8 minute read

HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO

Next Article
ROBERTO FRANKLIN

ROBERTO FRANKLIN

HOMENAGEM AOS 10 ANOS DO GRUPO SÃO LUÍS DE NOSSAS LEMBRANÇAS.

HAMILTON RAPOSO DE MIRANDA FILHO.

Advertisement

São Luís além ser a cidade mais bonita do Brasil, é também a mais cosmopolita. É difícil de se encontrar algum traço de provincianismo na cidade. Aqui temos nossas expressões, nosso sotaque e uma maneira peculiar de comportamento. O maranhense costuma ir e voltar. Ser maranhense é um privilégio e ser cidadão de São Luís um privilégio ainda maior. Se você conhece, já fez ou já ouviu falar de pelo menos dez dos cinquentas itens, considere-se um autêntico ludovicense, um ludovicense raiz:

1º-Ter participado do encontro de bois de matraca no mês de julho em São José de Ribamar. 2º-Amanhecer na Praça de São Pedro no dia 29/06. 3º-Ter acompanhado a Turma do Quinto pela Rua do Passeio durante o carnaval. 4º-Comer um peixe-pedra frito em uma das praias da cidade. 5º-Ter usado chamató nas férias de julho em São José de Ribamar. 6º-Ter saído durante o carnaval em algum bloco de sujo pelas ruas do centro. 7º-Ter comido o cachorro-quente do Companheiro ou o similar do Sousa. 8º-Ter andado na lancha de Chocolate com destino a Ponta d’Areia. 9º-Participado de romaria para São José por ter sido aprovado no vestibular. 10º-Empinado papagaio fabricado por Zezé Caveira. 11º-Chamar algum conterrâneo de “qualira” em uma outra cidade. 12º-Pedir alguma coisa pelo nome de “xiri” em uma outra cidade e ficar zoando da cara da pessoa. 13º-Viajar com isopor levando camarão seco, farinha d’agua e juçara. 14º-Lavantar da poltrona do avião assim que o avião toque em solo maranhense. 15º-Ter pelo menos uma vez na vida escutado o melô da Poliana, da Cinderela ou do caranguejo e ter tido vontade de ir ao Espaço Aberto ou no clubão da Cohab. 16º-Ter comido cuxá com peixe frito, torta de camarão e de caranguejo em algum arraial durante o São João. 17º-Ter frequentado o Litero, Jaguarema ou Cassino Maranhense. 18º-Ter frequentado a Genesis ou Extravagância. 19º-Ter comido o caldo de ovos no João do Caldo ou a peixada da Peixaria Carajás. 20º-Pedir para algum conhecido, que estivesse com viagem marcada, levar uma encomenda para algum parente no RJ ou SP. 21º-Ter frequentado o Ginásio Costa Rodrigues principalmente na época do JEMES. 22º-Ter participado do JEMES mesmo que na torcida. 23º-Ter assistido pelo menos uma vez a turma do Pão com Ovo. 24º-Ter visto o Sampaio Correa ser Campeão Brasileiro. 25º-Ter gritado no Castelão: “aqui, no Castelão, que manda é o tubarão”. 26º-Ter visto o cabelereiro Bezerra desfilar na segunda-feira de carnaval no Jaguarema. 27º-Ter frequentado a Rua Grande e “marcado ponto” na Loja Sodisco ou em frente ao Edifício Caiçara. 28º-Ter conhecido a Loja Ocapana e a sua lanchonete.

