. Ressalta-se que a ciência contemporânea se contrapõe às diferenciações calcadas nessa perspectiva, privilegiando a concepção de realidade múltipla e do respeito à diversidade. Ferreira, Calvoso e Gonzalez (2002) acentuam que, na atualidade, o conhecimento, o seu objeto e o sujeito que o formula são concebidos como construções sócio-históricas, que, por isto mesmas, modificam-se no tempo e no espaço.
Não obstante, Santos (1996) assegura que, na atualidade, tanto na antropologia física norte-americana como na brasileira, há uma vertente de investigações cujo enfoque metodológico privilegia marcadores de “ raça” , como, por exemplo, grupos sangüíneos, que em muito se aproximam do enfoque tipológico classificatório do paradigma racista do século XIX.
Retomando Darwin, Blanc (1990/1994) discorreu sobre o caráter racista do livro “ A Origem do Homem e a Seleção Sexual” , de 1871: nesta obra o autor considerou a existência de raças humana divididas em duas categorias. A primeira, composta pelos europeus, conformava a raça dos civilizados e dos povos superiores, enquanto os negros, indianos e indígenas, considerados como selvagens, compunham as raças inferiores.
Alémdisso,Darwin(1871/1974)salientouqueaanálisecomparativaentreasraçaseraindicativadediferenças entre as mesmas na constituição, na aclimatação, na suscetibilidade a determinadas doenças, na capacidade mental e no plano emocional. Enfim, o pano de fundo racista, biologizado, foi bem explicitado pelo autor: Por conseguinte, quando os selvagens de qualquer raça foram constrangidos inesperadamente a mudar de modo de vida, tornaram-se mais ou menos estéreis e a saúde de seus filhos ficou afetada da mesma maneira e pelas mesmas causas que a dos elefantes e do leopardo da Índia, de muitos símios americanos e de uma quantidade de animais de todos os tipos, arrancados de suas condições naturais... Seguramente as raças civilizadas podem suportarmudanças detodos os gênerosmuito melhor do queos selvagens e sob este aspecto fazem lembrar os animais domésticos, pois embora estes últimos às vezes sejam prejudicados em seu estado físico (ex. o cão europeu na Índia), só raramente se tornam estéreis. (Darwin,1871/ 1974, p. 226-227).
Darwin, na sua teorização sobre povos e cultura, ignorou totalmente o papel do processo colonizador a que os povos africanos, indianos e indígenas foram submetidos e sua influência nos modos de vida das populações colonizadas.
A noção de superioridade cultural perpassou a Antropologia, uma ciência em via de estruturação: o antropólogo inglês Tylor (citado por Thompson, 1990/1998), professor da Universidade de Oxford, publicou, em 1871, a obra Primitive Culture, com características oriundas do evolucionismo, afirmando que o confronto
entre os elementos de diferentes culturas, a partir da metodologia empregada na biologia, fornece o caráter científico ao estudo antropológico da cultura. Possibilita, também, a reconstrução do processo de desenvolvimento das espécies humanas, com o objetivo de desvendar os elos que as fizeram evoluir da selvageria à vida civilizada.
Segundo Schwarcz (2000), como um desdobramento das idéias iniciais, a Antropologia estabeleceu o princípio de que o desenvolvimento humano processava-se em etapas, as quais obedeciam a uma rígida seqüência, da mesma forma que os elementos constituintes da cultura e da tecnologia. Construiu também a noção de estágios de desenvolvimento tecnológico, empregando-a como critério para a comparação entre diferentes sociedades.
Tais realizações científicas permitiram dividir a humanidade em graus de maior ou menor desenvolvimento e rotulá-la com uma “ base científica” , haja vista o paradigma eurocêntrico dominante naquela época. Desse modo, naquele período, a justificativa científica para a dominação e a imposição de padrões europeus estava garantida.
A Sociologia também tomou o evolucionismo como fundamento. Schwarcz (2000) sublinhou que, na França, este campo científico destacou a noção de que a evolução da humanidade ocorria nos diferentes estágios de modos de pensar, todos pré-determinados.
Em suma, o cientificismo racista do século XIX não contemplou o processo de opressão e de exploração, nem as implicações sociopsicológicas do colonialismo. A divisão ideológica da humanidade foi ignorada em favor de uma explanação biológica dos fenômenos sociais. Isto mascarou os condicionantes sócio– históricos enquanto fatores responsáveis por diferenças entre culturas, pessoas, inserções e participação humana na vida social.
Conforme Blanc (1990/1994), o pressuposto básico do evolucionismo social, ou darwinismo social, é o de que os sujeitos humanos são desiguais por natureza, dadas as diferentes aptidões inatas que fazem de alguns superiores e de outros inferiores.
