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CIDADES E CAPITALISMO


Conselho Editorial Série Letra Capital Acadêmica Beatriz Anselmo Olinto (Unicentro-PR) Carlos Roberto dos Anjos Candeiro (UFTM) João Medeiros Filho (UCL) Luciana Marino do Nascimento (UFRJ) Maria Luiza Bustamante Pereira de Sá (UERJ) Michela Rosa di Candia (UFRJ) Olavo Luppi Silva (UFABC) Orlando Alves dos Santos Junior (UFRJ) Pierre Alves Costa (Unicentro-PR) Robert Segal (UFRJ) Sandro Ornellas (UFBA) Sergio Azevedo (UENF) Sérgio Tadeu Gonçalves Muniz (UTFPR) William Batista (Bennet - RJ)


Jorge Natal (Org.) Eduardo Stotz Daniel Costa Daniel Miranda

CIDADES E CAPITALISMO - a barbárie urbana contemporânea em diferentes espaços Países Centrais, Brasil e Estado do Rio de Janeiro (e dois de seus espaços: Região Serrana e Petrópolis)


Copyright © Jorge Natal (Org.), Eduardo Stotz, Daniel Costa, Daniel Miranda, 2015 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem a autorização prévia e expressa do autor.

Editor João Baptista Pinto

Capa Rian Narciso Mariano

Projeto Gráfico e Editoração Luiz Guimarães Revisão Dos autores

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

C51 Cidades e capitalismo: a barbárie urbana contemporânea em diferentes espaços / organização Jorge Natal ... [et. al.] - 1. ed. - Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015. 162 p. : il. ; 15,5x23cm.

Inclui bibliografia ISBN 978-85-7785-411-0

1. Petrópolis (RJ) - Desenvolvimento urbano. 2. Petrópolis (RJ) - Desigualdade social. 3. Globalização. I. Natal, Jorge.

15-26719 CDD: 302 CDU: 316.6 23/09/2015

25/09/2015

Letra Capital Editora Telefax: (21) 3553-2236/2215-3781 letracapital@letracapital.com.br


Agradecimentos

O presente livro, como todo e qualquer trabalho acadêmico,

é devedor de pessoas e instituições. Quanto às pessoas, começo agradecendo aos autores que compartilharam comigo o prazer da redação, a quatro e a seis mãos (respectivamente, Eduardo Stotz, e Daniel Costa e Daniel Miranda), e das sistemáticas reuniões de discussão de textos e de levantamento e sistematização de dados. Neste último caso, merece distinção o esforço monumental dos anotados Daniel Costa e Daniel Miranda. Também merecem citação duas outras pessoas: José Vargens (engenheiro, doutor em Saúde Pública e especialista nas bases de dados da área da saúde) e Adriana Papinutto (médica, mestre em Saúde Pública, professora universitária, funcionária da Prefeitura Municipal de Petrópolis-RJ e com larga experiência no que trata da área de saúde do município em tela) – a ambos agradeço pela participação na referida discussão de textos, e levantamento e sistematização de dados. Igualmente merece menção especial a funcionária Juliana Possas, da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) ao emprestar sua energia, presteza e eficiência profissional à resolução de problemas cotidianos que, por vezes, obstavam o avanço da pesquisa. Por fim, mas não menos importante, antes pelo contrário, agradeço imensamente ao Dr. Felix Rosenberg, Diretor do Palácio Itaboraí, da FIOCRUZ, onde o trabalho foi realizado, pela liberdade intelectual e ambiência necessária para que este livro ganhasse a materialidade ora assumida. Nesses termos, através da pessoa do mencionado Felix Rosenberg, agradeço à própria FIOCRUZ pelo espaço institucional e pelo conjunto das condições (físicas, financeiras, etc.) propiciadas para que este trabalho se tornasse realidade. * Um adendo: de certa maneira, ainda que por vias indiretas, cabe agradecer às instituições que me permitiram acumular forças acerca da realidade econômica, social e espacial fluminense, tão presente


nesta reflexão, em tempos anteriores para liderar este novo esforço acadêmico, o do presente livro, que em larga medida desse passado é devedor, a saber: o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) e o Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Petrópolis/RJ, 02.12.2014 Jorge Natal Organizador