29º-Ter tomado o milk shake de chocolate ou comido misto-quente na lanchonete da Loja Acácia. 30º-Ter assistido algum filme no Eden, Roxy ou Cine Passeio. 31º-Ter chegado em casa na hora do almoço e ouvir no rádio as últimas do esporte com Herbet Fontenele. 32º- Ficar acordado a noite toda para assistir ao desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro torcendo pela Beija-Flor por causa de Joaozinho Trinta. 33º-Ter assistido o pelotão de honra do Colégio Marista ou a banda da Escola Técnica durante o desfile de 7 de setembro na Praça Deodoro ou na Praça João Lisboa. 34º-Ter assistido algum jogo de vôlei feminino entre o Colégio Santa Teresa, Escola Normal ou Rosa Castro. 35º-Ter ficado de porre com Rum Montilla e Coca-Cola na época do carnaval. 36º-Ter entrado em alguma festa do Litero na mala do carro. 37º-Ter discutido a respeito de qual a melhor banda da São Luís: Nonato e seu conjunto ou os fantoches? 38º-Ter conhecido ou tomado Jeneve. 39º-Ter tido medo ou visto alguma criança com medo de fofão. 40º-Ter estudado no Liceu ou ter conhecido alguém da famosa “turminha do Liceu que no esporte nunca perdeu...” 41º-Ter passado férias no Olho d’Agua ou em São José. 42º-Ter esperado pelo rádio a relação dos aprovados no vestibular 43º-Ter visto Tião jogar handebol, Hermínio Nina jogar basquete ou Djalma, João Bala e Fifi jogar futebol de salão. 44º-Ter assistido o programa espírita “Um minuto apenas” na TV Difusora. 45º-Ter namorado na porta da casa da namorada com hora marcada. 46º-Ter tomado “gelado” no Nhozinho Santos ou na Praia Grande. 47º-Ter conhecido ou ouvido falar no “filho do padre”. 48º-Ter se sacudido com a musicalidade do “Bicho Terra”. 49º-Cantarolar a toada “Minha bela mocidade” do Boi de Axixá ou “Maranhão meu tesouro meu torrão...” do Boi de Maracanã. 50-Ter falado alguma vez na vida: hum, hum ou hem, hem. Parabéns você acaba de ser certificado como um autêntico cidadão ludovicense!

