MARANHAY: revista Lazeirenta 47, AGOSTO 2020

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MARANHHAY (REVISTA DO LÉO)

REVISTA LAZEIRENTA EDITADA POR

LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ Prefixo Editorial 917536

NUMERO 47 – 2020 SÃO LUIS – MARANHÃO


A

presente obra está sendo publicada sob a forma de coletânea de textos fornecidos voluntariamente por seus autores, com as devidas revisões de forma e conteúdo. Estas colaborações são de exclusiva responsabilidade dos autores sem compensação financeira, mas mantendo seus direitos autorais, segundo a legislação em vigor.

EXPEDIENTE MARANHAY REVISTA LAZERENTA Revista eletrônica EDITOR Leopoldo Gil Dulcio Vaz Prefixo Editorial 917536 vazleopoldo@hotmail.com Rua Titânia, 88 – Recanto de Vinhais 65070-580 – São Luis – Maranhão (98) 3236-2076

LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ Nasceu em Curitiba-Pr. Licenciado em Educação Física (EEFDPR, 1975), Especialista em Metodologia do Ensino (Convênio UFPR/UFMA/FEI, 1978), Especialista em Lazer e Recreação (UFMA, 1986), Mestre em Ciência da Informação (UFMG, 1993). Professor de Educação Física do IF-MA (1979/2008, aposentado); Titular da UEMA (1977/89; Substituto 2012/13), Convidado, da UFMA (Curso de Turismo). Exerceu várias funções no IF-MA, desde coordenador de área até Pró-Reitor de Ensino; e Pró-Reitor de Pesquisa e Extensão; Pesquisador Associado do Atlas do Esporte no Brasil; Diretor da ONG CEV; tem 14 livros e capítulos de livros publicados, e mais de 320 artigos em revistas dedicadas (Brasil e exterior), e em jornais; Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão; Membro Fundador da Academia Ludovicense de Letras; Sócio-correspondente da UBE-RJ; Premio “Antonio Lopes de Pesquisa Histórica”, do Concurso Cidade de São Luis (1995); a Comenda Gonçalves Dias, do IHGM (2012); Premio da International Writers e Artists Association (USA) pelo livro “Mil Poemas para Gonçalves Dias” (2015); Premio Zora Seljan pelo livro “Sobre Maria Firmina dos Reis” – Biografia, (2016), da União Brasileira de Escritores – RJ; Diploma de Honra ao Mérito, por serviços prestados à Educação Física e Esportes do Maranhão, concedido pelo CREF/21-MA (2020); Foi editor das seguintes revista: “Nova Atenas, de Educação Tecnológica”, do IF-MA, eletrônica; Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, edições 29 a 43, versão eletrônica; editor da “ALL em Revista”, vol. 1 a 6, eletrônica, da Academia Ludovicense de Letras; Editor da Revista do Léo, a que esta substitui (2017-2019). Condutor da Tocha Olímpica – Olimpíada Rio 2016, na cidade de São Luis-Ma.


MARANHAY – REVISTA LAZEIRENTA – 2020 VOLUME 28 – JANEIRO 2020 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_maranhay__28_-_janeiro____2020b VOLUME 29 – FEVEREIRO 2020 https://issuu.com/home/published/revista_do_leo_-_maranhay__29-_fevereiro___2020b A PARTIR DESTE NÚMERO, CORRIGIDA A NUMERAÇÃO, COM SEQUENCIAL, DOS SUPLEMENTOS E EDIÇÕES ESPECIAIS:

VOLUME 38 – FEVEREIRO DE 2020 – EDIÇÃO ESPECIAL – PRESENÇA AÇOREANA NO MARANHÃO https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_maranhay__39-_fevereiro___2020 VOLUME 39 – MARÇO 2020 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_maranhay__39-_mar_o___2020 VOLUME 40 – ABRIL 2020

https://issuu.com/home/published/maranhay_-_revista_lazerenta_-_40_-_abril___2020.d VOLUME 41 – MAIO 2020

https://issuu.com/leovaz/docs/maranhay_-_revista_lazerenta_-_41_-_maio__2020

VOLUME 41-B – MAIO 2020 https://issuu.com/leovaz/docs/maranhay_-_revista_lazerenta_-_41-b_-_maio___2020 VOLUME 42 – JUNHO 2020 https://issuu.com/home/published/maranhay_-_revista_lazerenta_-_42_-junho__2020/file VOLUME 43 – JUNHO /SEGUNDA QUINZENA - 2020

https://issuu.com/home/published/maranhay_-_revista_lazerenta_-_43_-segunda_quinzen VOLUME 44 – JULHO - 2020 https://issuu.com/leovaz/docs/maranhay_-_revista_lazerenta_-_44_-_julho__2020

VOLUME 45– JULHO - 2020

https://issuu.com/home/published/maranhay_-_revista_lazerenta_-_45_-__2020_-_julhob VOLUME 46– JULHO - 2020

https://issuu.com/leovaz/docs/maranhay_-_revista_lazerenta_-_46_-__2020_VOLUME 47– JULHO - 2020


REVISTA DO LÉO NÚMEROS PUBLICADOS

VOLUME 1 – OUTUBRO DE 2017 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_1_-_outubro_2017 VOLUME 2 – NOVEMBRO DE 2017 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_2_-_novembro_2017 VOLUME 3 – DEZEMBRO DE 2017 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_3_-_dezembro_2017 VOLUME 4 – JANEIRO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_4_-_janeiro_2018 VOLUME 5 – FEVEREIRO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_5_-_fevereiro_2018h VOLUME 6 – MARÇO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_6_-_mar__o_2018 VOLUME 6.1 – EDIÇÃO ESPECIAL – MARÇO 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_especial__faculdade_ VOLUME 7 – ABRIL DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_7_-_abril_2018 VOLUME 8 – MAIO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_8_-_maio__2018 VOLUME 8.1 – EDIÇÃO ESPECIAL – FRAN PAXECO: VIDA E OBRA – MAIO 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_8.1_-__especial__fra VOLUME 9 – JUNHO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_9_-_junho_2018__2_ VOLUME 10 – JULHO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_10_-_julho_2018 VOLUME 11 – AGOSTO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_11_-_agosto_2018 VOLUME 12 – SETEMBRO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_12_-_setembro_2018 VOLUME 13 – OUTUBRO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_-_13_-_outubro_2018 VOLUME 14 – NOVEMBRO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_l_o_-_numero_14_-_novemb VOLUME 15 – DEZEMBRO DE 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revisdta_do_l_o_15_-_dezembro_de_20? VOLUME 15.1 – DEZEMBRO DE 2018 – ÍNDICE DA REVISTA DO LEO 2017-2018 https://issuu.com/…/docs/4ndice_da_revista_do_leo_-_2017-201 VOLUME 16 – JANEIRO DE 2019 https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__16_-_janeiro_2019


VOLUME 16.1 – JANEIRO DE 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: PESCA NO MARANHÃO https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__16_1__-_janeiro__20 VOLUME 17 – FEVEREIRO DE 2019 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_17_-_fevereiro__2019 VOLUME 18 – MARÇO DE 2019 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__18_-_mar_o_2019 VOLUME 19 – ABRIL DE 2019 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__19-_abril_2019 VOLUME 20 – MAIO DE 2019 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__20-_maio_2019 VOLUME 20.1 - MAIO 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL – FRAN PAXECO E A QUESTÃO DO ACRE https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__20.1_-_maio_2019_-_ VOLUME 21 – JUNHO DE 2019 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__21-_junho_2019 VOLUME 22 – JULHO DE 2019 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__22-_julho_2019 VOLUME 22.1 – JULHO DE 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: CAPOEIRAGEM TRADICIONAL MARANHENSE https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__22-_julho_2019_-_ed VOLUME 23 – AGOSTO DE 2019 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__23-_agosto_2019 VOLUME 23.1 – AGOSTO DE 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: AINDA SOBRE A CAPOEIRAGEM MARANHENSE https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__23.1-_agosto_2019_VOLUME 24 – SETEMBRO DE 2019 – LAERCIO ELIAS PEREIRA https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__24_-_setembro__2019_-_edi__o_espec VOLUME 24.1 – SETEMBRO DE 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: IGNÁCIO XAVIER DE CARVALHO: RECORTES E MEMORIA https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__24_-_setembro__2019_-_edi__o_espec VOLUME 25 –OUTUBRO DE 2019 – https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__25_-_outubro__2019 VOLUME 26 –NOVEMBRO DE 2019 – https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__26_-_novembro__2019 VOLUME 27 – DEZEMBRO DE 2019 –

https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__27_-_dezembro___2019 VOLUME 27.1 – DEZEMBRO DE 2019 – suplemento – OS OCUPANTES DA CADEIRA 40 DO IHGM

https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__27.1_-_dezembro___2019 VOLUME 30 – edição 6.1, de março de 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_especial__faculdade_ VOLUME 31 – edição 8.1, de maio de 2018 EDIÇÃO ESPECIAL – FRAN PAXECO: VIDA E OBRA – MAIO 2018 https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo_8.1_-__especial__fra VOLUME 32 – edição 15.1, de dezembro de 2018 ÍNDICE DA REVISTA DO LEO 2017-2018 https://issuu.com/…/docs/5ndice_da_revista_do_leo_-_2017-201 VOLUME 33 – edição 16.1, de janeiro de 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: PESCA NO MARANHÃO https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__16_1__-_janeiro__20


VOLUME 34 - edição 20.1, de maio de 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL – FRAN PAXECO E A QUESTÃO DO ACRE https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__20.1_-_maio_2019_-_ VOLUME 35 – edição 22.1, de julho de 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: CAPOEIRAGEM TRADICIONAL MARANHENSE https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__22-_julho_2019_-_ed VOLUME 36 – edição 23.1, de agoto de 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: AINDA SOBRE A CAPOEIRAGEM MARANHENSE https://issuu.com/home/published/revista_do_leo__23.1-_agosto_2019_VOLUME 37 – edição 24.1, de setembrp de 2019 – EDIÇÃO ESPECIAL: I. XAVIER DE CARVALHO: RECORTES E MEMORIA https://issuu.com/leovaz/docs/revista_do_leo__24_-_setembro__2019_-_edi__o_espec


EDITORIAL

A “MARANHAY – REVISTA LAZEIRENTA” é sucessora da “REVISTA DO LÉO”, e continua em seu formato eletrônico, disponibilizada através da plataforma ISSUU – https://issuu.com/home/publisher. A partir deste número está excluída a sessão “poesias & poetas”!!! Houve uma crítica à obra de uma conhecida poetisa da terrinha, que não foi bem aceita por ela, e ofendeu o crítico, pois não lhe foi favorável; daí começou uma troca de ofensas, e um grupo se sentiu ofendido, publicando notas, em defesa da criticada, pelo fato de ser mulher, e considerar que havia ofensa ás mulheres, já que “atingiu uma, atingiu todas”. Acompanhei as discussões e trocas de farpas, nas redes sociais, e não vi motivo para tanta celeuma, haja vista ser uma crítica literária, não bem aceita pela autora; parece-me que as criticas só são aceitas se forem favoráveis... Para evitar boicotes, pois sei o que vai acontecer: já assisti á esse filme..., não publicarei mais nem um, nem outra, e estende-se aos demais... essa exacerbação de ‘favor’ e ‘contra’, ‘nós’ e ‘eles’ não leva à nada. Respeito e humildade... deixa para lá... Fim... Mas continuarei pulicando as análises de obras literárias... Bem, depois de meses confinado, não consegui manter o ritmo de produção e resgate da memória do esporte, lazer e educação física, por falta de assunto... nem da história do Maranhão, por falta de provocação... nem as pesquisas biográficas, por falta de velocidade na Internet... parece-me que se me abateu uma letargia, preguiça, falta de paciecia... enfim, dei uma parada... até mesmo publicar as revistas se tornou um fardo... Sem paciência, para nada, e com tudo... mas vamos ver no que dá... esse cançasso pandêmico parece não ter atingido a todos... Esava acostumado a ficar só, em casa, pelas manhãs, com o neto na escola sem as aulas on-line – e a mulher no trabalho, sem barulho, e não estava mais acostumado com isso... o dia, a manhã rendia... hoje, não mais... interrupções à toda hora, reclamações de que a internet não funciona, virou uma bagunça...o dia não rende, assim... Não estou acostumado com toda essa agitação, trancado em casa... antes, o isolamento era opção, hoje é obrigação... talvez seja isso... Vamos em frente, pois...

LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ EDITOR


SUMÁRIO 2 7 8 9

EXPEDIENTE EDITORIAL SUMÁRIO LAZEIRICES & LAZEIRENTOS RUY BELO O JOGO DO PIÃO – PARA QUEM SE QUISER RECORDAR CARLOS GOMES O FOLCLORE E A DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO LINO MENDES FOLCLORE E ETNOGRAFIA | DO ALTO DA GUARITA FOLCLORE: DAS PARADAS AGRÍCOLAS AOS CORTEJOS ETNOGRÁFICOS ESPORTE & EDUCAÇÃO FÍSICA TIÃO – O MARAVILHA NEGRA JOSÉ MANUEL CONSTANTINO SUSTENTABILIDADE DO DESPORTO EM RISCO FRAN PAXECO A EDUCAÇÃO FIZICA

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HISTÓRIA(S) DO MARANHÃO EUGES LIMA FRAN PAXECO E A CRÍTICA AO LIVRO “FUNDAÇÃO DO MARANHÃO” DIOGO GAGLIARDO NEVES A ANTIGA MATRIZ DE PASTOS BONS, MARANHÃO NONATO REIS O PALÁCIO DAS LÁGRIMAS E AS LENDAS QUE RESISTEM AO TEMPO NAVEGANDO COM JORGE OLIMPIO BENTO Extraindo histórias com o faraó RAMSSES DE SOUSA SILVA NONATO REIS VICTOR PINHEIRO, UM HERÓI ANÔNIMO OS "SANTOS JACINTO" DE SÃO LUÍS E SÃO JOÃO BATISTA-MA MÃE DUDU - MULHERES QUE NÃO DEVEM SER ESQUECIDAS DA HISTÓRIA DO TAMBOR DE MINA DO MARANHÃO O MORGADO DA QUINTA DAS LARANJEIRAS. LITERATURA & LITERATOS CERES COSTA FERNANDES VIVER O LUTO EM TEMPOS DE PESTE FERNANDO BRAGA COMO ‘GRAÇA-PEGA’ SE ENCANTOU NUMA SEXTA-FEIRA DE ABUSÃO CERES COSTA FERNANDES O DELICIOSO SÃO JOÃO INCORRETO AYMORÉ ALVIM TEMPOS BONS! CERES COSTA FERNANDES TEMPOS DE ENCASULAMENTO CERES COSTA FERNANDES QUITANDAS FERNANDO BRAGA LEMBRANÇAS POÉTICAS DE UM CAÇADOR DE SONHOS WALDEMIRO ANTÔNIO BACELAR VIANA

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LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ “DR. TIRA-TIRA”, O DONO DO TROVÃO: NUNES PEREIRA - recortes & memória MEMÓRIAS & RECORTES LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ FRAN PAXECO – RECORTES & MEMÓRIAS – PARTE VIII

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LAZEIRICES & LAZEIRENTOS


O JOGO DO PIÃO – PARA QUEM SE QUISER RECORDAR RUY BELO

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O Jogo do Pião - O Jogo do Pião remonta à antiguidade, e em Portugal é um jogo infantil antiquíssimo. Material - Um pião e um cordel por participante Nº de participantes - Variável Espaço de jogo - Um círculo com cerca de 1,50m de raio, para onde todos os participantes deverão lançar o seu pião, segundo uma ordem previamente sorteada. Objectivos - Conseguir lançar o pião de forma a que gire no chão durante algum tempo arredando para fora do círculo o(s) pião(ões) que lá tiver(em) ficado e simultaneamente saindo também para continuar em jogo . Depois da primeira rodada de lançamentos, começará o jogo, tendo como objectivo deitar fora do círculo, os pião(ões) lá deixado(s). Preparação e lançamento do pião - O cordel enrola-se à volta do pião, começando a enrolar da ponta até ao meio do pião. sobrando um bocado que chegue para pôr à volta da mão.Depois pegase na pontinha do cordel e lança-se ao chão, com um movimento de pulso. O pião irá girar, devido à força e ao jeito com que se puxar repentinamente o cordel, imprimindo-lhe um movimento de rotação.


Desenvolvimento - Depois da primeira rodada de lançamentos, começará o jogo, tendo como objectivo deitar fora do círculo, o(s) pião(ões) lá deixado(s). O(s) jogador(es) cujo pião ficar dentro do círculo ficará(ão) “de fora”, deixando lá o pião que os outros jogadores, um de cada vez, procurarão atirar para fora do círculo tentando “picá-lo”. O jogador que o conseguir fazer ganhará 50 pontos. Nota - O pião poderá ser “aparado” (apanhado do chão, com a mão, enquanto gira e mantê-lo a girar na mão) pelo jogador que o lançou, e que depois de o fazer dançar na mão, o tentará lançar novamente, na tentativa de “picar” o(s) que se encontra(m) dentro do círculo, empurrando-o(s) para fora e simultaneamente saindo também, para continuar em jogo. Regras 1 – Os lançamentos são feitos de acordo com a ordem sorteada e sempre um de cada vez 2 – O jogo é constituído por 3 séries de lançamentos, portanto, cada jogador terá 3 tentativas para “picar” o pião no interior do círculo 3 – Se o(s) pião(ões) que está(ão) “de castigo” não for(em) atingido(s) sai(aem) do castigo ficando “de castigo” o(s) que tiver(em) ficado dentro do círculo. O pião e a ciência A física do pião é extremamente interessante e ainda hoje representa um interessante problema a ser resolvido. Porque não tomba o pião quando está a girar? Já pensou nisso? Note-se que se apenas se segurar o pião sem o girar, soltando-o em seguida, ele tomba. O pião e a arte

lithography after Joh. Siebert by J. Brodtmann , ca 1830.


Faz rodar o pião redondo tudo em volta Atira a primavera e recupera o verão Terras e tempos tudo assume esse pião que rodopia e rouba o chão à folha solta Joga tudo no gesto ríspido de vida Reergue o braço a prumo arrisca nessa roda riscada entre parede e tronco a infância toda Tudo é redondo e torna ao ponto de partida O sol a sombra a cal os pássaros os pés o adro a pedra o frio os plátanos… Quem és? Voltas? rodas? regressas? rodopias? nada Mas do breve pião levanta ao céu a enxada e que esta vida extensa para sempre seja – será? – tão bem coberta que nem Deus a veja


O FOLCLORE E A DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO CARLOS GOMES Jornalista, Licenciado em História https://folclore.pt/o-folclore-e-a-divisao-social-do-trabalho/

A divisão social do trabalho constitui uma das características das sociedades humanas. O aparecimento de novos ofícios levou à necessidade de, no seio de uma determinada comunidade, alguns indivíduos se especializarem em determinadas tarefas e a elas se dedicarem quase exclusivamente. Assim sucedeu, nomeadamente, com o aparecimento da metalurgia do cobre cuja introdução veio a repercutir-se nomeadamente na agricultura, criando a possibilidade de manter artífices especializados libertos dos trabalhos agrícolas e dando origem à acumulação de excedentes alimentares que possibilitou a estratificação da sociedade. Porém, ainda antes da chamada Idade do Cobre ou do Calcolítico, ocorrida há cerca de 2.500 mil anos anteriores à Era Cristã, já o Homem havia estabelecido a primeira divisão do trabalho assente no género ou seja, entre o homem e a mulher. À medida que a sociedade evolui e se estratifica, estabelecendo novas divisões do trabalho, também as funções exercidas por homens e mulheres se vão demarcando e ficando mais definidas, dando inclusive origem a grupos sociais claramente identificados no género como sucedeu com aqueles que se especializaram na defesa e no sagrado. A divisão do trabalho teve naturalmente em conta as aptidões de cada indivíduo para a realização de determinadas tarefas e as vantagens de se agruparem e trocarem entre si os bens que produzem de uma forma especializada em vez cada um produzir isoladamente tudo aquilo de que necessita. Esta separação de tarefas chegou até aos nossos dias e corresponde a uma superstrutura cultural que estabelece o lugar que cada indivíduo ocupa e dita as normas de comportamento social, incluindo no seio da família. Ao tentar reconstituir os hábitos culturais de uma sociedade entretanto desaparecida, a etnografia deve preservá-los tal como o etnólogo os observou, desprendendo-se de preconceitos morais impostos pelas ideias em voga na sociedade em que vive, pois é sobretudo um cientista.


De igual forma, cabe ao grupo folclórico, como repositório vivo de tais tradições, respeitar a sua autenticidade e evitar a tentação de lhe introduzir elementos fantasiosos por motivos que não dizem respeito à etnografia. Tal como os indivíduos se diferenciam entre si, não vestindo o homem em circunstâncias normais o vestuário da mulher nem empregando os mesmos jeitos, também a separação do género se reflectiu nos mais variados momentos da vida social, incluindo naquilo que actualmente se convencionou designar por folclore. A começar pelo facto de, numa sociedade tradicional, ser impensável uma mulher travestir-se para se apresentar a terreiro a bailar com outra mulher, como por vezes é representado por alguns grupos de folclore que se debatem com a falta de componentes masculinos para a dança. Mas a diferenciação no género vai ainda mais longe, nomeadamente quando se trata da execução de instrumentos de música tradicional. Ao contrário do que por vezes se assiste, o adufe, o pandeiro e a pandeireta eram apenas executados por mulheres. O aparecimento de homens a tocar o adufe deveu-se sobretudo ao cantor José Afonso que o fazia nos seus espectáculos, não devendo tal facto ser considerado a nível etnográfico. De igual modo, não cabe à mulher rufar o bombo dos Zé-pereiras ou de Lavacolhos, no Fundão, marcando a sua cadência marcial. Debate-se a origem da gaita-de-foles e a possibilidade da sua execução pela mulher como, por vezes, sucede na Galiza, e também a interpretação do cante alentejano sem ser pelo homem atingida a fase adulta devido nomeadamente às características vocais. São diversos os aspectos a referir neste domínio, alguns dos quais sujeitos a estudo mais aprofundado. Importa, contudo, ao representar os usos e costumes antigos, ter a consciência da organização da sociedade tradicional ao tempo e apresentá-la da forma mais rigorosa possível, sem lhe enxertarmos elementos que lhe são estranhos e apenas dizem respeito ao nosso modo de vida actual.


FOLCLORE E ETNOGRAFIA | DO ALTO DA GUARITA LINO MENDES https://folclore.pt/folclore-e-etnografia-do-alto-da-guarita/

Folclore e Etnografia Desde sempre existe quem considere “etnografia” como sinónimo de “trajos usados no folclore”, e a Federação considera-a como a “disciplina que descreve os povos/comunidades no que concerne aos seus usos, costumes, índole e cultura”. Mas se há situações em que se respeitam diferentes conceitos, em meu entender estes não o são. Sendo o folclore “a expressão das vivências das gentes de antigamente, no tempo em que a sua vida ainda não era tão influenciada pelos usos costumes de outros povos”, a “etnografia” é única e precisamente “o estudo do folclore”, como aliás o citam diversos dicionários. Recordo-me que, procurando saber a visão que outros colegas destas andanças tinham de assuntos que considerava pouco clarificados, coloquei a seguinte questão: Se estiver um “grupo” a actuar, onde está o folclore e onde está a etnografia? E a resposta que me convenceu (Aurélio Lopes) foi: depende do Grupo. O produto (aquilo que apresenta ou representa) pode, em termos otimizados, ser tudo folclore. Ou ser só uma parte. Ou até, não ser nada. Etnografia não é um produto Quanto à Etnografia, não “vemos” nada, em nenhuma circunstância. Isto porque a Etnografia não é um produto, não é um conjunto de padrões ou de elementos culturais, mas simplesmente uma técnica ou um conjunto de técnicas de que fazem parte as entrevistas que se fazem aos informantes, a observação direta e outras que aqui não referimos para não confundir mais. Não é um produto! Não é aquilo que se representa, melhor ou pior. É a metodologia de pesquisa de um de que o grupo se serviu para obter os dados que está a apresentar na dita autuação. E porque considero que “tradição” nem sempre significa “tradicional”, acrescentava: e a “tradição”, onde está? E também aqui a resposta é igual à do “folclore”: pode ser tudo, ou só uma parte, ou até não ser nada. “Porque a vertente tradicional é uma das componentes daquilo a que chamamos Folclore“. Dito de outra forma, a cultura popular que consideramos folclore tem de ser tradição, tem de ser tradicional. Pois só a tradição permite a usualidade e só a usualidade permite a aculturação/folclorização dos padrões culturais. Temos assim que o tradicional é sempre popular, mas o popular nem sempre é tradicional.


FOLCLORE: DAS PARADAS AGRÍCOLAS AOS CORTEJOS ETNOGRÁFICOS https://folclore.pt/folclore-paradas-agricolas-cortejos-etnograficos/

Os cortejos etnográficos Os cortejos etnográficos constituem um espectáculo geralmente muito apreciado do público. Mesmo comparativamente às exibições de ranchos folclóricos, vulgarmente designadas por festivais. Em diversas localidades do país, eles integram as respectivas festividades, atraindo milhares de forasteiros e tornando-se, quase sempre, um dos momentos mais apreciados do público. São exemplo o cortejo nas Festas em Honra de Nossa Senhora da Agonia, em Viana do Castelo e nas Feiras Novas, em Ponte de Lima.


