Engenharia brasileira

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Trajetรณria histรณrico-social da Engenharia Brasileira


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Editor João Baptista Pinto

R evisão Pedro Paulo Duran

Projeto Gráfico e capa Rian Narcizo Mariano

Prefácio Francis Bogossian Ilustrações Conforme créditos

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ M775t Monteiro, Edson, 1940Trajetória histórico-social da engenharia brasileira : a essencialidade dessa atividade profissional no progresso ordeiro da Terra Brasilis : Tomo I : dos primórdios coloniais ao quase-final do século XIX / Edson Monteiro. -- 1. ed. -- Rio de Janeiro : Letra Capital, 2017. 208 p. : il. ; 23 cm. Inclui bibliografia ISBN: 9788577855292 1. Engenharia - Brasil - História. I. Título. 17-41164 CDD: 624.0981 CDU: 624(81)(091)

E-mail do autor profedsonmonteiro@gmail.com Letra Capital Editora Tel: (21) 2224-7071 / 2215-3781 vendas@letracapital.com.br


Edson Monteiro

Trajetória histórico-social da Engenharia Brasileira A essencialidade dessa atividade profissional no progresso ordeiro da Terra Brasilis Tomo I Dos primórdios coloniais ao quase-final do Século XIX



ร memรณria de DANTON VOLTAIRE DE SOUZA, engenheiro, professor e adepto convicto do Positivismo Brasileiro.


Agradeço ao colega Carlos Antonio Rodrigues Ferreira, incentivador deste trabalho desde os primeiros momentos de sua elaboração, e a Francis Bogossian, cujo apoio se concretizou na aceitação de meu pedido no sentido de que prefaciasse a obra.


Prefácio

A engenharia brasileira viveu fases extremamente difíceis nos últimos cinquenta anos. Disso sou testemunha viva, já que militei efetivamente durante todo esse período, simultaneamente no ensino, como professor e pró-reitor em universidade, como também na prática da engenharia, inicialmente como funcionário da iniciativa privada e, a partir de 1972, como empresário. Considero-me um dos poucos sobreviventes dos diversos terremotos que sacudiram a economia brasileira e sacrificaram nossa engenharia neste meio século. Acontece que recentemente, após 2015, a nação como um todo, especialmente seus engenheiros, foram surpreendidos por uma crise sem precedentes. Além da carência de projetos e de obras, a falta de ética e a corrupção sistemática põem em cheque o mercado da engenharia de obras públicas no Brasil. Neste outono de 2017 em que me dedico à leitura e a consequentes reflexões sobre esta valiosa obra de Edson Monteiro que, no Tomo I, aborda o desempenho da engenharia no Brasil do século XVI até o ano de 1880, constato que as desesperanças da classe se potencializaram de forma assustadora. O fim do túnel está totalmente escuro e, pior, sua escavação foi interrompida. Há, portanto, que se louvar o espírito de preservação e o pujante respeito do caríssimo professor Edson pela cultura da engenharia nacional, quando analisa, sob o ponto de vista sociológico, a história desta atividade-mãe impulsionadora dos destinos da nação. Na leitura do texto, bem como na visualização das didáticas ilustrações, fica evidente a paixão do autor pelo tema e seu amor incondicional pela sofrida Terra Brasilis. É também 7


Prefácio

delicioso acompanhar a sua trajetória pelos meandros da vasta documentação histórica e poder absorver tantas sábias análises sobre as muitas dificuldades para se construir do zero um país de dimensões continentais. A viagem pela engenharia brasileira através do tempo, do Brasil colônia até o final do século XIX, nove anos antes de ser proclamada a república, apresenta e analisa o que há disponível sobre a engenharia desde o início da colonização. Destaca a importância da engenharia com a presença marcante da família real portuguesa no país após 1808 e navega quase seis décadas pelo período pós-independência. Trata-se de brilhante perspectiva histórica que certamente despertará o interesse não apenas dos engenheiros, mas de todos os que sabem o valor do passado como semente do porvir. Francis Bogossian Professor, engenheiro civil, fundador da empresa Geomecânica. Integrou a pró-reitoria da Universidade Veiga de Almeida, e presidiu a Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro e o Clube de Engenharia. É membro das Academias Nacional de Educação e Pan-Americana de Engenharia. É presidente da Academia Nacional de Engenharia.

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Introdução (pelo autor)

Prezado leitor, prezada leitora, A condição de engenheiro e professor do ensino superior de engenharia por quarenta anos me habilitou à presente manifestação. Mais que isso, me obrigou a procedê-la como um compromisso de ordem cultural, trazendo principalmente aos mais jovens vocacionados a oportunidade de caminhar sobre os mesmos passos históricos dados pela engenharia de seu país. Cabia, contudo, nesse exercício, analisar os fatos holisticamente e por uma razão principal, a de fazer com que fique demonstrado que todos os acontecimentos historicamente registrados são causa ou consequência dos fenômenos sociais observados, onde se inclui, obrigatoriamente, a permanente luta cidadã dos engenheiros a favor da soberania nacional brasileira. Portanto, tudo o que aqui será exposto e analisado ilustra a trajetória de uma atividade profissional irrecusável num país que se iniciou gigante, que prossegue gigante, e que terá através da engenharia — em todos os seus segmentos — a possibilidade de alcançar índices de civilidade e de progresso condizentes com o mínimo desejável a um povo livre. Vivemos, nesse início de século XXI, uma realidade global na qual a transparência é tida como requisito essencial a todos os compromissos. Este ensaio, ainda que aberto a críticas na sua formatação e tessitura textual, pretendeu ser transparente nos estudos, nas referências e nas apreciações ensaísticas. Nele, coloco a convicção de que meu propósito em compô-lo inclui ingredientes cívicos e éticos. Peço ao leitor e à leitora, nessa 9


Introdução

rápida introdução, sua total confiança nos meus bons motivos em caminhar, nesse tomo I do trabalho mais geral, desde os passos iniciais da construção do Brasil — então colônia portuguesa — até o quase-final do século XIX, quando a República democrática abriu cenários de liberdade à Nação. Cenários onde a engenharia, como ainda hoje e no futuro, assumiu, assume e assumirá papel de irrecusável protagonista. Sinta-se convidado (a) ao passeio. Agradeço a honra de tê-lo (la) comigo.

