Medo e insegurança levam brasileiro sem documentação a desistir de Londres “Piorou quando o governo decretou o isolamento social, pois para que todo mundo fique em casa e obedeça às regras, há mais policiamento nas ruas. Você fica com medo de ser parado pela polícia e eventualmente descobrirem que você é ilegal”. Unido, os “bicos” que eram frequentes começaram a rarear. “Fazia muitas coisas. A maioria dos ilegais trabalha com o que muitos desprezam. Fazemos o serviço que a maioria não quer fazer. Pegamos qualquer tipo de trabalho. Entregamos comida, trabalhamos na construção, limpamos, o que sobra. Não dá para se dar ao luxo de escolher emprego nem patrão… Mas chegou um momento que não tinha mais o que comer. Me alimentava pouco em um dia para ter alimento no seguinte. Mesmo com toda essa dificuldade, não me veio à cabeça fazer coisa errada, vender drogas ou me prostituir, como alguns fazem… Por causa desse vírus, tudo ficou muito inseguro e perigoso para nós ilegais. Porque não temos direito de absolutamente nada. Não temos como fazer uma quarentena se a gente não recebe nenhum auxílio do governo. Temos que continuar trabalhando e pondo nossas vidas em risco. Ninguém pegou na minha mão e me forçou a ir embora, mas as circunstâncias me pressionaram a tomar tal decisão… E piorou quando o governo decretou o isolamento social. Pois para que todo mundo fique em casa e obedeça às regras, “Somos fantasmas aqui. Vivemos há mais policiamento nas sombras e trabalhamos nas ruas. Você fica com medo de ser parado pela escondido. Enquanto muitas polícia e eventualmente pessoas estão dentro de casa descobrirem que você é ilegal… Somos agora, continuamos a trabalhar, fantasmas aqui. nos expondo. É como se não Vivemos nas sombras existíssemos” e trabalhamos O último voo da Latam de Londres com destino a São Paulo partiu no domingo, 5 de abril. O próximo voo, com assentos disponíveis, só sai no mês que vem, mas pode ser cancelado se as regras de isolamento social decretadas pelo governo britânico para combater a pandemia do coronavírus enrijecerem. Entre os passageiros no voo que saiu no dia 5, estava um paulista de 23 anos que, depois de trabalhar sete meses em Londres sem documentação, decidiu voltar a viver no interior de São Paulo. Um dia antes de viajar, ele concedeu uma entrevista ao jornalista Luis Barrucho, da BBC News Brasil, e explicou por que desistiu de viver na Inglaterra. Em agosto passado, o brasileiro entrou no Reino Unido com um visto de turista válido por seis meses, mas seu objetivo era trabalhar. O visto venceu e ele permaneceu no país. “Vim pra cá buscando uma oportunidade para mim. Queria melhorar minha vida e da minha família no Brasil”, explicou o paulista, que não foi identificado na reportagem da BBC News Brasil. Quando a pandemia de coronavírus chegou ao Reino
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Leros ABRIL 2020
escondido. Enquanto muitas pessoas estão dentro de casa agora, continuamos a trabalhar, nos expondo. É como se não existíssemos”, relatou o brasileiro. Sem dinheiro para se alimentar ou pagar aluguel, ele se inscreveu em um programa do governo britânico que financia o retorno voluntário de imigrantes que violem as regras de seus vistos a seus países de origem (detalhes pelo telefone 020 7372 8348). Como contrapartida, não pode voltar ao Reino Unido por um período de dois anos e meio. Quando um brasileiro trabalhando sem documentação é flagrado pelas autoridades, ele normalmente fica detido em um centro de imigração até ser deportado e normalmente embarca com algemas que só são retiradas quando ele entra no avião. Ao optar pelo retorno voluntário, ele embarca como um passageiro normal. Além da dificuldade de encontrar trabalho durante a crise do coronavírus, a incerteza em relação ao acesso à saúde pública também preocupa brasileiros sem documentação. Segundo a reportagem da BBC News Brasil, qualquer visitante estrangeiro, incluindo aqueles que vivem no país sem permissão, tem que pagar por tratamentos médicos a menos que se enquadre em uma lista de exceções, como casos de emergências, atualizada com regularidade. “Os hospitais e clínicas médicas ligadas ao serviço de saúde pública (NHS, o SUS britânico) também