Nas aldeias e freguesias em redor, o povo prepara com afano a sua participação no aprazado cortejo. Levam consigo os elementos mais característicos que de alguma forma identificam a sua terra. Procuram, assim, representar aspectos peculiares dos ciclos do trabalho, desde a sementeira do linho à sacha do milho, da pastorícia à produção do vinho. A acompanhar, a rusga ou o rancho a animar o desfile com as alegres rapsódias do folclore local. E o povo que se apinha à beira do passeio para ver passar os figurantes, interage com eles que, não se fazendo rogados, brinda os mais sequiosos com malgas de verdasco. Das Paradas Agrícolas aos Cortejos Etnográficos O aparecimento dos cortejos etnográficos remonta aos começos do século XX e tem a sua origem nas paradas agrícolas. Estas realizavam-se como uma mostra das produções locais, com vista a incentivar as actividades económicas e promover o desenvolvimento da respectiva região. O elemento etnográfico apenas surgia como uma forma de emprestar um ambiente pitoresco a contento de uma burguesia apreciadora de costumes por ela considerados bizarros. Porém, não constituía a sua principal finalidade, pese embora servirem para transmitir uma ideia de que o trabalho era valorizado e, como tal, o próprio povo que o realizava.

A revista “Ilustração Portugueza” dá-nos conta de diversas paradas agrícolas que então se efectuavam. Aliás, à semelhança das exposições de outros produtos, com o objectivo de promover a sua venda e exportação. Juntamente com o jornal “O Século”, a que se encontrava ligado e constituindo um instrumento de propaganda dos ideais republicanos e da maçonaria, aquela revista era especialmente difundida entre os sectores burgueses estabelecidos nos centros urbanos de quem, aliás, recebia os clichés e as notícias que publicava, mantendo uma rede de correspondentes que se estruturava paralelamente à própria organização política. A revolução industrial e a divulgação de iniciativas A revolução industrial determinou a necessidade de se organizarem certames, alguns de projecção internacional, com vista – à promoção dos produtos dos vários países – e à divulgação das mais recentes realizações da indústria e da tecnologia. São tais eventos que estão na origem das exposições mundiais e nas grandes feiras industriais que são levadas a efeito pelas associações empresariais de diversos sectores de actividade. Mas, também a uma escala regional foram surgindo iniciativas do género que ainda subsistem, embora registando modificações que o tempo lhes impôs.


ESPORTE & EDUCAÇÃO FÍSICA


TIÃO – O MARAVILHA NEGRA VER TAMBÉM - http://cev.org.br/biblioteca/tiao-um-grande-atleta-de-handebol-domaranhao/?fbclid=IwAR0nSVgwyhqDJ4-YulkF3h3Enx5YbUtMc46swV9s6eDfweI5wpYZ5_77-d8

Canhoto Ribeiro me escreve, perguntando se tenho o jornal francês que faz elogios à Tião – o Maravilha Negra1... Lembrando, temos dois excepcionais atletas: um do futebol, outro do handebol, que receberam o cognome de ‘maravilha negra’...2. O primeiro foi Fausto dos Santos, o outro foi Tião, do Handebol. Mas para as novas gerações do esporte maranhense, vamos recuperar alguma coisa sobre esse excepcional atleta: Sebastião Rubens Pereira (ou Sebastião Rubens Sobrinho Pereira, conforme algumas fontes[1])3 conhecido como Tião (São Luís, 20 de janeiro de 1957 — São Luís, 9 de novembro de 2005) foi um jogador de handebol Sua carreira como atleta teve início nos Jogos Escolares Maranhenses (JEM's), onde foi revelado na década de 1970. Em competições, Tião fez parte das equipes do CEMA, Liceu e do Colégio Marista e Batista. Sua estréia na Seleção Maranhense de Handebol Juvenil aconteceu em dezembro de 1973, no Estádio Caio Martins, em Niterói, no Rio de Janeiro; na ocasião, a seleção conquistou o quarto lugar no campeonato brasileiro. No ano seguinte, Tião voltou à competição com a equipe juvenil, em Osasco, em São Paulo, onde chegaram ao pódio com o terceiro lugar. Também em 1974, Sebastião Pereira jogou na seleção maranhense adulta pela primeira vez, conquistando mais uma vez o terceiro lugar. O reconhecimento nacional veio em 1976, quando Tião, foi considerado o melhor jogador de handebol do país. No campeonato brasileiro disputado no Rio de Janeiro, a seleção maranhense foi campeã na categoria adulto. Primeiro maranhense a participar da seleção brasileira de handebol, Tião foi reconhecido internacionalmente como um grande armador central, posição em que jogava com mais frequência, embora dominasse todos os postos específicos do jogo de handebol. Durante sua passagem pela Europa, Tião foi objeto de estudo de diversos pesquisadores do esporte das melhores universidades europeias, como as da Romênia, Espanha, Alemanha, França, Hungria e das antigas universidades da Iugoslávia, Alemanha Oriental e União Soviética, que dominavam o cenário internacional naquela época: os cientistas queriam compreender a corporeidade do negro maranhense em seus atos de exibição de gala, da sua técnica corporal, nos principais palcos do esporte europeu e mundial. Tião faleceu aos 48 anos por complicações de cirrose hepática.

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Referências: COOPERAÇÃO INTERNACIONAL SÃO LUÍS/GUIANA FRANCESA EM ESPORTE ESCOLAR: interfaces socioculturais francomaranhenses como sugestões para o Programa Segundo Tempo local (autor: José Carlos Ribeiro / Ano: 2007) Acessado em 31 de janeiro de 2017; imirante.com - Morre Tião, ex-jogador da seleção maranhense de handebol Acessado em 31 de janeiro de 2017; Jornal Pequeno Online (21 de dezembro de 2011). «São Luís – a frieza e esquecimento dos seus ídolos». Consultado em 31 de janeiro de 2017. 2 https://observatorioracialfutebol.com.br/conheca-a-historia-de-fausto-dos-santos-a-maravilha-negra/ 3 Sebastião Rubens Pereira (Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.) https://pt.wikipedia.org/wiki/Sebasti%C3%A3o_Rubens_Pereira


Como homenagem, Antonio Isaías Pereira, então presidente da Fundação Municipal de Desportos e Lazer, conseguiu mudar o nome do ginásio de esportes do Parque do Bom Menino para Ginásio Tião. Na França, em Nice, durante uma edição da Copa Latina de Handebol, ele foi intitulado como o Maravilha Negra do Handebol Mundial pelo jornal francês L'Équipe, e homenageado com um monumento.


SUSTENTABILIDADE DO DESPORTO EM RISCO

JOSÉ MANUEL CONSTANTINO https://www.publico.pt/2020/07/13/desporto/opiniao/sustentabilidade-desporto-risco1924149?fbclid=IwAR1KHZa9fod9QqGiNcubhitLXKL_jsfiqcWAS6ljvAZbIQcpnxMwtzq3PZs

Lamento ter de o afirmar, mas aquilo a que o movimento desportivo e as suas organizações assistem revela pouco cuidado e pouca atenção no meio de uma crise sem precedentes para o país e para o seu desporto. A afirmação pública por parte da directora geral de Saúde, Graça Freitas, que no âmbito das finais da Liga dos Campeões, será positivo sermos visitados por muitos estrangeiros, num evento que supostamente é realizado sem a presença de espectadores, indicia a desorientação das autoridades públicas, que tão depressa estão a apelar à contenção na exposição ao risco, como logo a seguir fazem apelos que o agravam. MAIS POPULARES Esperar-se-ia, porventura, que fosse feito um alerta quanto aos riscos por que o país vai passar. Que não é seguro, que as vantagens de recebermos a competição tenham à partida garantido que elas não sejam superadas pelas perdas em termos sanitários. Mas, sobretudo, que se tivesse presente o país real. O país que perante as dificuldades que está a viver não está disponível para tratamentos diferenciados. É certo que desde o início da crise nunca houve um discurso político único, coerente e consistente sobre a pandemia. Ao invés, assistiu-se a intervenções que em alguns momentos foram contraditórias. Basta recordarmos o que as autoridades de saúde disseram no início da crise. Sobre o risco do vírus. Sobre as máscaras. Sobre a desinfecção dos espaços públicos. E o que não disseram: a estagnação de uma parte significativa dos serviços públicos de saúde com adiamentos de exames, de consultas e de cirurgias. Naturalmente que ninguém é insensível à necessidade de retoma da vida nacional, designadamente a que tem impacto económico. O que é válido para todos os sectores. Incluindo o desporto. E ninguém deve desvalorizar uma iniciativa que pode ser útil a Portugal, muito mais na dimensão económica, do que na desportiva. Mas não se pode ignorar a situação do país. O que exige dos responsáveis acrescida moderação e prudência. Uma parte significativa do desporto nacional está parada. E as condições de retoma estão ainda muito longe de estar garantidas. E uma parte dessa garantia não reside apenas na situação sanitária que ainda vivemos, mas sobretudo no posicionamento numa escala de prioridades por parte das autoridades nacionais de saúde pública cujos critérios se ignoram. E neste posicionamento errático não é pura especulação constatar que as prioridades são definidas em função da pressão que os diferentes interesses fazem junto dos decisores políticos. O que aconteceu no Campo Pequeno e posteriormente em outros espectáculos, com a presença das mais altas figuras do Estado, só o parecem confirmar.


É certo que o país, infelizmente, tem várias velocidades. E que uns são mais importantes ou têm maior impacto reivindicativo e mediático do que outros, mesmo sendo constitucionalmente iguais. Mas não precisamos de nos atropelar, nem deixar ninguém para trás. E não precisamos de esquecer os que tendo uma voz menos audível junto dos decisores políticos têm iguais direitos aos que a têm. E a ter que se definir prioridades que elas sejam para aqueles que têm mais dificuldades e para quem a ajuda do Estado é indispensável. A pandemia veio precipitar de um modo mais expressivo o momento de maior fragilidade que o desporto português conheceu na última década. As bases da pirâmide desportiva nacional correm o sério risco de falecerem o que requer a premente inversão desta tendência, redefinindo a concepção e percepção da importância social do desporto, mobilizando os poderes públicos e associativos para num movimento colectivo resgatarem o sector do colapso. Antecipando sinais evidentes desta tendência têm sido ao longo do tempo apresentados ao Governo e à administração pública desportiva distintos trabalhos e propostas com origens diversas, mas todas com o objectivo de melhorar o funcionamento do sistema desportivo português através de medidas que visam colmatar as suas principais lacunas e vulnerabilidades, expostas de forma evidente nesta crise. As respostas por parte de quem possui responsabilidades em apreciar as propostas apresentadas não é positiva. Na esmagadora maioria das situações, as propostas, documentos e estudos apresentados jazem no silêncio dos gabinetes. É como se não existissem. De facto, não é por défice participativo do movimento desportivo que o Estado se encontra inactivo no que respeita às modificações estruturais que urgem ao modelo desportivo nacional, e cujo adiamento coloca em sério risco a sua sustentabilidade e competitividade. Lamento ter de o afirmar, mas aquilo a que o movimento desportivo e as suas organizações assistem revela pouco cuidado e pouca atenção no meio de uma crise sem precedentes para o país e para o seu desporto. É urgente corrigir esta situação.


A EDUCAÇÃO FIZICA FRAN PAXECO A PACOTILHA 17 DE AGOSTO DE 1911




HISTÓRIA(S) DO MARANHÃO


FRAN PAXECO E A CRÍTICA AO LIVRO “FUNDAÇÃO DO MARANHÃO” EUGES LIMA https://www.mhariolincoln.com/galeria/68/colunistas-euges-lima-q-fran-paxeco-e-a-critica-ao-livro-lfundacao-domaranhaorq?fbclid=IwAR27GDp42rKBk1Z4CXMEuvdhCqMtRfWc9hUMfFWxKe8d8g7R5PW-RBw-IpQ

“(...) Fran Paxeco, que tanto se interessa por tudo quanto diz respeito ao Maranhão, e que tão profundamente conhece os nossos homens e as nossas coisas.” José Ribeiro do Amaral (1914) Muito já se falou e se escreveu sobre o questionamento da fundação francesa de São Luís, principalmente nos últimos quase vinte anos. Então, quando pensávamos que não havia mais novidades sobre o tema e que quase tudo já tinha sido dito, pesquisado e publicado, em uma de nossas pesquisas em jornais antigos, eis, que, por acaso, encontrei, há um pouco mais de um ano, uma surpreendente resenha sobre o livro “Fundação do Maranhão”, escrito pelo professor José Ribeiro do Amaral por ocasião das comemorações do tricentenário da “fundação francesa” de São Luís em 1912. Este trabalho é considerado o livro-chave que introduziu essa nova versão de fundação da cidade, pois, até então, a versão corrente, clássica da historiografia maranhense era que a cidade de São Luís tinha sido fundada pelos portugueses, após a expulsão dos franceses, em 1616.

“A Pacotilha.”


Pois bem, pasmem-se! Encontrei no Jornal “A Pacotilha,” de 20 de novembro de 1912, ou seja, contemporânea à publicação do livro de Ribeiro do Amaral, uma resenha com o título “Uma boa memória”, escrita por ninguém menos que o intelectual português, Consul de Portugal no Maranhão e um dos fundadores da Academia Maranhense de Letras (AML), Fran Paxeco, que nessa ocasião, era jornalista desse diário. Essa resenha crítica, que apesar do aparente título elogioso, na verdade, traz implícita e, em alguns momentos, explícita, certo tom de ironia nos argumentos de seu autor acerca das teses de fundação francesa de São Luís, levantadas por Ribeiro do Amaral. A novidade do texto consiste, de um lado, que a nova versão da fundação de São Luís, de origem francesa, engendrada e encampada por Ribeiro do Amaral, não foi unânime entre os historiadores e intelectuais contemporâneos e encontrou forte resistência na visão de Fran Paxeco, seu colega de geração literária e da fundação da AML, em 1908. Por outro lado, representa também um dado novo nesse debate, pois, até aqui, as críticas e contestações contra essa visão da fundação francesa de São Luís que os historiadores tinham conhecimento, eram referentes a várias décadas posteriores à publicação do livro “Fundação do Maranhão,” e, mais recentemente, a partir dos anos 2000, com o livro da historiadora Lacroix. Portanto, até agora, não se tinha conhecimento de uma crítica contemporânea ao surgimento dessa nova interpretação, ou seja, no seu nascedouro. Vejamos quais foram os principais argumentos utilizados por Fran Paxeco para rechaçar o livro “Fundação do Maranhão” e sua tese de uma São Luís de origem “absolutamente francesa.” Primeiro, o autor, usa de uma aparentemente cautela para desconstruir as teses de Ribeiro do Amaral, tentando alternar falsos elogios com críticas para dar um tom equilibrado, buscando fazer uma média, afinal, a reputação e notoriedade do douto saber do professor e historiador José Ribeiro do Amaral eram algo patente, talvez, não quisesse gerar um melindre mais sério; porém, acho que não teve sucesso nesse intento, com isso, acabou construindo um texto bastante irônico quanto às fragilidades e contradições dos argumentos de Amaral acerca da fundação francesa da cidade de São Luís. Prevaleceu mais sua inteligência e capacidade de descaracterizar o trabalho do professor Ribeiro do Amaral como um trabalho de história, daí o tom aparentemente elogioso, mas, no fundo, irônico, de “Uma boa memória”, pois, seria memória e não história. Fran Paxeco inicia seu texto, dizendo que é “um sugestivo estudo, especialmente com o fim de comemorar o tricentenário do estabelecimento dos franceses no Maranhão”, tentando ressaltar, a distinção entre o estabelecimento dos franceses na Ilha de São Luís com a fundação da cidade de São Luís. Já no segundo parágrafo, ressalta “que as publicações rememorativas se revelam, no geral, inferiores ao fato que pretendem festejar, por via do afogadilho com que se elaboram”, sugerindo, assim, o autor que o livro resenhado teria sido feito às pressas, que seria uma publicação de efemérides, de comemoração e como tais, eram sempre inferiores devido à rapidez como eram elaboradas, sem tempo para pesquisa séria. Arremata, dizendo que “a musa das idades mortas repudia” esse tipo de trabalho. A musa à qual se refere é a “história”. Continua, dizendo, “bem certo é que a história se não inventa.” Aqui, Fran Paxeco, na sua resenha demolidora, insinua que José Ribeiro do Amaral estaria inventando uma história acerca das origens da cidade de São Luís, que se trata de uma invenção, argumento surpreendente atual para quem discute o problema hoje, a partir de uma perspectiva de invenção de uma tradição ou da história como invenção, embora ele afirme que a história não é invenção. Afirma também “que o critério julgador dos acontecimentos idos não se improvisa,” sugerindo novamente a ideia de que o olhar do professor Amaral sobre o passado remoto das origens da cidade foi feito a partir de improvisos, sem muito critério histórico. No seu rosário de argumentos de desconstrução da nova versão de origem francesa, imprimida pelo autor de “Fundação do Maranhão”, Fran Paxeco, destaca que “exuberância documental, de por si, sem uma pontinha de síntese e uns dedinhos de filosofia, resulta redundante,” isto é, os documentos por si só, sem a devida análise e interpretação, não representam muita coisa, os documentos não falam por si só. Mais uma vez, o autor da resenha demonstra uma visão bem inovadora da história para aquele momento, bastante contemporânea.


No terceiro parágrafo, o autor, diverge novamente da visão de Ribeiro do Amaral, que considera a cerimônia realizada no 8 de setembro de 1612 como “verdadeiro auto de fundação da cidade de São Luís”, inventando, assim, uma tradição para a cidade, dia, mês e ano do seu aniversário. Para Fran Paxeco, tal cerimônia representou, na verdade, “o ato de posse da ilha de São Luís, pelos companheiros de La Rarvardiere”, conforme, inclusive, está expresso no livro “História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão...” de Claude d’Abbeville [1614]. Não um auto de fundação, como queria Ribeiro do Amaral. Segundo Paxeco, essa visão de Amaral de apologia à ocupação francesa, “despertou hossanas incontáveis qual delas mais interessantes. Houve quem entendesse que, se Maria de Médicis se desinteressasse da miraculosa ideia, o Maranhão seria ainda um espesso matagal. E o que buzinaram sobre a cultura francesa, transmitida aos íncoles!?” Conclui o autor, dizendo: “riríamos de tudo isso, se o caso no não entristecesse. Quem acredita que, dentro de tal prazo, se transformem sociedades, catequizem incultos?” A ocupação francesa no Maranhão durou apenas pouco mais de três anos, portanto, foi muito fugaz, sem tempo para construir algo sólido no Maranhão. Nesse sentido, afirma Fran Paxeco: “longe de nós o intuito de negar que os audazes incursores se apoderassem, primeiro do que outrem, desta bela ilha, construindo fortes e cabanas [...] Mas isto, à face da ciência histórica, implica em simples episódio cronológico [...] E, como a posse que se arrogaram, contra a fé dos tratados [...], se demostrassem de todo em toda efêmera, sem deixar vestígios de peso”. Fran Paxeco surpreende-se com o fato de o trabalho do professor Amaral não se respaldar na historiografia anterior sobre o tema da ocupação francesa no Maranhão. Considera que o livro não apresenta argumentos que invalidem as conclusões de um dos grandes historiadores, não só maranhense como brasileiro: “João Lisboa, o maior dos historiadores brasileiros, e que detidamente aludiu aos velejadores de Cancale e S. Maló, contesta-lhe com fortes motivos. E não vemos argumentos que lhe anulem as indestrutíveis conclusões.” Mais adiante, fazendo referência aos renomados historiadores mundiais e tentando ressaltar a não utilização por parte de Amaral das obras de João Lisboa, no tocante a ocupação francesa, o autor, faz o seguinte questionamento: “por que se relegam à poeira das estantes dos estudiosos os livros de João Lisboa. Por fim, segundo Fran Paxeco, ao “livro do sr. Amaral [...] falta um [...] certo rigor metódico que inspira os trabalhos do gênero.” Interessante observar como essa resenha crítica, tão aguda, inteligente e atual, escrita em 1912 acerca do livro de José Ribeiro do Amaral, que tanto influenciou a historiografia maranhense nos últimos 107 anos sobre essa temática, passou despercebida durante todo esse tempo e que nos revela muito sobre a genialidade de um Fran Paxeco, atento, perspicaz, com uma visão historiográfica requintada para desconstruir no seu nascedouro a heterodoxa tese de Ribeiro do Amaral de uma São Luís fundada por franceses. Que percepção ou coragem teve Fran Paxeco, entre tantos, para ser o único a observar e contestar a mudança de versão sobre a fundação da cidade que estava sendo operada aí, nesse momento, antecipando-se o autor de “Uma boa memória”, portanto, muitas décadas às críticas e analises atualmente feita pela historiografia.


A ANTIGA MATRIZ DE PASTOS BONS, MARANHÃO DIOGO GAGLIARDO NEVES

A história do sul do maranhense é tão antiga e bonita quanto a do norte. Tocados os sertões por bandeirantes, missionários, boieiros e escravos, a interação com os povos nativos formou uma sociedade de características próprias, desde o começo do século XVIII. Legados desse período chegaram aos nossos dias, outros, infelizmente, não. Uma grande perda, sem dúvida, foi a antiga matriz, construída em 1764. Criada a freguesia de Pastos Bons em abril de 1820, a igreja tornou-se o centro da vida religiosa em toda aquela vasta região. No entanto, foi demolida em meados do século XX, permanecendo na memória oral a grande dificuldade da obra, tendo em vista os paredões de pedra que sustentavam sua estrutura. O amigo Flávio Henrique relatou-me que a maior parte dos habitantes do município hoje não conhece a fisionomia do antigo tempo, por ausência de fotografias. Desde então, me dispus a encontrá-las. E eis que, finalmente, consegui, e através deste trabalho do maranhense Clodomir Serra Serrão Cardoso (1879-1953), então diretor do Diretório Regional de Geografia, editado pelo IBGE em 1946: (Nota: Clodomir Cardoso foi um jurista, político e literato de renome no Maranhão de meados do século XX, tendo sido co-fundador da Academia Maranhense de Letras, prefeito de São Luís, deputado federal e governador do Estado)




De meu acervo


O PALÁCIO DAS LÁGRIMAS E AS LENDAS QUE RESISTEM AO TEMPO NONATO REIS Pesquisa histórica: Joaquim Aguiar

Pelas ruas antigas de São Luís vicejam poesia, lendas, mistérios. Por cada esquina, beco, ladeira e escadaria correm histórias, reais e inventadas, as mais diversas. Algumas laureadas com amor e fantasia; outras marcadas com traição, ódio, desejo de vingança, maldição. A tragédia, como pano de fundo, deu o tom dessas narrativas e as projetou para as páginas das publicações da época, tornando-as imortais. Assim é que, passados séculos, ainda hoje é possível acessá-las, a partir de fontes históricas fidedignas. Num cálculo estimado, o centro histórico de São Luís concentra cerca de 1.500 edificações. É um dos maiores acervos arquitetônicos da América Latina, apesar das perdas progressivas de patrimônio físico que a cidade vem sofrendo ao longo dos anos, em razão do desgaste natural e da ausência de uma política de preservação. Tombadas pelo descaso e pelos anos, inúmeras construções se reduziram a escombros e partes delas sumiu completamente do cenário urbano, levando consigo um naco precioso da história. Entre essas relíquias desaparecidas está o Palácio das Lágrimas, imponente edifício que se localizava na confluência da Rua 13 de Maio com a Rua da Paz, de frente para a igreja de São João. Como o próprio nome sugere, essa construção, cuja origem se perdeu no tempo, remetia a histórias sombrias, jamais confirmadas, de risos e lágrimas, suor e sangue, traições, vinganças, alucinações. Era um sobradão de três pavimentos construído, provavelmente, ainda no período colonial. Não há, nos documentos pesquisados, menção sobre a data da sua edificação. Mas no final do século XIX, jornais da época como Diário de São Luiz e Diário do Maranhão atestavam o estado


lastimável do casarão, prestes a desabar, o que ensejou, por parte do Município, a elaboração de laudos, defendendo a sua demolição pura e simples. Em março de 1890, de acordo com o Diário de São Luiz, fora lançado edital de concorrência pública para que os interessados no imóvel apresentassem propostas para a sua demolição e edificação de um novo prédio. Do certame sagrou-se vencedor Antônio Ramos Lopes, na verdade único interessado habilitado, que ficou com a responsabilidade de demolir o prédio ou fazer adaptações, suprimindo as partes ameaçadas de desabamento. A medida causou resistência da população, que defendia a restauração do imóvel, ao contrário da sua demolição, e sentia naquela opção o cheiro de coisas irregulares. O jornal Diário do Maranhão defende a posição da Intendência, e chega a classificar o sobrado de “pardieiro”, que poderia desabar a qualquer momento e provocar uma tragédia. Em tom professoral, o jornal questiona: “Por ventura o Conselho da Indendência deixou de ouvir o parecer dos seus engenheiros, relativamente à demolição desse pardieiro?”. “Os jornais não clamaram por diversas vezes contra aquelas ruínas, dizendo que as mesmas desabariam inesperadamente sobre qualquer transeunte?” O jornal via a demolição como algo que traria benefícios à população e lamenta a falta de sensibilidade da opinião pública. “Aqui reina o indiferenttismo por tudo quanto é melhoramento, não havendo uma só alma que tome a iniciativa em favor do que pode melhorar e aformosear a nossa capital”. O próprio Presidente da Intendência Municipal, Manoel da Silva Sardinha, na edição do Diário do Maranhão de 30/05/1891, utiliza as páginas do jornal para provar que agiu, no caso da demolição do palácio, “com honestidade e zelo”. “Não tenho pretensões de infalibilidade em meus actos. Nos erros, porém, que deles possam advir, nunca encontrarão motivos ocultos que auctorisem a maledicência a criticar-me com razão”. As fontes históricas não registram com precisão se o palácio foi de fato demolido ou se apenas restaurado. O certo é que, da estrutura original, pouca coisa restou. Não dá para atestar nem mesmo se a escadaria que guarnece a entrada principal da construção remanescente, que passou a abrigar as faculdades de Farmácia e Odontologia da UFMA, foi preservada do imóvel anterior. Porém, reformas e demolições à parte, o que de fato mantém viva a memória do Palácio das Lágrimas e atrai a atenção de turistas e estudiosos são as histórias ou lendas registradas no interior do imóvel. Dunshee de Abranches, no livro O Cativeiro, conta que um escravo conseguiu escapar de seus algozes e se escondeu nas ruínas do Palácio das Lágrimas, tendo permanecido ali entre urtigas e outras ervas daninhas por três dias, para fugir do cerco da polícia. O negro fugitivo seria irmão de uma negra conhecida como Apaga Fogo e teria sido retirado dali, alta madrugada, por um catraeiro conhecido como Caroba e levado para uma embarcação que o levou para o Ceará, primeiro estado abolicionista do Brasil. Mário Meireles, no livro “São Luís-Cidade dos Azulejos”, explica que a denominação Palácio das Lágrimas tem relação com o seu primeiro proprietário, que era um homem de posses, e que mantinha no terceiro andar um harém formado por jovens escravas e, entre elas, uma se sobressaía pelo corpo escultural e traços finos e delicados, por quem um escravo se apaixonara. A negra não correspondeu ao sentimento dele, preferindo dividir a cama do seu amo e continuar gozando os privilégios concedidos. O negro, cego de paixão, não aceitou ser rejeitado e envenenou os dois filhos do senhor, tratando de esconder o frasco do veneno entre os pertences da bela escrava, que assim foi acusada de duplo homicídio e condenada à morte por enforcamento, embora clamasse por clemência e negasse a autoria dos crimes. A escrava, quando saía do prédio para ser levada à forca, montada na esquina da Rua da Paz com a Rua da Mangueira, chorava copiosamente, e o seu pranto molhou os degraus da escadaria do


sobrado. E assim, no dizer da lenda, todas as manhãs os degraus amanheciam molhados e no imaginário popular aquilo eram as lágrimas do fantasma da negra clamando por justiça. Outra lenda, a mais difundida, sustenta que o palácio teria sido construído no século XVIII, para servir de residência aos irmãos Pádua, que vieram de Portugal para o Maranhão, com o objetivo de acumular fortuna. Só um deles, Jerônimo de Pádua, teria enriquecido, exercendo atividades comerciais e também traficando escravos. Jerônimo não casou. Preferiu viver com uma negra de sua propriedade, com quem teve vários filhos. O outro irmão, movido por inveja e por saber que, na falta de Jerônimo, herdaria toda a sua fortuna, pois filhos ilegítimos não tinham direito à herança, começou a tramar um plano sordido para assassinar o irmão, o que acabou se consumando. Um dos filhos de Jerônimo, tendo descoberto o assassinato do pai, tratou de ir à forra contra o tio criminoso, e, aproveitando um momento de distração, arremessou-o da janela do terceiro andar do prédio, matando-o de súbito Por ser escravo, o assassino foi condenado à morte por enforcamento. E quando ele se encaminhava para o cadafalso, erguido na escadaria do prédio, teria se voltado para trás e pronunciado as seguintes palavras: “Palácio que viste as lágrimas derramadas por minha mãe e meus irmãos! Daqui por diante, serás conhecido como Palácio das Lágrimas”. Da lenda a história se apropriou e para sempre o imóvel, mesmo demolido, ficaria conhecido pela profecia do negro martirizado.