Para os 409 anos de São Luís, publicado no Caderno Especial do JP

CERES COSTA FERNANDES

Na segunda metade dos anos quarenta do século passado, nesta bela, e então tranquila, Ilha de Upaon-açu, aconteceu uma moda entre os jovens da classe média alta, patinar na Praça Gonçalves Dias; patinar, deslizar, dançar, voar nem tanto, sobre os pesados patins de ferro de quatro rodinhas, ajustáveis ao tamanho e largura dos sapatos de sola. A prática não era nova, nem os patins, seu uso vinha de mais longe. Dizem os historiadores que os protótipos para patinação fora do gelo – os do gelo, nem pensá-los por aqui – remontam ao século XIX. Desse “mais moderno” de quatro rodas, tenho notícias do meu próprio pai rapazote, nos anos trinta, descendo sobre eles, temerariamente, a Rua Montanha Russa. Fato registrado por meu futuro sogro que, preocupado, informou ao vizinho, meu avô, sobre o perigo da peripécia do seu desajuizado rapaz, protegendo o pai de sua futura nora, num tempo em que eu não era nem nascida. O que era brincadeira isolada de meninos nos anos trinta, no meado da década de quarenta, transformouse em tendência da jeunesse dorée da época. Talvez influência do modismo vindo dos Estados Unidos, implantado nesta longínqua província pelo cinema americano do pós- guerra, da Segunda Grande Guerra Mundial, em que os marines e os cowboys eram os heróis de todas as tribos de crianças e jovens. As duas Grandes Guerras e, acima de tudo, o cinema, construíram a imagem da América como a terra da liberdade e das oportunidades. Deixamos de imitar os franceses para sermos americanos. Era no tempo das meninas com as suas saias meia-perna de flores miúdas ou de xadrez, sapatos abotinados, meias curtas e os indefectíveis laços nos cabelos – segundo vi nas raras fotografias das tias paternas, donas da minha admiração e meus modelos inquestionáveis de um comportamento futuro – patinando, mãos dadas com amigas, na Praça Gonçalves Dias. Não as vi em plena glória, cheguei a São Luís após este boom dos patins, mas esses um ou dois instantâneos mexeram com a minha capacidade de sonhar e passeiam nítidos no meu imaginário misturados às cenas dos musicais da Metro Goldwyn Meyer. Eu os vi ou sonhei? A Praça Gonçalves Dias era, certamente, o ponto chique da cidade. Logradouro de beleza ímpar, carregado de história e tradição. Sabemos das antigas festas do Largo dos Remédios, narradas por João Lisboa e referidas por César Marques, e do cognome Largo dos Amores, em alusão ao malfadado amor de Gonçalves Dias e Ana Amélia - este concorre pari-passu com o nome de Praça Gonçalves Dias. No local, a única igreja gótica da cidade, com apóstolos cimeiros e vitrais de origem alemã (um tanto simplesinha, se confrontada com suas coirmãs brasileiras e europeias), as palmeiras imperiais, a brisa constante, a visão da baía de São Marcos, da foz do rio Anil e da Avenida Beira-Mar. No epicentro da praça, a estátua de Gonçalves Dias, inaugurada em 1873, retrata o poeta, de pé em uma coluna coríntia simbolizando uma palmeira, em cuja base, divisamos quatro medalhões com as efígies de João Francisco Lisboa, Sotero dos Reis, Odorico Mendes e Gomes de Souza. O poeta olha para além da baía, olha o mar do Maranhão, nos Atins, onde tragou o Bois de Boulogne e o poeta guardado no seu bojo. Na praça e nos arredores da Avenida Rio Branco, então Rua dos Remédios, localizavam-se imponentes e senhoriais casarões que abrigavam algumas das melhores famílias da cidade. O Colégio São Luís, do Professor Luís Rêgo, situava-se na Avenida Rio Branco e ficava perto da praça; dele chegava-se a pé. O bonde Gonçalves Dias trazia moças e rapazes, alunos dos Maristas , Rosa Castro, Liceu, Escola Normal e Ateneu. Todo esse plantel de jovens ele vinha arrebanhando no caminho, até chegar ao seu destino. As meninas do Colégio Santa Tereza, colégio só para moças, esperavam o Gonçalves Dias na esquina da Farmácia Sanitária, na Praça João Lisboa, e nele, atravessavam a Rua Grande, em alarido, para encontrar, lá no Canto da Viração – onde o vento, em redemoinho, levantava a saia das moças – os alunos de todos os colégios mencionados. Chamávamos secretamente este bonde de o bonde do amor. Aconteciam os flertes, que se resumiam a olhares e, suprema audácia (!), um jovem ousava pagar a passagem de uma mocinha, fato repassada a ela

pelo cobrador. O costume era baixar os olhos e corar até às orelhas. As mais desembaraçadas sorriam e faziam um gesto de agradecimento com a cabeça. Isso equivalia a um sim. O ponto final do bonde era na praça. Para a volta, tinha que trocar a posição da lança. Era uma operação complexa, viravam-se os encostos dos bancos de madeira, trocava-se a placa e guiava-se a lança no fio elétrico alimentador do veículo para outra direção. O veículo ficava um bom tempo ali parado, executando essas operações, o suficiente para as pessoas do bonde decidirem se permaneciam ou se desciam naquele delicioso recanto. A missa diária da Igreja de N.S dos Remédios aumentava a animação. Ora, já estou me desviando dos patins, mas isso tudo faz parte da sedução da tal praça e demonstrava o porquê do ajuntamento de jovens por lá. A Praça foi projetada pelo arquiteto Evandro Rocha e inaugurada, com a feição atual, nos anos trinta, na gestão do interventor Paulo Ramos. Contava pontos, mais que tudo, a qualidade do piso da praça, belo piso de cimento marmorizado com desenhos de arabescos. O piso era bem liso e a praça ampla. Isso facilitava a prática da patinação que, na época, não era bem um esporte, mas um modo de diversão e de reunir amigos. Houve várias outras ondas de patinadores em outras décadas, na mesma praça, inclusive com os novos patins modernos de rodas de poliuretano acoplado a botinhas de couro, mas nenhuma incorporou o charme e o romantismo deste Largo dos Amores como a moçada do pós-guerra, inaugurando um mundo novo.

This article is from: