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IVAN CELSO FURTADO SARNEY COSTA
13 de maio de 1945.
Geração Cassas Antroponáutica
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O ensino fundamental e médio cursou-os no Liceu Maranhense. Formou-se em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal do Maranhão. Na Escola de Administração Pública do Estado, fez o curso de Administração de Empresas. Homem culto, versátil, cuja ordenação do conhecimento, nas décadas de 70 e 80, lhe permitiu acesso a leituras de poetas de primeira linha, como Pablo Neruda, Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, T.S. Eliot, Maiakovski, Manuel Bandeira, dentre outros. Afora isso, há a carga de vivência pessoal que, para os escritores, é sempre o lastro definidor, diferenciador e decisivo da marca do estilo, que imprimirá à sua poética. Ivan Sarney transitou por vários caminhos da arte, passando pela ficção e pelo teatro, cinema e poesia. Essa experiência pessoal é significativa e, literariamente, tem-se em conta o pretexto que o escritor usará para compor o seu discurso, exercitando aí sua criatividade ou o poder de manipular a alegoria em vários níveis: metafórico, metonímico, sinestésico, sinedóquico, aliterativo, paradoxal, ambíguo, enfim mimético. Jornalista militante, assina há vários anos, no jornal O Estado do Maranhão, a seção Hoje é Dia De, uma crônica semanal, na qual se inscreve sempre com o toque poético. Um dos fundadores e primeiro presidente da Sociedade dos Amigos de São Luís e Alcântara, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, foi também diretor regional da Secretaria de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, tendo atuado na Fundação Pró-Memória. O poeta Ivan Sarney, segundo a palavra autorizada do eminente ensaísta e escritor Assis Brasil, cuja obra repercute a nível nacional, “pertence, histórica e esteticamente, à terceira geração modernista do Maranhão, ao lado dos estreantes dessa fase, como Francisco Tribuzi, Luís Augusto Cassas, Raimundo Fontenele, Rossini Corrêa, e mais alguns que ficaram apenas na colaboração esparsa dos jornais, sem terem chegado ao livro. Bastante elogiado como contista e cineasta, tendo sido premiado em festivais de cinema, a poesia de Ivan Sarney Costa tem também a sua importância. É mais um bom poeta lírico, já livre das formas, principalmente do contumaz soneto e que, entre o eu nostálgico e o passado de sua cidade, cria os seus poemas com certo gosto e linguagem pessoais. Sempre num tom elegíaco, a sua linguagem poética se mantém no nível da norma, sem complicações ou invencionices.
185 MORAES, Jomar. PERFIS ACADEMICOS. 3 ed. São Luis: AML, 1993. Ivan Sarney: Da releitura moderna da poesia lírico-amorosa à poesia social. Suplemento Cultural e Literário JP Guesa Errante, 30 de novembro de 2005, disponível em http://www.guesaerrante.com.br/2005/11/30/Pagina326.htm , acessado em 04/05/2014 Brasil, Assis. A Poesia Maranhense no Século XX. São Luís: SIOGE; Rio de Janeiro: IMAGO, 1994. p.277.) http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=34038 http://vimeo.com/14671739
Além de detentor da Medalha do Mérito Timbira, do Governo do Maranhão, e João Lisboa, do Conselho Estadual de Cultura, Ivan Sarney Costa foi eleito vereador à Câmara Municipal de São Luís, em 1992. Entrou para a Academia Maranhense de Letras em 1982, tomando posse no ano seguinte.” Vereador por várias legislaturas, Ivan Sarney é, atualmente, Presidente da Câmara de Vereadores de São Luís.
