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A NOVA LITERATURA LUDOVICENSE/MARANHENSE

FERNANDO BRAGA

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in Jornal ‘O Estado do Maranhão’, 17 de agosto de 1973, enfeixado em ‘Conversas Vadias’, antologia de textos do autor. Ilustração: ‘Declaração’, poema de Bandeira Tribuzi, in ‘Intimo Comício’, obra poética, 2002, verso de abertura: fragmento de ‘Alguma Existência, 1948. Direção Musical: Tuco Marcondes e Zeca Baleiro.

José Tribuzi Pinheiro Gomes, ou simplesmente Bandeira Tribuzi é um dos valores mais brilhantes da chamada geração de 45. [São Luís do Maranhão, 2 de fevereiro de 1927 — 8 de setembro de 1977]. Iniciou o Modernismo no Maranhão em 1948, com a publicação do livro de poesia ‘Alguma Existência’. Ao lado de José Sarney, Lago Burnet, Ferreira Gullar José Bento Neves, Carlos Alberto Madeira, Cadmo Silva, Luis Carlos Bello Parga e os pintores e poetas Pedro Paiva e Floriano Teixeira, este capista dos livros de Jorge Amado pela vida inteira; e outros escritores, fez parte de um movimento literário difundido através da revista que lançou o modernismo no Maranhão, chamada ‘A Ilha’, da qual foi um dos criadores, como foi o fundador, anos depois, do jornal ‘O Estado do Maranhão’, junto com José Sarney. Poeta de grande profundeza lírica trocou a batina franciscana para assumir de vez às lides literárias e para não ser “Prior do Carmo”, como gostaria o pai, diz ele no “Memorial da longa vida”, que só durou cinquenta anos, interrompida por um enfarto fulminante no estádio ‘Nhozinho Santos’, ao assistir um jogo entre o Sampaio Correia e o Moto Clube, no dia do aniversário da Cidade de São Luís, sem extinguir, contudo, seu talento, dos mais iluminados já visto entre nós, já que o espirito é intelectivo, muito embora sua formação universitária em finanças, feita em Coimbra, já ter sido trocada, em grande parte, como dizia, por seus

