Samanta Obadia
CafĂŠ com chantilly Contos de motel
Fotos Tatynne Lauria
Copyright© Samanta Obadia, 2015 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem a autorização prévia por escrito da autora, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados.
Editor Revisão Projeto Gráfico e capa Fotos Modelo
João Baptista Pinto Maria Martha Maciel Souza Rian Narcizo Mariano Tatynne Lauria Barbara Massot
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
O12c Obadia, Samata, 1967Café com chantilly : contos de motel / Samata Obadia ; ilustrações Tatynne Lauria. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Letra Capital, 2015. 96 p. : il. ; 21 cm. ISBN 978-85-7785-339-7 1. Romance brasileiro. I. Lauria, Tatynne. II. Título. 15-19907 CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3
Vendas Tel. (21) 99992-7169 – samantaobadia@gmail.com Letra Capital Editora Telefax: (21) 2224-7071 / 2215-3781 letracapital@letracapital.com.br
Dedico este livro às mulheres que conheci ao longo de minha vida, por ter chorado, rido e aprendido tanto com elas. Em especial à minha avó e madrinha, Anna Gaspar de Vasconcellos, por seu Amor Maior.
Agradecimentos Agradeço a Deus o dom delicioso de escrever, a intuição feminina e as múltiplas habilidades que criou em meus talentos, com os quais busquei caminhos diversos. E a Nossa Senhora das Graças que abençoa tudo o que faço com amor. Agradeço ao mundo humano por ser tão encantador e perverso, pois isso me instiga a todo o momento. Agradeço a Tatynne Lauria por abraçar este projeto junto a mim, de forma sagitariana, maternal e grandiosa. Agradeço a Rodrigo Fonseca pelas incríveis palavras e por sua madrugada inspirada em Gilliard. DEMAIS! Agradeço a Bárbara pela disponibilidade e beleza como modelo das imagens desta história. Agradeço a Chris, Juliana Araripe e Eduardo Wotzik pelo carinho ao lerem o original e exporem sua visão sobre os textos. Agradeço ao querido Haroldinho, amigo que com alegria me presenteou com a orelha deste livro. Agradeço a minha fiel revisora Maria Martha Maciel Souza por seu carinho e precisão. Por fim, agradeço ao tempo que conduz o momento certo, as pessoas certas, na hora perfeita para tudo acontecer da melhor forma. Samanta Obadia
Epígrafe “ – Sexual? Sim, minha senhora, sexual. As palavras têm sexo. Estou acabando a minha grande memória psicolexicológica, em que exponho e demonstro esta descoberta. Palavra tem sexo. – Mas, então, amam-se umas às outras? Amam-se umas às outras. E casam-se. O casamento delas é o que chamamos estilo. Senhora minha, confesse que não entendeu nada. – Confesso que não.” (Machado de Assis, Joaquim Maria in O cônego ou metafísica do estilo, de Várias Histórias, Editora Rovelle, 2008).
Apresentação
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ais ou menos lá pela página 15 deste livro, quando um conto com nome de desenho animado (“Tom & Jerry”) pôs a galope meu peito cinéfilo, o radinho que acompanha minhas leituras domésticas esbarrou em Gilliard. Era madrugada, daquelas que confundem AM e FM nas ondas curtas das recordações de pés-na-bunda sem cura, e Gilliard (aquele que cantava a serenata da pulga e do percevejo embaixo do colchão) entrou rasgando ouvido (e peito) adentro. A canção rezava: “Pouco a pouco, é que eu pude perceber/ que gostar é diferente de querer”. É sentir para crer, como garante o evangelho do Brega. E, no fino da fossa, conforme Gilliard alfinetava “Sem querer, eu fui querendo/ ficar preso nos seus braços”, a leitura de “Café com Chantilly” foi me servindo como um analgésico (com muito gelo e dois dedos d’água) para a modorra da melancolia romântica. Eis aqui, nas tuas mãos, uma equilibrada mistura do lado breganejo do querer com a sóbria percepção de que “sofrer por amor por mais de três dias é deselegante” (assim nos ensinou Manuel Bandeira). Samanta Obadia foi no ponto... o G... dessa bagunça que é a mania que a gente tem de gostar de alguém. No bater das asas da “Andorinha” e do “Pardal azul”, azulejos literários do labirinto construído no conto “Siga o corredor”, entendi a brincadeira melhor e fui. Fui... Fui... Gilliard também foi: era especial dele na Café com chantilly 11
