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LUCIANA MARTINS

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LILA MAIA

LILA MAIA

Luciana Martins é poeta, escritora e professora maranhense, mestre em Literatura pela UnB e doutora pela USP, autora dos livros Lapidação da Aurora e Espetáculo das sensações alheias.

"Todos os seus poemas trazem essa graça misteriosa. A ternura disfarçada. "lado oposto / único lado / exposto / de mim." Me faz bem a sua poesia. Está bem madura, sem as muletas dos adjetivos. "Um rouxinol sem sol". Os poetas são anjos. E têm o dom de encantar. Fiquei um tanto encantado com os seus poemas tão disfarces. Seus poemas são luminosas gotas. Muito obrigado pelo presente. Seu amigo, com carinho MANUEL DE BARROS"

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FALA DO CORO

E viver não seria apenas tangenciar a morte até sua impossibilidade? Sacode as grades invisíveis do corpo, procurando debalde sair de si para entrar, por exemplo, na mulher “sem metafísica” que está do outro lado da rua e que se deixa ver pela janela do quarto onde nossa poeta escreve.

Tentar contar o acontecido também é uma maneira de fazer nascer um novo caos.

Mas cumpria enfrentar a linguagem, aproveitando a noite em que a metalinguagem tomou um sonífero diluído no copo de leite que a poeta, sua fâmula, lhe entregara. Era o que faltava para o começo.

O QUE É QUE É?

filha amarela no meio das verdes fio desfeito na trama das redes palavra deserta no poço da frases

silêncio de cigarra na travessia laboriosa das formigas

água contaminada do oásis

CÂNTICO CÁUSTICO

Deus não existe mas incomoda bastante

no bar, eu brinco como a solidão (lugar-comum que me faz mais um)

no vinho, eu vejo o caminho da noite, que vem a ser manhã, temporã

encontro, nessa ida, iguais que se esfaqueiam por trás

e desfazem sua lida tecida na fraternidade dos canibais

FIM DE ANO

um resumo do dia: flannerie por vitrines e encontro com seis papais-noéis de porta de loja

— passo em revista a vida

e ela não é mais do que um monte de produtos à venda para o natal

do qual só posso comprar uma pequena alegria com cheque pré-datado para daqui a 120 dias

DESOPÇÃO

(pensando em Emily Dickinson)

as vias do olhar percorrendo o mar e também coisinhas miúdas, amenas: banheiro, cozinha, sala de jantar

a casa ou o navio? o ir ou o ficar?

a via de cá a via de lá: sala de jantar — mar

construir estradas para se perder

FIRMAMENTO

vem luzindo a estrela cadente

e luzente a estrela caindo

quando teus olhos mirando findo

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