NAVEGANDO COM JORGE OLIMPIO BENTO


REFLEXÕES AXIOLÓGICAS EM CIMA DA PANDEMIA 11. Dos canais televisivos e das redes sociais A comunicação social podia e devia aproveitar esta ocasião para se redimir. Tem culpas no cartório da ocultação dos graves problemas societários e das suas vítimas. Funciona segundo escalas de exaltação e menorização inaceitáveis. As elites gozam de ampla e lustrosa visibilidade, enquanto a maioria dos cidadãos e os seus dramas são escondidos e ficam invisíveis. As promessas da doutrina neoliberal, que tem regido o mundo, não se cumpriram. Para garantir os benefícios e faustos obscenos da minoria, cresce a legião de remediados, de pobres, miseráveis e excluídos. O conúbio dos órgãos mediáticos com os senhores do mundo tem condenado ao silêncio e esquecimento os deserdados da fortuna. A fratura entre Wall Street e a rua da população comum, entre a finança dos endinheirados e a economia cuidadora da cidade e humanidade, agrava-se. A construção de uma jangada de pedra para escapar à opressão é premente. Em relação a isso a comunicação social guarda abstinência. Ademais, seria salutar que batesse no peito e confessasse o pecado da soberba: comete ‘homicídio do saber’. É estarrecedor ver comentadores e indivíduos ditos ‘especialistas’ opinar e difundir posições sobre áreas que não dominam, nem pertencem ao seu campo de estudo. Falam e escrevem sobre tudo, num tom de infalibilidade papal; em vez de informar, manipulam e espalham deliberadamente a confusão. Nunca, como hoje, foram tão requeridas as virtudes da verdade, do decoro e da humildade. Por outro lado, é sabido o número de horas que crianças e adolescentes passam em frente da televisão. Mais tempo do que na escola! Logo, não pode ser subestimada a influência ‘educativa’ exercida pelos canais televisivos. Ora, a concorrência entre eles não prima pela diversidade, originalidade e qualidade. Ao invés, a oferta é de idêntico teor em todos eles: doses massivas de violência e da sua inoculação, contrariando o sentido da civilização que consiste em reduzi-la e sublimá-la. Os distúrbios comportamentais e emocionais, na alma, na consciência e na vontade, no gosto ético e estético, estão sobejamente diagnosticados. A isto acresce a ‘cultura’ do sensacionalismo, da futilidade e leviandade, da estupidez e vulgaridade, do recurso a quaisquer meios para excitar, ganhar e satisfazer audiências ensandecidas. Esta prática é replicada nas redes sociais, onde abunda a partilha de notícias falsas, fabricadas e postas em circulação por agentes sem escrúpulos de nenhuma espécie. A impunidade e a permissividade alastram. A sensação é de aflitivo desamparo, de que não há volta a dar, de que esta medonha involução civilizacional veio para ficar. Será possível sanear o entulho com o estabelecimento de um código ou juramento deontológico, semelhante ao de Hipócrates, que vincule os protagonistas dos órgãos mediáticos (proprietários, jornalistas, comentadores) e os atores nas redes sociais? Até onde querem os cidadãos que o Estado vá na regulamentação desta área? E aonde tal controlo nos levaria? Como diz Mário Vargas Llosa, o panorama televisivo afastou-se da tonalidade dos livros, não acompanha alguns programas das estações de rádio e as incursões de uns quantos intelectuais nas páginas de raros jornais; carece de espíritos requintados, esmerados e exigentes. Enfim, a angústia desta hora chama por aquilo que tanto falta e tanta falta nos faz. 12. Da vida e da morte e da cidadania planetária "A vida é breve, mas cabe nela muito mais do que somos capazes de viver." (José Saramago) A pandemia contém o mote para repensar a alegria da vida e a tristeza da morte. Somos mortais, nós e os outros, não apenas no final, mas durante toda a vida. A dicotomia tem que ser abolida, porquanto o contrário do viver é mau-viver, e aprender a morrer pressupõe o aprender a viver e o


bom-viver. Trata-se de levar vidas autênticas, de retirar a existência do vale-de-lágrimas, em que a maioria das pessoas a gasta. As prodigiosas criações, invenções e produções dos humanos são um meio para exaltar e não o fim a que se deve submeter a nossa passagem pela Terra. A transfiguração é pressurosa. Temos que nos encontrar no ofício de pensar (pôr um penso) o mundo e decifrar os seus gemidos. Num tempo de tanta produtividade em todos os domínios, ocasionada pela tecnologia, não é manifestação de sensatez insistir na vertigem e velocidade temporal, na agitação e voracidade das vidas. Esta hora clama por calma e paragem, por um salto de qualidade na senda da civilização. Byung-Chul Han repete o aviso de Nietzsche: é mortífero o ‘acionismo’ e o desdém da contemplação: o olhar vagueia errante, incapaz de lobrigar e expressar algo da ordem do espanto. Sem o postergado ingrediente da contemplação, “toda a vida humana terminaria numa hiperatividade fatídica”. Mais, “a falta de serenidade conduz a nossa civilização a uma nova barbárie (…) Uma das correções que urge, pois, fazer ao caráter da humanidade é desenvolver, e em grande medida, o seu lado contemplativo”. Gilles Lipovetsky & Jean Serroy apresentam uma solução: dada a dificuldade de instituir uma desaceleração generalizada, precisamos de projetar e erigir fortalezas e ‘ilhas de desaceleração’. A escola e a universidade podem e devem ser ilhas de desmontagem da hiperatividade e do hiperindividualismo tresloucado. Nesta era de caminhos bifurcados, são a sede ideal de uma insurgência, sem sangue e virulência nas intenções, nas palavras e ações. O seu coração não está definitivamente contaminado, pode soltar brados e hastear pendões, que anunciem e incendeiem uma ‘revolução suave’. Isto exige vontade para operar mudanças condizentes e reavivar o anticonformismo; exige a faculdade de recriar o saber e o fazer. Dita a abstenção de continuar a ‘oferecer’ mais do mesmo, sob a capciosa aparência de novidades. A pandemia expõe igualmente a desigualdade de usufruto da tecnologia digital. As aulas à distância são documentos da situação. A exclusão atinge muitos alunos, sem recursos para as acompanhar. Para não falar nos cidadãos confinados e ‘sitiados’ nas suas casas, privados de acesso ao mundo das informações e dos conhecimentos necessários para enfrentar a solidão. Ou seja, impõe-se que as entidades públicas não descurem esta dimensão qualificadora do ser cidadão. Uma outra lição da pandemia é sobre as fronteiras dos países. Fica provado que são artificiais; não garantem a saúde e a segurança de ninguém. Nenhuma deteve o vírus ou constitui vacina para erradicar a enfermidade. Ao invés, a ‘cidadania global e planetária’ demonstra uma generosidade e lhaneza que choca com os nacionalismos aberrantes e bafientos. A melhoria do mundo requer o florescimento do sentimento de proximidade e vizinhança entre os povos que o habitam. Somos compatriotas uns dos outros. 13. Conclusão: Princípio da Responsabilidade Aqui hoje terminam estas viagens / nas quais me acompanhastes / através da noite e do dia / e do mar e do homem. / De tudo quanto vos disse / vale muito mais a vida. Pablo Neruda Disse Winston Churchill: “Vivemos com o que recebemos, mas marcamos a vida com o que damos.” A doação não se circunscreve à partilha de bens materiais; abrange o ser e o estar, tudo quanto livra da banalidade o trânsito existencial. Face à desumanidade, indecência e injustiça que nos rodeiam, não podemos prosseguir encerrados dentro da caixa oficiosa, omissos e naufragados na cumplicidade do silêncio. O princípio da responsabilidade não cessa de ressoar como tambor ensurdecedor, desde os primórdios da civilização.


No Talmude da Babilónia, escrito pelos rabinos judeus entre os séculos III e V, está ínsita a obrigação de responder por nós e pelos outros, sob pena de perdermos a identidade: “Se não respondo por mim, quem responderá? Mas se só respondo por mim, serei ainda eu?” Victor Hugo (1802-1885) fustiga-nos com um estilete afiado: O acréscimo de liberdade faz aumentar a responsabilidade. Por sua vez, Ortega y Gasset (1883-1955) atualizou a prescrição talmúdica: “Eu sou eu e a minha circunstância; se a não salvo a ela, não me salvo a mim.” E Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944) concluiu de forma perentória: “Cada um é responsável por todos.” Esta não será uma boa circunstância para nós, se a não tornarmos benéfica para o Outro. Será boa ou má consoante a modelarmos, tendo em vista o bem comum. Não temos alternativa: quem faltar ao princípio da responsabilidade por todos, nega-se a si mesmo. A nossa voz tem que ser destemida, potente e audível na afirmação de princípios, valores, ideais e posições exaltantes. Numa hora de tanta animalidade e ferocidade à solta, ela não pode fatigar-se na defesa dos fracos e oprimidos contra os fortes e opressores. Deve ser o eco firme, vigoroso e ampliado dos anseios e inquietudes da Humanidade. Se for assim, por mais pequenos que sejamos, será a de um profeta gigante que se expande até aos recantos mais longínquos do universo. Acordemos e clamemos por claridade e renovação! A desdita do presente suplica por urgente substituição. O que faz falta para assumir os desafios atrás projetados e ir ao encontro das causas esquecidas e abandonadas? Edgar Morin ajuda-nos a ver: “Há apenas dois caminhos: o abismo ou a metamorfose. Rumo ao primeiro não é preciso esforçar-se, pois a ele nos empurram nossas carências e incompreensões. A direção do segundo caminho, porém, precisa ser cuidadosamente apontada…” “Não se pode reformar a instituição sem antes reformar as mentes, mas não se pode reformar as mentes sem antes reformar as instituições.” Fecho este conjunto de reflexões, pedindo desculpa pela mimese do Sermão de Santo António aos Peixes, do Padre António Vieira. Acrescento o veredicto, que li num filme, visto durante a madrugada de uma das muitas noites de insónia: “Acabar é começar. É do final que começamos.” Estamos condenados a repetir o começo, a recomeçar, uma e outra vez, a errar de novo, a errar melhor.

Profundamente convictos de que a chegada da primavera é inexorável. Sempre!

Período de nojo Para bem da minha sanidade, deixei de ver os programas televisivos dedicados ao futebolês, há vários anos. De vez em quando, recebo vídeos que comprovam o ambiente absolutamente escabroso e néscio que neles impera. Ontem, a caixa de correio eletrónico foi invadida por enorme quantidade de ficheiros prenhes do fedor exalado pelos programas e os seus tenores nos meses e semanas transatos. Se tivessem um pingo de decência e vergonha, os comentadores-mores do reino da bola remetiamse doravante ao silêncio. Os canais televisivos punham-nos na rua e demoliam o monturo da necedade. Nada disto vai suceder. Ao invés, a maioria dos cidadãos vai continuar a pactuar com a podridão, revelando bem o nível da cidadania vigente. As instituições desportivas adquiriram grandeza por obra e graça de atletas, técnicos e dirigentes dedicados e exemplares; perdem-na quando consentem que semelhantes arquétipos da grosseria, da ofensa, da imbecilidade, da idiotice, da incivilidade e chulice se acoitem sob a sua asa e zurrem em seu nome.


Da sabedoria e da idiotice O bom exercício da docência implica o cultivo e aprimoramento da intelectualidade; e como é chocante a falta dela em não poucos professores que, por isso mesmo, não o são de verdade! A leitura de livros é, pois, indispensável. Todavia, o professor também se forma e aperfeiçoa com as aprendizagens inerentes às circunstâncias da vida. A propósito, trago à colação o seguinte. Quando fui incumbido, por acordo entre os Reitores das Universidades de Coimbra e do Porto (Professores Rui Alarcão e Alberto Amaral), de elaborar o projeto de criação da FCDEF-UC, desloquei-me várias vezes à cidade do Mondego. O anfitrião era o Vice-Reitor Professor Poiares Batista, personalidade fascinante. Um dia, contou-me que, no tempo em que era assistente, o regente da cadeira incumbia-o de corrigir os testes. Certa feita, alguns estudantes obtiveram 09,00 valores. O assistente pergunta ao Catedrático: “O que devo fazer?”. Resposta sábia do segundo: “Reprove-os com 10,00!” Ora, nesta conjuntura de pandemia, há docentes universitários que reprovam alunos com 09,00 valores! Mais, em julho de 2007 tive que pôr em sentido (foi mesmo assim) os docentes de uma disciplina desportiva: usavam a mesma tabela, expressa em marcas e tempos, para avaliar os discentes, tivessem estes 20 ou 40 anos de idade! Enfim, o caminho para a sabedoria é longo; não está ao alcance dos idiotas percorrê-lo.

Educação: oportunidade para instaurar outra ‘normalidade’ ‘Só vivemos uma vez’. A frase contém uma verdade nua e crua: a finitude inexorável. No entanto, está gasta e não tem ocasionado profundas alterações nas instituições que traçam o rumo da existência. À cabeça delas vem a escola, aferrada a um logro fatal, e renitente a reformá-lo: a conformação da vida ao trabalho. Vivemos para trabalhar; não trabalhamos para viver. Isto é, ‘trabalhar’ e ‘viver’ confundem-se; o segundo reduz-se, na prática, ao primeiro. Sejamos claros: a escola persiste em subordinar a educação ao trabalho, em não alterar a visão deste! A subordinação perverte o sentido da vida e erige o meio em fim supremo, com consequências na estruturação mental dos indivíduos. Assim, quando chegam ao final da trajetória laboral, recai sobre eles o estigma do prazo de validade esgotado, da caducidade, da inutilidade, da velhice sem qualquer préstimo. Como anotou sabiamente Agostinho da Silva, a vida é medida pelo tempo do exercício formal da profissão. Findo este, a pessoa torna-se ‘velha’, um trapo descartável, posto de lado. Esta hora oferece uma oportunidade rara para encarar com radicalidade a ‘normalidade’ que rege a educação e a vida, para a deitar fora e instituir outra. Cumpre aos professores levantar a bandeira da urgente inovação da orientação e do currículo escolar!


Extraindo histรณrias com o faraรณ

RAMSSES DE SOUSA SILVA

Excerto de genealogia luso-maranhense:


VICTOR PINHEIRO, UM HERÓI ANÔNIMO NONATO REIS Uma pessoa muito querida tentou restaurar a foto dos meus avós maternos.1947. Meu avô Victor Dias Pinheiro,Minha Avó Isabel Ataide Pinheiro e meu tio João Ataíde Pinheiro. Minha mãe Maria ainda no ventre da minha avó Estes são os personagens desta história abaixo.

Parte do povoamento urbano de São Luís escapa da história oficial e das fontes formais de pesquisa. Foi liderada por cidadãos comuns, porém idealistas, corajosos, que, impulsionados pelo desejo de servir, expandiram os limites da cidade para além do contorno histórico e dos núcleos tradicionais. Abriram caminhos, organizaram vilarejos, criaram as condições mínimas para o ordenamento demográfico. O Alto do Pinho, nas entranhas do Cruzeiro do Anil, é uma espécie de colina, hoje transformada em bairro com ruas, comércio, escolas, luz elétrica, linha de ônibus e serviço de água tratada. Porém, no início do século passado, era mata virgem. Do ponto mais alto podia-se avistar o bairro do Anil e as embarcações, carregadas de fios de algodão, que adentravam a Ilha e atracavam naquele ponto, cortado por um igarapé, para abastecer a fábrica de tecidos Rio Anil, localizada em suas cercanias. Recebeu essa denominação do seu primeiro morador, Victor Pinheiro, fiscal da fábrica. Ali se estabeleceu para cuidar das terras dos antigos donos do parque têxtil. Pinho é a forma reduzida de Pinheiro, o sobrenome de Victor. O lugar era uma floresta cortada por rios e córregos, viveiro de animais silvestres. Plantou árvores frutíferas e cultivou lavoura. A partir de um olho d’água, construiu uma bica, que passou a abastecer com água potável os moradores da região. Mães solteiras usavam a bica para lavar roupas e garantir o sustento seu e dos filhos. Compadecido com o sofrimento daquelas pessoas humildes, Victor permitia o uso da fonte sem cobrar nada. Assim nasceu o vilarejo que, muitos anos depois, se transformaria em bairro.


Em 1944 o Alto do Pinho já era uma espécie de chácara repleta de pés de mangueiras, goiabeiras e outras árvores frutíferas. Um dia ele viu uma moça de 19 anos na copa de uma mangueira, a colher mangas. Pode-se imaginar o diálogo que se seguiu entre os dois: - Minha filha, o que você faz aí trepada? -Moço, estou pegando mangas. Não está vendo? - Você não pode fazer isso. Este lugar e tudo o que há nele é de propriedade dos donos da fábrica. - Moço, eu tenho fome! Chamava-se Isabel Pereira Ataíde, nascida em Primeira Cruz. Viera com a mãe e os irmãos tentar a vida em São Luís. Foi amor à primeira vista. Isabel com seus trejeitos ainda de criança levada, escalando pés de manga dos terrenos próximos, conquistou o rapaz já maduro. Casaram-se em uma cerimônia católica na catedral de São Luís e foram morar no extenso terreno da Fábrica do Rio Anil, onde no ponto mais alto, e sob o beneplácito dos donos do terreno, Victor ergueu sua casa. Ali construiu a família, formada de cinco filhos: João, Maria, José, Manoel, Pedro. Todos batizados com nomes de santos, que era “para dar sorte na vida”. Mais tarde, porém com a família já estabelecida em outro lugar, no mesmo bairro, nasceria a caçula, Maria Amélia. Victor trabalhava duro na fábrica para criar os filhos e dar-lhes um futuro melhor. Dizia que o saber é a única coisa que jamais pode ser tirado de alguém. Porém, o seu olhar estava sempre voltado para o bem da comunidade em que vivia. Com a permissão dos donos da empresa, ele pegava os tecidos que apresentavam defeito e os distribuía aos mais necessitados. Às vezes, a situação complicava e ele precisava expor a própria vida. Um primo, num acesso de alcoolismo, armado de uma faca, investiu contra a barriga da própria esposa, que estava grávida. Victor intercedeu e salvou a mulher e, de certa forma, também o parente e o bebê. Reconhecidos, o casal convidou Victor para ser o padrinho da criança. Nos anos 70, já com a fábrica falida, teve que mudar de emprego e de ofício. Foi trabalhar como pedreiro e também na construção de portas, janelas e telhados. Virou mestre de obras e carpinteiro do colégio Santa Teresa, sendo um dos responsáveis pela configuração física atual da escola. Por ser o primogênito da família, avocou para si a responsabilidade de cuidar das duas irmãs, mesmo casadas, e ajudou a construir casas para todos os sobrinhos. Passou a vida toda ajudando a todos, trabalhando duro para ser bom pai e tendo que ajudar sua esposa que tinha problemas graves de saúde, além da sogra, que era cega e aleijada. A doença de Isabel progrediu e foi preciso operar do coração. Meses depois veio a óbito, levando consigo a alegria de viver dele. Não mais quis se casar. Sozinho, carregou sua vida até a morte. Ainda durante a doença da mulher, para evitar que ela se obrigasse a fazer esforço físico, escalando a ladeira até onde moravam, vendeu a propriedade do Alto do Pinheiro e se estabeleceu em uma casa na avenida São Sebastião, onde viveu os últimos dias. Victor Pinheiro nunca almejou a glória, nem jamais reivindicou para si reconhecimento de qualquer espécie. Nasceu e viveu na simplicidade. Por tudo o que fez para melhorar a vida das pessoas que conviveram com ele, merecia ao menos um registro na história da cidade como um de seus personagens mais valorosos. Sua vida foi um exemplo de superação. Jamais freqüentou escola, mas aprendeu a ler, escrever e a aplicar os princípios básicos da Matemática, por esforço próprio. De origem humilde, tinha tudo para viver e morrer na obscuridade. Porém acabou eternizado na memória de muitos, a quem ajudou a aplacar o sofrimento, com seus gestos de generosidade e amor ao próximo. O Alto do Pinho, que carrega o seu sobrenome, será, para sempre, a prova mais concreta da sua existência e da sua lição de vida. Dedico esta crônica a Margareth Carvalho, neta de Victor Pinheiro.


OS "SANTOS JACINTO" DE SÃO LUÍS E SÃO JOÃO BATISTA-MA. Este ramo tem origem no Dr. Antônio Santos Jacinto, nascido em Sergipe em 1827 e que se radicou em São Luís anos depois atuando como médico particular de membros ilustres da sociedade ludovicense. Casou-se com D. Guilhermina Amélia de Freitas (foto), que era amiga particular de D. Anna Jansen. Após ter seu nome relacionado ao laudo cadavérico do crime cometido por D. Anna Roza Lamagnère Vianna Ribeiro, a Baronesa de Grajaú, refugiou-se com a família em terras do atual município de São João Batista, onde fundou a fazenda "Boa Fé", praticando filantropia até o fim da vida. As terras da antiga fazenda, atualmente, fazem parte de território quilombola. Porém, o Dr. Santos Jacinto e D. Guilhermina deixaram vasta descendência, tanto em São João Batista, quanto em São Luís e no resto do Brasil.

Créditos: Nelsinho Guimarães Arruda Linhares; Fonte: Panteão Médico Maranhense, de Olavo Correia Lima; Foto: D. Guilhermina Amélia de Freitas.


MÃE DUDU - MULHERES QUE NÃO DEVEM SER ESQUECIDAS DA HISTÓRIA DO TAMBOR DE MINA DO MARANHÃO.

Vitorina Tobias Santos, ou simplesmente Mãe Dudu, uma das mais cotadas e articuladas lider da Casa de Nagô Abioton em todos os tempos. Mãe Dudu, nasceu no município de Viana, precisamente no povoado de Castelo, próximo ao Rio Pindaré, no dia 02 de Novembro de 1886. Dudu conhecia a origem africana de seus avós que diziam serem das etnias Balantas e Bijagós, Nalus e Manjaros respectivamente. Sua avó materna Dona Aurora, era negra forra e a sua mãe Sebastiana Maria dos Santos, nasceu livre e faleceu em 1945. Sabia que seu pai Ataliba de Jesus Morgado, branco descendia de ingleses e portugueses, sendo a família deste fundadora da cidade de Matinha, na baixada maranhense. Seu pai era dono de partes dessa terra e "abusou de sua mãe" quando esta ainda era muito jovem a deixando gravida de Dudu. Dudu foi a mais velha de dez filhos, alguns de pais diferentes e ela foi criafa com três irmãs que morreram ainda jovens. Mãe Dudu contava que veio residir em São aos quatro anos de idade, pois um dos seus tios, que trabalhava nas caldeiras da recém construída Fábrica do Anil, a trouxe para São Luís para que ela estudasse tomando conta dela dos dez anos enquanto viveu. Mãe Dudu gostava de contar que nasceu duas vezes. A primeira às três horas da tarde de uma terça-feira e na quarta-feira da madrugada sumiu do berço "os invisíveis" a levaram. Em casa todos procuraram pela aquela criança feito loucos, estavam ainda procurando quando apareceu um homem muito bonito num cavalo dizendo ter ouvido o choro de criança por perto e que procurassem em determinada direção. Seus parentes foram cortando o mato do lado apontado, encontraram Dudu entre os espinhos num pé de Marajá. Embora Dudu estivesse com muita fome, pois já era noite de uma sexta-feira e passara mais de dois dias desaparecida, estava bem. Dizia ela que talvez fosse Xapanã (Obaluayê) que a encontrou e apareceu no homem do cavalo.