Sumário Apresentação........................................................................................ 9 Prefácio...............................................................................................13 Capítulo 1 Cidade

e Capitalismo Centrais em Tempos 'Globalização' - uma contribuição à crítica

de

da barbárie urbana em processo..................................23 Eduardo Stotz e Jorge Natal

Capítulo 2 Desenvolvimento, Espaço e Iniquidades Sociais no Brasil.........................................................47 Jorge Natal Capítulo 3 Inovações

Permanências Contemporâneas Fluminenses - uma análise socioespacial.....................71

e

Jorge Natal, Daniel Costa e Daniel Miranda

Capitulo 4 A Região Serrana Fluminense

e

Seus Espaços

na

Atual Contemporaneidade - economias

perdedoras, institucionalidades desarticuladas e realidades sociais perversas.......................................99 Jorge Natal, Daniel Costa e Daniel Miranda

Capítulo 5 Discursos Hegemônicos

Desenvolvimento Contemporâneo de Petrópolis, Rio de Janeiro/ Brasil - uma contribuição à crítica da sua

eo

formação social............................................................125 Jorge Natal, Daniel Costa e Daniel Miranda

Notas finais ......................................................................................153 Referências bibliográficas...............................................................155 Autores.............................................................................................161



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Apresentação

Faz mais de meio século que estudos de epidemiologistas

sociais, sanitaristas latino-americanos e de outras partes do mundo expõem, com argumentos teóricos e demonstrações empíricas, o papel das condições sociais e econômicas na determinação do processo saúde – doença das populações. Esses trabalhos, por sua vez, têm antecedentes já no século XIX e primeira metade do XX, incluindo, dentre muitos outros, médicos célebres como Rudolf Virchow, Salvador Allende, Samuel Pessoa e Josué de Castro. Fortes resistências epistemológicas, baseadas, sobretudo, numa arraigada compreensão positivista da realidade, fortalecida pelas descobertas Pasteurianas, foram sendo parcialmente vencidas até que o conceito dos determinantes sociais e econômicos da saúde foi assumido por autoridades nacionais, organismos internacionais de saúde e pela sociedade civil. É assim que, por exemplo, em 2008, a Organização Mundial da Saúde – OMS publica, por intermédio da Comissão dos Determinantes Sociais da Saúde, documento que propõe “reduzir as desigualdades sociais atuando sobre os determinantes sociais das iniquidades em saúde”. Diversas preocupações teóricas e operacionais vinculadas ao assunto culminaram na Conferência Mundial dos Determinantes Sociais da Saúde, realizada em outubro de 2011, durante a qual os Governos membros da OMS assinaram a “Declaração Política do Rio sobre Determinantes Sociais da Saúde”. Esse evento também propiciou a elaboração de declarações alternativas por parte de organizações da sociedade civil e de trabalhos reflexivos críticos a respeito tanto das suas construções teóricas quanto das proposições operativas. A principal crítica à Declaração do Rio está assentada na visão predominantemente quantitativa que considera como determinantes das condições de saúde as chamadas categorias de determinação intermediárias, como o são, ilustrando, o nível de rendimentos (normalmente, dito de renda) e o de acesso aos serviços sociais (de saúde, de seguro social, de saneamento, de educação, etc.). Dizendo de maneira diversa: essa visão quantitativa não hierarquiza nem