Poema inspirado numa canção dos beatles
Quando eu for bastante idoso, quando eu já for velho, meus cabelos se tornarem brancos e meu rosto se cobrir de rugas, você ainda me amará, como hoje? Você ainda precisará de mim, querida? Você dormirá ainda nos meus braços e, ansiosa, desejará ouvir minhas estórias: (– as estórias que só eu sei contar) Ou não? Você também estará velha, eu sei disso. Será que ainda amarei você, como hoje? Que ainda lhe direi meus versos e me orgulharei de você, como me orgulho agora? Ou será que apenas nos suportaremos pelo que somos e pelo que fomos, quando seus cabelos já forem brancos?
Hoje, nós passeamos pelas tardes e tudo é verão. Eu sou seu poeta preferido e tudo o que eu escrevo é você. Como será quando já formos velhos? Será que, de manhãzinha, desejarei passear com você, pelos jardins, e você irá pelos meus braços, sorridente, com alegrias de hoje? Ou não? Talvez você se torne ranzinza. Talvez eu fique louco! Quem sabe? Como será quando formos velhos, querida? Hein? Sempre que for domingo, nós iremos à igreja, à tardinha. Você toda empoada, os cabelos alinhados e brancos, e um véu ainda mais branco na cabeça. Eu irei todo importante ao seu lado, e toda a gente nos comentará. Será mesmo assim quando já formos velhos? Ou não? Ou você fará tricô e não quererá sair de casa? Você usará óculos?! Eu apenas amarei minha biblioteca?! Ou amaremos somente nossos filhos?! Será que nossos filhos serão lindos? Será que serão bons? Você olhará, às vezes, seus álbuns de retratos, e chorará saudades do passado. Será que minha dor ainda será sua dor? Ou não? O futuro é distante e não traz a certeza de nós dois, portanto, amemo-nos agora, querida, enquanto nosso amor é carne e osso, e espírito, na soma dos nossos sentidos; enquanto eu te amo e tu me amas, e tua pele é macia e morna,
e tua alma branca é única no mundo. Aumentemos o fogo de nossos beijos, hoje, querida. Eu não sei como será mais tarde, quando já formos velhos, e nossos cabelos se tornarem brancos. (São Luís, novembro de 1969, p.15-16)
Como na tarde em que estivemos juntos
Como na tarde em que estivemos juntos. O vento varre o bosque e sacode os meus cabelos. Os barqueiros retornam da pescaria. As velas desfraldadas. Um após outro os barcos se estreitam no canal. Como na tarde em que estivemos juntos. Ligeiros pássaros, cantantes. Já não estás comigo. O silêncio das coisas me sugere teu nome, brandamente, e apesar da melancolia das horas cai sobre mim, como uma sombra,
e me faz triste. Entardece, e eu sinto te buscar, meu pensamento. Como adejavam teus risos e a tímida candura de tua voz! Como era intensa a paz de tua companhia, a meiguice dos teus gestos. E a doce serenidade dos teus olhos.
E eu fui me envolvendo em teus encantos, até não poder mais encontrar-me; até não poder mais te encontrar. Como pudeste fugir depois de tanto encontro! Eu bem sei. Como pude emudecer, depois de tantas frases! Tu bem sabes. (...) Muitas verdades eu guardo que tua boca não disse. Por isso, eu amei teu silêncio, como na noite em que dançamos e eu parecia me encontrar num país distante, composto de sonhos guiado pelo toque mágico de tuas mãos e a densa nuvem de teu perfume. (São José de Ribamar, julho de 1971, p.21-22.)