Dudu dançou na Casa de Nagô em 1912. Era filha de Yemanjá e, anos depois recebeu Lego Xapanã, sua Senhora veio numa festa de São Pedro. Ela teve que ficar 8 dias recolhida, sem poder sair do quarto. No começo não gostava de ser mineira (adepta ao tambor de Mina) e dizem que ficou muito zangada quando recebeu orixá. Mae Dudu faleceu em São Luís do Maranhão às 11 horas da manhã do dia 28 de Janeiro de 1988 com 101 anos, e seu corpo, conforme sua vontade foi levado para Casa de Nagô onde foi feito seu axexê (tambor de choro) a noite inteira. Essa foi uma resenha mínima sobre essa importante sacerdotisa do Tambor de Mina do Maranhão que liderou a Casa de Nagô Abioton por muitos anos.


O MORGADO DA QUINTA DAS LARANJEIRAS.

Quem estudou no Colégio Maranhense - Maristas ainda no centro da cidade, como eu, guarda um certo saudosismo que poucos das gerações mais recentes vão entender. Ao descer do ônibus na Praça Deodoro, geralmente se entrava na escola pela porta à época tida como principal, no canto que dá de frente para a quadra do antigo Cine Passeio, pertencente à família Duailibe Por vezes, no entanto, quando se descia em outro ponto da praça, seguia-se pela frente da Embratel, e dava-se de cara com a Capela das Laranjeiras, seguia-se reto e entrava-se por um, até então, misterioso e antiquíssimo portão, encimado por um imenso Brasão de Armas e protegido por dois frades de pedra de cantaria. Uma rústica porta de madeira de lei estava aberta, à espera do alunado que chegava para as aulas da manhã. Eu, por não estudar sempre no Centro, conhecia pouco do lugar. Os ares de antiga Quinta, um misto de velha propriedade colonial e fortaleza pairava no ar nessas primeiras horas da manhã e dava ao lugar um aspecto lúgubre que é difícil de explicar. Achava tudo muito amplo e, por curiosidade, resolvi buscar informações sobre o lugar onde agora funcionava a escola Mariana. O prédio era, claro, antigo. Mas me soava descontextualizado daquele portão e daquela capela que tangenciava o terreno. Aquilo tudo, apesar de ainda muito amplo, era o pouco que sobrara do antigo Morgado de São José das Laranjeiras. Era a antiga Quinta do Barão. Pois bem, vamos por partes; o morgado era uma antiga forma de organização familiar outorgada pelo Rei que dava direitos a uma determinada família de criar uma linhagem e garantir privilégios sobre bens materiais e imateriais. Era um vínculo definitivo que visava garantir a perpetuação do poder econômico de um clã, geralmente por conta de sua profissão, passando essa riqueza às gerações futuras através dos filhos primogênitos. O morgadio entrou na legislação portuguesa em 1603 e extingiu-se em 1863. Voltando ao tema principal, descobri que a Quinta das Laranjeiras era a cabeça do morgado que se estendia desde o Caminho Grande (Rua Grande) até as imediações do Caminho da Boiada, abrangendo o Parque do Bom Menino, o Apicum, a Av. Cajazeiras, fonte do Apicum e áreas vizinhas.


O primeiro proprietário e criador do morgado foi o riquíssimo capitalista português José Gonçalves da Silva, natural de Braga, denominado pela sociedade da época de "Barateiro", por suas inúmeras obras filantrópicas à Santa Casa de Misericórdia, aos retirantes de secas no sertão nordestino e de suas doações ao Reino, quando do conflito contra a França. O Barateiro era alcaide-mor na Vila de Itapecuru Mirim, governador da fortaleza de São Marcos e brigadeiro dos Reais Exércitos Portugueses. Foi ele quem mandou erigir em 1811 a capela, o portão da Quinta e a enorme casa colonial com senzala dentro da propriedade. Quando o Barateiro morreu em 1821, aos 72 anos, o morgado passou para a responsabilidade de sua primogênita Maria Luiza do Espírito Santo e seu marido, o brigadeiro Paulo José da Silva Gama Filho, o segundo Barão de Bagé. Daí o nome que os populares deram ao Morgado das Laranjeiras; a Quinta do Barão. Após a extinção dos morgados na legislação portuguesa e após sucessivas trocas de proprietários com a morte dos primitivos donos, a imensa propriedade foi-se dividindo ao longo do tempo e, o que se via quando lá comecei a estudar era o que os Irmãos Maristas tinham adquirido em 1939 junto à Arquidiocese do Maranhão para a construção de um colégio católico. O que havia restado do antigo morgado, já em ruínas, foi posto abaixo para a construção do prédio atual. Somente o portão e a capela foram preservados. Após a transferência do Marista para o bairro do Araçagi, tudo isso virou responsabilidade do Governo do Estado, que lá mantém uma escola que funciona em tempo integral. Como seria a casa grande do morgado? Como seria a senzala? Que especto tinha a antiga Quinta? Talvez jamais saberemos, visto que muita coisa foi sepultada por construções mais modernas. Mas, uma coisa é certa; o Barateiro está lá até hoje! Deve estar atrelado aquele lugar, assim como nós, ex alunos. Onde? Sepultado dentro da sua Capela das Laranjeiras, a vigiar e zelar pela seu antigo Morgado. A culpa não é dele; disseram-lhe ser vitalício...


SOBRE LITERATURA & lITERATOS


VIVER O LUTO EM TEMPOS DE PESTE CERES COSTA FERNANDES Ritos funerários são antigos como a história do homem, sítios pré-históricos acusam corpos preservados em urnas de argila nas cavernas. Crença em uma vida futura? Desejo de preservação da pessoa? Conhecemos os ritos funerários dos egípcios, embalsamamentos, tumbas abastecidas de comidas, tesouros e até criados, para quando os mortos acordassem. Nenhuma outra civilização cultuou tanto a morte. Morte, a grande incógnita, mistério maior da humanidade, causa da busca das religiões, das angústias e incertezas do ser humano tão insignificante e frágil. Estamos aqui, juntos, felizes, de repente, não estamos mais. O choque da perda, o medo do desconhecido, do vazio, levam à busca da imortalidade, da permanência por meio de ritos, cerimônias, magias. Philippe Ariès, em O Homem diante da morte, nos fala dos cemitérios extramuros da Idade Média, com túmulos e mausoléus vizinhos aos dos heróis e dos santos para que suas qualidades fossem transmitidas post mortem, uma ajuda na salvação das almas. Os cidadãos importantes eram enterrados no subsolo ou nas paredes das igrejas, mais perto ainda da salvação, costume observável até os séculos XVII e XVIII. No Brasil, até o primeiro quartel do século XX, hospital era para as cirurgias e doenças infecciosas; havia o médico da família, paria-se, adoecia-se, morria-se e realizava-se o velório em casa. O moribundo, na própria cama, rodeado de parentes, aderentes e vizinhos, com a sanção de quem viveu tudo, se despedia e ditava as últimas recomendações à família. Walter Benjamim, no ensaio O Narrador, diz sobre a autoridade da morte: “A ideia da eternidade sempre teve na morte a sua fonte mais rica” [...] “é no momento da morte que o saber e a sabedoria do homem e sobretudo sua existência vivida, assumem pela primeira vez uma forma transmissível”. Na atualidade, a morte foi afastada das residências, cada vez menores, inadequadas para velórios. A falta de tempo dos familiares gerou o costume de enviar pessoas para os hospitais ao menor sinal de doença e a maioria morre lá, geralmente em UTIs, sem ter seu momento final de autoridade. A dignidade da morte foi substituída pela corrida desenfreada da aplicação dos métodos de prolongamento da vida, até às suas últimas consequências, e as pessoas morrem em estado vegetativo, sem consciência. Ainda assim, os doentes contavam com o cuidado e a companhia de familiares nos seus últimos momentos. Seguíamos os antigos rituais mortuários, velórios com amigos flores, orações, enterros com abraços e choros à beira do túmulo. Tais coisas, obviamente, não servem aos mortos, mas servem para minorar o luto da família e dos amigos. Depois, missas ou cultos completam a liturgia da morte, que tem que ser vivida para que se complete o ciclo da vida. No isolamento social, estamos privados de tudo isso. Não podemos adentrar aos hospitais, fazer companhia aos doentes e moribundos, realizar velórios e até a missa ou o culto do sétimo dia há que ser virtual. As famílias não mais se abraçam, choram no ombro, fica a sensação de incompletude e abandono. Aos velórios, enterros e missas de amigos não vamos mais, tudo se realiza virtualmente. Em alguns lugares as pessoas são enterradas de pacote e perde-se a referência do local exato dos restos mortais. A desconfiança de estar velando corpos alheios procede e desanima os ritos e homenagens. Grandes transformações de comportamento ocorrem pós-guerras, catástrofes e pandemias e, geralmente, vêm para ficar. Temo que este comportamento em relação à morte permaneça e tenhamos chegado ao derradeiro estágio da morte asséptica, que passa pelo isolamento das UTIs e crematórios e esconde sua face dos vivos. Talvez ignorar a morte seja o novo normal.


COMO ‘GRAÇA-PEGA’ SE ENCANTOU NUMA SEXTAFEIRA DE ABUSÃO FERNANDO BRAGA Desembalado, descia a ladeira da Rua Jensen Müller, em rumo à Praia do Caju, a carroça alvoroçada de ‘Graça-pega’, levando-o à frente, sentado em tábuas trespassadas, como um argonauta de miríficas criações; vestido em calças cosicadas de pano de saco e de camisa de brim, com os pés descalços, já moldados ao calçamento das ruas e becos da velha cidade, a levar aos ombros uma chibata de coro cru, mais como identidade de carreiro que propriamente de açoitador aloprado como poderia parecer, porque ele não tocava nem com uma flor naquele seu castanho burro de lombo largo e de viseiras às fuças, já que seu amor por ele era de um filho, de um arrimo de família, de um ganha-pão, e também, por ser ‘Graça-pega, possuidor de um caráter diamantino, razão pela qual, apenas fazia menção de usar o chicote quando o pirracento burrico, por seu ânimo natural de teimosia, emburrava, só mesmo não se esparramando ao chão por causa do refreio das argolas que o atrelavam ao carro. O manhoso animal de carga que puxava a carroça de ‘Graça-pega’ se parecia muito, no instinto, com aquele burrico do texto narrado pelo Conselheiro Aires, e contado por Machado de Assis no livro ‘Esaú e Jacó’, que em certa altura, quando o velho diplomata ao vir os olhos redondos de um burro que puxava uma carroça a atrapalhar o trânsito na travessa São Francisco, no Rio de Janeiro, e neles uma expressão profunda de ironia e paciência, leu no animal este monólogo: “Anda patrão, atulha a carroça de carga para ganhar o capim de que me alimentas. Vive de pé no chão para comprar as minhas ferraduras. Nem por isso me impedirás que te chame um nome feio, mas eu não te chamo nada; ficas sendo sempre o meu querido patrão. Enquanto te esfalfas em ganhar a vida, eu vou pensando que o teu domínio não vale muito, uma vez que me não tiras a liberdade de teimar...”. A bondade e a paciência do burro de ‘Graça-pega’, que nunca lhe dera um imerecido coice, que nada exigia, mas que também tinha a liberdade de teimar era filosófica, igual ao do analisado pelo Conselheiro Aires, a suplantar, e muito, o que se chama de racional, trazido consigo pelo seu pusilânime dono, o carreiro. ‘Graça-pega’ era um negro quase azul, forte, alto e espadaúdo, que bebia sempre uma talagada de ‘tiquira’ [aguardente de mandioca] na ‘quitanda de Caboco’, no Beco dos Barqueiros, quando lá passava, e costumeiramente o fazia, a trazer uma guimba de cigarro apagada, grudada nos beiços ressequidos e, por vezes, para ‘aliviar-lhe a cabeça’, como dizia, atrelada atrás da orelha, uma ‘beata’ de maconha, que em São Luís é chamada carinhosamente de ‘diamba’, comprada na boca de fumo do ‘Nháugura’, esquisita figura que transitava pela Praça da Saudade a se aproveitar de incautos e detraquês, para quem vendia pontos de tômbolas e bilhetes de rifas de objetos que não existiam, a desafiar, assim, os mais comezinhos princípios da traficância e do estelionato. Com as puxadas sufocantes da erva, os olhos de ‘Graça-pega’ ficavam mais vermelhos, a realçarem no branco das órbitas, como tochas de fogo, numa aparência com o ‘demo’, que só não se fazia perfeita por faltar-lhe o rabo a cair-lhe pela bunda abaixo, e os chifres a saírem-lhe das têmporas angulosas de sua cabeça grande que mais se parecia um coité. Justiça se lhe faça – diziam todos -, afora esses defeitos e hipertrofias, ‘Graça- Pega’ era o melhor carroceiro de toda São Luís, rápido e preciso nos horários, a correr pelas ruas da cidade, a gritar seu cognome em alto e bom tom, ‘Graaaaaaaça-peeeeeega’ não sei donde vindo, mas conhecido pelas crianças que o associavam, atemorizadas em horas de dormir, aquela sua estranheza com as entidades que habitam os mangues dos rios Anil e Bacanga, as ‘Iaras’ e ‘Caruanas’, isso por conta de quem lhes passava o terrível imaginário. Foi assim que ‘Graça-pega’ passou a figurar nas sagas dos sortilégios, por inteira responsabilidade das amas secas que o invocavam para as crianças –


depois das traquinagens do dia -, se retorcerem de medo em seus colos apaziguadores, a fazeremnas dormir, sem trabalhos, aconchegados ao som fanhoso das escápulas das redes a balançar. Ao descer a ladeira da Jensen Müller, em rumo da Praia do Caju, itinerário costumeiro, a carroça puxada pelo castanho burro e assolada em disparada por ‘Graça-pega’, acompanhava os trilhos dos bondes, para seguir, depois da Estação de trens, pela Beira-Mar, contornando as muralhas do Cais da Sagração, passando pela rampa de Palácio, bem perto do velho coreto, ponto de descanso de barqueiros, para, na mesma disposição desenfreada, virar à Rua do Trapiche e apear-se cheio de ‘salamaleques’ na Feira da Praia Grande. Ali, luzindo ao sol de ainda a pino, ‘Graça-pega’ recomeçava a sua luta – do meio dia para a tarde -, como falava grave e solene, transportando mercadorias dos armazéns de estivas e levando-as para os barcos ancorados nas praias do Desterro e Portinho, ou para ali mesmo na velha rampa de Palácio, dependendo da maré como enfatizava, ao longo de seus conhecimentos adquiridos com práticos mareantes, a exemplo dos tarimbados canoeiros ‘Pedro Olhudo’ e ‘João Bolinha’, que em horas de folga na travessia de passageiros para a Ponta d’Areia, faziam ganhos nos serviços de cabotagem, como catraieiros, a transportarem mercadorias para as velhas dragas e alvarengas da capatazia, e destas, para os navios cargueiros, balouçantes no canal da Baia de São Marcos, para de ali, naqueles canais, conduzidos e amarrados pela pericia de Severino, o ‘Prático da Barra’, zarparem pra o mundo. No Largo Fran Paxeco, antigo Largo do Comércio, se posta a Feira da Praia Grande, antiga ‘Casa das Túlias’, construída nos albores dos bons lucros mercantis do século XIX, em cujo postigo de ferro do velho portão de entrada, lê-se o ano de 1874, hoje apenas dedicada ao mercado de secos e molhados, e espaço de gente das mais variadas gamas de comportamentos e aflições, uns, à procura de aconchegos, outros, brincantes de tragédias e folias, mas também compradores, entre os turistas admiradores da variedade existente na Feira, e mais vadios, trabalhadores e transeuntes, a se perderem nos rebuliços contagiantes e nos pregões dos vendedores de peixes e camarões, expostos em largos cofos [recipientes trançados em palhas]; tapiocas e farinha d’água em paneiros, à mostra; cachaças de diversos lugares do interior, mais ‘tiquira’ [aguardente de mandioca], azulada para atarantar a ideia dos que gostam, e para a cura de outros, como remédios; fumos de corda, guloseimas variadas como bolos de fubá, manuês e mingau de milho, que em São Luís, por ser a mais lusíada das cidades brasileiras, não poderia fugir à condição de trocista, em chamá-lo também de ‘chá de burro’; tigelas com juçara [açaí] para serem saboreadas com farinha d’água e camarão seco; redes de todas as cores e todas as linhas; frutas tropicais, como laranjas, goiabas, mexericas, caquis, morangos, cocos d’água etc., e mais, as típicas do Maranhão, como bacuri, cajá, buriti [esta também em doce], mangaba, graviola, jenipapo, murici, ingá, sapoti, abricó e mais algumas; recordações folclóricas da cidade e apetrechos para despachos de macumbas. Era ou continua assim esse palco de ação, esse picadeiro de divertimento e mercancia em que ‘Graça-pega’ vivia apressado da vida, amigável com o burro e com os amigos, arreliado com os portugueses da Praia Grande, pelos preços dos carretos, e generoso com as mulheres dos cortiços da redondeza, amorosas lobas adestradas no ganho fácil. E sem o beneplácito da dúvida, ‘Graça-pega’ não tinha horas para trabalhar, mas obedecia, creio que por superstições e também por ossos do ofício, as enchentes e as vazantes das marés. Mas como tudo pode acontecer numa fresca madrugada, como dizem poetas e seresteiros, aconteceu com ‘Graça-pega’ que às tantas, de uma sexta-feira, ao voltar para casa, no bairro do Goiabal, e sem assuntar para nada, encantou-se, como em passe de mágica, às visíveis ‘consciências’ cumpridoras de penitências do fantasmagórico ‘Corso de dona Ana Jensen’ [lenda histórica de São Luís], que naquele instante passava pela Rua do Passeio sombria e encantadoramente triste, com o seu coche de ouro, justo naquele instante, puxado por cavalos também de ouro e sem cabeças, tendo às rédeas, escravos, os quais em vida foram mártires da perversa matriarca, a lampejar arrepios a quem tivesse olhos de vê-los e medo para senti-lo naquela pantomina alegórica de horror; um outro escravo, cônscio de sua condição, o que em São Luís se chama apropriadamente de ‘visagem’, batia, mais atrás, dolentemente, um pesado surdo, na cadência barulhenta das correntes que se arrastavam pelos calçamentos de paralelepípedos...


Aquele som de percussão se fazia cada vez mais próximo, como também mais próximo estava o barulho das correntes. Não sei ao certo, só sei que ainda meio atordoado e sonso de sono, levanteime para fechar a janela do meu quarto que dava para a rua deserta por onde entrava um forte vento de chuva a levar em rodopios as pesadas folhas caídas das velhas amendoeiras do ‘Campo do Luso’, quando deparei com um bizarro moleque da Ingazeira, do outro lado, escorado a um poste de ferro da iluminação pública, a batucar com o oco das mãos um ritmo sonolento de bongô...


O DELICIOSO SÃO JOÃO INCORRETO CERES COSTA FERNANDES Ah, poder ser tu, sendo eu! Ter a tua alegre inconsciência, / E a consciência disso!... ( Fernando Pessoa) É cada vez mais difícil ser feliz. Coisas antes inocentes, tais como empinar papagaio, tocar fogos de artifício, soltar balões, acender fogueiras nas ruas, transmudam-se em crimes hediondos. Linhas de papagaios provocam apagões, morte por eletrocussão e até por seccionamento de carótidas de motoqueiros! Belos e “inocentes” fogos, brincadeira de crianças de antanho, são responsáveis pela mutilação de milhares de pessoas! Os balões, vilões maiores, artefatos do demo, incendeiam refinarias e plantações. A tristeza de ser consciente volta meu olhar para horizontes interiores buscando uma época e um lugar: a infância e os festejos de São João do Largo de Santiago. Criança, pude curtir nesse mundinho a alegre inconsciência de ser feliz nas festas juninas. A expectativa emocionada do por vir era parte da semana que antecedia a festa: os fogos que meu pai comprava - estrelinhas, chuveiros, vulcões coloridos – guardados para o grande dia, eram conferidos no armário, momento a momento, a ver se realmente lá estavam; o vestido caipira - lindo! -, criação de Maria Costa, era mais que um vestido, semelhava um ser vivo, acariciado dentro do guarda-roupa ou abraçado diante do espelho. E o incomparável frio na barriga ao acompanhar a colocação das bandeirinhas coloridas na rua, liderada pelos dois quitandeiros que demarcavam nosso território, um em cada extremidade do Largo: Zezé Caveira e Seu Guilherme. Na casa de Seu Barbosa, a mágica oficina dos balões, acompanhava-se todas as etapas da construção, cada ano mais sofisticados e com um número maior de lanternas. No grande dia, o auê dos preparativos finais. Em todas as casas do Largo, as famílias providenciavam mingau-de-milho, manuê, cocadas, canjica. A contribuição infantil era a busca de paus para as fogueiras. Percorríamos todas as áreas vizinhas, até o proibido manguezal, atrás da Fábrica de Gelo, da antiga Fábrica Martins. Tudo pronto. É hora de vestir a roupa de xadrez, pintar a boca de batom ( ô, felicidade) e, no pequeno jardim, subir na mureta para soltar os ansiados fogos. É dando-se as mãos que se pula a fogueira e a escolha dos pares desperta ciúmes. Comadres e compadres, jurados ali ao pé da fogueira, são para toda a vida. As simpatias de amor aceleram o baticum do coração: uma faca virgem enterrada na bananeira do quintal escreverá o nome do futuro marido, à meia-noite. Diabo é quem tem coragem de ir ao fundo do quintal à meia-noite. Além do que nem bananeiras há na vizinhança. Simpatia mais fácil é escrever o nome do amado em pedacinho de papel e pendurar numa das lanternas do balão - Seu Barbosa deixa - e o recado vai direto para São João. Ai, meu Deus, não deixes cair o balão. È a Hora!. Atravessar a rua até a concentração do lançamento exige destreza: é preciso ir driblando os busca-pés. Há uma trégua para a subida do balão. Supremo êxtase! É em forma de dirigível! Um Zeppelin! Pendurada, vai uma cruz de lanternas levando os recados. O balão sobe até virar uma estrela. Depois desaparece. São João na certa o recolheu. Olho os anúncios coloridos dos jornais. Dança de bois, cacuriá, tambor-de-crioula, barracas de comidas celestiais, e decido: vou aproveitar a festa antes que declarem que a morte do boi é politicamente incorreta.


TEMPOS BONS! AYMORÉ ALVIM ALL, AMM, APLAC.

Nas décadas de 1950 e 1960, a vida corria bem tranquila aqui, em São Luís, a não ser, nos períodos eleitorais, quando sempre havia algumas escaramuças, mas não demoravam muito tempo. Aos domingos, as pessoas frequentavam pela manhã suas Igrejas, à tarde, passeavam de bonde, os da linha Gonçalves Dias eram mais frequentados, ou iam às vesperais de cinema, no Éden, no Teatro Arthur Azevedo ou, então, no Roxy. Havia outros salões de projeção como o Rialto, Rivoli, porém pouco procurados pelas famílias. À noite, tomar sorvete, no Bar do Hotel Central ou no Moto Bar, à Praça João Lisboa, era sempre uma boa pedida, além de percorrer a Rua Grande olhando as vitrines. Tranquila mesmo é um modo de dizer. Você podia sair de casa a qualquer hora, deixar a porta da rua só encostada, à noite toda, mas, em compensação, as pessoas viviam um tanto apavoradas com as assombrações que costumavam aparecer, às altas horas da noite. Falavam em carroças puxadas por mulas sem cabeça, procissões de velas e carroças com ossos que desciam a Rua do Passeio e outras tantas que povoavam o imaginário popular. Mas, o interessante é que havia quem jurasse de pés juntos que tinha visto tais assombrações. Por isso, sair à noite, principalmente, às sextas-feiras, era melhor não arriscar. Havia, nessa época, um motorista de praça chamado seu Romeu que contava para quem quisesse ouvir um episódio ocorrido com ele em uma noite de sexta-feira. Ele estava trabalhando, quando já próximo da meia noite foi deixar um passageiro, na Rua dos Remédios. Quando retornava pela Rua das Hortas, estava, à porta de uma das casas, uma senhora muito bem vestida que lhe acenou pedindo que parasse. Ele estranhou, a princípio, pois não era comum uma senhora desacompanhada andar de taxi àquela hora, mas... Ele parou e ela entrou, sentou-se no banco trazeiro, deu-lhe boa noite e pediu-lhe que a deixasse, na Praça da Saudade. Ele disse que foi tranquilo, conversando com ela durante todo o percurso. Nesse tempo, o motorista podia conversar com o passageiro, principalmente, à noite, pois havia poucos carros. Ao passar pelo portão do cemitério, ela lhe pediu que parasse. Romeu achou aquilo um tanto esquisito, mas parou. A senhora pagou, desceu e se dirigiu para o interior do cemitério. Romeu ficou encafifado. Tem gente que tem cada uma. Isto é hora de visitar cemitério? Pensou e desceu. Preocupado, se dirigiu até o portão que ficou entreaberto e falou. - Madame, a senhora não quer que eu fique aguardando? - Não. O senhor pode ir agora. - Mas a senhora não tem medo de entrar numa hora dessas no cemitério? - Quando eu era viva, tinha. Respondeu a senhora ou alma, sei lá.... Romeu esfriou dos pés à cabeça. A vista escureceu, ficou meio atordoado mas logo se recompôs e saiu gritando, pedindo socorro, em direção ao bairro do Lira. Ocorre que quando chegou ao final do muro do cemitério, vinha saindo de uma travessa um sujeito que por sinal era fanhoso e o vendo, naquelas circunstâncias, gritou:


- Eh! Rapaz, vem cá. O que foi? Não prestou. Romeu pensou que fosse outra alma e virou na mesma pisada, gritando. Tomou o rumo da Rua do Passeio e disparou em direção à Praça da Biblioteca. Próximo ao cruzamento com a Rua Grande, havia um barzinho que já estava fechando quando Romeu o invadiu. Olhos esbugalhados, botando os bofes pela boca, gritou: - “Ai, meu Deus! Me socorre, gente” e apagou. Após algum tempo, ele foi se recuperando. Os amigos, então, lhe perguntaram: O que foi, seu Romeu? Ele, ainda trêmulo, lhes relatou o ocorrido. Dois colegas que estavam no bar se prontificaram a ir com ele apanhar o carro que ficara aberto, na porta do cemitério. Depois disso, seu Romeu nunca mais trabalhou à noite. Como podem observar, naqueles tempos, motoristas apenas se assustavam. Atualmente, se assustam e são mortos. Agora, me diga? Antigamente era ou não melhor do que hoje? A palavra é sua...