afazeres jornalísticos, vez que nos trouxe da velha Europa, uma educação humanística e técnica realmente sólidas , a par de uma cultura literária, não só lusitana como universal. Em “O Conto Brasileiro”, Josué Montello traça um paralelo entre autores de inspiração ruralista e autores de inspiração litorânea, ao dizer que “realmente, a paisagem marítima, que serviu de cenário às maiores glórias da raça, só raramente aparece na prosa de ficção de Portugal, em contraste com o que ocorre com a poesia que se volta preferencialmente para o mar”, como é o caso desse ‘Exercício Marítimo’, poema inserido no ‘Cancioneiro da Cidade de São Luís, o porto que me atraco na poética de Bandeira Tribuzi, a ratificar a justeza dessa reflexão. Ouçamo-lo por isso: “A palavra mar em lenta pronúncia úmida, / fria, amarga, de marinheiros, em histórias. /Depois pensar no corpo da infância, / cartões ilustrados, /recordações, praias, visitas e pensadas”. E mais: “Quem assim escreve/ é quem já sentiu em demanda de um infinito azul /a dimensionalidade das coisas imperceptíveis, / até certo tempo ou momento. /As coisas deixadas, as lembranças e as ideologias ameaçadas/ por uma pá de cimento, / uma rosa que não brotará nunca nas raízes de uma calçada”. Afiança Joaquim Nabuco em ‘Minha Formação’, que “de um lado do mar sente-se a ausência do mundo; do outro, a ausência do país”. E assim, num doce ou não exílio, parte o poeta em vagas imaginárias: “Gosto de sal nos lábios:/ eis construída a paisagem. /Coloquemos nele um barco. / O vento [este vento real que agita os cabelos] /continuará o exercício impelindo o sonho a viagem.” O sonho ou a viagem, tanto podem ser sentidos na Praia do Desterro, em São Luis, como podem ser sentidos na amplidão das praias dos Algarves, em Portugal. O gosto de sal, a paisagem e o vento não são determinados. Fernando Pessoa escreveu que “pelo Tejo vai-se para o mundo. Pelo mar ou por um rio de aldeia se consegue partir para o mundo”. E Tribuzi prossegue “Que um dia quando pó forem meus nervos/ e minha carne o adubo de uma rosa/ e uma ave voar no meu silêncio / e tudo quanto fui seja memória,/ quando água se faça meus pensamentos / e os desejos em nuvens se transformem,/ quando já nada reste de meus erros/ e meu ser seja orvalho numa rosa,/ possa alguém lembrar/ ao ler o mais triste dos poemas,/ a sofrida saudade de um bem que foi por ter e,/ lembrando, ouça a música incontida/ da palavra comigo sepultada: doce, nítida, pura, azul e alada.” Um soneto entranhado em meio ao poema, ou pelo menos quatorze versos entrelaçados numa beleza de forma lírica, mais sentida que pensada, características acentuadas no estilo de Bandeira Tribuzi. Conteúdo vivencial e técnica perfeita, fazendo-nos lembrar a todo o momento o autor de ‘O Guardador de Rebanhos’. E prossegue o poeta de ‘Safra’: “Teus olhos, transparente melodia,/são rios como os rios de uma margem para a terra/ das nuvens, alta e fria./ Teus olhos, permanência fugidia,/ imagem da imaginada imagem/ de teu mais puro ser,/são a viagem mais preciosa [e inatingida],/ dia de luminosa auréola solar recém-nascida/nas manhãs molhadas/ orvalho e seiva, /pétala de estrela, teus olhos rimam com amor e mar /e a saudade da pátria desejada...” Neste seu último fôlego, ou exercício marítimo, não nos leva a verificação daquele fenômeno que Leo Sprizer assinalou no seu ensaio ‘Interpretação Linguística das Obras Literárias’: “O poeta é o que se esforça para transformar em enigmático um pensamento claro.” Bandeira Tribuzi nos traz com seu lirismo inebriante, uma mensagem poética belíssima... Aqui não há transcendência para o enigmático, a força construtiva é que exige, se é que exige... O poeta nos deixou uma bibliografia extensa e apurada em poesia e prosa, e foi também o autor do Hino da Cidade de São Luís... “O Memorial Bandeira Tribuzi [próximo ao Espigão Costeiro] foi criado em sua homenagem; uma das mais importantes pontes da capital, a ligar o Centro Histórico de São Luís ao outro lado da Ilha, também leva seu nome, além de um busto em bronze, na Praça do Parthenon, a perpetuar o nosso poeta, ladeado a outros escritores maranhenses. Tribuzi ao despedir-se de seu exílio interior, ou da saudade da pátria desejada, tendo o mar como experiência pessoal e melancólica, se justapõe ao lado de Geir de Campos, quando canta: “Ó grande mar – escola de naufrágios! Chora um adeus em cada colo de onda.” Ó Tribuzi, quanta falta fazes às nossas artes!

