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NAVEGANDO COM JORGE OLIMPIO BENTO
CERES COSTA FERNANDES
Neste tempo de calor – e todo tempo é calor em Upaon-açu – é tempo de sorvete. Do sorvete de coco das caixas de zinco com gelo que resiste nas caixas modernas de alumínio forradas de isopor, ainda carregado no ombro do sorveteiro – vêeete coco. Ah, o sorvete de coco na casquinha! Tão bom e tão proibido: “Você sabe com que água ele é feito?” Inquiria meu pai, dedo em riste. Nem queria saber. Aprendi com meu tio Janu –mais conhecido como Zoquinha – que comidas muito temperadas ou de procedência duvidosa, se gostosas e imperdíveis, a gente come “pelas barbas de São Pedro” e todo mal é exorcizado. O sorvete de coco tem uma prima ancestral, também de molecada circundante e procedência duvidosa – e apesar disso, ou até por isso –muito saborosa e desejada: a raspadinha. Patrimônio alimentar da humanidade (não é?), a raspadinha é registrada historicamente desde os tempos de Nero: ele mandava vir neve das montanhas para ser misturada aos sucos de frutas servidos nos festins de Roma. É, pois, a ancestral registrada do sorvete. Nos banquetes, os romanos a sorviam reclinados nos divãs, dois deliciosos pecados capitais juntos: gula e preguiça. Só me dano é que, nos filmes de época, não sei o porquê, Nero sempre está saboreando cachos de uva; não é justo, e as raspadinhas? Morro de inveja dos romanos e de saudade das raspadinhas. Não venham me dizer que ainda resistem algumas na Praia Grande. São feitas com xarope industrializado, não mais com xarope de frutas de procedência duvidosa. Sorvete é arte, ponto. É perecível? Então é uma instalação; quem nisso puser dúvida, lembre os sorvetes de creme e o de ameixa (meu preferido) saídos das mãos do Lúcio. Quem de nós, ilhéu, viveu nesta São Luís quatrocentona dos anos sessenta ao começo dos oitenta e não soube a fama, ou teve o excelso prazer de provar dos sorvetes do mago conhecido apenas por Lúcio. Ou melhor, o Lúcio do Hotel Central? O curioso é que não lembro a figura dele. Nunca o vi. Conheci o nome, a celebridade e o sorvete. Todos os saídos do Hotel Central eram “do Lúcio”. Às vezes penso que Lúcio era mais uma marca, um mito que uma pessoa real. Existiria de fato? Era mais de um? Talvez fosse um Homero, um Shakespeare do sorvete, cuja autoria pode até ser contestada, mas as criações, únicas e inimitáveis. Confesso que a minha primeira vez foi em Fortaleza; quero dizer, a primeira vez em que saboreei, com ritos de iniciação, um sundae, novidade máxima, na época – não havia em São Luís. A cerimônia se deu nas Lojas Americanas de lá, acompanhada de Guaraná Champanhe. Comuniquei a aventura aos amigos do Largo de Santiago e recebi de volta uma informação solene que me assanhou: no Largo do Carmo, uma sorveteria servia um “sorvete enfeitado” que queria parecer um sundae. Quando convenci meus pais a irmos lá para conferir, ela, vida curta, tinha fechado. Decepção amarga. Muito tempo depois, outra tentativa: a sorveteria em cima da Loja Acácia. Sorvetes bons, mas nada de sundaes. Os verdadeiros surgiram na loja Ocapana da Rua Grande, ponto de encontro dos jovens. São Luís, então conheceu Banana Split, Vaca Preta, Vaca Dourada. Chovia a meninada por lá. E, é bom dizer, com os pais “acompanhando”. E quem se lembra do inicio da sorveteria Elefantinho? Caiu no gosto popular oferecendo sorvetes de sabores da terra; bacuri, cupu, juçara, cajá, murici, milho verde, tapioca e outros que tais. Outras tentaram, mas foi ela que mudou a preferência dos nativos; antes era chocolate, creme, ameixa, morango, caramelo, coco. Frutas da terra, só para picolés, assim mesmo com morango (artificial) ganhando disparado das outras. De nome estranho e lugar longe dos points da moda, lá no Diamante, foi campeão de vendas anos a fio. Ponto de referência obrigatório para turistas, surpresos com a variedade das nossas frutas. A descoberta das excelências do cupu, bacuri e juçara, os levavam ao êxtase gastronômico. Essa sorveteria tem o mérito de ter acordado os maranhenses para a riqueza e valorização do sabor de suas frutas, tão fora de moda na época em que sãoluisenses queriam ser cariocas. Hoje, temos sorveterias sem conta em São Luís (alguém se lembra da do Valentim Maia?), umas muitas boas, outras assim, assim. Mas, neste rememorar de tantos anos (quantos?) de raspadinhas e sorvetes, quero deixar minha homenagem aos sorveteiros anônimos do sorvete de coco; à raspadinha da Praça Deodoro (quando lá
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era um recanto tranquilo e de convivência); ao sorvete do Lúcio (viverá ainda?) e ao inovador Elefantinho, que deixou São Luís com mais gosto de São Luís. Entrou pelo bico do pato saiu pelo bico do pinto, quem tiver as suas predileções, pode juntar mais cinco.