TEMPOS DE ENCASULAMENTO CERES COSTA FERNANDES Nos EUA da década de 1990, o termo cocooning, encasulamento (de cocoon, casulo), passou a denominar a tendência de casais, ou mesmo de famílias inteiras, viverem encerrados no conforto de suas casas, com cada vez menos incursões ao mundo exterior. A tendência ganhou o mundo, fortaleceu-se com o advento da Internet, o uso múltiplo do celular, o trabalho em casa, as compras on line e todo o resto que se seguiu. Dirão que falo da classe alta, dos ricos, sim, quanto maior o poder aquisitivo, maior o conforto e não se pode comparar uma casa ampla com espaços privativos com um casebre onde pessoas se amontoam. Mas mesmo nas casas mais humildes, algo mudou, não há casa sem TV e também não há pessoas sem celular, instrumento capaz de segurar um jovem dentro de casa o dia inteiro. A maior preocupação dos pais nos tempos pré-internet era a de tirar os filhos da rua e, depois, o de arrancar os filhos de casa e do celular. Nos meses COVID, as pessoas (as conscientes) confinadas em casa, principalmente as mais velhas, lamentam o que poderiam estar aproveitando, restaurantes, cinemas, teatros, shows, confraternizações, etc. O que é proibido cresce no nosso desejo. A verdade é que já vínhamos nos tornando cocooners aos poucos, deixando de cumprir obrigações sociais (olha o nome: obrigações), faltar a shows, No próximo eu vou, teatros idem, Aquele filme tão bom passando, Há outro na Netflix, que também é bom. Passamos a viver entre grades, com medo da volta, na entrada da casa, com bandidos a nos esperar. No trânsito enlouquecedor, dirigir, de prazeroso, tornou-se tormento. Em casa, comentamos, Este ano não fomos ver dançar boi no São João, nem comer as comidinhas gostosas dos arraiais. De repente, lembramos que no ano passado também não curtimos quase nada. A neta paulista queria ir ao arraial do IPEM que diziam o melhor; fomos duas vezes, a primeira de carro próprio, nenhum estacionamento; voltamos. Na segunda, pegamos um táxi, e na porta do clube a fila de ingresso serpenteava, longe. Deixamos a neta com uma colega e fomos para casa. Dois dias depois, levamos uma amiga carioca ao arraial do CEPRAMA. Estacionamento lotado, ficamos horas à espreita de uma preciosa vaga. Lá dentro, nenhum lugar para sentar, sequer ficar de pé, a aglomeração era tanta que não se divisava nada. O boi dançava quase ao rés-do-chão. Víamos muito bem o topo das penas, ah não era boi, eram índios, porque a hierarquia é assim: iniciantes, dança portuguesa, cacuriá, tambor de crioula, bois menores e lá pras tantas, beirando uma hora da manhã, os grandes bois, Maioba, Maracanã e os bois de orquestra com as índias bonitas e garotões sarados. A amiga carioca subiu em uma mureta e lá ficou, equilibrando-se. Noite adiantada, fomos embora, sem esperar os figurões, pés doendo e estômago vazio, que garçom só apanhado a laço e refrigerante e pratinho típico era pra quem sofria caudalosa fila. Muitos creem que após a pandemia as pessoas terão aprendido a valorizar o outro, a presença física reforçando os laços da amizade, haverá mais generosidade, menos egoísmo. Sou mais pessimista. Aberta a porteira, muitos correram para continuar a fazer o que sempre fizeram, atropelando a todos, em prol de si mesmos; outros descobriram o charme da vida interior, a facilidade de fazer coisas à distância, a simplificação da vida, a delícia de conviver com os filhos, a leitura, a alquimia da cozinha e a interação com as plantas. Acho que houve um acentuado aumento na tribo dos cocooners.


QUITANDAS CERES COSTA FERNANDES No meu universo infantil, em um tempo mais ou menos distante, habitava uma quitanda. Era numa rua à beira do Rio Itapecuru, na cidade de Rosário, perto de casa. Retenho dela alguns flashes: chão batido, potes de vidro com balas leitosas de listras coloridas e chupetas de açúcar; rolos de negro fumo de corda no chão, qual cobra enrodilhada para o bote, e um amontoamento de mercadorias ordinárias, de onde poderia surgir o encantamento de uma máscara de papelão pintada à mão, um reco-reco, uma boneca de tiras de buriti ou até mesmo um passarinho de madeira que batia as asas. Compondo outro plano – este se move – em tons de sépia, estão os caboclos barqueiros, que ali iam comprar fumo e beber cachaça. De um moreno encardido, com camisas de algodão cru, calças arregaçadas, pés descalços de dedos escarrapachados, pareciam todos iguais. Mas, não. Uma coisa os diferenciava: a arte das cusparadas no mascar o fumo de corda. Havia o estilo próprio. Uns cuspiam, por entre a falha dos dentes, um jato fino e comprido; outros menos criativos cuspiam de banda, curtinho. Mas havia um cuja imagem se destaca e se superpõe à dos outros – como uma colagem –, do qual o cuspo partia fino para se abrir em flor antes de alcançar o solo de areia fora da quitanda. Coisa de raro talento. Ligado fortemente à imagem desta quitanda está a do meu guardião, o querido Tio Janu, sempre no encalço da sobrinha fujona – ali decididamente não era lugar para meninas – portador de recados ameaçadores de minha mãe, para os quais, é forçoso confessar, eu me lixava. Pulo para São Luís, onde guardo outra quitanda emblemática: a de seu Guilherme, no Largo de Santiago. Uma quitanda típica de bairro. Pequena, entulhada de mercadorias que ocupavam as poucas prateleiras, o chão e o teto, de onde pendiam lamparinas, bonecas de plástico, canecas, abanos, espanadores e papagaios. Ali, podia-se comprar tudo a retalho: uma colher de café, uma cabeça de alho ou uma quarta de feijão. O balcão de madeira rústica, enegrecido do uso e pelo corte do sabão em barra, ostentava a famosa balança de dois pratos e tentadores vidros de doces com as deliciosas chupetas açucaradas, mariolas, chocolates Bis, balas de figurinhas... Ma-ra-vilha! Artistas sempre os há. E na quitanda citadina, a manifestação artística era do próprio quitandeiro. Eu admirava a espantosa rapidez de seu Guilherme no empacotamento das mercadorias. Com um papel cinza grosso, apenas enrolando as bordas com os dedos, sem o uso de cordões ou fitas colantes, ele fazia pacotes perfeitos. Porém, a sua virtuosidade sublime era o empacotamento da manteiga. Se alguém chegava pedindo a dita cuja, com o respeito devido à arte, eu segurava a respiração para acompanhar a cena que viria a seguir. Era assim: chegava o emissário da dona de casa e pedia “uma quarta de manteiga”; o quitandeiro tirava de uma lata enorme, com uma colher de pau daquelas de mexer feijoada de batalhão, porções de manteiga Gaivota ou Flor da Nata, pousando-as suavemente no prato da balança coberto por um papel “gelatinado” quadrado; depois pegava as pontas do papel, juntava, dobrava, dava um rasgo no meio da dobra, outra dobra, e zás, estava feito um saquinho que o comprador levava seguro pelas pontas unidas. Eu tinha vontade de aplaudir. Quem disse que quitanda não é cultura? Por fim, digo que a quitanda era acima de tudo um espaço democrático. Acolhia os bem aquinhoados nas compras emergenciais e também os pobres de modo que não se envergonhassem de comprar uma colher de café ou dois dedos de óleo. Ainda hoje, elas sobrevivem, nas pontas de rua dos subúrbios, servindo de refúgio aos que, compram aos bocadinhos apenas para a necessidade da hora. Lá, ainda se vende a cachacinha ou o fumo de mascar – este só para os mais velhos, que não têm para quem deixar a sublime arte do cuspe ornamental.. A arte do empacotamento, com o advento da oitava praga do Egito, o saco plástico, perdeu-se. Quem souber de alguma quitanda onde se execute o empacotamento da manteiga a retalho, me avise. Prometo assisti-lo com unção. Mas, se ainda houver algum devoto desse ofício, duvido muito que ele repita a performance divinal de seu Guilherme. Ah, isso duvido!


LEMBRANÇAS POÉTICAS DE UM CAÇADOR DE SONHOS FERNANDO BRAGA in Apontamentos para o livro ‘Versos cinzentos’ do escritor e poeta Samuel Barreto, 2015, com modificações naturais, em virtude do falecimento do poeta; Originais in ‘Conversas Vadias’ ´toda prosa], antologia de textos do autor. Ilustração: Capa do livro ‘Versos cinzentos’, do poeta Samuel Barreto, aqui enfocado.

Samuel de Sá Barreto, Pedreiras, Maranhão, 8 de outubro de 1968 – Pedreiras, MA, 13 de julho de 2020. Na manhã de 24 de agosto de 1951, o jornal ‘O Combate’, de São Luís, dirigido por Nascimento Moraes e secretariado por Erasmo Dias, estampava em manchete: “Morreu o poeta Corrêa de Araújo, o último guriatã de Atenas!” Graças a Deus não seria o último, porque só em Pedreiras, onde nasceu Corrêa de Araújo, que mais tarde viria a ser ‘O Príncipe dos Poetas Maranhenses’, nessa época atravessavam a primeira infância João do Vale, Kleber Lago, Anely Guimarães Kalil, Raimundo Fontenele e Nagib Jorge Neto, como também, por lá já viviam, encantados pela magia da ‘Princesa do Mearim, os poetas José Chagas, chegado de Piancó na Paraíba, e Manuel Lopes, vindo de Dom Pedro. I - Quis a destinação de Deus, que uma década e meia depois do falecimento do autor de ‘Harpa de fogo’, em Pedreiras, nascesse o poeta Samuel Barreto, que agora nos honra escrever estas breves linhas sobre seus ‘Versos Cinzentos’, livro em que imprime o colorido de um azul de primavera, apesar de o cinza, ou ‘gris poético’ nele evocado, sob o olhar da poetisa e escritora Ana Néres Pessoa Lima Goes, no prefácio do livro, serem “ verídicos, brancos, rimados, em suma: Cinzentos versos. Cinzentos! Porque das cinzas é o mais belo e lúdico renascimento, como nos encena a Fênix! Cinzentos para poderem renascer à luz de cada olhar lançado sobre eles, de cada compreensão leitora, dos desejos dos quais cada alma necessita.” Na contracapa do livro, Samuel Barreto evoca sua ‘Primeira canção de saudade’ [in Cadernos de Passagem, EDUFMA,2013]. Deixamo-lo contar ou cantar: “Fui refazendo alguns passos da minha distante infância e senti minhas pequenas mãos roçarem em uma espinhenta e carinhosa barba ainda por fazer, enquanto minha Mãe preparava o café para todos, e não éramos poucos, além da gente, a casa sempre abrigava mais, e é assim a vida inteira... Tive a sensação de ouvir aquela melodiosa voz cantando uma das muitas canções que ele sempre entoava, mostrando-nos um caminho para o bom gosto genuinamente brasileiro. Voltei para o espelho que continuava ali como se me esperasse, e entre lágrimas vi o rosto de meu Pai refletido no meu.” Abro aleatoriamente os originais e deparo com Zeus ou Baco, o mesmo deus do vinho que reina no Olimpo; o primeiro romano e o outro grego; o certo que o poeta lhe faz esta homenagem em ‘Benditos olhos’: “Benditos os olhos de Zeus / que no Olimpo tem nome, / rezando pelos ateus / nessas vielas da fome.” [...] “Nessas vielas da fome / já ouço o nome de Deus, / alguém gritou seu nome, / querendo pão para os seus.” [...] “Um pão de pouca migalha /que pela boca se some / a dor no peito se espalha / daquele que nunca come.” Para finalizar: “A morte que nunca falha / pelo vazio um pronome /a dor do fogo de palha/ Com a crua cara da fome.” Pouco adiante, Samuel Barreto maneja a forma fixa com maestria, e a sentimentalizar as quatorze linhas clássicas entrecruzadas, ele nos revela nesta ‘Colheita’ a pujança do soneto: “Todo silêncio está exposto na palavra/ cala o mundo, se contemplo o horizonte, / rabisco frases na colheita dessa lavra,/ mato a sede, sem beber água da fonte. / Calo meu calo com a força dessa pena / danço o baile quando vem o anoitecer, / minguada hora, é a dor que me condena, / espero um tempo; é um novo fenecer! / Nada importa esse fogo sem caminho/ vivo o jogo, equilibro o som do pinho / na calmaria grito a minha explosão. / Eu sou gota na grandeza do teu mar /Desenho a vida aveludo um navegar/ amo sozinho sem saber se é em vão.”


Adiante, em ‘Telhados’, ao invés de goteiras ou limos, encontro estas belas imagens, enquanto um gato se alonga: “Gosto das horas / mortas do silêncio da noite, / parece que o vento conversa pelas ruas.../ Ao longe, ouço um choro de criança, / e um vigia cochila ao som do seu rádio de pilha. / E os gatos silenciam nos telhados...” E Samuel Barreto arremata: “Não olhei para lua, sinto só a poesia do seu brilho, / nunca quis ser o Sol, prefiro as cinzas da solidão, / carrego comigo a estranha sensação das palavras/que nunca se cansam de bailar dentro de mim/ quisera saber o canto de amor dos telhados!” Samuel Barreto, apesar de jovem, é um poeta maduro, inteiro, que extrai de sua fina sensibilidade a essência imagística e a coloca nas palavras, manuseando-as em galopes bem aprumados. Sintamo-lo nesta ‘A voz do silêncio’: “O silêncio que se deita nas paragens do proibido /parece delatar minha vontade de ficar mudo./ Não engano as minhas sinceras volúpias, apenas tento / contê-las para não ter que afastar de mim o que quero / e que nem mesmo sabe dos meus profundos desejos./ (coisas de um poeta que sonha com a musa de versos). Calíope e Euterpe, deusas da poesia e da eloquência, acalantam-no por derradeiro, e o poeta lhes pede o sonho: “Às vezes uma frase dita antes do tempo, pode soar igual/ a uma simples conquista desses vulneráveis caçadores, /só que lhe garanto que em mim não habita tal sentimento,/ conheço as tangentes do meu universo de emoções”./ E posso afirmar que tudo agora é novo, embora no infindo Silêncio da palavra que teima em emudecer.” *** II - Deixemos um pouco a poesia e o poeta Samuel Barreto, que todos nós conhecemos, e passemos para o homem Samuel de Sá Barreto, esse filho ilustre de Pedreiras, nascido na outra margem do Mearim, hoje Trizidela do Vale, em 8 de outubro de 1968, filho de João de Sá Barreto e de Ceci Ana de Jesus, que estudou no Colégio Santo Antônio de Pádua e que se graduou em Licenciatura Plena em Letras, pela Faculdade de Educação São Francisco – Faesf e pós-graduado em Letras pela Faculdade Latino Americana de Educação – Flated, e que cursou História na Uema [Programa Darcy Ribeiro] e que era professor universitário. Samuel, esse nosso profeta da poesia e da generosidade, foi envolvido desde cedo em atividades culturais relacionadas à literatura e à arte, produzindo um considerável trabalho em prosa e verso, onde também se incluem letras para músicas, recebendo diversos prêmios em festivais e outros eventos. Sua estreia foi em 1997, com o livro ‘SOS Libertação’. Em Pedreiras, venceu a XXI Poemara – Festival Maranhense de Poesia, com o poema ‘Águas Barrentas’; em 2007 venceu o Plano editorial Gonçalves Dias, categoria Crônicas, da Secretaria de Cultura do Estado do Maranhão, com o livro ‘A Rua da Golada e Sua Identidade’, em 2009. Participou de todas as Antologias e Coletâneas Poéticas de Pedreiras, além de publicar em jornais e revistas; publicou pela Laborarte de 2007 a 2011, ‘O Testamento de Judas’, em parceria com Nelson Brito, Zeca Tocantins, Imira Brito e Edvaldo Santos. Teve publicado cinco poemas na Antologia ‘Mil Poemas para Gonçalves Dias’, lançada em São Luis, pelo IHGM. Em Pedreiras, lançou o 1º Cordel Beneficente da Região, com o poema ‘A Peleja de Luis Bico de Agulha com o Guaxinin Cagão, de parceria com Edvaldo Santos. Publicou em 2013, o livro de poesias ‘Caderno de Passagem’, pela Edufma, e em 2014 venceu o Edital II de literatura da Fundação Amparo à Pesquisa – FAPEMA, com estes ‘Versos Cinzentos’. O poeta, cronista, compositor e produtor musical Samuel Barreto foi integrante do Projeto cultural ‘Da Golada Pro Brasil’; membro fundador da APOESP – Associação dos Escritores e Poetas de Pedreiras; membro fundador da APL – Academia Pedreirense de Letras, onde ocupou a Cadeira nº 8, patroneada por Corrêa de Araújo. Figura entre os pedreirenses condecorados com a Comenda Corrêa de Araújo – honraria que é concedida pela Câmara Municipal de Pedreiras àqueles que tenham, relevantes serviços à educação e à cultura do município. *** E Samuel Barreto, falecido em 13 de julho de 2020, em sua cidade natal, não sei se premunindo sua passagem meteórica entre nós, deixou em ‘Versos Cinzentos’ este canto ‘Até breve’, como se


despedindo: “Despedida deixa-me um vazio sem fim, / no duelo das palavras, cala-se de seca a língua, / o brilho da Lua parece sangrar de solidão.../Junto as cinzas da saudade e choro imensamente, tudo ficou turvo nas últimas linhas escritas.” [...] “Estou indo por aí e não vou pensar na volta, / pois volta e meia sinto-me partido ao meio, / prefiro imaginar a felicidade por onde passo, / apresso o passo indo cada vez mais longe, / para quem sabe, não sonhar com o regresso...” E nós todos respondemos-lhe acenando os lenços: Adeus Poeta! ________________ *


WALDEMIRO ANTÔNIO BACELAR VIANA

Nasceu em São Luís, a 24 de julho de 1946. Filho de Fernando Viana e Maria de Lourdes Bacelar Viana. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Maranhão, colando grau em 12 de dezembro de 1969. Advogado, militou brevemente no foro de São Luís. Entre as funções públicas que já exerceu, citam-se as de: Assessor Administrativo da SANEL – Companhia de Saneamento de São Luís; Assessor de Relações Públicas da CAEMA – Companhia de Águas e Esgotos do Maranhão; Assessor Jurídico da CIMPARN – Companhia de Implantação de Projetos Agrários do Rio Grande do Norte; Diretor da Divisão de Serviços Patrimoniais da UFMA; Diretor Técnico da COMARCO – Companhia Maranhense de Colonização; Diretor Administrativo e Financeiro da COHAB-MA; Assessor da Presidência do ITERMA – Instituto de Terras do Maranhão; Advogado do INEB – Instituto Estadual do Babaçu, do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento CEPED, da Prefeitura de São Luís e do Projeto RADAMBRASIL, esse em Salvador. De volta a São Luís em 1985, aqui exerceu as funções de Diretor Executivo da Fundação Sousândrade de Apoio ao Desenvolvimento da Universidade Federal do Maranhão, 1986-87; Diretor do Departamento de Assuntos Culturais da UFMA, 1987-88; Assessor Especial do Reitor da UFMA, 1988-92; Secretário Geral da Associação das Universidades de Língua Portuguesa – AULP, 1989-92 Assessor do Secretário de Fomento à Indústria e ao Comércio do Estado do Maranhão; Chefe de Gabinete da Secretaria de Agricultura do Estado do Maranhão; Assessor de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão. Participou da 3ª, 4ª, 5ª e 6ª edições do Festival Geia de Literatura; do Encontro com os Acadêmicos, 2007, 2008, 2009 e 2010; da 2ª Feira do Livro de São Luís, na condição de Palestrante, 2008; e, por mais de uma vez, na condição de julgador de obras literárias concorrentes a Concursos Literários promovidos pela Secretária Municipal de Cultura de São Luís. Foi membro titular do Conselho Estadual de Cultura do Maranhão; membro titular do Conselho Universitário da UFMA; membro do Conselho Administrativo da EMATER. Integrante do quadro de pessoal permanente do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão (hoje aposentado), membro da National Geographic Society, membro do Conselho Curador da Fundação José Sarney e membro efetivo da Academia Sambentuense, ocupante da cadeira nº 02. Agraciado com a Medalha do Mérito Timbira; Medalha João Lisboa, outorgada pelo Conselho Estadual de Cultura do Maranhão, pelos relevantes serviços prestados à Cultura; outorgado com o grau de Oficial da Ordem dos Timbiras; agraciado com a Medalha Comemorativa do Bicentenário do Nascimento de Manuel Odorico Mendes, Medalha Comemorativa do Centenário da Academia Maranhense de Letras; diploma de Membro Honorário da Academia Caxiense de Letras e agraciado com o Titulo de Cidadão Sambentuense, pelos relevantes serviços prestados a Cultura do Maranhão.


O GÊNIO FLORESTAL

FERNANDO BRAGA Quem alcunhou Manuel Nunes Pereira, um dos maiores etnólogos brasileiros, de ‘gênio florestal’, foi um homem que tem a poesia na alma e um decassílabo no nome: Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac. Manuel Nunes Pereira, infelizmente pouco conhecido pelos nossos conterrâneos e por seus pares da Academia Maranhense de Letras, foi uma das pessoas mais extraordinárias e generosas que tive a felicidade de conviver; nasceu na velha ‘Casa das Minas’, de origem daomeana, com traços da religião ou mitologia jêge-nagô, com culto Vodu, na Rua de São Pantaleão, em São Luís do Maranhão, em 26 de junho de 1893; era filho de Mãe Almerinda e afilhado da velha Nochê, Mãe Andreza Maria; e morreu no Rio de Janeiro, noventa e dois anos depois, em 27 de fevereiro de 1985. Foi muito cedo para Belém do Pará e depois para Niterói e Rio de janeiro, onde abandonou o curso de direito para estudar veterinária, biologia e botânica, especializando-se em etnografia e etnologia, cujas ciências dedicou sua vida inteira até aposentar-se pelo Ministério da Agricultura, possuindo nesse campo cientifico, um dos maiores acervos do país, em livros, documentos, anotações, fitas, filmes e registros das mais variadas espécies. Era um etnólogo do porte de Roger Bastide, de Arthur Ramos e de Levi Strauss, e “um homem de ciência agudamente provido de sensibilidade e visão humanística, eis o que é o caboclo maranhense Nunes Pereira”, na visão sensível, mas objetiva de Carlos Drummond de Andrade. Era membro da Academia Maranhense de Letras, para onde foi eleito duas vezes; a primeira ele não tomou posse no prazo regimental, tendo sido, por isso, passivo de uma nova eleição que o ratificou na cadeira nº 23, patroneada por Graça Aranha, e atualmente ocupada pelo engenheiro e mestre em Desenvolvimento Urbano, Luis Phelipe Andrès; Nunes Pereira é também um dos fundadores da Academia Amazonense de Letras, onde conheceu e foi amigo de seu conterrâneo Maranhão Sobrinho, um dos maiores poetas simbolistas do Brasil. Como prova de sua grandeza em direção do bem, trago a este dedo de prosa o nosso escritor Jorge Amado que assim explana, em ‘Literatura Comentada’, edições Abril [1981-2]: “... Antes de decretarem o Estado Novo cheguei a Manaus e fui preso... Fui colocado numa cela com o Nunes Pereira, o etnólogo, um homem encantador. Eu e o Nunes Pereira passávamos o dia inteiro debaixo do chuveiro porque fazia um calor infernal, e os integralistas desfilavam na frente ameaçando a gente de morte ...” Estas são algumas das publicações de Nunes Pereira: A Casa das Minas: contribuição ao estudo das sobrevivências do culto dos ‘voduns’, do panteão Daomeano, no Estado do Maranhão, Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia, 1947 2ª.ed., Petrópolis, Vozes, Rio de Janeiro, 1979; Moronguetá - Um Decameron Indígena. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1967 e 1976, 2 vols. [Coleção Retratos do Brasil, nº 50]; Panorama da alimentação indígena: comidas, bebidas e tóxicos na Amazônia Brasileira. Rio de Janeiro, Livraria São José, 1974; Os índios Maués. Rio de Janeiro, Organização Simões, 1954;’Curt Nimuendaju’, [Síntese de uma vida e de uma obra],


1946; (Opúsculo) [A tartaruga verdadeira do Amazonas] de 17 páginas foi elaborado pelo veterinário Nunes Pereira e trata de uma obra bastante interessante e extremamente difícil de ser encontrada nas bibliotecas e acervos públicos. Dentre as muitas lembranças e saudades deixadas por Nunes Pereira, uma placa de bronze foi inaugurada no Jardim Botânico do Rio de Janeiro, por ocasião de seu centenário de nascimento, cuja confecção foi providenciada pelo último secretário do cientista, o pesquisador ítalo-brasileiro Savério Roppa. Certa vez, no Rio de Janeiro, contou-me Nunes Pereira, procurou o escritor Coelho Neto, nosso conterrâneo ilustre para lhe pedir, dado seu prestígio, uma colocação em qualquer abrigo, desde que o remunerasse, para que ele, o jovem maranhense, pudesse custear os estudos e pagar em dia a francesa dona da pensão, a qual fazia uma algaravia infernal quando recebia a mensalidade fora do prazo combinado.