ANTONIO CARLOS LIMA

Dois jovens maranhenses de Caxias abandonam o curso de Direito que frequentam na Universidade de Coimbra para filiar-se, no Porto, às tropas voluntárias de apoio à rainha Maria I de Portugal, filha de dom Pedro, ex-imperador do Brasil. Miguel, irmão de Pedro, usurpara o trono da sobrinha, e o país mergulhara em guerra civil. Assegurada a permanência da rainha, Ivo, um dos maranhenses que por ela lutara, volta ao Brasil, fixa-se no Rio de Janeiro e, em seguida, retorna a Caxias, onde reencontra Nunes, o antigo colega de Coimbra e das lutas no Porto. Para seu desgosto, o amigo, que trouxera do Porto a amante oriental Maia, está envolvido com sua irmã Angélica. O reencontro dos dois amigos, agora inimigos por causa desse triângulo amoroso, se dá no momento em que, em 1838, explode na vila de Caxias a Balaiada, a maior e mais violenta insurreição popular das primeiras décadas do Brasil independente. A relação conflituosa que se estabelece entre os amigos em função de suas escolhas políticas e sentimentais no ambiente conflagrado da terra natal é o fio condutor da trama do mais recente romance do escritor Ronaldo Costa Fernandes, o excelente Balaiada (Entrecapas Edições/Academia Maranhense de Letras, 242 págs). Em capítulos curtos, como takes cinematográficos que se alternam entre a fazenda Macaúbas, Caxias, Coimbra, Porto, Rio de Janeiro e São Luís, a história converge para o cenário de desordens que se sucederam em Caxias e outras cidades dos vales do Itapecuru e do Parnaíba durante a Regência. Amores e intrigas brotam em meio a confrontos entre conservadores cabanos e bem-te-vis liberais, à fúria do Balaio, à rebelião de escravos fugidos liderados pelo negro Cosme e à intervenção das tropas imperiais sob o comando do coronel Luís Alves de Lima, futuro Duque de Caxias. A ficção se entrelaça com a realidade de modo que a personagem central integra no Porto o mesmo destacamento do escritor Alexandre Herculano e do poeta Almeida Garrett e se encontra com o Imperador que proclamara a Independência do Brasil. No Rio, relaciona-se com Joaquim Manoel de Macedo, iniciador do romantismo no Brasil. Em São Luís, com o publicista João Lisboa. Em Caxias, com Domingos José de Magalhães, que, na condição de secretário de Luís Alves de Lima, escreverá a memória fundamental da Balaiada. Este é o segundo romance histórico de Ronaldo Fernandes, ambos sobre o Maranhão. No primeiro, Vieira na Ilha do Maranhão (Editora 7 Letras, 2019), ele recria a realidade dos primórdios do Maranhão colonial para nela destacar a ação evangelizadora e polêmica do pregador jesuíta. Agora, recompõe, com base em rigorosa pesquisa e farta imaginação, as décadas iniciais do Brasil independente para evocar um dos episódios mais turbulentos – e violentos - da história maranhense. Balaiada é um romance bem construído, que prende a atenção do leitor do início ao fim, em linguagem simples, sem pedantismo, e nos permite viver, além das vicissitudes de amores impossíveis e contrariados –Maia, a amante oriental de Nunes, é na verdade um homem confundido o tempo todo com mulher, como Diadorim, a personagem de Grande sertão: veredas - , um momento em que as desigualdades e as injustiças eram tamanhas no Maranhão que a maioria da população não teve outra alternativa senão apelar para as armas, em defesa de justiça e liberdade. Uma ótima leitura para estes tempos de apreensões, sobressaltos e ameaças à democracia.

PAULO RODRIGUES

A Metáfora do Adeus ergue imagens e ventos do Parnaíba com a moldura do sal dos oceanos. O cineasta Glauber Rocha ficou rouco de gritar, na TV Tupi: “o artista brasileiro é um colonizado”. Ele tinha razão (em 1979). Eu tinha apenas um ano de idade e sei, hoje, que ele estava vestido com uma verdade histórica duradoura. Como produtores de uma gramática estética, admiramos o eurocentrismo. Em tempo, ajoelhamos sempre para os paradigmas dos americanos. Não quero dizer com isso que os modelos não são importantes. Entretanto, sei que a literatura brasileira contemporânea deve beber a água de Lima Barreto, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Salgado Maranhão e Itamar Vieira Junior. Autores ligados ao chão das suas aldeias (buscando, no Brasil profundo, a universalidade do povo). Trago para o ensaio um pensamento do Darcy Ribeiro: “precisamos construir a universidade necessária”. Devemos mesmo pensar a academia como um espaço universal que pense soluções efetivas para os problemas nacionais. Os escritores devem seguir a mesma linha de pensamento. O signo literário só será ampliado com o compromisso real entre linguagem e realidade material concreta. Qualquer outra concepção argumentativa é uma reprodução da discursividade burguesa. Uma espécie de recado implícito: feche os olhos para a vida e divirta-se com os jogos sinestésicos. Por que faço esta introdução? Para apresentar ao leitor o livro A Metáfora do Adeus (Editora Folheando, 2020) de Nathan Sousa. Ele é ficcionista, poeta, letrista e dramaturgo. Venceu cinco vezes o prêmio da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro. Foi finalista do prêmio Jabuti, em 2015 e do I Prémio Internacional de Poesia António Salvado. Tem poemas traduzidos para o inglês, francês, espanhol e italiano. É o autor mais premiado do estado do Piauí, e ainda promete mais conquistas para si mesmo como se fosse um general romano, que antecipa as vitórias. A obra apresenta noventa e nove páginas, dividia em cinco seções: lenço, plataforma, extravio, falso sinal e terra interminável. Nathan faz do exercício poético uma travessia de tempo, imagens e facas no branco dos olhos. Descalço, nas ruas de São Gonçalo, ou vestindo um terno da Alfaiataria Bagnoli Sartoria Napoli para receber a Ordem do Mérito Renascença do PI das mãos do governador, o poeta não esquece um segundo o seu compromisso primário com a expansão da Língua Portuguesa e com a estranheza das manhãs nubladas. Nathan parece um devoto que paga a promessa, sem perceber que já pagou. Quanto mais faz, mais quer. No poema BUDA, o poeta usa a metonímia como uma bomba atômica que prepara a reflexão da cena, na última estrofe:

O sol ainda está alto na boca da noite em Teresina. Uma bicicleta e um rádio de pilha atravessam a ponte. Homem: um par de olhos. Reza de bicho sem eco. (Sousa, 2020, p. 40)

Todos os eventos de linguagem em Nathan Sousa são feitos com a comoção dos dias vividos e costurados com a reflexão humanística que está entranhada na sua formação de pesquisador. O poema acima carrega o compromisso com sua gente, sem esquecer a universalidade. Qual é então a diferença entre ele e outros autores contemporâneos? Nele o acaso não é o guia. A fragmentação não é uma válvula de escape. A escrita

é pensada como um projeto de desconstrução das sugestões dos signos para fixar nas imagens, no ritmo e no tempo um caminho humano para si mesmo. Monta o protótipo do homem, no meio da tragédia material, que não abala as estruturas sociais: “Homem: um par de olhos. / Reza de bicho sem eco”. O campo semântico é lançado para o alto com a junção das palavras “bicho sem eco”. Há respeito, no entanto, não há submissão ao cânone em Nathan. O poema A MESMA HISTÓRIA comprova: Sim, eu caminhei no meio da fumaça do asfalto, debaixo da chuva inesperada de outubro em Teresina: calor que não me sai da cabeça, cheiro de gasolina, vista embaçada. Por isso não tive pressa. Porque fui dos vinte e poucos ao clarear do dia. Ainda assim, somente um disco de rock – e mais um nome desbotado no muro –me despiu como quem ama. Eu já não acreditava em nada além do que me ensinaram os livros: de Flaubert a Faulkner, páginas amarelas, o mofo das estantes. Aprendi que o silêncio já havia escrito sobre mim. (Sousa, 2020, p. 87)

O poeta tem consciência da angústia existencialista: “eu já não acreditava em nada além do que/ me ensinaram os livros: de Flaubert a Faulkner”. Sabe que está na paisagem das minorias e compreende os paradoxos discursivos do último verso: “aprendi que o silêncio já havia escrito sobre mim”. As teorias pós-coloniais pregam o revisionismo crítico dos acontecimentos, assim como o enfrentamento das falhas. Neste caminho, Nathan faz auto-avaliação do depurado trabalho de linguagem, da estilística, das metáforas para mostrar o peito aberto, no voo. No trecho final do poema MEU PARAÍSO QUEIMA: […] Não quero ir pra Pasárgada. Não sou amigo do rei. Não quero ser complacente com as ordens que nunca dei (Sousa, 2020, p. 99)

Sabe que é necessário superar o violento processo de dominação. Faz intertextualidade com o famoso poema de Manuel Bandeira para desmontar a ideia do lá fora como o paraíso. No plano simbólico, revira o interior do interlocutor: “Não quero ir pra Pasárgada. / Não sou amigo do rei”. Assume, portanto, a sua relação proletária de protesto e força condutora para uma nova luz. O poeta diz, em seguida: “Não quero ser complacente/ com as ordens que nunca dei”. Nathan Sousa, mestre de tantos ofícios, escreve para descolonizar a nossa literatura.

Paulo Rodrigues (Caxias, 1978), é graduado em Letras e Filosofia. Especialista em Língua Portuguesa, professor de literatura, poeta, jornalista. É autor de vários livros, dentre eles, O Abrigo de Orfeu (Editora Penalux, 2017); Escombros de Ninguém (Editora Penalux, 2018). Ganhou o prêmio Álvares de Azevedo da UBE/RJ em 2019, com o livro Uma Interpretação para São Gregório. Venceu o prêmio Literatura e Fechadura de São Paulo em 2020, com o livro Cinelândia. É membro da Academia Poética Brasileira.

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