Sou apenas um homem186
(...) É necessário que acreditem no que digo. Não direi muito porque não conheço muito. Na verdade, eu sei tão pouco. Tudo o que aprendi foi me extrair das coisas e me integrar às coisas. Nesse processo, sou poeira, limo, sujo, folhas, frutos, pétalas, pau e pedra. Sou fonte do passado e daquilo que há de vir. Me confundo com o anônimo das faces. Me escureço com o asfalto do chão. Às vezes, brilho e resplandeço como as paredes de azulejos e as luzes da noite. Me recolho, às vezes, e nada me toca. Não sou nada além disso. Nem vim de longe. Eu sempre estive aqui. Trago os olhos da rua no sangue. Tenho o sangue das ruas nas veias. Pés descalços, suor e sofrimento
fazem parte de mim. Caminhei pelos bairros. Joguei damas com homens, nas calçadas. Entrei nos becos e nas palafitas. Vi dançar o bêbado ridículo, a fome gemer nas bocas das crianças, mulheres chorando a gravidez, meninas novas se prostituindo. Vi miséria e crueldade. No entanto, não vivi tais coisas. Como não ter vivido coisas? Não sei se seria mais importante viver ou aprendê-las. Acredito que as aprendi. Tenho muitas estórias para contar. Talvez eu saiba contar estórias. Me deixem penetrar em vosso abrigo e acordar vosso sono, porque as horas dormem e a noite é profunda como um suspiro, e parece não ter fim. (São Luís, março de 1977, p. 58-59)
Tempo compulsório
Compulsoriamente as pessoas viverão agora. Deixarão seus carros nas garagens, sem gás, sem apego, sem esperanças, e sairão pelas calçadas, respirando a rua. Sorrirão um sorriso compulsório, porque o riso, o doce riso, o riso fácil, espontâneo e feliz, se escondeu amargurado no desespero, não há como mostrar-se ao dia. Compulsoriamente haverá sol sobre os telhados aplacando as feridas; áurea de luz crepuscular e santa, colorando a tarde. A noite virá de forma compulsória, com a mesma escuridão e os mesmos crimes. Sequestros, seduções, homicídios de todas as classes, maconha, ladrões, vadios e meretrizes. Tudo será compulsório dentro da noite, o assalto, a promiscuidade, o bêbado, a indigestão, a emergência dos hospitais e os suicidas, porque os olhos da polícia estão vazados de escuridão e a sociedade adoece de fome, miséria e vícios. Os impostos de todos os gêneros. As filas intermináveis da previdência. A velhice e a angústia das horas. O que não será compulsório? Compulsoriamente também haverá o medo.
O medo de ser, de confiar, o medo de parir que habitará as consciências, tolhendo as ações. O homem será um ser medroso, mudo, e viverá de olhos espantados
aderindo às idéias, às omissões, à fantasia e ao pesadelo, de forma compulsória. Porque já não é possível eleger. O espaço, o tempo, os homens se tornaram inelegíveis. Haja morte então para calar as bocas, terra para cobrir os mortos, vazio para afogar as consciências. Haja chão para os passos do homem e caminhos a percorrer, sem ter sossego. A morte será então o fim compulsório, de toda a compulsoriedade. (São Luís, maio de 1978, p.60-61.)
Vozes da noite
Apagaram-se as luzes da cidade. Longa e densa se compôs a noite. Onde está o homem de ontem, o verdureiro, o vendedor de carvão? Anônimos polichinelos das ruas, alegria de todas as manhãs. (A noite os consumiu no tempo). Os sepultou no tempo. Laje fria de horror e mistério sobre os risos efêmeros da vida. Há pouco piou uma rasga-mortalha. – Sinal de agouro!, diria meu avô. No entanto, o vôo da rasga-mortalha é a única esperança dentro da noite. Há sonhos aqui de amores reprimidos, acenos de mãos desencontradas, vozes caladas, corações ausentes, um peito só que quer conter o mundo.
De que me vale, às vezes, fazer versos, se meus versos são cheios de egoísmo e não tocam a boca do homem da rua, não cantam o desespero, nem são armas de combate? Farei um grande e verdadeiro poema, com lágrimas, suor e revolta, um dia. Poderia sair para olhar as estrelas. Que esforço esse das estrelas para brilharem na escuridão da noite! Que esforço o da alma para suportar o corpo! O corpo mergulha na materialidade, a alma quer éter divinizado. Não haverá corpo, nem sofrimento amanhã. Haverá espaço vazio, recordações de rumos palmilhados, lembranças perdidas, amargura e solidão. Nada mais. (...)