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I. XAVIER DE CARVALHO
26 de agosto de 1872 -1944
I. Xavier de Carvalho é o nome literário de Inácio Xavier de Carvalho, que nasceu em São Luís, Maranhão, em 26 de agosto de 1872. Formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito do Recife, após o que retornou ao Maranhão, onde ingressou na magistratura, exercendo sucessivamente os cargos de promotor público e juiz municipal, acumulando-os com a cátedra de Literatura, no Liceu Maranhense. Transferindo-se para Minas Gerais, ali foi nomeado para Abaeté, como juiz municipal. Chamado ao Amazonas, exerceu ali o cargo de procurador-geral do Estado. Em 1917, foi nomeado juiz federal substituto da Seção do Pará. Extinta a magistratura federal nos Estados, foi aposentado. Tomou parte ativa no movimento literário de sua terra natal, liderado pela “Oficina dos Novos”. No seu livro Subsídios para a história Literária do Maranhão, Antônio Lôbo refere-se ao “transviamento” do promissor talento de Inácio Xavier de Carvalho que, com suas Missas Negras se tinha incorporado ao movimento dos decadentistas e nefelibatas; e citava, dentre as suas produções, o soneto que lhe pareceu mais aproximado do parnasianismo, para fundamentar o elogio que fazia dos dons naturais do jovem poeta... Xavier de Carvalho deixou numerosa colaboração nos jornais e revistas do Maranhão, do Pará e do Amazonas. Era membro das Academias Maranhense e Paraense de Letras. Residia nos seus últimos tempos no Rio de Janeiro, onde faleceu, em 17 de maio de 1944.
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Obras Poéticas: Frutos Selvagens (1892-1894), São Luís Maranhão; Missas Negras, Manaus,1902; Parábolas; Caixa de Fósforos, versos satíricos. 184
CHEGANDO...
II
D’onde venho não sei... Venho de faina em faina Misterioso a correr desolado e tristonho... Venho talvez de um céu onde a dor não se amaina Ou, quem sabe? Talvez dos infernos do Sonho!
Fica a terra queimada onde meus pés eu ponho... - De entre as dobras cruéis desta minha sotaina
183 Muricy, Andrade. Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro. 2.ed. Brasília: Ministério da Educação e Cultura/Conselho Federal de Cultura/Instituto Nacional do Livro, 1973. v.1, p.553-555. http://www.guesaerrante.com.br/2005/11/30/Pagina388.htm 184 De Carvalho, I. Xavier. Missas Negras. Manaus: Livraria Universal de M. Silva & C. 21, 1902. p.05-40.)
O gemido fatal que do meu lábio escapa Faz tremerem os reis...e até tu mesmo, ó Papa, Deixas rolar da mão o báculo que trazes...
E ao fulgor infernal de meus olhos à tona Sinto que ao meu olhar tudo se desmorona, Que a sociedade atual estremece nas bases!
III
Venho, em nome do Céu, atroando pelo espaço A busina da Dor, sombria e merencórea... - Venho quase a morrer, de fracasso em fracasso, Para depois viver de Vitória em Vitória!
Meu peito não é mais que uma tumba marmórea A destilar o Mal e o Bem por onde eu passo... -Trago repleto o olhar de pedaços de Glória, -Tudo morre e sucumbe ao poder do meu braço...
Sou Lusbel e sou Deus! Nasci do mar na espuma Ou da terra no chão! Sou tudo e nada em suma... -Sobre mim do Universo a atenção se concentra,
Pois desejo afinal, com as palavras em Jogo, Envolver a mulher em círculos de fogo Para, em nome do Céu, infecundar-lhe o ventre!
AGOSTO
(Em meu aniversário)
Quem acaso nascer nas desoladas Segundas-Feiras d’este mês odioso Matará, entre as pálpebras inchadas, Em dilúvios de Lágrimas, o Gozo...
E, entre destroços de Ilusões Fanadas, No alto do céu do coração choroso Terá mágoas de pássaros seu pouso, Constelações de Crenças Apagadas
Terá, nos olhos, sombras de esqueletos E Ironias fatais de Risos Pretos, Em contrações de boca pelo rosto...
E morrerá sem ter vivido em suma! Por isso, poeta, é que nasceste numa Segunda-Feira fúnebre de Agosto!
TÍSICAS
(A um amigo cuja noiva a tuberculose matou)
Não sei por que, sob as pestanas pretas Dos tristes olhos das tuberculosas, Em vez de lírios e em lugar de rosas, Deus plantou dois canteiros de violetas...
Por que as prendeu em mórbidas grilhetas, Cheias de tosse débeis e queixosas... Por que as fez tão franzinas e nervosas, Fracas e frágeis como as borboletas!