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Felix Rosenberg

identifica essas categorias intermediárias como consequência e -apenas- mediadoras da mesma estrutura de produção e reprodução social que determina o próprio processo saúde – doença. Recentes trabalhos da assim chamada “epidemiologia crítica” reúnem várias décadas de construções teóricas a partir da medicina social e propõem um corte epistemológico na epidemiologia tradicional, seja ela de caráter neopositivista ou estrutural-funcionalista, assumindo a estrutura do modo de produção capitalista contemporâneo como sendo a verdadeira determinação das condições sociais e, consequentemente, da saúde das populações. Sob essa ótica, as condições de saúde e bem estar, incluindo a exposição a riscos de doenças em territórios socialmente definidos, estariam determinadas pelas formas concretas que assumem as diversas classes sociais no modo de produção hegemônico. O Fórum Itaboraí: Política, Ciência e Cultura na Saúde é um Programa Especial da Presidência da Fiocruz, criado em Outubro de 2011 na sede do Palácio Itaboraí, em Petrópolis, e, entre seus principais objetivos, tem o de refletir e gerar um pensamento crítico, bem como suscitar uma prática social que aprofunde a compreensão do papel das desigualdades sociais na produção e reprodução do processo de saúde e doença. Dessa forma, o Fórum entendeu desde o início que era imprescindível integrar uma ampla gama de conhecimentos, disciplinas e capacidades que permitisse a análise e compreensão totalizadora da realidade local concreta na qual a divisão social do território seria entendida como a responsável pelo processo de exposição: aos causantes biológicos imediatos das doenças transmissíveis, como o são os chamados vetores transmissores (mosquitos e outros insetos; roedores e outros mamíferos; etc.); aos chamados “hábitos individuais”, causadores igualmente imediatos de doenças crônicas não transmissíveis (vide a questão alimentação, o exercício físico, o consumo de álcool e o fumo, etc.), postos que reflexos, no plano individual, da pressão social e mercadológica do sistema; a determinados tipos de acidentes e de violência; e a dados padrões de acesso aos serviços públicos, sobretudo os de saúde e educação, aos de saneamento e água potável, bem como aos de eletricidade, de comunicações, de esporte e lazer, e, ainda, tão ou mais importante, ao de transporte público. E tudo isso, claro, diretamente ´produzido´ no e pelo ter-


Apresentação

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ritório, urbano ou rural, ao qual as diversas classes sociais podem acessar segundo seu poder competitivo numa segregação espacial definida – marcadamente – pela especulação fundiário-imobiliária em crescimento continuo há mais de cem anos. E aí se apresenta para o Fórum enormes desafios: o de tentar compreender como esses espaços socialmente divididos se constituem; o de avaliar indicadores sociais, econômicos, biológicos e ambientais que reflitam ou sejam consequência desses espaços socialmente divididos; e o de colocar em prática exercícios de organização social que facilitem a participação das comunidades na compreensão e proposição de ações finalmente destinadas a melhorar sua saúde individual e coletiva. É nesse contexto, pois, que temos o imenso prazer de apresentar esta obra organizada pelo Professor Jorge Natal enquanto pesquisador sênior do Fórum Itaboraí em associação com os pesquisadores que, à época, constituíam a equipe de pesquisa do Fórum. Muitos hão de se perguntar o que a obra teria a ver com a saúde individual e coletiva de Petrópolis e da Região Serrana. Poderíamos responder de uma forma bem simples e numa linguagem bem pouco acadêmica: se até os maiores organismos internacionais responsáveis pela governança global em saúde reconhecem hoje em dia, sem lugar a dúvidas, que “os pobres”, em qualquer lugar do mundo, têm menor expectativa de vida, piores condições de saúde e maiores taxas de mortalidade em todas as faixas de idade, em ambos os gêneros e em praticamente todas as etnias e culturas, então o que pode ser mais adequado que tentar entender porque “os pobres são pobres” nesses espaços. É claro que este enfoque da problemática de saúde, sob o ponto de vista do pragmatismo setorial, gera uma incógnita que não poucas vezes têm sido expressa por vozes conscientes do problema; vozes essas, sobretudo, focadas na solução. A essas vozes respondemos com o singelo e ingênuo pensamento das ciências, segundo o qual, numa Sociedade democrática, cabe à própria Sociedade decidir como resolver os seus principais problemas, mas desde que suficientemente conhecedora dos mesmos e, principalmente, da sua origem. Esperamos que esta construção científica do Fórum Itaboraí contribua de alguma forma para que nossa Sociedade entenda


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Felix Rosenberg

um pouco melhor porque ela é tão desigual. Seria um excelente ponto de partida para compreender também porque as condições de saúde são tão diferentes entre as diversas classes sociais que compõem, como materializado capítulo a capítulo deste livro, em especial, dada à localização do Palácio Itaboraí, o espaço social petropolitano. Felix Rosenberg Diretor, Fundação Oswaldo Cruz/Fórum Itaboraí: Política, Ciência e Cultura na Saúde 04 de dezembro de 2014