emissora eleita e começou “Aquela nuvem que passa/ lá em cima sou eu”, sem estática, quando avancei pelos esforços do personagem em descolar um quarto para transar por 30 merréis. Preço justo, trepada incerta. “Café com Chantilly”, como o subtítulo assegura, são “contos de motel”, de lençóis limpos e perfumados a Omo, calorosos. Pelas páginas que você vai percorrer a seguir rola muita libido e o arsenal de preservativos é farto, do tipo extrafino. Por trás de cada ensaio de uma noite (em muitos casos, tarde) de sexo selvagem, mapeia-se uma fauna de tipos inseguros, como a cliente do quarto a.k.a. Andorinha, que acredita ser reta, “sem quadril, nem bunda”. Há quem viva de conselhos da vó em “Maculelê”. E em “Mariposa arrependida”, jogos eróticos parecem ser arquitetados para disfarçar uma brochada falta de sentimento e nada mais. É o que prova o amante que oferece cuspe para aplacar a volúpia da parceira por que lhe apague o fogo. E Gilliard segue conosco (eu e o livro): “Acabou/ é melhor assim/ Por favor/ não volte pra mim/ eu não quero acreditar outra vez/ e me arrepender”. Madrugada fria. Toddy quente. Viram-se as páginas e amontoam-se as descobertas: de um lado há narrativa contemporânea, com tônus de crônica em seu testemunhal para os ritos nossos de todos os dias; do outro, há estilo, com sotaques cinematográficos diversos. Tem o blasé do amor do Truffaut dos anos 1970; tem o descabelamento do Neville D’Almeida de “Os sete gatinhos” nas angústias de quem ganha a vida limpando porra de colchão; tem a esperança desesperada da Amélie Poulain. Tem tudo o que a gente viu e quer ver para sempre: as alusões estão mais no olho do leitor do que nos pará-
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grafos e nos diálogos. Samanta é generosa o suficiente para deixar o interlocutor rechear o bolo como bem quiser. O Chantilly tem muitas cores. A ficção também. O tesão too. O gosto é do freguês. O que importa aqui, literariamente, é um parentesco com o espírito cronista de João Antônio (“Abraçado ao meu rancor”), com as prosopopeias de Valêncio Xavier (“Minotauro”) e com a melopeia dos caligramas de Arnaldo Antunes (tipo “Contato imediato”). Mistura isso tudo com queijo, esquenta a chapa e assa, porque a autora em questão aqui tem voz própria. Uma voz pós-moderna, bem resolvida, menos melosa que a do Gilliard, e apta a comungar com a gente de seu olhar afoito por entender as relações humanas nos momentos quando se fala demais, ou quando se entrega de menos. O papo deste motel é o atrito das palavras que descrevem medos com riso e risos com medo. É o espelho virado para nossas desatenções – conosco e com o próximo. Chega de preliminar e parte pra dentro, com pegada firme, mas com o peito sedento pra se deixar molhar pelo verbo úmido de uma autora com a saliência certa de que as Letras necessitam para recuperar a paudurescência perdida. O café está servido. Com chantilly cremoso. Cai de boca.
Rodrigo Fonseca Crítico de cinema e roteirista da TV Globo
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refiro café a chantilly. De preferência sem muito açúcar. Aquele gosto meio amargo que enche a boca e resseca a garganta me remete a histórias e afetos. Quando li Café com Chantilly, essa mistura de doce e amargo, entre imaginário e real, construiu imagens no meu mundo fictício que já se movimentavam sozinhas pelo território. Na primeira lida, pedi: Samanta, eu quero transformar em roteiro de cinema! Claro, ela aceitou. E começamos a transformar palavras em imagens. Antes dessas imagens em movimento, pensei em fotografias que ilustrassem, de forma livre, o tema. Assim, com a delicadeza de relações que construímos pelo caminho, foram sendo capturadas as histórias... Surge Barbara, pela manhã, comigo, em um motel da Av. Brasil. Entre risos e timidez, entre cigarros e neon, entre trouxas de roupas sujas e corredores longínquos, foram brotando livremente fotografias naquele cenário. Eu compartilhei: Samanta, eu tenho um ensaio inspirado em Café com Chantilly para brincarmos com o imaginário que habita em nós!
