Fogo e Cinza
Ulysses Lins de Albuquerque Da Academia Pernambucana de Letras
FOGO E CINZA Poesias
A meus filhos
SUMÁRIO Fogo e Cinza!
I....................................................................... 13 II...................................................................... 14 Sertão Mártir
Sertão Mártir................................................. 17 Ao Moxotó..................................................... 20 Pantaleão....................................................... 21 A Seriema...................................................... 25 Outrora, o meu sertão.................................. 26 Hino à Gleba
O sertão no futuro........................................ 31 Alagoa de Baixo............................................ 33 Pesqueira........................................................ 35 Triunfo........................................................... 37 O Pajeú........................................................... 40 Madrugada sertaneja................................... 41 O inverno....................................................... 44 A poesia......................................................... 47 “Tia” Bárbara................................................. 49
Alma da Terra
Sertão virgem................................................ 53 As montanhas azuis..................................... 55 O galo de campina........................................ 57 A baraúna...................................................... 58 O Joazeiro...................................................... 59 A coroa de frade........................................... 60 Meu Brasil...................................................... 61 Paredes da casa velha................................... 64 Crepúsculo.................................................... 68 Ao sair da lua................................................ 69 Estrada de espinhos
Na fazenda..................................................... 75 Quarenta anos............................................... 76 A glória.......................................................... 77 Terra natal...................................................... 78 Cavaleiro perdido......................................... 79 Conceição...................................................... 80 Contrição....................................................... 81 Minha noite de angústia.............................. 83
Folhas caídas
Folhas de árvore caídas................................ 87 Flor de Lótus................................................. 89 Razões do coração........................................ 90 Olhos de nordestina..................................... 91 Recuerdo........................................................ 92 Livro de Inah No túmulo de Inah....................................... 95 I....................................................................... 96 II...................................................................... 97 III.................................................................... 98 IV.................................................................... 99 V..................................................................... 100 VI.................................................................... 101 VII.................................................................. 102 VIII................................................................. 103 IX.................................................................... 104 X...................................................................... 105 XI.................................................................... 106 XII................................................................... 107
Fogo e Cinza
I Fogo e Cinza!
E é tal qual uma coivara A terra, a arder, no espasmo da ignição. É a seca. O sol como que o incêndio ateara Nas catingas cinzentas do sertão. Pelo campo desnudo, a sombra é rara. De que a Flora morreu, tem-se a ilusão! Apenas, a folhagem verde-clara Do juazeiro, resiste à combustão. E no seio do vale, que as raízes Alimenta, — garboso, eis pompeando O pau-d’arco, vermelha a copa em flor —, Como a simbolizar as hemoptises Da terra-mártir, que o Nordeste, uivando, Varre e açoita, veloz — devastador!
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II Fogo e Cinza!
À fogueira crepitante, Ardem cactos. Em pleno Moxotó. Morde-os, faminto, o gado cambaleante... E o sertão, calcinado, é cinza só. Também da Angústia o fogo chamejante Todos os sonhos me queimou sem dó, E, de minh’alma o bosque verdejante De Esperança, hoje é apenas cinza e pó. Vivo, assim, revolvendo as cinzas frias Dos mortos ideais da mocidade, No cemitério da recordação. Onde fantasmas de órbitas vazias, Zombam, talvez, da lírica saudade, O Bem que ainda me resta ao coração.
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SERTÃO MÁRTIR
SERTÃO MÁRTIR Meu sertão sofredor! Quanta desdita Legou-te o fado caprichoso e adverso, Para que fosses a “região maldita”
Que o sol escalda a dardejar, perverso! Quanta tristeza sobre ti se espalha, Ah, quanta angústia a te apertar o seio! Quente, o Nordeste a te açoitar, gargalha, Sinistramente, à tua dor alheio! Nem uma folha, por milagre, resta Nos teus adustos tabuleiros nus, Onde apenas se ameaçam, testa a testa, — Hirtos —, facheiros e mandacarus. Nem uma asa se agita nas restingas Que o cataclismo reduziu a pó. E teu gado a morrer pelas catingas, Meu combusto sertão do Moxotó! Apenas, no silêncio dos teus campos,
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Ante o qual a alma em êxtase se ajoelha, Se ouve, como a imprecar os céus escampos, O balido nostálgico da ovelha. Pelas tuas estradas solitárias Passa a legião desses heróis sem nome: É a raça espúria — brasileiros párias —Dos filhos teus, a cambalear de fome. Meu sertão mártir! Que fatal destino! (Ah! E como é comigo parecido!) Caustica-te a zombar o sol a pino... Sofres, porém não soltas um gemido. Também minh’alma é um campo devastado Pelo açoite feroz da desventura. — Morta Inah, eu tornei-me um flagelado, Caminheiro da estrada da amargura! Foi no teu seio onde nascera um dia, Que ela ficou dormindo eternamente... E, desde então, nas garras da agonia, Só mesmo eu sei o que minh’alma sente.
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És mais feliz do que eu. Um dia, o inverno Virá cobrir-te de verdura e flores, Quando em minh’alma o desencanto é eterno, Que ali só medram lágrimas e dores. Sim, meu sertão. Que às chuvas fecundantes, — Sentindo que te beija a primavera —, “Tu voltarás a ser o que eras dantes... E eu não sei se serei quem dantes era”. 1932.
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AO MOXOTÓ A Waldemar Cordeiro.
Meu Moxotó, meu ignorado rio Que os invernos de longe em longe beijam, — Quando as águas em fúria rumorejam Sobre o teu leito estanque anos a fio. Causas-me pena, assim. Mudo, sombrio... Somente os cactos junto a ti vicejam; E se acaso as enchentes te sobejam, Vão as lianas beijar-te o dorso frio. Mas, o seio a sulcar do “Inferno Pardo” — O sertão —, se aos estios inclementes Só vês com vida a palmatória e o cardo, — À sombra tutelar dos jiquiris, Embalam-te as canções tristes, dolentes, Das asas-brancas e das juritis! 1953.
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