Schwarcz (2000) afirmou que o referido paradigma produziu a qualificação das diferenças e a emergência do tema raça como objeto de investigação científica, com os partidários do enfoque classificados em dois grupos: os deterministas raciais, orientados pela suposição de que um grupo racial, e cada indivíduo que dele fazia parte, constituía um agregado de elementos, tanto morais quanto físicos, inerentes à raça da qual faziam parte; os deterministas geográficos, cuja sustentação básica relacionava o futuro de uma civilização a fatores geográficos como o solo, a vegetação e o clima.
Notamos que a concepção de raça subsidiou as formulações científicas, entretanto nenhum dos autores acima citados conceituou o termo. Contudo, podemos inferir que raça significava um grupo humano enquanto variação dentro da espécie, cujas diferenciações denotavam superioridade ou inferioridade em diversos atributos.
Conforme Schwarcz (2000), no final do século XIX, grande parte da intelectualidade brasileira discutia e compreendia questões nacionais a partir do ponto de vista racial e individual.
Ressaltamos que naquele momento da história brasileira ocorriam embates abolicionistas (Mendonça, 1996), bem como a implantação da República e a efetivação de aspectos legais de construção da cidadania (Menezes, 1997), acontecimentos que envolviam os negros e a sua exclusão social.
Podemos citar a própria condição de escravo desde os primórdios do Brasil até o final do século XIX, quando o negro foi incluído na nossa sociedade como mercadoria (Mattoso,1982/1990) e excluído como cidadão. Menezes (1997) aponta a unidade exclusão/inclusão como fenômeno contraditório, na medida em que a inclusão do negro deu-se através de legislações que os excluíam de processos de participação social e expressão de aspectos constitutivos da sua cultura. Cita como exemplo a proibição do direito de votar, só contemplado em 1985, e a do culto religioso e do toque de tambores durante as cerimônias, oficialmente permitidos apenas em 1976, graças à organização dos negros e suas reivindicações (Menezes, 1997). As privações geraram movimentos sociais que visavam àinserção: obtençãode direitos e o exercíciodacidadania (Machado, 1994; Mendonça, 1996).
No contexto do final do século XIX, segundo Schwarcz (2000), as escolas de medicina2 ganharam destaque, no que concerne à produção, difusão e aplicação dos conhecimentos científicos em diferentes instituições
brasileiras, cada qual desempenhando papel relevante na abordagem de diferentes questões, de modos diversos, porém entrelaçados. Schwarcz relatou que coube ao Rio de Janeiro uma atuação centrada na doença, ou seja, em sua erradicação e promoção da saúde (Reis, 2000) e, à Bahia, a atuação centrada no doente, que, segundo Corrêa (1998/2001), significava um enfoque circunscrito ao indivíduo, a partir do qual generalizavase para o grupo social e se inferia sobre a contaminação social.
Conforme Schwarcz (2000), a Escola de Medicina do Rio de Janeiro, partindo das questões de saúde que incomodavam as elites brasileiras, realizou pesquisas vinculadas à higiene pública. Ainda mencionou o combate à miscigenação, sustentado na afirmação de que o adoecimento tinha origem na África e o processo de enfraquecimento da população brasileira era de cunho biológico, decorrente da mestiçagem.
Constatamos que, na Bahia, a Escola de Medicina, a partir da liderança de Nina Rodrigues, teve como um de seus objetos de investigação os movimentos de massa e a figura do seu condutor. Rodrigues (1939), tomando por base os pressupostos do evolucionismo social e a Escola de Criminologia Italiana representada por Scipio Sighele (1868-1913), bem como a Psicologia das Massas, sistematizada pelo francês Gustave Le Bon (1841-1931), produziu estudos relacionando idéias do racismo científico, tipologias, patologias e sistemas classificatórios, para descrever o perfil da população mestiça brasileira, especificar características culturais e raciais dos mestiços e explicar, cientificamente, movimentos de massa a partir do seu condutor, o “ doente”
NINA RODRIGUES E O EVOLUCIONISMO SOCIAL
Em 1890, a partir do olhar antropológico evolucionista social, Nina Rodrigues3, no Terceiro Congresso Médico Brasileiro, realizado em Salvador (Rodrigues, 1939), descreveu os motivos pelos quais a sociedade baiana estava decadente e reinava uma epidemia de beribéri, denominada na época de abasia choreiforme. A mudança da capital para o Rio de Janeiro em 1763, e, posteriormente, a proibição do tráfico atlântico, a configuração do tráfico interno e os ciclos econômicos que tomaram lugar em outras regiões do país, propiciando a emigração de escravos e o enfraquecimento da economia baiana (Mattoso,1982/1990), foram desconsiderados por Rodrigues (1939), quando delegou o retrocesso econômico da Bahia à predominância da raça negra e aos mestiços, que, com suas doenças, costumes e religião, influenciavam a população. Rodrigues (1939) assegurou que os intitulados de mestiços ou pardos não conformavam uma raça, porém produto da fusão das raças negra, indígena e branca, ao tempo em que os classificou como um grupo composto de mulatos, decorrente da miscigenação entre o branco e o negro; mamelucos, descendentes dos mestiços do branco com o índio ou do branco com o mulato portador de mais características do negro. Os concebeu, do ponto de vista do racismo científico, como seres inferiores, dada a influência de seus ancestrais selvagens: os negros e os povos indígenas.