Capa do livro ‘Moronguetá: Um Decameron Indígena’, Civilização Brasileira, 1976.

Numa noite qualquer, em casa de Coelho Neto, o jovem disse ao mestre o prazer que tinha em cumprimentá-lo e o motivo da visita. Depois de ouvi-lo, o ‘Príncipe da Prosa Brasileira’ levantouse e se dirigiu à sua escrivaninha, e lá, de pé, como dizem que escrevia, o autor de ‘Rei Morto’ minutou num papel timbrado com seu nome, um bilhete endereçado a um tal Prestes, Diretor das Docas do Rio de Janeiro, que dizia textualmente isto, que me foi ditado pelo velho etnólogo: “Prestes amigo, O portador, Manuel Nunes Pereira é do Maranhão como eu; e em sendo de tal terra é natural que faça versos, pois é filho da ‘Oliveira e da Cigarra’. Ele está precisando de uma colocação aí nas docas do Rio de Janeiro, de cujo parasitário és defensor perpétuo e escarchas contrabandistas. Se deferires este meu requerimento, saberei cantar-te agradecido em rimas d’oiro. Um abraço. Do teu, Coelho Neto”. Essa empreitada infelizmente foi frustrada. O diretor das docas do Rio de Janeiro não atendeu ao pedido do ‘Príncipe da Prosa Brasileira’, resultando apenas desse ilustre pedido, a tomada do bilhete pelo próprio Nunes Pereira que o guardou como lembrança. Parnasianamente, “numa noite assim, de um céu assim...” Nunes Pereira desembarca em Brasília para receber o ‘Prêmio do Mérito Indigenista’ que seria outorgado pelo Ministério do Interior, pela publicação de sua obra em dois volumes ‘Moronguetá - Um Decameron Indígena’, a qual o contemplara com o prêmio ‘Roquete Pinto’, da Academia Brasileira de Letras; e como de costume, e para minha honra, levei-o para nosso apartamento como sempre o fazia. Quando de sua chegada, naquela mesma noite, bebemos uns goles de pinga que ele trouxera de Ji-Paraná, cidade de Rondônia, de onde era egresso naquela noite, e já onde se encontrava por algum tempo a pesquisar indígenas daquela região, tempo em que providenciávamos o preparo de um ‘tambaqui’ que também trouxera carinhosamente consigo. E varamos a madrugada como se estivéssemos à margem do Rio Madeira...


No dia seguinte, pela manhã, fomos a uma livraria que distribuía os livros da ‘Civilização Brasileira’, para comprar os dois volumes de ‘Moronguetá, Um Decameron Indígena’, que o velho esquecera de trazer para presenteá-los ao Ministro do Interior; e à tarde foi o evento: justo quando Nunes Pereira autografava os volumes, o ministro, num gesto de gentileza, disse-lhe: “Já li alguns livros seus...” o que fez Nunes Pereira esboçar um sorriso de hiena e devolver-lhe o agradecimento em tom de blague: “Já se vê, ministro, que o senhor anda a ler alguma coisa!...” Chegado o dia de sua volta, fui levá-lo ao aeroporto e, num desses voos que aparecem não se sabe de onde, eis que surge o Fernando Lobo, jornalista, poeta, compositor e, orgulhosamente, como ele mesmo dizia, pai do Edu Lobo. Ao ver o velho Nunes dirigiu-se a ele com carinho e pilhérias bem à moda dos dois, sendo de logo a mim apresentado, tempo em que rumamos para o restaurante do aeroporto, onde nos amesendamos, entre aperitivos, reminiscências e piadas; lá pelas páginas tantas, depois de ter perdido uns três aviões da ponte-aérea, o velho Nunes perguntou-me se eu não queria ir com eles para o Rio de Janeiro, a tirar do bolso do paletó um ‘bilhete’ de passagem a sugerir que eu fosse ao balcão da companhia marcar uma ida, caso tivesse vaga... e sempre tinha...E assim foi! Já no Rio de Janeiro; despedimo-nos do Fernando Lobo, uma pessoa que jamais esqueci pela inteligência e simpatia irradiadas, e seguimos para a Avenida Almirante Alexandrino, em Santa Teresa, endereço que escondia o velho cientista, momentaneamente vazio, vez que seus familiares se encontravam de veraneio em Nova Friburgo, no Estado do Rio. No dia seguinte, o ‘bondinho de Santa Teresa’, cansado de carregar artistas e boêmios, nos deixou quase sem querer no ‘Amarelinho’, na Cinelândia, [donde nunca devera ter saído], e onde gastamos toda tarde daquele dia ao encontrarmos, por feliz coincidência, Nauro Machado, Franklin de Oliveira e Lago Burnett...à noite retornei a Brasília. Desandando o fio à meada, quis os desígnios de Deus que eu estivesse em Porto Velho, no Estado de Rondônia, antigo ‘Território do Guaporé’, a realizar um trabalho temporário que fui designado a fazê-lo; lugar em que também, por períodos temporais, era núcleo natural de estudos antropológicos do velho Nunes Pereira, para aonde os ventos da vida nos uniria pela derradeira vez... Algum tempo depois, certa manhã chuvosa, para ser mais triste que de costume, ao atravessar uma praça da cidade aonde ele era muito conhecido e querido, um jornaleiro passou a apregoar o ‘Alto Madeira’, o maior jornal da região, com uma voz de lamento: “Atenção! Morreu no Rio de Janeiro, o Doutor Nunes Pereira!” Atenção! Morreu, no Rio de Janeiro, o Doutor Nunes Pereira!”. Comprei um exemplar do jornal, encostei-me a mureta da Praça e ali mesmo, antes de ler a notícia, “rezei como o salmista na caverna, e olhei para minha direita e vi; mas não havia quem me conhecesse; refúgio me faltou; ninguém cuidou de minha alma”; e ali mesmo chorei... chorei muito!...


REPUBLICANDO

“DR. TIRA-TIRA”, O DONO DO TROVÃO: NUNES PEREIRA - recortes & memória

Eu sou um grande pornógrafo! Prefiro ser antropófago do que antropólogo Manuel Nunes Pereira4 LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ Academia Ludovicense de Letras Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão Professor de Educação Física. Mestre em Ciência da Informação

Aos poucos, vai-se desvendando a vida de Nunes Pereira, envolta em mistérios... ou sobras, conforme refere Zemaria Pinto5, um seu biógrafo. Quase todas as fontes o dão como nascido no Maranhão, sem, contudo identificar o local, nem a data, nem a filiação6: Manoel Nunes Pereira, também conhecido como Nunes Pereira (1892 — 1985), nascido no Estado do Maranhão, foi um antropólogo e ictiólogo que viveu grande parte de sua vida em Manaus, e, posteriormente, na cidade do Rio de Janeiro, tendo viajado seguidamente ao interior da Amazônia. Foi, ao lado de escritores como José Chevalier, Péricles de Moraes e Benjamin Lima, um dos fundadores da Academia Amazonense de Letras7. Foi casado com a Sra. Maria Nunes Pereira, de quem enviuvou quando estava com mais de 80 anos de idade, tendo o casal deixado numerosa prole, entre filhos, netos e bisnetos. O seu falecimento a 26 de fevereiro de 1985 teve como causa câncer intestinal. 4

Biblioteca Nacional/ Coleção Nunes Pereira (BN/CNP). O Pasquim, n° 756, 22 dez. 1983, p.2. 5 Zemaria Pinto – Nascido em Santarém, no Pará, em 1957, desde tenra idade vive em Manaus, capital do Amazonas. Publicou os seguintes livros de poemas: Corpoenigma (1994), Fragmentos de Silêncio (1996) e Música Para Surdos (2001). Professor de Teoria da Literatura e Literatura Brasileira, tem, em parceria com Marcos-Frederico Krüger, dois livros de ensaios sobre obras indicadas para o vestibular da Universidade Federal do Amazonas (2000 e 2001). Escreve também para o teatro, tendo sido primeiro colocado no Concurso de Textos Teatrais Inéditos, promovido pela Secretaria de Cultura do Amazonas, em 2002, com a peça Nós, Medeia, a ser publicada em 2003, pela Editora Valer. Encenou a comédia Papai Cumpriu Sua Missão, em 2000/2001, e no momento ensaia Diante da Justiça, baseado em Kafka. http://www.jornaldepoesia.jor.br/zpinto.html#bio 6 https://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Nunes_Pereira 7 https://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Nunes_Pereira


Gerlaine Martini na revisão de pioneiros no campo religioso afro-brasileiro, com enfoque em seu nível de participação nos rituais e em como isso interferiu em seus estudos e obra, refere-se a Nunes Pereira como um dos pioneiros nesse campo de estudo8 [...] em relação aos primeiros escritos de religiosos, o autor maranhense Manoel Nunes Pereira (1892-1985) redigiu, ainda em 1942, A Casa das Minas. [...] esta obra: (...) constitui o primeiro testemunho de observador que pertença à cultura do objeto de estudo. Darlisangela Maria Monteiro (2009)9 em sua Dissertação serve-se da obra de Nunes Pereira através da análise do livro “Estórias e experiências de Baíra - o grande burlão”, lançado em 1944, e seu aproveitamento no ensino de Ciências naturais. Tomam-se, como objeto, os saberes tradicionais presentes nas narrativas da obra acima referida. Nela, esse antropólogo organizou uma série de narrativas dos índios Cauaiua-Parintintim, do rio Madeira, cujo protagonista é Baíra, um misto de herói e anti-herói ou, em linguagem científica mitológica, de herói civilizador e burlão. Ao escrever sobre o autor, traça a seguinte biobibliografia: .

Conhecendo o autor Manoel Nunes Pereira (São Luís do Maranhão, 1893 ou 1895 – Rio de Janeiro, 1985) foi um antropólogo de reconhecimento internacional. Cursou Veterinária (1915) na Escola de Zootecnia-RJ, se graduou em veterinária (1917) na Universidade Livre de Manaus. Chefiou a Seção da Agricultura e Industria Pastoril do Amazonas e do Rio Grande do Norte, a prática lhe serviu de base para escrever sobre A Industria Pastoril do Amazonas (1922), A Industria Pastoril no Rio Grande do Norte (1928), A Pesca no Rio Grande do Norte (1934) A Pesca no Rio Purus (1941), O Peixe-Boi da Amazônia (1944). Estudou biologia geral, botânica e geologia. Foi membro da Academia Maranhense de Letras (1976), como poeta publica seu primeiro livro O Tempo (1913). Dentre as suas obras mais relevante estão: A casa das Minas (1947). Sua participação é evidenciada em pesquisas de campo na região amazônica, cujo propósito era coletar dados que permitissem registrar com precisão a cultura indígena10 . A obra que estudamos neste trabalho foi publicada pela primeira vez em 1940, em francês sob o título de Le Sage Bahira Et Son Fils (1979). Depois, em 1980, foi inserida no Moronguêtá – um decameron indígena, sua obra maior. Dentre as reedições a mais recente é esta: Experiências e estórias de Baíra – o grande Burlão (2007), organizada pela Editora Valer, nessa versão, foi publicada com algumas alterações irrelevantes, que não chegaram a 2 Costa, (1997) em sua tese fala que Nunes Pereira em uma de suas viagens pelos rios da Amazônia sofreu um naufrágio e nesse perdeu-se todos os seus documentos, muitos desses são foram recuperados devido a sua vida de andarilho. E quanto ao título de antropólogo o que se sabe é que por ter vasta produção sobre a cultura indígena, Nunes foi homenageado pela imprensa e prestigiado por antropólogos como Claude Lévi-Strauss, Emílio Delboy pelos excelentes trabalhos etnológicos e etnográficos sobre os povos indígenas

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MARTINI, Gerlaine. APONTAMENTOS SOBRE O CAMPO DAS RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS E SEUS AUTORES REVISITADOS. In REVISTA CALUNDU http://calundu.org/revista GIRA EPISTEMOLÓGICA Volume 1, Número 1, Jan-Jun 2017. Doutora em Antropologia pela Universidade de Brasília, integrante do Calundu (Grupo de Estudo sobre Religiões Afro-Brasileiras). 9 MONTEIRO. Darlisângela M. Educação e Ciência: variante Baíra. 110 f. 2009. Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino de Ciências). Universidade do Estado do Amazonas, Manaus, 2009. http://www.pos.uea.edu.br/data/area/titulado/download/10-1.pdf 10 Costa, (1997) em sua tese fala que Nunes Pereira em uma de suas viagens pelos rios da Amazônia sofreu um naufrágio e nesse perdeu-se todos os seus documentos, muitos desses são foram recuperados devido a sua vida de andarilho. E quanto ao título de antropólogo o que se sabe é que por ter vasta produção sobre a cultura indígena, Nunes foi homenageado pela imprensa e prestigiado por antropólogos como Claude Lévi-Strauss, Emílio Delboy pelos excelentes trabalhos etnológicos e etnográficos sobre os povos indígenas Maués, Parintintim, entre outros. COSTA, Selda Vale da. Labirintos do saber: Nunes Pereira e as culturas Amazônicas: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP. 1997. (Tese de Doutorado em Ciências Sociais).


Maués, Parintintim, entre outros. 17 comprometer o texto original. A linguagem foi adequada para facilitar a compreensão pelo leitor e obedecer às normas gramaticais vigentes. Dos autores pesquisados, e das notas em jornais, é a única que o dá como nascido em São Luís, e falecido no Rio de Janeiro: Manoel Nunes Pereira (São Luís do Maranhão, 1893 ou 1895 – Rio de Janeiro, 1985), porém sem precisar a data certa – é tido como nascido em 1892, por algumas biografias, como visto acima. Costa (1997)

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, em sua tese defendida junto à PUC-SP nos traz os seguintes dados:

Esta pesquisa delineia o percurso intelectual do veterinário, etnólogo e naturalista Manuel NUNES PEREIRA, nascido em São Luís do Maranhão a 26 de junho de 1891 e falecido no Rio de Janeiro a 26 de fevereiro de 1985, ressaltando sua contribuição aos estudos das culturas amazônicas e à formação de um pensamento regional. Telma de Verçosa Roessing e Elenise Faria Scherer (2016) 12, em “A Amazônia na narrativa mítica na obra Moronguetá – Um Decameron indígena”, de Manuel Nunes Pereira afirmam que Manuel Nunes Pereira era maranhense, nasceu em São Luís do Maranhão em 26 de junho de 1893 e faleceu no Rio de Janeiro em 26 de fevereiro de 1985. Veio cedo para o Amazonas e foi um dos fundadores da Academia Amazonense de Letras. Durante mais de quarenta anos, desde o litoral atlântico às encostas guianenses, empreendemos numerosas e acidentadas viagens através da Amazônia Brasileira e países limítrofes, lidando quotidianamente com os habitantes das suas cidades, vilarejos, seringais, fazendas, centros de pesca e de extração de madeiras e minérios. (PEREIRA, 1967, v.1, p. 113). Em jornal eletrônico editado em Santarém, O EstadoNet14, edição de 26 de agosto de 2019, em resenha do livro de Nunes Pereira, consta: Nunes Pereira nasceu em São Luís do Maranhão, a 26 de junho de 1893. Faleceu em 1985. Antropólogo e ictiólogo, viveu parte de sua vida em Manaus. Estudou em Niterói, Belém e Rio de Janeiro, mas se notabilizou pela curiosidade com que se lançou “rio-abaixo, rio-acima”, Amazônia a fora, no posto de veterinário a serviço do Ministério da Agricultura, enchendo os olhos de paisagens e os ouvidos de mitos, lendas e histórias, atitude que vem consignada numa das epígrafes do livro:“Relato o que vi e ouvi e aquilo que alguém deu de si” (Antônio Vieira). Quanto à sua filiação, sabe-se apenas o nome de sua mãe, Felicidade Nunes Pereira, costureira; seu pai era sapateiro, conforme “O Dono do Trovão - Manoel Nunes Pereira (1893-1985)” - título de artigo escrito por Mariza Corrêa15, que o entrevistou em 1984:

11 COSTA, Selda Vale da. Labirintos do saber: Nunes Pereira e as culturas amazônicas. 1997. 437 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 1997. https://tede2.pucsp.br/handle/handle/22063 12 ROESSING, Telma de Verçosa; SCHERER, Elenise Faria. A Amazônia na narrativa mítica na obra Moronguetá – Um Decameron indígena, de Manuel Nunes Pereira. IN RELEM – Revista Eletrônica Mutações, janeiro –junho, 2016 13 PEREIRA, Manuel Nunes. Moronguetá: Um Decameron indígena. vol. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967. (Coleção Retratos do Brasil nº 50). 14 https://www.oestadonet.com.br/noticia/1737/um-decameron-indigena/ 15 CORRÊA, Mariza. O Dono do Trovão Manoel Nunes Pereira (1893-1985). (in Memorian). 374-Texto do artigo15576-1-10-20180608.pdf


[...] relembrou o seu Maranhão, mãe Andresa Maria16 (a testemunha contra o sincretismo: “Santo negro é Santo negro” ) da casa das minas onde sua mãe, Felicidade Nunes Pereira, teria chegado a ser nochê, se não fosse levada pela gripe espanhola de 1918. Segundo Augras (1983) 17 Nunes Pereira é mestiço e sua mãe era sacerdotisa em templo vodu de São Luís do Maranhão. Ele é o primeiro a dar testemunho de uma verdade interior, que pertence ao seu patrimônio pessoal: [...] Consagrado desde pequeno a Badé, da família de Keviosso, o equivalente Gege de Xangô – é-lhe difícil levar a sério as interpretações euro-americanas. Nega que haja sincretismo com os santos católicos. De modo semelhante a Manuel Querino, Nunes Pereira é alguém “de dentro”, cujas práticas rituais sempre foram parte do cotidiano, tentando legitimar sua religião de origem para “fora”, ao descrevê-la. Sobre os primeiros autores das religiões afrobrasileiras, alguns já mencionados até aqui, Julio Braga (op. cit.: 51) faz um arremate: “Os principais estudiosos do candomblé e da cultura negro-africana de maneira geral foram ou são ogãs e têm prestado relevantes serviços à preservação e valorização do aludido universo sociocultural” No documentário “NUNES PEREIRA – A CASA DAS MINAS (1978)”, de José Sette18: “Fui entregue por minha mãe, Dona Felicidade, à proteção do Vodum Badé, com suas contas azuis, na casa matriarcal das Minas, e, acolá, durante muito tempo, verifiquei a ritualística Jêje, motivo da minha obra, a primeira a realmente tratar dos resquícios da cultura de africanos naquela parte do Brasil”. (Nunes Pereira)

Em agosto de 1977, o Jornal do Brasil, em matéria assinada por Sérvulo Siqueira19, informava a preparação de um projeto em que Nunes Pereira e o seu livro seriam um dos temas. Dirigido por Rolando Santos, Carlos Silva e José Sette, tratava-se de uma série de documentários sobre um 16 Andresa Maria de Sousa Ramos, conhecida como Mãe Andresa (Caxias, Maranhão, 1854 — 1954), foi uma grande sacerdotisa do Tambor de Mina Jeje, culto aos voduns do Maranhão. Considerada a última princesa de linhagem direta Fon, seus nomes africanos dados pelos voduns eram Ronçoiama e Rotopameraçuleme (nome dado após o barco, ou cerimônia de iniciação). Mãe Andresa coordenou a Casa das Minas entre 1914 e 1954. Faleceu aos 100 anos de idade. Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A3e_Andresa 17 AUGRAS, Monique. O Duplo e a Metamorfose. Petrópolis: Vozes, 1983. 18 https://www.forumdoc.org.br/movie/nunes-pereira-a-casa-das-minas/ 19 O culto vudu no Brasil: a visão de um documentário. Entrevista do Professor Nunes Pereira a Sérvulo Siqueira. Matéria publicada no jornal O Globo em 25 de agosto de 1977. http://www.guesaaudiovisual.com/Cinema/NunesPereira.html


culto religioso em vias de desaparecimento e seria filmado em São Luís, no Rio de Janeiro e no Benim: [...] com duração de 30 minutos, o documentário começa no gabinete de trabalho de Nunes Pereira — prateleiras que abrigavam uma biblioteca há pouco vendida ao governo do Pará —, com o professor recordando traços de sua meninice em São Luís do Maranhão (...) onde Felicidade Nunes Pereira — sua mãe e uma noché — participava como uma das oficiantes do culto. De suas lembranças vamos para Jacarepaguá onde o professor nos introduz a um querebetã, terreiro, em idioma nagô".16 Anos depois, em entrevista ao jornal O Globo, Nunes Pereira sublinharia essa espécie singular de comprometimento com o culto: "Com o leite materno, fui absorvendo uma participação direta nas práticas do culto. Nunca recorri a práticas de liturgia, mas no íntimo estou e sinto-me comprometido com as figuras de Badé e Poli Bogi que eram os vudos (sic) de minha mãe.20 Para Corrêa (1984) 21, sua mãe o entregara a Badé, o “dono do trovão” (santo militar, “podem crer que eu não gosto”, e que também usava bengala) e sua trajetória pessoal foi semelhante à percorrida pelas religiões de origem africana que migraram do Maranhão para o Pará: Em Belém, aos cinco anos, ele perdeu seu pai (sapateiro, “e fazia sapatos muito lindos para mim, ainda hoje me lembro, sapatos de cano alto, assim muito lindo, muito enfeitado.’’) e a noviche do bairro de São Pantaleão virou costureira de uns parentes abastados. Eles o ‘perfilharam” e o mandaram estudar no Colégio InglêsAlemão, em Petrópolis, depois no Salesiano, de Niterói e, mais tarde, no Ginásio Paes de Carvalho, de volta a Belém. Zemaria Pinto, quem vai elucidar essa questão22:

Um tio desembargador, marido de outra noviche, a tia Ida Alves Barradas, achou que ele era muito boêmio para seguir a carreira de direito:

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PEREIRA, Manuel Nunes. Carta a Judith Gleoson comunicando que não será possível recebê-la quando vier ao Rio pois estará viajando para Porto Velho. Rio de Janeiro, 02/02/1983. 1 p. Orig. Ms. Acompanha envelope. Série Correspondência ativa. Coleção Nunes Pereira. 1-08,29,017 21 CORRÊA, Mariza. O Dono do Trovão Manoel Nunes Pereira (1893-1985). (in Memorian). 374-Texto do artigo15576-1-10-20180608.pdf 22 PINTO, José Maria (Zemaria). Nunes Pereira, esboço em cinza e sombras. https://pt.slideshare.net/Zemaria1957/nunes-pereira-esboo-em-cinza-e-sombras


Tinha jeitão boêmio, bom bebedor que foi até findar-se aos 92 anos. Era estudioso metódico, pesquisador obstinado e pertinaz, o qual se tornou autodidata, após abandonar o curso de Direito. Além do português e o tupi-guarani, nheengatu, dominava o inglês, o francês, o alemão e o italiano. (BITTENCOURT, 1993, p. 117)23. Voltando ao Rio, Nunes Pereira se tornou aluno da primeira escola (nunca fundada) de veterinária do país, de Alípio de Miranda Ribeiro24, integrante, como outros a quem conheceu na época, da equipe de Rondon: No mesmo ano em que ele casou com Maria e entrou, por concurso, no Ministério da Agricultura, como técnico (“Não havia universidade naquela época e eu já era universitário. Sou um autodidata, como Sócrates e Platão.”) e onde trabalhou a vida toda. Escrevendo sobre os autores maranhenses que se dedicaram à narrar sobre esportes, em minha revista (VAZ,201925) relato essa passagem de Nunes Pereira pelo Rio de Janeiro: NUNES PEREIRA Manuel Nunes Pereira - Nunes Pereira - (1892 — 1985), nascido no Estado do Maranhão, foi um antropólogo e ictiólogo que viveu grande parte de sua vida em Manaus, e, posteriormente, na cidade do Rio de Janeiro26. Coelho Netto – transformado em uma, nem sempre bem sucedida, agencia de empregos, solicitou a um amigo uma colocação a Nunes Pereira: “Prestes amigo, O portador, Manuel Nunes Pereira, é poeta e do Maranhão, já se vê, filho da oliveira e da cigarra. Dá-lhe tu que o tens, um lugarzinho no posto que és defensor perpétuo e escracha contrabandistas.

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BITTENCOURT, Ulisses. A partida do velho amigo. In: PORTO, Arlindo. Nunes Pereira “O Cavaleiro de todas as madrugadas do Universo”. Manaus, 1993, 115-118. http://www.guesaaudiovisual.com/Cinema/NunesPereira.html 24 Alípio de Miranda Ribeiro (Rio Preto, 21 de fevereiro de 1874 - Rio de Janeiro, 8 de janeiro de 1939) foi um naturalista brasileiro. Foi o criador do primeiro serviço oceanográfico da América do Sul, a Inspetoria de Pesca(1911). Nascido em Rio Preto, desde jovem interessou-se por História Natural e, na adolescência, traduziu para a língua portuguesa a obra do conde de Buffon. Mudou-se para o Rio de Janeiro, então capital do Império do Brasil, onde se matriculou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, não tendo chegado a concluir o curso. Em 1894 ingressou no Museu Nacional, com a função de preparador interino da 1ª Secção. Em 1897 foi nomeado naturalista-auxiliar, vindo a exercer os cargos de Secretário (1899), professor e chefe da Divisão de Zoologia (1929), função que exerceu até vir a falecer. Participou da Comissão Rondon e acompanhou a sua primeira expedição (19081910), oportunidade em que realizou valiosas observações e coleta de material, tendo aproveitado o percurso do Rio de Janeiro a Corumbá, para coletar material zoológico (1908). Theodore Roosevelt, ex-Presidente dos Estados Unidos, participou de uma dessas expedições juntamente com o Coronel Cândido Mariano Rondon (1865-1958), na que ficou conhecida como Expedição Roosevelt-Rondon. Exerceu o cargo de substituto da Secção de Zoologia (19101929), quando foi promovido a Professor-Chefe do mesmo. Em 1911, após ter visitado museus na Europa e nos Estados Unidos, e de ter estudado os seus programas de pesquisa, fundou a Inspetoria de Pesca, primeiro serviço oficial a dedicar-se ao setor, no Brasil. Foi seu primeiro diretor (1911-1912), ali tendo estabelecido um espaço museológico sobre a pesca, uma biblioteca especializada, seções técnicas de pesquisa e tendo operado um navio oceanográfico, o "José Bonifácio". Foi membro fundador da Sociedade Brasileira de Ciências e produziu uma vasta obra com mais de 150 obras sobre vertebrados e invertebrados da fauna brasileira, além de outros títulos sobre peixes, répteis, pássarose mamíferos, com destaque para a fauna brasiliense - peixes, em cinco volumes. https://pt.wikipedia.org/wiki/Al%C3%ADpio_de_Miranda_Ribeiro 25 VAZ, Leopoldo Gil Dulcio. CONSTRUÇÃO DE UMA ANTOLOGIA DE TEXTOS DESPORTIVOS DA CULTURA BRASILEIRA: PROPOSTA E CONTRIBUIÇÕES.. IN REVISTA DO LÉO 17 SÃO LUIS – MARANHÃO NUMERO 17 – FEVEREIRO – 2019, 26 In http://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Nunes_Pereira


Se deferires este meu pedido, saberei cantar-te o favor em rimas de ouro, as quais já levam o selo e o coração do teu, Coelho Netto”.27 Nunes Pereira foi veterinário do Ministério da Agricultura até a sua aposentadoria e teve alguns de seus opúsculos científicos editados pela Div. de Caça e Pesca do M.A. (O pirarucu, A tartaruga verdadeira do Amazonas e O peixe-boi da Amazônia, tendo sido este último artigo científico publicado, em 1944, no Boletim do Ministério da Agricultura). Escreveu diversos livros, sendo a sua obra mais conhecida Moronguetá - um decameron indígena, conjunto monumental de pesquisas, apresentado por Thiago de Mello (dois tomos), onde constam reproduções de páginas de cartas a Nunes Pereira emanadas de cientistas sociais como Roger Bastide e Claude Lévi-Strauss. Com esses estudiosos o antropólogo maranhense-amazonense travou contato pessoal, quando da passagem deles pelo Brasil. Carlos Drummond de Andrade escreveu, no Jornal do Brasil, uma crônica sobre o autor de Os índios maués, um dos primeiros pesquisadores mestiços brasileiros - era cafuzo, descendente de índios, negros e brancos - a obter reconhecimento científico internacional89. Informa Côrrea90 ser o “Prestes amigo” burocrata aduaneiro, que despachou o jovem Nunes Pereira, sem dar-lhe o emprego. Não atendido em sua pretensão, Nunes Pereira pediu o bilhete de Coelho Netto de volta. O “Prestes amigo” mandou-o bater em retirada, afirmando que jamais devolveria um bilhete de Coelho Netto! Desafiado o poeta, havendo perdido o emprego e a oportunidade de ficar no Rio de Janeiro – sonho multicor dos maranhenses no passado – decide que, sem o bilhete, jamais ficaria! E o toma de assalto; o “Prestes amigo” fica atonito, em face da força titanica e herculea do poeta na vida prática... (VAZ e VAZ, 2000)28. Em adeus ao autor de Moronguetá, Joao de M. Souza (1993)29 registrou que “na eternidade da obra etnológica, a glória mais viva de Nunes Pereira aqui ficou, neste adeus, reconheço que jamais deixará de viver na gratidão dos amazonenses, como luz sempre acesa de esplendor e de imortalidade. Ao se reportar a sua morte, o jornal O Globo publicou: Com sua fisionomia de índio (descendia de negros, portugueses e índios), uma vasta cabeleira precocemente embranquecida, que fazia um belo contraste com sua tez escura, Nunes Pereira, nas quatro décadas de permanente contato com os índios adquiriu hábitos estranhos ao homem civilizado. Deitava-se para dormir às 19 horas, acordava às 2 da madrugada, trabalhava até às 5 horas e voltava a dormir por uma ou duas horas. Com os índios comeu tudo que eles comiam, que é a melhor maneira de dar-lhes satisfação. Provou, inclusive, caça assada dentro da própria pele do animal, que ele afirmava ser muito saborosa e de alto valor nutritivo. Depois, toda a sua alimentação era à base de peixe. (O GLOBO, 1993, p. 26). Suas características físicas e comportamentais também foram destacadas por Josué Montello (1993)30 Cor de cobre, cabeça branca, estatura média, era ele um tipo inconfundível. Olhando uma vez, permanecia para sempre em nossa memória. Sobretudo se entretinha 27 CORRÊA, Rossini. Atenas Brasileira – a cultura maranhense na civilização nacional. Brasília: Thesaurus; Corrêa & Corrêa, 2001, p. 149-150 28 VAZ, Leopoldo Gil Dulcio; VAZ, Delzuite Dantas Brito. Construção De Uma Antologia De Textos Desportivos Da Cultura Brasileira: Proposta E Contribuições. IN Congresso Brasileiro De História Da Educação Física, Esportes, Lazer E Dança, VII, Gramado, junho de 2000. Anais... 29 SOUZA, João de Mendonça de. Adeus a Nunes Pereira. In: PORTO, Arlindo. Nunes Pereira “O Cavaleiro de todas as madrugadas do Universo”. Manaus, 1993, 87-90. 30 MONTELLO, Josué. Elegia para o velho Nunes Pereira. In: PORTO, Arlindo. Nunes Pereira “O Cavaleiro de todas as madrugadas do Universo”. Manaus, 1993, 109-113.


conosco um diálogo. Porque o seu modo de falar era também inconfundível. Autenticamente Nunes Pereira. Outro pesquisador, Harald Pinheiro, traça seu perfil, conforme publicado no Blog Taquiprati 31, quando de defesa de tese de doutoramento, onde analisa as obras de Nunes Pereira, afirma ele ser “Zombeteiro, gozador, bufão, intelectual e boêmio” Harald define o perfil do nosso herói num depoimento pessoal: "Lascivo e libidinoso, contava histórias surpreendentes e engraçadas, na roda de amigos e admiradores nos bares em que frequentava. Quando eu era ainda adolescente frequentei uma dessas rodas de narrativas encantadas (acompanhando meu pai) e me fascinei com estranha história narrada por Nunes Pereira com seriedade e volúpia, depois de posar para uma foto na genitália de uma baleia. Há quem afirme ser verídica e, inclusive, ter visto a foto, mas até hoje ela ecoa em minha imaginação com verossimilhança e mistério, acompanhada por atmosfera de curiosidade erótica e profundo encantamento etnopoético". Nunes Pereira foi veterinário do Ministério da Agricultura até a sua aposentadoria e teve alguns de seus opúsculos científicos editados pela Div. de Caça e Pesca do M.A. (O pirarucu, A tartaruga verdadeira do Amazonas e O peixe-boi da Amazônia, tendo sido este último artigo científico publicado, em 1944, no Boletim do Ministério da Agricultura). Escreveu diversos livros, sendo a sua obra mais conhecida Moronguetá - um decameron indígena, conjunto monumental de pesquisas, apresentado por Thiago de Mello (dois tomos), onde constam reproduções de páginas de cartas a Nunes Pereira emanadas de cientistas sociais como Roger Bastide e Claude LéviStrauss. Com esses estudiosos o antropólogo maranhense-amazonense travou contato pessoal, quando da passagem deles pelo Brasil. Carlos Drummond de Andrade escreveu, no Jornal do Brasil, uma crônica sobre o autor de Os índios maués, um dos primeiros pesquisadores mestiços brasileiros - era cafuzo, descendente de índios, negros e brancos - a obter reconhecimento científico internacional. Em São Miguel das Missões, Rio Grande do Sul, existe uma rua Nunes Pereira. 32

Ao lembrar-se de sua vida, 31 BESSA FREIRE, José Ribamar. Blog Taquiprati. Nunes Pereira, o colecionador http://www.taquiprati.com.br/cronica/1062-nunes-pereira-o-colecionador-de-historias 32 https://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Nunes_Pereira

de

histórias.


[...] fala sem parar: de sua esposa, morta a poucos anos, da namorada nova que o fez mudar-se de Santa Tereza, dos netos, da dieta de peixe que seguia, da idade (“Coisa terrível é a velhice. Mas eu tenho as minhas mandingas, os meus santos. E tem as minhas cachacinhas.”), de visitar Câmara Cascudo33 de quem era muito amigo. Cita os autores franceses que levaram em conta seu trabalho (Roger Bastide34, LéviStrauss35), com uma ponta de mágoa por ser tão pouco conhecido dos brasileiros e uma grande felicidade em relação à vida que levara. Conta à Corrêa (1984)36, em entrevista, sobre seu vício em cocaína: [...] como tinha sido viciado em cocaína e em Margot (que “me amargou”) e de como se “livrara dela e do vício” [...] Mulher era seu assunto predileto, falava mal das cariocas “sem pudor”, comparando-as com as índias que escondem o sexo ao sentar e contava anedotas impublicáveis a respeito das índias que ele tinha ‘beneficiado’ no decorrer das pesquisas. Conhecido também como “Dr. Tira-Tira”, fala de sua prisão, por ter visitado Jorge Amado: Seus amigos de Belém, Manaus, Natal, até do Rio Grande do Sul, onde recebeu o apelido de doutor “tira-tira”, graças à expressão que usava para apartar o gado doente, a sua prisão por ter visitado Jorge Amado na hora errada, o filme do qual participou (The end oi the river). Ao se buscar nos jornais do Maranhão, depositados na Hemeroteca Digital Brasileira, encontra-se sob o tema de busca – Manoel Nunes Pereira – diversas ocorrências, a partir de meado dos 1800, referindo-se a um promotor de justiça da Comarca de Carolina, envolvido em assassinato (1859). Naturalmente não se trata de nosso biografado. Já em 1884 encontramos outro Manoel Nunes Pereira, aluno da Escola de Educandos, mas que também não tem parentesco com o biografado, haja vista o nosso objeto de estudo ter nascido em 1892, e mudado para Belém, pois informa que perdera o pai aos cinco anos de idade naquela cidade. Mandado estudar no Rio de Janeiro – Petrópolis e Niterói – é provável que a correspondência que se encontrava na repartição dos Correios de São Luis, em 1914, e devolvida, contendo documentos, era destinada à ele, postada em 8 de dezembro de 1914, e não reclamada (Pacotilha, 5 de agosto de 1915). Em várias notas do Jornal do Comércio, de Manaus, do ano de 1904, refere-se a um Manoel Nunes Pereira requerendo benefícios, sendo-lhe concedida a dispensa de ‘colaborador do Tesouro do Estado’. Certamente não se referem ao biografado esses fatos, pois naquele ano, contava 12 anos de idade. No Jornal do Comercio de 1913 é informado que saíra da Bahia, em direção à Belém, Manoel Nunes Pereira, junto com outros inúmeros passageiros (18 de dezembro) Essa “ausência” de Nunes Pereira nos noticiários de jornais é explicada por Olívia Maria Gomes da Cunha37

33 Luís da Câmara Cascudo foi um historiador, antropólogo, advogado e jornalista brasileiro. Câmara Cascudo passou toda a sua vida em Natal e dedicou-se ao estudo da cultura brasileira. Wikipédia 34 Roger Bastide foi um sociólogo francês. Em 1938 veio, com outros professores europeus, à recém-criada Universidade de São Paulo para ocupar a cátedra de sociologia. No Brasil, estudou durante muitos anos as religiões afro-brasileiras, tornando-se um iniciado no candomblé da Bahia. Wikipédia 35 Claude Lévi-Strauss foi um antropólogo, professor e filósofo francês, embora tenha nascido na Bélgica. É considerado o fundador da antropologia estruturalista, em meados da década de 1950, e um dos grandes intelectuais do século XX. Wikipédia 36 CORRÊA, Mariza. O Dono do Trovão Manoel Nunes Pereira (1893-1985). (in Memorian). 374-Texto do artigo15576-1-10-20180608.pdf


Como outros intelectuais de sua geração, Nunes Pereira foi um colecionador de recortes de jornais e de notas na imprensa que lhe deram alguma visibilidade pública. Não eram tão freqüentes como acontecia com outros intelectuais de sua geração, os quais, talvez por ocuparem cargos públicos, podiam pagar por serviços diários de clippings realizados por antigas empresas, como a Lux, por exemplo. Desde, pelo menos, os anos 40 — quando jornais de Belém e Manaus noticiaram seu desaparecimento e provável morte violenta entre os "selvagens" —, às matérias em cadernos culturais na década de 1970 — quando sua imagem é a de um especialista da cultura brasileira e, sobretudo, profundo conhecedor dos índios do * Professora do Departamento de Antropologia Cultural da Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ) e pesquisadora vinculada ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/ CNPq. An. Bibl. Nac., Rio de Janeiro, 121 26 Brasil — vários são os enquadramentos que o transformaram ora num folclorista especializado na cultura regional da região amazônica — das populações ribeirinhas aos enclaves de pajelança e outros cultos afroamerídios nas periferias urbanas da região —, ora num etnólogo dos povos ameríndios. Embora não tenhamos encontrado as reportagens que a Autora se refere, deixa-nos outros indícios, como a primeira vez em que Nunes Pereira foi entrevistado por O Pasquim, cerca de dez anos antes de seu falecimento, em maio de 1976, era o etnólogo especializado nos "temas afro-brasileiros", autor do essencial, ainda que pouco conhecido, A Casa das Minas. Thiago de Melo38, na apresentação de Moronguetá, de Nunes Pereira, assim se expressa: "Um livro de estórias encantadas", Num dos momentos mais turvos da vida deste País, eis um acontecimento luminoso. Luminoso e séro, e cheio de amor: Monronguêtá. Um livro de estórias encantadas. Estórias inventadas e contadas, através de séculos, pelos índios do Amazonas, recolhidas diretamente por um homem que, varando verdes e águas, consagrou quarenta anos de sua vida para realizar, com paciência e paixão, esta obra destinada a permanecer viva no tempo, pela sua alta importância cultural e também pela força de sua beleza. Moronguêtá, ciência e magia. Livro em que viajam, em fraternal harmonia, a poesia e a ciência. A ciência vai por conta da sabedoria do autor: mestre Nunes Pereira, nome que aprendi a querer bem desde menino, quandojá o seu trabalho entre os índios e até a sua própria e mansa figura, ganhavam na ternura dos nossos barrancos, os contornos de uma estranha lenda. Nunes Pereira, veterinário viajando a serviço do Ministério da Agricultura para estudar a fauna silvestre e aquática do Amazonas, de repente, dominado pelo fascínio da imaginação indígena, dedicou-se inteiro aos caminhos da antropologia. Autodidata, à falta na época de cursos universitários especializados, o antigo ictiologista se fez mestre na ciência do homem, principalmente na ciência da raça. E a verdade é que se os anteriores livros seus, todos sobre assuntos da Amazônia, já atraíam a atenção e o respeito dos modernos cientistas estrangeiros, Metraux e Lévi-Strauss, por exemplo; se os seus outros trabalhos já inscreveram o seu nome no Handbook of Ethnology, - com este admirável Moronguêtá, Nunes Pereira - rio crescido e se fazendo mar e simplesmente - um lugar entre os maiores da etnologia brasileira. 37

CUNHA, Olivia Maria Gomes da. O ETNOLOGO E O FOLCLORISTA vistos de Santa Teresa. An. Bibl. Nac., Rio de Janeiro, 121, 2001, publicado em 2006, Arquivo Nunes Pereira: inventário analítico. Organizado e Descrição Vera Lúcia Miranda Faillace 38 Amadeu Thiago de Mello é um poeta e tradutor brasileiro. É um dos poetas mais influentes e respeitados no país, reconhecido como um ícone da literatura regional. Tem obras traduzidas para mais de trinta idiomas. Preso durante a ditadura, exilou-se no Chile, encontrando em Pablo Neruda um amigo e colaborador. Wikipédia https://pt.wikipedia.org/wiki/Thiago_de_Mello


A magia do livro vai por conta da raça. Por conta do índio, no qual o autor, meio índio ele também, viu, sobretudo e profundamente o homem. Não o bugre, não apenas o ser primitivo, o pré-lógico. Mas um homem, uma mulher, uma criança, sinto vontade de dizer um companheiro. Porque só assim é que Nunes Pereira quis e pôde recolher o que os índios tinham de melhor e de mais essencial e vivo: o seu pensamento, a sua imaginação, o poderoso sortilégio de sua literatura oral. E aqui estão, reunidas em acervo jamais antes conseguido, as suas lendas, mitos, tradições, fábulas e estórias. O autor estuda antes, porém, a área cultural onde as lendas floresceram: são cinco áreas, compreendendo todo o Estado do Amazonas e os territórios de Roraima e Rondônia. Estuda a fauna e a flora, o relevo e o clima, a economia e a ecologia, os antecedentes da conquista, a história e a aventura, concluindo pela situação atual dos indígenas: de como eles conversam, como moram e particularmente como amam, porque amam muito esses índios do Amazonas. Mas também conta como padecem eles nos seus choques sociais com o chamado homem civilizado; e como lutam - até mesmo eles, os companheiros índios, lá nos longes centros da mata, para resistir, em rebeldia de altiva dignidade humana, à grande praga da sociedade moderna que é a exploração do homem pelo homem. Moronguêtá, um Decameron Indígena. Como o do florentino Boccacio, obra-prima do século XIV, este é um livro romântico, heróico, fescenino, sarcástico, burlesco, lírico e obsceno. Moronguêtá: o dom da poesia, a riqueza erótica, a força da imaginação, trabalhados com ciência e amor por quem hoje melhor conhece os habitantes animais e vegegetais, aquáticos e terrestres do Amazonas, imenso e sofrido pedaço verde do mundo: Nunes Pereira, irmão dos índios, porque irmão do Homem. [1967] 39. Outro estudioso M. Cavalcante Proença40, comenta também o "Um Decameron Indígena", em um ensaio contido em Moronguetá, vol. 1, pp. XI-XIX) Nunes Pereira pertence àquele pequeno grupo de pessoas que, no Brasil, pensa nos índios, sinal identificador de um extraviado idealismo, nestas horas de auto-suficiente tecnologia, com certas reacionárias tendências à tecnocracia.Essa marca de idealismo é característica na sua inteligência e na sua obra. 41 Ulysses Bittencourt42 escreveu o artigo "A partida do velho amigo", texto-homenagem que foi publicado no jornal A Crítica e depois veio a lume em "Patiguá"43, coletânea póstuma a que 39

https://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Nunes_Pereira 40 Manuel Cavalcanti Proença (Cuiabá, 1905 —- Rio de Janeiro, 1966) foi um romancista e crítico de literatura brasileira. Escreveu ensaios ou livros sobre, entre outros, Augusto dos Anjos, Mário de Andrade e Guimarães Rosa. Em seu romance Manuscrito holandês ou a peleja do caboclo Mitavaí com o monstro Macobeba, revela grande influência destes dois últimos. Seu livro Roteiro de Macunaíma é considerado um clássico e uma das principais referências críticas sobre a famosa obra de Mário de Andrade. https://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Cavalcanti_Proen%C3%A7a 41 https://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Nunes_Pereira 42 Ulysses Uchôa Bittencourt (Manaus, 4 de abril de 1916 — Rio de Janeiro, 19 de março de 1993), também conhecido como Ulysses Bittencourt, foi um jornalista, administrador público e historiador brasileiro. Foi prefeito de Guarapuava, município do estado do Paraná, durante o primeiro mandato do presidente Getúlio Vargas, por indicação do então interventor no estado, Manuel Ribas. De acordo com o amazonólogo Samuel Benchimol, Ulysses Bittencourt - pesquisador que produziu uma descrição acadêmica do povoamento da bacia Amazônica (Porto Alegre, PUC-RS, 1988) - foi um dos autores que logrou delinear alguns dos tipos humanos da região, especialmente o do coronel de barranco (o assim chamado "barão da borracha", da época do boom amazônico da hévea - que não pertencia ao Exército Brasileiro -, geralmente adquiria uma patente da extinta Guarda Nacional). um resumo biográfico do poeta-operário Hemetério Cabrinha [4] [5] [6], em Patiguá, p. 46]. Graduado pela Escola Nacional de Veterinária, abandonou a profissão de médico veterinário quando se tornou administrador público, tendo sido, em 1939, nomeado prefeito de Guarapuava. Membro da Academia Amazonense de Letras [7] e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas [8], escreveu Raiz (Rio de Janeiro: Copy e Arte, 1985), Povoamento da Bacia Amazônica (Porto Alegre, PUC, 1988 - conferência proferida na PUC-RS) e Patiguá(Rio de Janeiro: Copy e Arte, 1993).


recorreu Samuel Benchimol44 em seu livro "Manáos do Amazonas - Memória empresarial, vol. 1" para descrever o tipo amazônico do "coronel de barranco" (líder do extrativismo florestal borracha, castanha, guaraná, essências da floresta, pesca etc. - e político regional da época áurea da borracha). Tendo conhecido pessoalmente Wenceslau Nicolau de Mello, proprietário da região do Lago do Ayapuá (Baixo Purus), citado por Benchimol como "o rei da castanha do Amazonas", Nunes Pereira incluiu as primeiras páginas da monografia "Reminiscências do Ayapuá", do geógrafo amazonense Agnello Bittencourt (ex-prefeito de Manaus e autor da Corographia do Estado do Amazonas, de 1925), como anexo de "O sahiré e o marabaixo", sugerindo sua urgente publicação, acontecida efetivamente em 1966 (Rio, edição do Autor) 45: “A partida do velho amigo” (7 de março de 1985), Na intimidade quieta da mata, causa susto e tristeza ver de repente o raio abater árvore secular. A mesma sensação acometeu-me ante o desaparecimento, dia 26 de fevereiro, do sábio Nunes Pereira. Por sua morte a floresta amazônica ficou sem um dos seus mais altos e valiosos exemplares, um exemplar insubstituível. A metáfora pode ser antiga, mas é exata para expressar o doloroso fato. Nascido no Maranhão, cedo ele viajou para o Amazonas e ao nosso Estado passou a dedicar quase todo o resto de sua produtiva e longa vida de intelectual, antropólogo, etnólogo e biólogo, partindo da Veterinária. Com seu jeitão boêmio, bom bebedor que foi até findar-se aos 92 anos, Manoel Nunes Pereira, na realidade, era um estudioso metódico, um pesquisador obstinado e pertinaz. Tendo abandonado o curso de Direito, a partir daí tornou-se autodidata. Além do português, do tupi-guarani, nheengatu, dominava o inglês, o francês, o alemão e o italiano. Mantinha intercâmbio verbal ou por correspondência com os mais importantes nomes da cultura brasileira e estrangeira. Foi a síntese perfeita do homem brasileiro: branco, preto e índio. Ele mesmo dizia ter “os cabelos do português, as feições do índio e o tom de pele mulato herdado de minha mãe”. Daí ser recebido em todos os ambientes com alegria. Para exemplificar: esteve em várias tribos afastadas da “sifilização” (como ele chamava), sendo logo acolhido como sábio pajé e chamado pelos naturais de “saracura branca”. Conviveu por longos períodos com os silvícolas, alimentando-se e procedendo como um deles, o que lhe valeu um enorme repertório engraçadíssimo de episódios e de anotações de raro valor científico, aproveitadas em seus trabalhos. De vez em quando, Nunes Pereira era tema de extensas reportagens em jornais, revistas e entrevistas na televisão. Guardo três dessas reportagens de O Globo, uma de 1974 e duas outras de 1975 e 1977. Em artigo do Jornal do Brasil, disse dele Carlos Drummond de Andrade: ”Homem de ciência agudamente provido de sensibilidade e visão humanística, eis o que é o caboclo maranhense Nunes Pereira. Daí seu livro soar um som claro, alegre, sadio, jamais instalando tédio pela informação indigesta”. Membro fundador da Academia Articulista, nos anos 1980, do jornal A Crítica, de Manaus, Ulysses Bittencourt, foi editor da revista da Grande Loja do Brasil, do Rio de Janeiro. Pesquisador da história do Amazonas, é autor do verbete Benjamin Lima, da Série Memória, da Secretaria de Cultura do Estado do Amazonas [9] https://pt.wikipedia.org/wiki/Ulysses_Bittencourt 43 Artigo publicado na coletânea póstuma “Patiguá”, Rio de Janeiro: Copy & Arte, 1993, pp. 114–115; apresentação de Mário Ypiranga Monteiro; desenho reproduzido na capa 44 Samuel Isaac Benchimol (Manaus, 13 de julho de 1923 – Manaus, 7 de maio de 2002) foi um economista, cientista e professor brasileiro de ascendência judia-marroquina. Foi considerado um dos principais especialistas da região amazônica. Contribuiu no estudo de aspectos sociais no domínio da economia da região da Amazónia, aprofundando questões sobre o desenvolvimento sustentávelda bacia do rio Amazonas. Publicou mais de cem artigos e livros sobre estes assuntos. O governo brasileiro instituiu o prêmio Benchimol em sua homenagem, o qual é anualmente atribuído em três categorias para as primeiras três pessoas que tenham contribuído de forma substancial para o entendimento da região da Amazônia. Lecionava Introdução à Amazônia na Universidade Federal do Amazonas (UFAM). O novo prédio da administração da Faculdade de Direito da UFAM, na cidade de Manaus, hoje leva seu nome[1], assim como o prédio da Escola Superior de Artes e Turismo da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), localizada na Avenida Leonardo Malcher, na Praça 14 de Janeiro, Zona Sul de Manaus. https://pt.wikipedia.org/wiki/Samuel_Benchimol 45 https://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Nunes_Pereira