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Prefácio

Este livro é um convite à reflexão crítica em torno do desenvol-

vimento geográfico desigual capitalista em tempos de globalização neoliberal, e de seus impactos em diferentes territórios. A análise, articulando diferentes escalas geográficas, envolvendo os países centrais, o Brasil, o estado do Rio de Janeiro, a Região Serrana e o município de Petrópolis, denuncia um quadro que aponta para a barbárie urbana nesses diversos espaços. Os capítulos são resultados da pesquisa Expressões territoriais e determinação social da saúde no município serrano fluminense de Petrópolis – 1995-2013, desenvolvida pelos autores na Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), e coordenada pelo organizador desta obra. Isto por si só tem grande importância, posto refletir um trabalho competente de pesquisa, metodologicamente e teoricamente embasada, resultando, por sua vez, em informações e reflexões que permitem à compreensão de processos sociais relevantes na atualidade. É a indicação de que a universidade brasileira pode produzir conhecimentos críticos que desvelem as máscaras e fetiches que obscurecem a realidade tal como ela nos aparece. Os autores propõem compreender esta realidade à luz da teoria urbana crítica – mais especificamente, através da incorporação da dimensão de classe –, sem a qual não seria possível compreender a ação dos agentes. Em tempos de negação, via discurso hegemônico, dos conflitos e da luta de classes, este posicionamento epistemológico dos autores deve ser destacado. Este Prefácio não tem a intenção de apresentar em detalhes os capítulos presentes neste livro – vide a esse respeito, em especial sua Introdução –, mas apenas tecer alguns breves comentários que ilustram a importância do trabalho em tela. Como o leitor e a leitora poderão constatar nessa prazerosa e instigante leitura, os capítulos têm vários méritos; dentre eles, sem a pretensão de esgotá-los, cabe destacar pelo menos três. Em primeiro lugar os autores entendem que não é possível analisar e explicar a realidade do município de Petrópolis sem situar este espaço regionalmente, na Região Serrana e no Estado do Rio


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Orlando Alves dos Santos Junior

de Janeiro; nacionalmente, no Brasil; e, internacionalmente, no contexto da globalização contemporânea. Assim sendo, os autores rompem – definitivamente – com a visão naturalizada em torno do desenvolvimento urbano e econômico, mostrando como a suposta modernização, pelo menos discursivamente, tenderia a contrastar com as práticas dos agentes sociais que, sistematicamente, acionam permanências que reproduzem relações de poder conservadoras. Em segundo lugar os autores compartilham da ideia de que a produção hegemônica do espaço urbano é fundamental para o capital e para o desenvolvimento capitalista, o que resulta em uma dinâmica de destruição – criação em que são acionadas diversas estratégias de acumulação por despossessão, para usar um conceito de David Harvey, e de subordinação da cidade à lógica do mercado. No que diz respeito à relação entre cidade e capitalismo, apesar dos autores registrarem que historicamente a cidade antecedeu a existência do modo de produção capitalista, seria possível dizer que se não existissem cidades, o capitalismo as teria inventado (o que também se poderia dizer em relação ao Estado). Como as cidades já existiam, e como seu processo de criação e desenvolvimento é resultado de diversos processos econômicos e sociais, coube e cabe ao desenvolvimento capitalista dominar as cidades. Em outras palavras, o capitalismo se apropria das cidades tal como ele as encontra, mas as submete, as destrói e as reconstrói para moldá-las à sua imagem semelhança, criando seu próprio espaço, como diria Lefebvre. É nesse processo que ganha sentido o conceito de acumulação por despossessão, tal como formulado por David Harvey, posto desvelar o quão ele é fraudulento e violento; e.g., como o capital se apropria de espaços e bens comuns subordinando-os à lógica do mercado. Em terceiro lugar os autores nos convidam a uma reflexão de suma importância, ligada à dinâmica regional, na qual os processos de inovações e de dinamizações da economia de alguns espaços são vistos tanto numa perspectiva de longa duração, observando os processos históricos de decadência e revitalização econômica, como de sua dinâmica contraditória, na qual sobressai a permanência das desigualdades sociais internas a estes espaços. Nesse sentido, os processos de inovação e redinamização aparecem fortemente conectados com a criação de novas condições para a acumulação de capital nesses mesmos espaços.