Concluiu que tanto a decadência do Estado quanto o caráter epidêmico da doença conformavam uma enfermidade, decorrente de uma predisposição vesânica ou neuropata, transmitida pelo contágio por imitação, a qual operava em um meio caracterizado por circunstâncias múltiplas: meteorológicas, étnicas, políticosociais e patológicas.
Ainda referenciando-se no Evolucionismo Social, Rodrigues (1939) abordou a diversidade religiosa dos negros e mestiços, qualificando-a como inferior e contaminadora da população branca.
Citou que o monoteísmo, característico do europeu, socialmente mais evoluído, entrava em conflito com o feitiço dos africanos e com a astrolatria dos indígenas. Rodrigues (1939) afirmou que a própria catequese, cujo interesse era a conversão religiosa dos povos ditos inferiores, apenas gerava conflitos perenes entre a necessidade de manifestação de sentimentos religiosos inferiores e o constrangimento decorrente de uma perspectiva educativa assentada em idéias abstratas, muito superiores ao alcance da capacidade mental dos denominados de inferiores.
Em artigo originalmente publicado no ano de 1897, na Revista Brasileira, Rodrigues (1939) voltou a fazer alusão aos mestiços brasileiros, desta vez especificando um tipo, os jagunços. Conceituando-os como todos os guerrilheiros habitantes dos sertões do Brasil, aquele pesquisador desenvolveu um sistema classificatório que diferenciava os mestiços habitantes das zonas rurais dos mestiços residentes no litoral.
Aos primeiros qualificou como guerreiros e incultos, dado o ambiente em que residiam, a herança cultural e a herança biológica. Os litorâneos, apesar de viverem em ambientes mais intelectualizados das cidades, também
foram considerados como inferiores: conformavam um tipo não viril e imprestável, que abarcava os patológicos, os degenerados inferiores, assim como os talentos superficiais e retóricos, dotados de uma fácil e transitória inteligência. Após realizar tal classificação, Rodrigues (1939) estudou o mestiço sertanejo. Retomando os sertões, Rodrigues (1939) descreveu o espaço rural onde a população interiorana residia como aquele que prescindia da civilização européia e se encontrava em estágio mais atrasado de evolução cultural. Quanto à população, classificou-a como composta pela burguesia, comprometida com tendências ao feudalismo e pela massa popular, empenhada nas lutas de represálias selvagens, oriundas das tribos bárbaras. Adicionou que neste contexto surgiu um mestiço, o jagunço, reprodutor, em sua compleição física, de características antropológicas combinadas das raças que o originaram. Enfim, Rodrigues (1939) caracterizou o jagunço como produto do hibridismo, que articulava as qualidades viris de antepassados selvagens às características de uma civilização rudimentar, simplificando, de forma racista, a caracterização psicossocial de tal grupo humano.
Estava delineada a descrição antropológica que daria sustentação à sua análise de movimentos sociais.
NINA RODRIGUES E A PSICOLOGIA DAS MASSAS
Matamala (1980) explicita que na Europa o interesse pelo estudo das massas contextualizava-se nas conseqüências das transformações políticas e tecnológicas decorrentes da Revolução Francesa e da Revolução Industrial. Como desdobramento surgiram as aglomerações urbanas, as fábricas, os movimentos operários e um novo tipo de comportamento: o coletivo.
Rodrigues (1939), inspirando-se na produção científica de europeus que tornava patológicos os conflitos da vida cotidiana, situou os seus estudos sobre movimentos de massa como constitutivo da Psicologia Social. DaEscoladeCriminologiaItalianaelegeuScipioSighele,considerando-oprecursordaPsicologiadas Massas. Construindo suas teorias a partir dos conflitos decorrentes da Revolução Francesa, Sighele (citado por Rodrigues, 1939) abordou o fenômeno das multidões como produtor de um estado psicológico coletivo, o qual despersonalizava cada um dos seus constituintes.
Matamala(1980)mencionaqueaEscoladeCriminologiaItaliana,aoestudarareatividadedas pessoas quando faziam parte das massas, e afirmar que elas se transformavam coletivamente em violentas, atacando, matando ou saqueando, qualificou o termo massa de forma pejorativa, sempre ligando-o à patologia.
Para Sighele (citado por Rodrigues, 1939), a multidão resultava da aglomeração de pessoas, de onde emergia o contágio coletivo da cólera, transformador dos sentimentos: da irritação ao estado de furor, com a emoção da cólera irradiando-se para todos, através do contato face a face. A multidão, considerada como sensível à emoção comunicada por seu chefe, através da gesticulação, da palavra ou das atitudes, transformava-se em passional. Todavia, Sighele (citado por Rodrigues, 1939), não situou a passionalidade como um estado de loucura inerente à multidão ou ao seu condutor.
Neste ponto, Nina Rodrigues discordou do autor italiano e incorporou aos seus estudos tanto o trabalho publicado por Le Bon sobre a Psicologia das Massas, quanto os sistemas classificatórios da loucura característicos da psiquiatria francesa da época.
Gustave Le Bon (citado por Matamala, 1980) enfocou o tema das massas numa perspectiva psicossociológica, fundamentando-o a partir do comportamento das pessoas em determinadas circunstâncias. Acrescentou que na produção de Le Bon o conceito central era a “ alma da massa” , significativo da despersonalização das pessoas que a constituíam.
Para Le Bon (citado por Matamala, 1980), “ a alma da massa” era o espírito coletivo, onde as mentes pessoais davam lugar à mente coletiva, retirando de cada um a individualidade. Em decorrência, as pessoas transformavam-se em sujeitos sem vontade própria, sendo portadores das mesmas intenções e emoções do seu condutor. No processo, os seres humanos perdiam o controle sobre os instintos mais primários e passavam a reagir irracionalmente, emotivamente, de modo extremo, irresponsável e irritável.
De acordo com Le Bon (citado por Matamala, 1980), devido a tais características as massas tinham natureza feminina. Não é demais acrescentarmos que Darwin (1871/1974) defendeu a superioridade racional e intelectual masculina, qualificando a mulher como ser portador de mais emocionalidade e irracionalidade e menor inteligência.
Fundamentado em tais ingredientes, NinaRodrigues, em 1897, elaborou sua interpretação sobre os fenômenos de massa.
Segundo Rodrigues (1939), existe uma loucura que raciocina, e, na loucura das multidões, existe um louco que a conduz, cuja lucidez, convicção e semelhança em seus delírios faz com que as pessoas normais a ele se associem. A loucura, então, é um estado psicológico característico da multidão e esta, mais que uma reunião de pessoas, é uma associação psicológica.
Outra especificidade da multidão que Rodrigues (1939) delimitou foi a sua individualidade, decorrente da coletividade: esta difere da constituição mental de cada pessoa em separado, permitindo que, no coletivo, além da dissolução da pessoalidade, desapareçam também as desigualdades, as diferenças, e se forme uma unidade psicológica, caracterizada pela impulsividade primitiva e pela inconstância.
Para além da multidão, Rodrigues (1939) formulou o conceito de estado da multidão como o estado passional de exaltação coletiva, cuja especificidade era a de fazer submergir o controle cerebral, a personalidade e o discernimento. Tal estado, deflagrado pelo contágio mental e pela excitação de um dado momento, requeria uma causa próxima para eclodir: “ o meneur” , chefe, diretor da multidão. Também ressaltou que na multidão existiam os mais exaltados e sensíveis às sugestões que, inconscientemente, ajudavam a conduzi-la. O estado seria transmissível com facilidade às pessoas predispostas, pois estas não eram capazes, naquela situação, de avaliar as conseqüências dos seus atos.
Acerca da dinâmica das multidões, Rodrigues (1939) enfatizou que a violência poderia produzir um estado delirante transitório e, como conseqüência, as emoções violentas modificavam-se, dando lugar a estados mórbidos. O crescimento das aglomerações, a intensidade das emoções e a repercussão da sugestão dos sentimentos propiciavam a transformação da cólera dos “ meneurs” em um estado patológico. Na dinâmica, os chefes transmitiam à multidão, por contágio, a loucura e os sentimentos decorrentes.
A partir do exposto, perguntamos: qual a relevância deste aporte teórico para a sociedade brasileira do final do século XIX?
NINA RODRIGUES E O ESTUDO DO MOVIMENTO SOCIAL DE CANUDOS
Na história brasileira, o advento da República instaurou a separação entre a Igreja e o Estado e a secularização dos cemitérios e instituiu o casamento civil, com o clero postando-se contra as reformas (Rodrigues, 1939).
Rodrigues (1939) relatou que as instituições edificadas pelo governo do final do século XIX, como o governo municipal autônomo e o funcionamento dos tribunais, foram ignoradas nas regiões sertanejas. O compromisso da burguesia continuou a ser com a organização feudal e o da massa popular com as lutas selvagens.
Neste panorama político, tomou lugar, nos sertões da Bahia, a luta de Canudos, dirigida por Antônio Conselheiro. Rodrigues (1939) observou que foi a primeira realizada no Brasil contra a proclamação da República e, conseqüentemente, a favor da monarquia.
Nina Rodrigues estudou o fenômeno, classificando sua produção como inerente à Psicologia Social, o que era compatível com o enfoque psicossocial da Psicologia das Massas européia. Incorporou suas idéias evolucionistas sociais sobre a cultura e os mestiços dos sertões, além da sua versão sobre a Psicologia das Massas.
Orientado por uma perspectiva que deveria explicar o movimento social através da figura do seu condutor, dadas as suas próprias características evolutivas, assim como as dos seus seguidores, Rodrigues (1939) atribuiu a Antônio Conselheiro a condição de louco, justificando-a a partir do que ouvira falar sobre ele e a sua família.
Apoiando-se nisto, ressaltou que, apesar de ter informações confusas, o estado de loucura que atribuiu a Conselheiro era plenamente diagnosticável enquanto psicose primitiva, identificada em três estágios –período de organização do delírio crônico de perseguição; período de delírio religioso e período de delírio político – e em três fases de sua vida – do nascimento à separação conjugal; a fase de missionário e da fase de postar-se contra os maçons e a igreja, que havia reatado com a República.
Após a morte de Conselheiro, juntamente com um colega, Rodrigues (1939) realizou sua craniometria4, concluindo que, apesar de os índices craniométricos serem normais, o crânio denotava a sua condição de mestiço.
Em sua explanação científica, Rodrigues (1939) perpassou o contexto do campo, a loucura de Antônio Conselheiro e a contaminação das massas, na explicação do movimento social, sempre fundamentando-se no evolucionismo social, como se segue:
Nocampo, aselitesburguesasestãolongedoestágiodecivilizaçãoededesenvolvimentomentalcaracterístico da raça européia, o mesmo ocorrendo com as massas mestiças de onde emerge o jagunço, intelectualmente inferior e movido por instintos primitivos herdados de seus antepassados. Esta era a etapa evolutiva por que passavam as populações sertanejas, guerreiras e nômades.
Nossertões travava-seumalutaentreosquedetinhamopodereaquelesqueoalmejavam.Pelopróprioestágio evolutivo em que se encontravam, os jagunços eram, religiosamente falando-se, politeístas. Tais especificidades caracterizavam a crise social e religiosa que atravessavam.
Em ambiente propício, surgiu a loucura de Antônio Conselheiro, decorrente de uma predisposição hereditária, pois descendia de uma família com recursos, porém belicosa.
Sua loucura provocou a contaminação das massas, geradora de condições para a emergência das qualidades atávicas dos jagunços, ou seja, o espaço para a satisfação dos instintos guerreiros. Rodrigues (1939) destacou a presença de Conselheiro como um sujeito ativo, criador de delírio, que impunha à multidão, representante do fator passivo do contágio. Porém, tal multidão, inicialmente passiva, reagia ao elemento ativo, graças à passionalidade e às emoções irracionais, numa coordenação com o delírio, compartilhado por todos.
O estudo realizado por Nina Rodrigues, apesar de levar em conta algumas questões político-sociais inerentes à vida no campo, as ignorou na análise da vida de Conselheiro e na explicação da luta de Canudos. Ignorou, dentre outras coisas, o provável abalo na reputação social de Conselheiro, ao ter a mulher fugindo com outro e prováveis chacotas decorrentes. Será que esta não foi a condição que o levou a brigar com o cunhado e feri-lo, após a sua separação, e não a loucura, como explicou Rodrigues (1939)?
Ainda ignorou o uso que a Igreja fez de Conselheiro, quando lhe convinha, e o seu abandono por aquela instituição, a partir do momento em que não lhe era mais útil: o momento da sua reconciliação com o Estado, ao reconhecer a República.
A análise é reduzida à figura de Antônio Conselheiro, o que evidencia a concepção de ser humano como entidade, a desqualificação dos povos não-europeus, característica do Evolucionismo Social, bem como a desconsideração dos movimentos sociais, característica da Psicologia das Massas.
Galvão (2001) traça o panorama político-social da época e afirma que o massacre em Canudos foi apenas um caso de manipulação política.
O trabalho científico de Rodrigues (1939), aqui abordado, denuncia a sua posição ideológica compatível com a das elites políticas. Montero (1994) conceituou a ideologia como um modo de ocultar e distorcer questões da vida cotidiana, pela mediação da linguagem tanto científica quanto do senso comum. A autora sublinhou que a linguagem é a via de apoio dos argumentos que sustentam a ideologia, difundidas, mantidas, reformuladas ou transformadas nas práticas sociais.
Retomando Harris (1997), pode-se concluir que o enfoque elaborado por Rodrigues (1939), já descrito, demonstra, mais uma vez, o comprometimento contextual e ideológico das teorias. No presente caso o compromisso foi com as elites repressoras e opressoras.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Corrêa (1998/2001) realizou um estudo sobre a trajetória e a obra de Nina Rodrigues, no qual aponta a amplitude dos temas que foram pesquisados pelo investigador na Bahia, como, por exemplo: as doenças que afetavam os baianos, notadamente o beribéri; os estudos de cunho psicopatológico sobre segmentos da população epropensões àsdoenças; aquelesrelativosàscaracterísticasdasdenominadasraçasqueconstituíam a população; o trabalho sobre Canudos; as investigações sobre os africanos no Brasil; a pesquisa sobre a religião dos africanos, sua influência na população branca e o sincretismo religioso.
Habilidoso em construir referenciais teóricos que possibilitassem a análise e a interpretação de fenômenos psicossociais, Rodrigues (1939)soube, muito bem, classificaro seu trabalho referente à Psicologiadas Massas no campo da Psicologia Social.
Ramos (1936) oferece uma pista para a compreensão de tal pertinência: declarou que, ainda em 1936, era difícil definir o que seria Psicologia Social. Cita como uma das conceituações empregadas “ um campo de estudos aplicados” (p.11).
Rodrigues (1939) provavelmente assim a concebia, pois, incorporando conteúdos europeus, realizou interpretações fundamentadas no evolucionismo social, acrescentando conteúdos da Escola de Criminologia Italiana, representada por Scipio Sighele, e da escola francesa, representada por Gustave Le Bon, para caracterizar os mestiços brasileiros, analisar e explicar o movimento social de Canudos. Corrêa (1998/2001) aponta que a interpretação de Canudos por Nina Rodrigues não foi a única em sua época, citando a de Euclides da Cunha. Apesar das diferenças, ambas compartilham do determinismo geográfico, característico do evolucionismo social, identificável em Nina Rodrigues no trabalho realizado por Corrêa (1998/2001) e, em Euclides da Cunha naqueles de Lima (1998), Venâncio Filho (1998) e Santos (1998). Rodrigues (1939) também adicionou a concepção de que a personalidade era objeto de estudo da Psicologia
Social das Massas, enfocando a do seu condutor na luta de Canudos e a intitulada despersonalização da multidão que o acompanhava. Atribuiu a responsabilidade do movimento à loucura de Antônio Conselheiro, vitimizando a coletividade que o construiu, o que, do ponto de vista político e ideológico, redundou em uma concepção mascaradora de conflitos sociais brasileiros.
O paradigma do racismo científico manteve-se hegemônico até a década de 1930. Galvão (2001) esclarece que, a partir de 1950, novas pesquisas foram realizadas, as quais desacreditaram a interpretação de Nina Rodrigues. Oacontecimento foiressignificado comoumaexperiência que buscou implantaroutraorganização social. Compatível com esta afirmação, a autora observa que Monte Belo constituiu-se de uma comunidade administradaporAntonioConselheiro,compostapordiferentespessoas:negros,índios,pequenos fazendeiros, comerciantes, curandeiros, artesãos e professora, as quais ocupavam diferentes postos, inclusive havendo os de chefe civil e militar.
Segundo Corrêa (1998/2001), Nina Rodrigues tomou o negro como objeto de estudo e suas pesquisas sobre este foram as mais bem-sucedidas na sua trajetória profissional.
Ribeiro (1995), por exemplo, demonstra que a concepção construída por Nina Rodrigues foi incorporada nas representações sociais de funcionários da justiça no Rio de Janeiro, entre os anos de 1900 a 1930, ao transformarem os atos em autos. Um dos resultados do seu estudo explicita que os homens pretos denunciados pela prática do assassinato contra brancos apresentavam maior probabilidade de serem condenados.
Ribeiro (1995) esclarece que as representações sociais dos funcionários eram compatíveis com afirmações de Nina Rodrigues sobre os negros: devido ao seu atraso cultural, tinham a tendência biológica para o crime. Acrescenta que o enfoque da Escola Positiva do Direito Penal, influenciada por Nina Rodrigues, ainda opera no cotidiano brasileiro.
A Psicologia brasileira não ficou imune às influências do evolucionismo social. O legado foi a produção de uma Psicologia branca. Bento (2002) relata que o embranquecimento colocou o branco como o sujeito representativo da humanidade e modelo universal da espécie humana. Assegura que este processo foi criado e é mantido pela elite branca brasileira, mas, contraditoriamente, a mesma afirma que o branqueamento é uma questão do negro.
A história da Psicologia nacional indica a ausência da realização de pesquisas sobre o racismo na primeira metadedo século XX.Penna(1992) descreve um conjuntodetrabalhos realizados naqueleperíodo,nomeando pioneiros que contribuíram para a consolidação da disciplina no nosso país. Discorre sobre o emprego de teorias psicológicas, sobre a elaboração de pesquisas orientadas pelo método experimental, sobre atividades práticas vinculadas às áreas da educação e do trabalho, porém seu estudo é indicativo de que a questão racial não foi contemplada.
Hasenbalg (1996) esclarece que, no Brasil, o período entre 1965 e o final da década de 1970 não foi propício para as investigações sobre relações raciais, porque a ditadura militar considerou a questão como de “ segurança nacional” (p.239).
Ferreira (1999), já no final do século XX, analisou 4909 publicações que faziam parte dos acervos das bibliotecas de Psicologia da Universidade de São Paulo e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, as quais cobriam o período de 1987 a 1998. O resultado do trabalho indicou a existência de apenas doze publicações “ que incluíam a temática dos afro-descendentes” (p.73).
Jodelet (1999) argumentou que os psicólogos sociais necessitam se engajar em pesquisas sobre o racismo. Por que, no final do século XX, emerge um convite à realização de investigações sobre o tema na Psicologia Social? Certamente, devido à hegemonia da Psicologia branca, o problema ainda não faz parte da agenda de pesquisa privilegiada pela Psicologia Social. Necessário se faz incluí-lo.
Referências bibliográficas
Bento, M.A.S. (2002). Branqueamento e branquitude no Brasil. Em I. Carone, M.A.S. Bento (Orgs.), Psicologia social do racismo (pp. 25-57). Rio de Janeiro: Vozes.
Blanc, M. (1994). Os herdeiros de Darwin (M. Barros, Trad.) São Paulo: Página Aberta. (Trabalho original publicado em 1990).
Corrêa, M. (2001). As ilusões da liberdade: a escola Nina Rodrigues e a antropologia no Brasil Bragança Paulista: EDUSF. (Originalmente publicado em 1998).
Darwin, C. (1974). A origem do homem e a seleção sexual. (A. Cancian e E.N. Fonseca, Trads.) São Paulo: Hemus. (Trabalho original publicado em 1871).
Ferreira, R.F. (1999). A construção da identidade do afro-descendente: a psicologia brasileira e a questão racial. Em J. Bacelar, C. Caroso (Orgs.), Brasil: um país de negros? (pp. 71-86). Rio de Janeiro: Pallas.
Ferreira, R.F., Calvoso, G.G. & Gonzalez, C. B .L. (2002). Caminhos da pesquisa e contemporaneidade. Psicologia Reflexão e Crítica 15 (2), 243-250.
Galvão, W. N. (2001). O império de Belo Monte :vida e morte de Canudos São Paulo: Fundação Perseu Abramo.
Harris, B. (1997). Repoliticizing the history of psychology. Em D. Fox, I. Prilleltensky (Orgs.), Critical psychology: an introduction (pp. 21-33). London: Sage.
Hasenbalg, C. (1996). Entre o mito e os fatos: racismo e relações raciais no Brasil. Em M.C. Maio, R. V. Santos (Orgs.), Raça, Ciência e Sociedade (pp. 235-249). Rio de Janeiro: Fiocruz.
Jodelet, D. (1999). Os processos psicossociais da exclusão. Em B. Sawaia (Org.), As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social (pp.53-66). Petrópolis: Vozes.
Lima, N.S. (1998). Missões civilizatórias da República e interpretação do Brasil. História, Ciências, SaúdeManguinhos. V (Suplementação), 163-193.
Machado, M.H. (1994). O plano e o pânico: os movimentos sociais na década da abolição. São Paulo: UFRJ/EDUSP.
Matamala, M.F. (1980). Psicologia social. (M.L. Aragão, Trad.) Barcelona: Ediciones CEAC. (Trabalho original publicado em 1980).