Amazonense de Letras, Nunes pertencia ainda a inúmeras outras instituições culturais e científicas. Todo esse prestígio, porém, não o afetava. Residindo em Santa Teresa, no Rio de Janeiro, por muitos anos, fazia suas viagens com módicas ajudas-de-custo pelo Ministério da Agricultura – do qual foi funcionário, recebendo daí sua modesta aposentadoria – ou comissionado pelo Governo do Amazonas, pouco mais auferindo com a venda de seus livros. Um sábio que era, morreu pobre, despojado e simples como sempre viveu, respeitado pela grandeza de sua obra e pelas cintilações de sua presença em qualquer meio. Honrou-me frequentando minha casa, como frequentou a casa de meu avô, a de meu pai, a de meus irmãos, depois também a de meu filho Flávio, com cujo filho Eduardo brincou várias vezes, somando assim uma amizade que se estendeu ao longo do tempo por cinco gerações46. Arlindo Augusto dos Santos Porto, ex-presidente do IGHA, publicou um livro sobre Nunes Pereira intitulado "Nunes Pereira: o cavaleiro de todas as madrugadas do universo", título contém referência ao Clube da Madrugada de Manaus, movimento renovador da cultura e das artes no Amazonas do qual Nunes Pereira era membro47. O escritor amazonense Márcio Souza refere-se à relevância científica da alentada obra "Moronguetá", editada por Ênio Silveira, em seu livro "A expressão amazonense". O criminalista Carlos de Araujo Lima, de O Dia (Rio de Janeiro) e A Crítica (Manaus), escreveu um elogio sobre Nunes Pereira após o seu falecimento, cuja causa foi um câncer intestinal. Zemaria Pinto48, ao tomar posse na Cadeira 59 da Academia Amazonense de Letras, da qual é patrono o etnólogo Manuel Nunes Pereira (1893-1985). Zemaria Pinto editou o folheto - Nunes Pereira: esboço em cinza e sombras, com seu discurso de posse. Conhecido por sua dedicação ao trabalho intelectual, o novo membro do IGHA deu partida a outra renovação: a de redescobrir e divulgar a atuação de seu patrono, hoje envolvido em lendas e esquecimento. A parte inicial do folheto vai abaixo postada, num abraço de boas vindas a Casa de Bernardo Ramos. 46

https://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Nunes_Pereira 47 O Clube da Madrugada, criado em 22 de novembro de 1954, é uma associação literária e artística brasileira. Os ecos da Semana de Arte Moderna de 1922, apesar de terem chegado tardiamente a Manaus, contribuíram no sentido de que fosse escrito, de acordo com A. Coutinho e J. Galante de Souza, "um capítulo importante da história da literatura amazonense" (Coutinho e Souza, Enciclopédia de Literatura Brasileira, p. 496). O poeta Jorge Tufic, um dos fundadores do Clube da Madrugada, influenciado pelo então em voga movimento da Poesia Concreta, criou a Poesia de Muro. Escreveu Alencar e Silva (nasc. em Fonte Boa (Amazonas), 1930): "(...) Que nos resta dizer? Em verdade, bem mais, sobre as muitas faces da [poesia de Jorge Tufic], a começar por alguns aspectos formais da sua experiência concretista e sua concepção da Poesia de Muro. Na área do concretismo, por exemplo, depois de levar seus experimentos aos limites extremos da palavra, “pintando”, por assim dizer, uma paisagem bucólica com apenas três vocábulos :Ode,campo,bode. Jorge Tufic leva tais experimentos ainda mais longe, mediante a inclusão de elementos extraverbais no texto poemático. (...)". Às experiências modernistas de vanguarda e à arte pósmodernista praticada por vários de seus integrantes [Adrino Aragão, por exemplo, é um dos cultores, no Brasil, do miniconto, soma-se, por exemplo, os Haikais de Luiz Bacellar. Um dos mais ativos participantes do Clube era um eclesiástico, o Pe. Luiz Ruas, autor de uma reunião de poemas, "Aparição do Clown", que mereceu elogiosos comentários do filólogo Raimundo Nonato Pinheiro (Pe. Nonato Pinheiro), membro da Academia Amazonense de Letras. O contista Adrino Aragão (nasc. em Manaus, em 1936) sobre o Clube da Madrugada, assinalou: "(...) O Clube da Madrugada nunca possuiu sede própria: seus escritores sempre se reuníram embaixo de um mulateiro [grande árvore da Amazônia] na Praça da Polícia[Praça Heliodoro Balbi, Centro, Manaus]. Mas sua existência transcendeu os limites geográficos dessa Praça. E, hoje, é reconhecido não apenas no Brasil, mas em várias parte do mundo (...)" (Rev. O Pioneiro, Brasília). As reuniões do Clube da Madrugada acontecem ao abrigo da sombra de uma árvore imponente da Praça Heliodoro Balbi, entre os prédios, de linhas neoclássicas, da Polícia e do Colégio Estadual. https://pt.wikipedia.org/wiki/Clube_da_Madrugada 48 Zemaria Pinto – Nascido em Santarém, no Pará, em 1957, desde tenra idade vive em Manaus, capital do Amazonas. Publicou os seguintes livros de poemas: Corpoenigma (1994), Fragmentos de Silêncio (1996) e Música Para Surdos (2001). Professor de Teoria da Literatura e Literatura Brasileira, tem, em parceria com Marcos-Frederico Krüger, dois livros de ensaios sobre obras indicadas para o vestibular da Universidade Federal do Amazonas (2000 e 2001). Escreve também para o teatro, tendo sido primeiro colocado no Concurso de Textos Teatrais Inéditos, promovido pela Secretaria de Cultura do Amazonas, em 2002, com a peça Nós, Medeia, a ser publicada em 2003, pela Editora Valer. Encenou a comédia Papai Cumpriu Sua Missão, em 2000/2001, e no momento ensaia Diante da Justiça, baseado em Kafka. http://www.jornaldepoesia.jor.br/zpinto.html#bio


AS RAZÕES DO TÍTULO E DO SUBTÍTULO TENHO POR HÁBITO COMEÇAR A ESCREVER MEUS TRABALHOS COM UM TÍTULO, AINDA QUE PROVISÓRIO. É UMA FORMA POUCO SUTIL DE ME DAR UMA DIREÇÃO, DEFINIR UM ESCOPO, PARA ALÉM DO ROTEIRO TRAÇADO PREVIAMENTE. O TEMA NUNES PEREIRA, POR EXEMPLO, É MATERIAL PARA INUMERÁVEIS TESES E DISSERTAÇÕES, SENDO IMPOSSÍVEL ESGOTÁ-LO NOS LIMITES DE UMA FALA. ASSIM, DEFINI O TÍTULO: "NUNES PEREIRA, ESBOÇO DE UM RETRATO". IMAGINEI ESSE ESBOÇO EXPRESSIONISTA E EM CORES, EXPLORANDO O AMÁLGAMA RACIAL DO RETRATADO — ÍNDIO, NEGRO, BRANCO, BUSCANDO A IDEIA PRECISA DE QUEM FOI ESSE CIENTISTA E ESCRITOR, A UM TEMPO TÃO CITADO E CULTUADO, MAS TÃO POUCO LIDO, E AGORA QUASE NO ESQUECIMENTO. PELAS DIFICULDADES ENCONTRADAS NO LEVANTAMENTO DE DADOS, ENTRETANTO, O RETRATO CONTINUOU APENAS UM ESBOÇO, PORÉM ESMAECIDO NUM IMPRESSIONISMO LIGEIRO, LIMITADO EM CINZA E SOMBRAS. O SUBTÍTULO — O CIENTISTA, O POETA, O CONTADOR DE HISTÓRIAS — É ATÉ ÓBVIO, CONFORME SE VERÁ NO FLUIR DO TEXTO. MAS ADIANTO QUE O CIENTISTA RIGOROSO, AUTODIDATA CONSCIENTE DE SUAS POSSÍVEIS LIMITAÇÕES, E, POR ISSO MESMO, MUNIDO DE UMA AUTOCRÍTICA INCOMPLACENTE, JAMAIS DEIXOU DE SER O LÍRICO QUE CULTIVAVA ALEXANDRINOS NA JUVENTUDE, ESPECIALMENTE QUANDO RECONTAVA AS HISTÓRIAS OUVIDAS DA INDIADA, COMO ELE CARINHOSAMENTE SE REFERIA ÀQUELES A QUEM PROCURAVA, SOBRETUDO, "CONHECER E AMAR HUMANAMENTE". O INSTITUTO GEOGRÁFICO E HISTÓRICO DO AMAZONAS, AO COMPLETAR 99 ANOS DE EXISTÊNCIA, RESGATA A MEMÓRIA DESSE BRASILEIRO EXEMPLAR QUE FOI MANOEL NUNES PEREIRA, MARANHENSE DE NASCIMENTO, COM UMA PASSAGEM FULGURANTE E DURADOURA PELA NOSSA REGIÃO, ESPECIALMENTE POR MANAUS, QUE ELE DIZIA SER O "CORAÇÃO DA AMAZÔNIA". A FINALIDADE DESTE TRABALHO OS QUE CONHECEM NUNES PEREIRA JÁ DEVEM TER OUVIDO ALGUMAS DAS HISTÓRIAS QUE SE CONTAM SOBRE ELE — E QUE ELE MESMO AJUDOU A DIVULGAR, ALIMENTANDO UM FOLCLORE EM TORNO DE SUA FIGURA EMBLEMÁTICA. HISTÓRIAS DE REBELDIA, DE BOEMIA E DE SEXO. ESSE ANEDOTÁRIO ACABA SUPERVALORIZADO EM RELAÇÃO A UMA OBRA QUE, AINDA VIÇOSA E ORIGINAL, É SUBESTIMADA — PELO QUE LEVANTEI, APENAS DUAS TESES DE DOUTORADO TÊM COMO CENTRO A OBRA DE NUNES PEREIRA, AMBAS DA PUC-SP: LABIRINTOS DO SABER: NUNES PEREIRA E AS CULTURAS AMAZÔNICAS, DE SELDA VALE DA COSTA (1997), E MITOPOÉTICA DOS MUIRAQUITÁS, PORANDUBAS E MORONGUETÁS: ENSAIOS DE ETNOPOESIA AMAZÔNICA, DE HARALD PINHEIRO (2013). ENTÃO, A PROPOSTA DESTE TRABALHO É, IGNORANDO O ANEDOTÁRIO, DAR UMA VISÃO, AINDA QUE SUPERFICIAL, SOBRE A VASTA OBRA DE NUNES PEREIRA, PROCURANDO DESPERTAR, ESPECIALMENTE NOS MAIS JOVENS, PELO MENOS A CURIOSIDADE DE CONHECER O ESSENCIAL DA OBRA DO AUTOR DE MORONGUETÁ, O QUE NÃO É POUCO.49

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MENDONÇA, Roberto. POSSE NO IHGA. In BLOG DO CORONEL MENDONÇA. 29 de fevereiro de 2016, disponível em http://catadordepapeis.blogspot.com/2016/02/posse-no-igha.html


Maio de 1976. Chegando a Manaus para rever os amigos, o antropólogo Nunes Pereira está sendo ciceroneado na cidade pelo poeta Anthístenes Pinto. Embora maranhense de nascimento, Manuel Nunes Pereira era uma das figuras exponenciais da nossa literatura tendo sido, inclusive, um dos fundadores da Academia Amazonense de Letras. Quando da sua morte, em 1985, sua biblioteca de cinco mil livros foi comprada pelo Governo do Amazonas e hoje faz parte do acervo do IGHA. Em 1993, o jornalista Arlindo Porto lançou o belíssimo livro Nunes Pereira: o cavaleiro de todas as madrugadas do universo, onde mostrava algumas facetas do autor do clássico A Casa de Minas. Durante o passeio com o poeta, o pajé Nunes Pereira, do alto dos seus 83 anos bem vividos, cismou que queria rever o pessoal do Clube da Madrugada, para tomar umas “branquinhas” e atualizar as fofocas. Anthístenes Pinto resolveu levá-lo ao Bar do Alfredo, no cruzamento das ruas Ferreira Pena com Monsenhor Coutinho. Todos os intelectuais presentes (Artur Engrácio, Jorge Tufic, Aloísio Sampaio, Van Pereira, Carlos Genésio, Garcibal do Lago e Silva, Rômulo Gomes e Afrânio de Castro, entre outros) fizeram a maior festa ao ver o morubixaba cada vez mais lúcido e saudável. Quer dizer, todos menos um. Sentado sozinho a uma mesa nos fundos, preparando-se para detonar a segunda garrafa de uísque Vat 69, o vereador Fábio Lucena fez questão de não se manifestar. Intrigado, Anthístenes Pinto pegou Nunes Pereira pelo braço, levou-o até a mesa do vereador e tentou quebrar o gelo: – Êi, Fábio, o que está havendo? Esse aqui é o autor de Moronguetá – um decameron indígena e de Panorama da alimentação indígena, dois livros fundamentais sobre a Amazônia. Este aqui é o nosso grande Nunes Pereira!!! Fábio Lucena ajeitou os óculos, limpou a boca com a manga do paletó, olhou para aquele sujeito com fisionomia de índio e vasta cabeleira branca, que fazia um belo contraste com sua tez escura, aí, escandindo bem as sílabas, sem levantar-se da cadeira, disparou à queima-roupa: – Nunes Pereira? O senhor, por acaso, não seria tio da matinta-pereira?... Foi a primeira vez na vida que o pajé perdeu as estribeiras. E só não deu um tabefe no insolente vereador porque foi resgatado a tempo pela turma do “deixadisso”. Publicado no Blog do Simão Pessoa, 20 de outubro de 2011 Kyssian Castro50 relata um episódio envolvendo Nunes Pereira e seu inseparável amigo Maranhão Sobrinho: A SURRA POR ENGANO Talvez em busca de fortuna fácil prometida pela borracha, Maranhão Sobrinho, logo após ter publicado “Estatuetas”, transfere-se para Manaus, entre os anos 1909 e 1910. Lá revê antigos colegas, entre os quais Theodoro Rodrigues (1873-1913), poeta com o qual tivera contato em Belém, e que ali acabaria por se tornar seu mais chegado amigo; e o também maranhense Nunes Pereira. Este foi quem acabou por metê-lo numa terrível enrascada.

50 CASTRO, Kyssian. Curiosidades sobre Maranhão Sobrinho. In jornal Turma da Barra. 9 de jan de 2013, disponível em http://www.turmadabarra.com/maranhaosobrinho2.htm


Como os literatos da Manaus daquele decadente período viviam se digladiando mutuamente, Nunes Pereira, apontado acima e que nutria desavenças com o jornalista Generino Maciel, publicou em jornal esta quadra ofensiva: “Genebrino, Genebrino, que escreves coisas fecais, onde anda esse suíno que se chama Th. Vaz?” Thaumaturgo Sotero Vaz (1869-1921), comparsa de Generino e a quem também fora dirigida a afronta, ferido em seus brios, arquiteta uma vingança particular. Como era mui amigo do chefe de polícia, solicitou-lhe alguns homens a fim de darem uma lição no petulante versejador, já que acabara de receber informações sobre o seu paradeiro. Maranhão Sobrinho, alheio ao que se passava, hospeda-se com sua amada no quarto em que na véspera fora visto seu amigo Nunes Pereira. Os policiais, em lá chegando, alta madrugada, caíram vorazes sobre aquele que juravam ser o autor da malfadada quadra, dando-lhe baita surra e atirando-o na prisão. O nosso poeta, assim, acabou pagando por um crime que não cometera..

Em Macapá, existe uma biblioteca que leva seu nome - a Biblioteca SESC/Centro Nunes Pereira. A Biblioteca Nacional possui a Coleção Nunes Pereira, que reúne cerca de 1430 documentos produzidos ou acumulados pelo veterinário e antropólogo Manuel Nunes Pereira (1893-1985), que viveu por muitos anos na região amazônica, entre os povos nativos, coletando informações sobre costumes, alimentação, imaginário. A coleção doada pelo titular inclui correspondência, pareceres, artigos, recortes de jornal, notas sobre etnologia.














Para Cunha (2006) 51 O legado intelectual de Nunes Pereira restaria dessacralizado e desconhecido — porque praticamente ausente das histórias da antropologia — não fosse a sua aparição nas memórias do bairro e de uma pequena parcela de intelectuais de esquerda que o conheceram. As sucessivas entrevistas que concedeu ao Pasquim, sua participação num documentário sobre os cultos vodus em São Luís do Maranhão e sua atuação comunitária no bairro em que viveu por mais de vinte anos retiraram Nunes Pereira da condição de especialista em temas regionais.Dois anos depois da sua morte, um grupo de amigos ligados à Associação de Moradores e Amigos de Santa Teresa (AMAST), que ele ajudara a fundar, encaminhava ao então presidente da República, José Sarney, e ao ministro da Cultura, Celso Furtado, uma carta aberta na qual propunham medidas para que o "grande etnólogo romancista não fosse esquecido". __________________

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CUNHA, Olivia Maria Gomes da. O ETNÓLOGO E O FOLCLORISTA VISTOS DE SANTA TERESA. IN An. Bibl. Nac, Rio dejaneiro, 121,


LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ

FRAN PAXECO: recortes & memórias

SÃO LUÍS – MARANHÃO – 2020 PARTE VIII

“Chronica (do latim) é termo que indica narração histórica, ou registro

de fatos comuns, feitos por ordem cronológica; como também é conjunto das notícias ou rumores relativos a determinados assuntos.” (DICIONÁRIO AURÉLIO, 1986, p. 502)


VOLTA PARA SÃO LUIS-MA AGOSTO, 31 -ainda em profunda melancolia, está de volta a São Luís do Maranhão para descansar e recuperar-se daquela armadilha.

Dá início a uma intensa atividade cultural. A Pacotilha faz uma resenha de artigos publicados em outros jornais, em que uma delas se refere à Lauro Sodré tecendo elogios à Fran Paxeco:


SETEMBRO, 20, em A PACOTILHA é anunciada a volta de Fran Paxeco às atividades em São Luis, assinando nota de eleição de diretoria da Associação Cívico Maranhense, fundada em 1901:

A 23 de setembro, a Pacotilha publica nota com os resultados da reunião, com Fran Paxeco eleito 1º Secretário:


SETEMBRO, 31 – Em A Notícia, (RJ)52, em publicações a pedido, o ex-prefeito de Juruá expoe seu ponto devista, ou defesa:

52

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=830380&pesq=Fran%20Paxeco&pasta=ano%20190




A 02 de outubro, a Pacotilha publica artigo em que o autor faz referencias à obra de Fran Paxeco; a transcrição é de jornal de Barra do Corda:





NOVEMBRO, 1º - publicada em A Pacotilha convocação assinada por Fran Paxeco:

Logo no dia 04/11 a Pacotilha faz um relato do que foi a posse na nova diretoria da Associação Cívica Maranhense, em que Fran Paxeco teve papel de destaque:




DEZEMBRO, 04 – Sai anuncio em A Pacotilha em que Fran Paxeco demonstrava interesse em adquirir alguns exemplares de seu próprio livro:

DEZEMBRO, 10 – Fran Paxeco concorria à eleição como vicepresidente do Clube Euterpe:

DEZEMBRO, 11 A Pacotilha publica dois anúncios:


Os anúncios apareceram nos dias seguintes. DEZEMBRO, 30 – Fran Paxeco recepciona os novos sócios da Oficina dos Novos:


A OFICINA DOS NOVOS, criada a 28 de julho de 1900, tinha estrutura organizacional semelhante à das academias. Dava a seus membros o título de operários e editava um boletim oficial denominado Os Novos, em cujo frontispício se lia: “periódico evolucionista”.Constituída, inicialmente, com 20 cadeiras, a Oficina ampliou seu quadro para 30, em 1904. Afora os membros efetivos, tinha-os honorários e correspondentes. Cada cadeira estava sob o patronato de um vulto eminente da cultura maranhense. Como é natural, muitos desses patronos também seriam adotados como patronos de cadeiras da Academia, da mesma forma que diversos “operários” viriam integrar o grupo dos fundadores desta Instituição ou nela posteriormente ingressaram, o mesmo cabendo dizer relativamente aos sócios honorários e correspondentes. Tendo Gonçalves Dias como seu patrono geral, a Oficina dos Novos escolheu o poeta Sousândrade para seu presidente honorário. O culto a Gonçalves Dias estava representado pelos propósitos, declarados em estatuto, de organizar uma estante gonçalvina que fosse a mais completa possível, editar a obra do poeta e, futuramente, transformar a Oficina em Grêmio Literário Gonçalviano. Ainda sobre a Oficina dos Novos, contradiga-se, por oportuno, a errônea versão segundo a qual essa entidade desapareceu para que em seu lugar surgisse a Academia. Além de um jantar de confraternização que as duas entidades promoveram no Hotel Central, a 15 de dezembro de 1908, diversos fatos atestam a coexistência da Oficina e da Academia, por alguns anos. Um deles foi a reorganização que a


Oficina realizou em 1917, quando ocorreram a aprovação de novos estatutos, a eleição de diversos “operários” e da diretoria.http://www.academiamaranhense.org.br/5-edicao/


1908 JANEIRO, 04 – A Pacotilha publica duas notas, referindo-se a Fran Paxeco:


07 – Sai o programa das conferencias programadas, em A Pacotilha


20 e 22– Anunciada a conferencia de Fran Paxeco, versando sobre a Amazonia:


24 – A conferencia e realizada, com exito:


O Diário do Maranhão, edição de 25/01 traz também um resumo da conferencia sobre a Amazonia:

FEVEREIRO, 13 – Realizada a assembléia do Clube Euterpe, presidida por Fran Paxeco, e eleita a sua diretoria:


19/02 – A Pacotilha anuncia uma reunião para homenagear Almir Nina, em que Fran Paxeco estava entre os presentes. 21/02 – Nas homenagens prestadas a Almir Nina, por seu falecimento, A Pacotilha publica vários artigos, dentre eles, o de Fran Paxeco:




MARÇO, 09 – Em A Pacotilha


ABRIL, 29 – reiniciam as palestras do Curso Livre:

MAIO, 21 – Anunciada conferencia de Sebastião Sampaio, sobre o Rio de Janeiro, em que Fran paxeco fazia parte da Comissão organizadora:



JUNHO, 15 – A Pacotilha publica o retorno de Sebastião Sampaio, viajando para o Ceará; e também de uma homenagem prestada a Joaquim Magalhães, sendo que Fran paxeco promuniciou-se em ambas:

JUNHO, 17 – Antonio Lobo escreve em A Pacotilha interessante artigo sobre a Literatura Maranhense, não deixando de citar as contribuições de Fran Paxeco:





JUNHO, 22 – Antonio Lobo volta a publicar sobre o movimento literário maranhense, em resposta a crítica saida em outro jornal:




JULHO, 04 – Fran Paxeco publica artigo enautecendo Antonio Lobo pela passagem de seu 38º aniversário:



JULHO, 06 – O Clube Euterpe realiza um passeio de barco


n


JULHO, 10 – Antonio Lobo volta a publicar em resposta às criticas que seu artigo recebeu:




JULHO, 13 – Sobre o Clube Nina Rodrigues


14/07 – Nota no Diário do Maranhão sobre a oficina dos Novos e Clube Nina Rodrigues:



28/07 – Programa do 28 de julho:

29/07 – A Pacotilha publica um resumo do que foi a reunião da Oficina dos Novos, presidida por Fran Paxeco:


AGOSTO, 10 – a Oficina dos Novos, de que faz parte, funda a Academia Maranhense de Letras.


A ACADEMIA MARANHENSE DE LETRAS53, oficialmente instituída às 19 horas de 10 de agosto de 1908, data do 85º aniversário do nascimento do poeta da Canção do Exílio, também já demonstrava claramente, com esse fato, sua resolução de adotar Gonçalves Dias como seu nume tutelar. Fundada no salão de leitura da Biblioteca Pública do Estado (prédio onde, a partir de 1950, tem sua sede própria), compôs-se a Academia, inicialmente, de 20 cadeiras.Dispunha seu primeiro Estatuto que ao grupo dos 12 fundadores – Antônio Lobo, Alfredo de Assis, Astolfo Marques, Barbosa de Godóis, Corrêa de Araújo, Clodoaldo Freitas, Domingos Barbosa, Fran Paxeco, Godofredo Viana, I. Xavier de Carvalho, Ribeiro do Amaral e Vieira da Silva – viriam juntar-se os oito membros restantes, admitidos mediante eleição, e também com as honras de fundadores.Em razão de disposição estatutária, foi o primeiro presidente da agremiação o professor e historiógrafo José Ribeiro do Amaral, que era, aos 55 anos, o mais idoso entre seus confrades. 11/08 – Em A PACOTILHA:

No Diário do Maranhão:

53

http://www.academiamaranhense.org.br/5-edicao/


11/08 – Em A Pacotilha:

14/08– O Paiz (RJ) anuncia a fundação da Academia Maranhense de Letras:


Em A Pacotilha:

A 15/08 –



OUTUBRO, 08 – Aparece como professor do Colégio Osório, participando da banca examinadora:



OUTUBRO, 18 – Gazeta de Noticias, do Rio de Janeiro, publica extensa reportagem sobre o Maranhão:



19/10 – Em A Pacotilha, participa dos exames do Colégio Osório:


24/10– Em A Pacotilha:


DEZEMBRO, 10 – Tanto A Pacotilha, quando o Diário noticiam sua partida para a Europa:




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