Prefácio

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A leitura atenta desse livro possibilitará aos leitores conhecer e refletir sobre Petrópolis e sobre a região serrana de uma forma crítica e informada na perspectiva transescalar. A análise fundada na economia política empreendida pelos autores permite dizer que, acompanhando a modernização conservadora que marcou o desenvolvimento nacional e fluminense, emergem cidades como Petrópolis, marcadas por uma urbanização conservadora. Conservadora num duplo sentido. Primeiro, pela incapacidade de universalizar minimante o acesso aos direitos fundamentais de cidadania. Em segundo lugar, pelo perfil conservador das coalizões de poder que dirigem a cidade, marcadas pelo simbolismo do Poder Imperial. Por fim, não posso deixar de registrar a satisfação pessoal de escrever este prefácio. Satisfação esta que tem duas grandes motivações. Em primeiro lugar, pela amizade com o organizador desta obra, Jorge Natal, com o qual tive a oportunidade de trabalhar no IPPUR/UFRJ, e compartilhar ideias e projetos, em um processo de construção de muito respeito, carinho, identidade e admiração com o seu compromisso e competência profissional. Em segundo, minha satisfação é resultado da leitura dos capítulos, e decorre da qualidade das reflexões desenvolvidas pelos autores em torno de diferentes espaços geográficos. Orlando Alves dos Santos Junior Professor do IPPUR/UFRJ 02 de dezembro de 2014



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Introdução

Nesta seção cabe discorrer central e sucintamente sobre três

aspectos de sorte a facilitar a leitura dos que se propuserem a enfrentar as páginas que seguem; a saber: a primeira, diz respeito à sua história (do livro); a segunda, diz respeito ao objeto sobre o qual elas se debruçam (as páginas); e, a terceira, diz respeito à estruturação/forma que as mesmas vieram a assumir. No que trata do aspecto inicial, o da história desta publicação1, cabe aclarar desde logo que ele é parte integrante, a primeira, da pesquisa Expressões territoriais e determinação social da saúde no município serrano fluminense de Petrópolis – 1995-2013, desenvolvida no Palácio Itaboraí: Política, Ciência e Cultura na Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e sob a coordenação do organizador do presente livro – daí, como o leitor constatará, a existência de determinadas referências à temática da saúde em seu âmbito2. Cabe mencionar também que ele, o livro, reúne autores com trajetórias intelectuais e profissionais alicerçadas em diversas disciplinas, como o são as da Saúde Coletiva, da Economia, das Ciências Sociais, da História, do Planejamento Urbano e Regional, e da Geografia – o que exigiu, evidentemente, permanente esforço de busca de unidade analítica. Possivelmente essa unidade, que se espera tenha sido aqui alcançada, seja o resultado de dois fatores, a saber: a proximidade político-ideológica e a convicção desses mesmos autores de que qualquer que seja o temário examinado e seu pertinente recorte geográfico, ainda mais nos dias atuais, exige a devida consideração do processo de desenvolvimento capitalista em curso, assim como do espaço e das escalas analíticas (e mesmo das práxis), sem os quais o esforço reflexivo empreendido se mostrará frágil ou mesmo inócuo – tais assertivas, essas últimas, remetem esta Introdução, é trivial, ao segundo aspecto mais acima assinalado. 1 Palavras ou expressões: em itálico, indicam marcas analíticas ou destaques; entre aspas simples, indicam uso figurado ou mesmo pouco rigoroso delas; e entre aspas duplas, que elas são de língua estrangeira. Uma adição: palavras e expressões em negrito serão empregadas fundamentalmente para assinalar os capítulos e seus subtítulos. 2

Este tema merecerá especial e focada atenção na segunda parte da pesquisa referida.