Tatynne Lauria
Prólogo
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ste livro é um amor antigo, uma produção que começou em 1997, num tempo em que eu já tinha certeza de que amava escrever e observar a natureza humana. Mas como o bom vinho, este livro ficou amadurecendo, como um sonho que se guarda no coração porque tem hora certa para ser acordado. De maneira bela adormeceu e, anos depois, foi restaurado pelo olhar encantado de Tatynne Lauria, com sua visão amplificada de roteirista de cinema e fotógrafa, quando falou: Sá, isso tem de virar um filme! Como acontece com toda gravidez, sua duração é delicada, requer paciência e acalenta sonhos. Entre afazeres enlouquecidos de ambas, sagitarianas múltiplas, nós duas continuamos gestando um bom tempo esse menino-livrofilme. Nossa cria ainda no nascedouro, e já buscamos padrinhos e madrinhas, com todo cuidado, para acarinhá-lo e conduzi-lo fora de nós. E assim se fez! Café com Chantilly nasceu de tantas leituras e letras, de gente de toda arte porque tem vários quartos, gêneros, sonhos e amores, porque retrata a pluralidade humana de comungar suas individualidades, para provar que um mais um mais um mais um dá sempre muito mais que dois.
Samanta Obadia
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Sumário 21 31 36 45 49 53 57 65 71 76 81 91 92
Chantilly “Borboleta Amarela” Tom e Jerry Siga o corredor... Andorinha só Maculelê Mariposa arrependida Sem champagne não dá! Deixe a sua mensagem... Santa Cafés Perfil da Autora Tatynne Lauria, por Samanta Obadia
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outono e eu não gosto desta estação. Até porque nunca vi as folhas caírem no Rio de Janeiro, as árvores peladas. Aqui está sempre calor, muito calor. E este clima me faz ficar ridícula, suando durante todo o ano. Não lembro de frio nesta cidade. Tanto faz! Bom mesmo é estar aqui, esquecer do tempo lá fora, das pessoas meladas como porcos, indo para o matadouro. Ah! Acho que a melhor invenção do ser humano foi o ar condicionado. Tudo fica fresquinho! A pele, as roupas, os lençóis... Eu adoro os lençóis limpinhos daqui, parece que saíram agora da lavanderia, daquelas enormes máquinas de lavar roupa com água quente. Mas ele está demorando muito a chegar! Já faz mais de meia hora que eu cheguei. Ah, mas eu sempre chego antes; acho que já é a mania de conferir pra ver se tudo está de acordo com o que eu gosto. As flores – ele sempre traz flores – será que ele vai trazê-las hoje? Eu gosto de camélias, mas ele diz que não são fáceis de achar. Elas não perfumam, apenas enfeitam. Será que ele vai achá-las hoje? Sempre que ele consegue trazê-las é melhor, parece que o quarto fica mais bonito. É a segunda vez que venho neste motel, ele não se incomoda de repetir. Mas eu prefiro quartos diferentes, decorações diferentes. Parece que estamos viajando, que somos aventureiros, que somos personagens de filmes de cinema. Eu adoro motéis, eu acho
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tão romântico escolher locais diferentes para fazer amor. Não para transar! Sei lá, acho que essa palavra tem a ver com drogas: transar cocaína, maconha etc., trepar então, é um termo ridículo, não combina com casais decentes. A não ser quando, em nossas fantasias, atuamos como marginais. Sim, porque eu venho ao motel toda semana, mas eu venho com o meu marido e nós somos um casal decente. É um ritual: durante a semana, eu passeio com a minha mãe pelas ruas e estradas da cidade. Nós pegamos o carro e saímos rodando por aí, olhamos por fora. Não entramos, mas pela portaria já temos uma ideia de como deve ser por dentro. Às vezes, eu pergunto o preço das suítes. Mamãe gosta de dar opinião e, como ela é muito organizada, fez até um caderninho onde damos as notas depois. Jorge nem imagina que fazemos isso. Ficaria constrangido se soubesse. Bobagens de homens. Mamãe nunca foi ao motel com meu pai, mas depois que ele morreu sempre me acompanha em minhas escolhas. Uma vez, fiz questão de levá-la numa suíte. Foi tão engraçado. O recepcionista nos olhou de uma maneira estranha, mas discreta. Mamãe nem percebeu. Estava tão excitada com a situação, conhecer o quarto de um motel. Entramos, ela examinou tudo, deitou na cama, ligou a TV, o rádio, tomou banho na banheira de hidromassagem, fez sauna, comemos um almoço executivo, e rimos muito quando saímos felizes, ao percebermos que aquela cena era grotesca. É um segredo nosso, mas agora escolhemos melhor o motel dos sábados seguintes, porque mamãe ficou mais crítica. Eu adoro o sábado, é um dia que tem cheiro de sol, de praia, de feira, de supermercado cheio de gente feliz comprando cerveja. E aí nós fazemos tudo isso durante a
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