Mattoso, K. Q. (1990). Ser escravo no Brasil (J. Amado, Trad.) São Paulo: Brasiliense. (Trabalho original publicado em 1982).
Mendonça, J..M.N. (1996). A arena jurídica e a luta pela liberdade. Em L.M. Schwarcz, L.V.S. Reis (Orgs.), Negras imagens (pp. 117-137). São Paulo: EDUSP.
Menezes, J. (1997). Inclusão excludente: as exclusões assumidas. Em J.T. Santos (Org.), Educação e os afrobrasileiros: trajetórias, identidades e alternativas (pp. 9-46). Salvador: Novos Toques. Montero, M. (1994). Estratégias discursivas ideológicas. Em S.T.M. Lane, B. Sawaia (Orgs.), Novas veredas da psicologia social (pp. 83-96). São Paulo: EDUC/Brasiliense. Montero, M (2001). Ethics and politics in psychology. The International Journal of Critical Psychology. 6, 81-98.
Penna, A.G. (1992). História da psicologia no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Imago. Ramos, A. (1936). Introducção à psicologia social. Rio de Janeiro: José Olympio. Reis, J.R.F. (2000). “ De pequenino é que se torce o pepino” : a infância nos programas eugênicos da Liga Brasileira de Higiene Mental. História, Ciências, Saúde-Manguinhos. VII(I), 135-157.
Ribeiro, C.A.C. (1995). Cor e criminalidade Rio de Janeiro: UFRJ. Rodrigues, N. (1939). As collectividades anormaes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Santos, R.V. (1996). Da morfologia às moléculas, de raça a população: trajetórias conceituais em antropologia física no século XX. Em M.C. Maio, R. V. Santos (Orgs.), Raça, ciência e sociedade (pp. 125-139). Rio de Janeiro: Fiocruz.
Santos, R.V. (1998). A obra de Euclides da Cunha e os debates sobre mestiçagem no Brasil no início do século XX: Os sertões e a medicina antropologia do Museu Nacional. História, Ciências, SaúdeManguinhos. V(suplementação), 237-253.
Schwarcz, L. M. (1993). O espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das Letras. Schwarcz, L. M. (2000). Raça como negociação. Em M.N.S. Fonseca (Org.), Brasil afro-brasileiro (pp.1138). Belo Horizonte: Autêntica.
Spencer, H. (1904). First principles Londres: Williams e Norgate (Originalmente publicado em 1862).
Thompsom, J.B. (1998). Ideologia e cultura moderna. (Grupo de estudos sobre ideologia do Instituto de Psicologia da PUCRS, Trad.) Petrópolis: Vozes. (Trabalho original publicado em 1990).
Weber, B.T. (1998). Positivismo e ciência médica no Rio Grande do Sul: A Faculdade de Medicina de Porto Alegre. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 5(3), 583-601.
Venâncio Filho, P. (1998). Os sertões: atualidade e arcaísmo na representação cultural de um conflito brasileiro. História, Ciências, Saúde-Manguinhos. V (Suplementação), 73-91.
1 Na verdade, a maioria dos trabalhos realizados por Rodrigues, que constituem o livro publicado em 1939, foram realizados e socializados, respectivamente, nos anos de 1890, 1897 e 1898. Apenas no último capítulo da obra, "os mestiços brasileiros", não há alusão ao ano em que foi redigido ou publicado. Nina Rodrigues faleceu no ano de 1906.
2 Schwarcz (1993) informa que as Faculdades de Medicina na Bahia e no Rio de Janeiro foram criadas em 1808. Weber (1998) relata que a Faculdade Livre de Medicina e Farmácia de Porto Alegre foi fundada em 1898, mas sua equiparação às duas anteriormente citadas só foi efetivada pelo governo federal em 1900.
3 Corrêa (1998/2001) reconstrói aspectos da biografia de Nina Rodrigues (1862-1906), ressaltando as dificuldades para a realização da mesma. Informa que era maranhense, de família abastada, médico diplomado pela Escola de Medicina do Rio de Janeiro, cidade onde iniciou a sua vida profissional. Todavia, fixou residência em Salvador, onde foi professor e pesquisador da Faculdade de Medicina, exercendo uma grande influência, que culminou com a articulação da denominada Escola de Nina Rodrigues.
4 Corrêa (1998/2001) conceitua a craniometria como a utilização de mensurações cefálicas para a análise antropométrica. Expõe que a interpretação de índices cranianos obtidos através do emprego desta técnica fundamenta-se na concepção de evolução mental, propiciadora do translado de dados morfológicos para a dimensão psicológica do ser humano.