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Jorge Natal

No que trata do anotado segundo aspecto, o do objeto, ensaiado ao final do parágrafo anterior, de pronto faz-se necessário esclarecer o sentido e/ou a natureza aqui atribuídos a cada um dos termos que nomeiam este livro. Sobre o Desenvolvimento, ele é entendido como processo, e capitalista. É dizer: como uma construção societária em permanente movimento, e que se reproduz ´alimentada´ pela busca incessante do “fazer do dinheiro mais dinheiro”. De outra forma: que face o seu objetivo maior, congênito (de outra forma e mais precisa), o da valorização dos capitais aplicados, esse mesmo desenvolvimento estava fadado desde seu nascedouro a buscar a internacionalização e que, na sua atual etapa histórica, dita recorrentemente de 'globalização'3, é praticamente impossível pensar e agir sobre qualquer temática e realidade social sem se ter em conta sua avultada presença. Diz-se presença porque não se pretende e nem se deve ter a lógica mais geral do capital (a da sua incessante valorização) como auto-explicativa ou determinante suficiente, posto ser ela, no nível de abstração que lhe é próprio, incapaz de “per se” de dar conta – pelo menos na sua inteireza – de toda e qualquer realidade social geograficamente localizada. É nesse contexto que se coloca a categoria Território. Explicando: entende-se que ela, essa categoria, opera inescapavelmente como mediadora das determinações mais gerais do capitalismo, como indicado, mas também como coágulo social a explicitar, dada à história do lugar em questão, tanto as aludidas determinações quanto suas particularidades, ou mesmo singularidades. Por conseguinte, o exame de determinada fração territorial, dado o feixe de forças sociais que sobre ela incide, desde as situadas no centro do mundo capitalista seja, no limite, as estritamente locais, afirma a importância da terceira categoria constante do título do livro, a da Escala. Uma adição aqui é decisiva: ela foi considerada ao longo do trabalho/livro não no sentido cartográfico, mas sim no da análise e da luta política, dada à imanência conflitual, antagônica mesmo, das sociedades em que vige o modo de produção capitalista. E, por fim, que esse desenvolvimento capitalista vem se mostrando em vários espaços, logo, em diversas frações territoriais, especialmente A palavra globalização foi aqui empregada de maneira a evidenciar que os autores guardam reservas quanto ao sentido conceitual e aos usos (acríticos ou com propósitos conservadores) da mencionada categoria. 3


Introdução

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no âmbito das cidades, nos últimos trinta a quarenta anos, produtor, em maior ou menor grau, de notórias barbáries (urbanas). Isto posto, uma questão se impõe: qual o objeto deste livro? Para responder a essa pergunta três são os recortes a considerar: o cronológico, conquanto com remissões ao passado, inclusive ao mais longínquo, como indicado no parágrafo anterior, está referido centralmente à atual etapa do desenvolvimento capitalista, como anotado, dita de globalização, o que implica em tomar meados dos anos 1970 como seu ponto de partida; o geográfico, tendo em vista à perspectiva escalar, também como se indicou, busca iluminar espaços diversos (países centrais, Brasil, estado do Rio de Janeiro, região Serrana Fluminense e município de Petrópolis); e, o lógico, que diz respeito à pergunta que orienta o escrito, ele é o seguinte: qual a natureza do processo de desenvolvimento vigente nesses recortes/espaços, notadamente em suas cidades, na atual etapa da civilização do capital? Como igualmente indicado, a resposta parece ser a barbárie urbana. Vale neste ponto fazer uma menção – na verdade, deixar claro um suposto fundamental deste livro; explicando: como ele é parte do projeto supramencionado havia desde o início da execução da pesquisa a ideia de que era preciso, para melhor entender e explicar a realidade petropolitana, o espaço nodal da pesquisa, não perder de vista o que se passava em diversos espaços, dado que o município em questão, como parte do mundo que é, não deveria – e nem poderia – analiticamente ser ´isolado´. Foi ainda nessa mesma perspectiva que o temário espaço, enquanto produção social, especialmente o urbano, foi valorado ao longo de todo o trabalho, posto que os autores têm a plena convicção da sua essencialidade para o desenvolvimento da civilização do capital, ainda mais nos dias correntes – como resultará claro ao longo de todo o livro, mas de maneira particularmente elaborada em seu primeiro capítulo. Vale advertir o leitor, apesar do anotado, que os autores também têm consciência que nem sempre a transversalidade pretendida obteve pleno êxito; é dizer, que eles lograram articular na sua plenitude, analiticamente, o que se passava ou se passa nas ´escalas maiores’ com as imediata ou mediatamente ´inferiores´, assim como situar o que nelas era/é estritamente específico ou mesmo singular. Mas se houve aí, vá lá, algum insucesso, também se entende que os