Porque às faces sem cor dessas vencidas Pôs o traço das noites mal dormidas Entre olheiras de anêmonas e goivos!
Por que as leva, por fim, de olhos risonhos, Em suplícios tantálicos de Sonhos De entre as almas agônicas dos Noivos!
CRENÇAS
Meu coração é um campo santo cheio De céus sem luz e músicas sem claves, É um cemitério vasto em cujo seio Vê-se uma Igreja de alvacentas naves...
De sobre as amplas cruzes que há no meio Do chão, por entre as catacumbas graves O fogo-fátuo trêmulo do Anseio Matou as flores e espantou as Aves...
Ali, quando alta noite o som das onze Chora magoado no saudoso bronze Em vibrações nostálgicas e imensas,
Abrem-se as covas e, em montões de escombros, Alvas mortalhas carregando aos ombros, Passa um bando esquelético de Crenças!
A UM RICO
Das nuvens cor de rosa da opulência Tentas em vão bater a Desventura, E, no entretanto, quanta noite escura, Em vez de auroras, veste-te a existência!
Quantos desses que vivem na indigência Dos restos do que comes à procura, Mais do que tu não vivem na Ventura -Da pobreza na pálida aparência?
Quantos desses que dentro dos farrapos De uns, em pedaços, miseráveis trapos Que lhes servem de capa ao corpo nu,
Quantos desses que míseros, sem nome, Se revolvem no pélago da fome Não são mais venturosos do que tu?
A UM JOGADOR
Tu’alma, essa infeliz de vícios farta, Num baralho, a correr, toda se encerra. Teu pão é o trunfo, teu futuro é a carta, Numa marcha de escândalos que aterra!
O pano verde: - eis tudo! – Sobre a terra Chovam raios de fogo e o céu se parta! Tua idéia, quem pode emocionar-t’a Embora o mundo se arrebente em guerra?
No az, no rei, na dama, no valete, Dois e três, quatro e cinco, seis e sete, E nas mais cartas teu porvir se perde!
Tens a honra escondida nas cartadas, Nos ouros e nos paus, copas e espadas, Na atração infernal do pano verde!
A UM COVEIRO
Constantemente o sino a ouvir terrível Em por defuntos, prolongar os dobres, Tu que colocas todos num só nível: - Fidalgos e plebeus, ricos e pobres;
E em pás de terra tristemente encobres Os vis despojos da existência horrível Dando todo o vigor dessas mãos nobres Em prol do sono último e infalível; Tu que roubas o morto à luz e ao mundo Ao cavar-lhe o jazigo – faze-o fundo, O mais fundo, o mais fundo que puderes!
Se a carne após o túmulo inda sonha Livrá-la-ás ao menos da vergonha De ouvir missas, latins e misereres.
A UM CARRASCO
Quando da forca, tristemente à borda Fores executar um condenado - Nunca tragas o peito contristado, Nunca tremas a mão – puxando a corda!...
Mal o infeliz tu tenhas enfrentado Das misérias da Vida te recordas! Dos pulsos teus todo o vigor acorda E quanto antes enforca o desgraçado...
Não tens a maldição, como alguns pensam Pelo contrário, fazes jus à bênção Do executado a quem tiraste a vida...
Se a cabeça que cai do cadafaldo Pudesse, acaso, te correr no encalço Te beijaria as mãos, agradecida!
NOIVAS MORTAS
Essas que assim se vão, fugindo prestes De ao pé dos noivos, carregando-os n’alma, Amortalhadas de capela e palma Em demanda dos páramos celestes;
Essas que, sob o horror que a morte espalma, Vão dormitar à sombra dos ciprestes Em demanda dos páramos celestes Amortalhadas de capela e palma;
Essas irão aos céus, de olhos risonhos, Por entre os Anjos, pela mão dos sonhos, De asas flaflando em trêmulos arrancos,
De Alvas Grinaldas pelas tranças frouxas, De olhos pisados e de olheiras roxas, Todas cobertas de Pecados Brancos.
POETA
Sobre o largo portal do castelo onde mora Meu grande coração de escritor insubmisso, Inundada na luz de um resplendor de aurora, Há uma lira de Rei feita de ouro maciço.
Ao meu trono enfrentar, trono de ouro inteiriço, Curvam-se as vibrações da Palavra Sonora... -E, embora seja o aplauso obrigado e postiço, As mãos de muitos reis batem-me palma, embora!
Um soneto ao fazer, cheio de versos lautos, Partem do meu palácio uma porção de arautos, Lembrando o meu poder pela voz de cem trompas!
E os vendilhões, então, do amplo templo do Metro Fogem em debandada ao fulgor de meu cetro Feridos pelo Estilo e embriagados de Pompas!