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Jorge Natal

cinco capítulos possuem plenas condições de serem lidos com razoável autonomia face os demais, afora – não obstante o já observado – ainda dialogarem, em algum grau, entre si. Enfim: cabe ao leitor fazer sua avaliação do que veio de ser dito. No que trata do terceiro aspecto, o da estruturação/forma que o livro veio a assumir, ele, além desta Introdução e dos anteriores Apresentação e Prefácio, bem como das Considerações Finais, está organizado em cinco capítulos, a saber: Capítulo 1. Cidade e capitalismo centrais em tempo de ´globalização´: uma contribuição à crítica da ´barbárie´ urbana em processo; Capítulo 2. Desenvolvimento, espaço e iniqüidades sociais no Brasil: uma contribuição ao debate; Capítulo 3. Inovações e permanências contemporâneas fluminenses: uma análise socioespacial; Capítulo 4. A região serrana fluminense e seus espaços na atual contemporaneidade: economias perdedoras, institucionalidades desarticuladas e realidades sociais perversas; e, Capítulo 5. Discursos hegemônicos e o desenvolvimento contemporâneo de Petrópolis, Rio de Janeiro/Brasil: uma contribuição à crítica da sua formação social. No primeiro capítulo se examina o fenômeno cidades contemporâneas dos países centrais em perspectiva histórica, sublinhando-se então a imbricação delas – das principais –, especialmente em cada uma das etapas do capitalismo e, em particular, como já se assinalou, nesta última, chamando-se a atenção para três fatos: o quanto as cidades capitalistas se afastaram dos ideais de seus fundadores a.C.; o quanto elas assumiram uma segunda natureza com o advento do capitalismo, em forma e conteúdo; e o quanto elas na atual contemporaneidade assumiram crescente feição de perversidade social, inclusive nos assinalados países centrais face à chamada globalização. No segundo capítulo se examina o fenômeno cidades brasileiras em perspectiva histórica, como antes, buscando articular o que já estava presente no capítulo inicial, ou seja, o trinômio Desenvolvimento, Espaço e Iniqüidades Sociais; o que, além de somar para a crítica da formação social brasileira, visa mostrar o quanto a atual internacionalização do capital agrava as sociabilidades travadas nas referidas cidades – ainda mais se ao nível interno das políticas públicas domésticas elas são consideradas dadas. Cidades essas evidenciadas, cada vez mais, como lócus decisivos dos grandes conflitos da


Introdução

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sociedade do capital (em substituição aqueles, no limite, mais referidos às antigas fábricas da primeira revolução industrial e, mesmo, das da segunda). No terceiro capítulo se examina o território fluminense, em suas regiões e municípios, procurando mostrar que a unidade federativa em exame, a do estado do Rio de Janeiro, vem experimentando, notadamente a partir de meados dos anos 1990, uma série de inovações, em especial no âmbito da economia (com certa redinamização) e de alguns de seus espaços (como sói acontecer em sua faixa litorânea e no Médio Vale do Paraíba, de maneira a redesenhar a geografia estadual). Assinalados os principais aspectos que explicam esses fatos novos, depois de quinze anos de degradação econômica e de uma secular megacefalia do seu município-sede e ex-capital federal (Rio de Janeiro), mostra-se também que ao lado deles, no âmbito social, são reiteradas antigas permanências – quando não tornadas ainda mais agudas, principalmente quando consideradas à luz dos muitos investimentos que vêm sendo realizados no estado. Mostra-se ainda, por fim, o quanto essas transformações, dentre outras manifestações, possuem nexos com as macro-mudanças operadas no capitalismo brasileiro e mundial. No quarto capítulo se examina a região serrana fluminense, e seus municípios, mostrando-se que ao lado das importantes transformações discutidas no capítulo anterior, essa região reitera sua condição de perdedora em termos econômicos. Ademais, pelo menos em parte, e por causa, o quão dramática são as chamadas condições de vida das suas maiorias populacionais. Neste capítulo, como também se fez no anterior, lança-se a ideia, com comprovações estatísticas, que além das análises tradicionais que procuram associar as referidas condições de vida aos indicadores de renda, de escolaridade, etc. dever-se-ia considerar os de classe, posto que reveladores da ´assimetria´ social existente, por exemplo, entre empregadores e empregados, como expressa nos percentuais diminutos dos primeiros e amplamente majoritários dos segundos... No quinto capítulo se examina o município serrano fluminense de Petrópolis, analisando uma série de construções discursivas, todas elas, segundo os autores, partícipes decisivas das lutas hegemônicas de obstaculização e práticas consoantes com as necessidades de um desenvolvimento mais dinâmico e socialmente equilibrado


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