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Sumário

Capítulo 1 Posicionamento inicial...................................................................... 13 Capítulo 2 Primórdios genéricos da engenharia na Colônia............................ 23 Capítulo 3 Os primeiros passos científicos de suporte à engenharia.............. 35 Capítulo 4 Retornando à Colônia durante o contexto do Capítulo 3.............. 61 Capítulo 5 Primórdios da engenharia científica brasileira............................... 74 Capítulo 6 Os reflexos do Século XIX na futura engenharia brasileira.......... 96 Capítulo 7 A engenharia brasileira ao longo das primeiras oito décadas do Século XIX ............................................................ 111 Capítulo 8 Importantes destaques da engenharia brasileira nas duas décadas finais do Século XIX........................................... 151 Capítulo 9 Indústria, engenharia científica e civismo, fatores essenciais ao desenvolvimento brasileiro.......................................................... 168 Capítulo 10 Os movimentos da engenharia brasileira nas duas décadas finais do Século XIX........................................... 181



C apítulo 1

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1.1 Fundamento Este é um ensaio histórico-social. Fosse apenas histórico, limitarse-ia a relembrar fatos sobejamente conhecidos, um desnecessário registro — conquanto fiel — de momentos relevantes da história da engenharia brasileira — neles considerados os feitos arquitetônicos — tão bem e fartamente documentados à posteridade em nossas bibliotecas. Nesta oportunidade, procuramos desenvolver um tratamento crítico aos episódios de uma trajetória de formação e atuação profissionais, das quais dependeu e hoje depende a sociedade brasileira. Com esse propósito, recuaremos objetivamente às origens do que foram as necessidades da gigantesca e potencialmente pródiga colônia portuguesa das Américas, passando pelos seus dois impérios e pela República proclamada proximamente ao final do século XIX. Não nos custa enfatizar nosso reconhecimento de que qualquer crítica que se anuncia social obriga objetivos ao ensaísta, uma espécie de informação justificada sobre o “para que servirá” sua análise. Mas é igualmente verdadeiro que a resposta a tal indagação implica a apreciação integral do trabalho, o que demandará ao consulente a leitura e a interpretação de duas centenas de páginas, neste Tomo I. A convicção de um ensaísta sobre seus pontos de vista — um componente subjetivo, por natureza — não dispensa o seu cuidado com a verdade factual — aqui, de natureza objetiva — resguardados os registros documentalmente confiáveis. Sua análise crítica não prescinde da apreciação isenta do contexto e da força do argumento. Desde Parmênides (530 a.C. - 460 13


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a.C.), a epistemologia identifica o saber como sendo uma opinião verdadeira acompanhada de uma explicação e de um pensamento fundamentado1. Cumpre-nos, portanto, dois cuidados fundamentais: (a) estender ao máximo possível a abordagem histórica que nos conduza ao conhecimento dos diversos contextos, desde o século XVI aos dias de hoje, e (b) buscar identificar, ainda que apenas como sugestão à apreciação dialética, alguma contribuição da presente análise crítica à formação e atuação dos engenheiros brasileiros no século XXI.

1.2 Primeiras Abordagens Gerais Conhecer os contextos impõe buscas de toda a ordem. Seria fatalmente negativo dispensar em tais buscas fundamentos que repousam na antropologia clássica e moderna, nos motivos e consequências das concepções ideológicas que atravessaram os séculos abordados e nas estratégias políticas e geopolíticas que, quase sempre, — desde as mais antigas civilizações — visaram ao domínio de povos por outros povos, fator que atinge em cheio a atualidade do potencial brasileiro representado pelo tesouro econômico e estratégico do pré-sal, e que, desde o descobrimento, chancelou a Terra Brasilis — em face de suas intermináveis riquezas — como alvo da cobiça das nações então hegemônicas. Os jovens brasileiros cujas vocações sejam tendentemente voltadas para a engenharia e sucedâneos não devem ignorar — embora sem lampejos de xenofobia — a riqueza do seu território nacional e a dependência potencial e quase exclusiva do país em suas vocações profissionais, tanto no exercício técnico, quanto no ético e no cívico. Parece-nos não haver dúvidas sobre o primeiro dos três componentes do exercício que se impõe aos vocacionados à MONTEIRO, Edson: “Epistemologia, a Ciência do Conhecimento - Primeiros Passos”, Letra Capital Editora, Rio de Janeiro, ISBN 9788577854653, (2016), p. 15.

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engenharia e derivados, qual seja o do domínio das ciências da natureza e da matemática, e o do conhecimento tecnológico. Mas os outros componentes, o ético e o cívico, integrantes de princípios atinentes à consciência social — que incluem o respeito ao ser humano e à natureza circundante, pelo menos, encontram-se — na atualidade — um pouco negligenciados da formação oficial daqueles jovens, tornando não surpreendentes certos desvios de conduta observados há longo tempo. É desejável que a família, como base, se incumba do dever de moldar o caráter dos filhos, deixando para a formação ulterior a especificidade exigida para o bom resultado da prática profissional. Contrapondo-se àquele dever, outros fatores ligados ao contexto de cada época podem atingir negativamente a momentaneidade da família, sua estabilidade, o que acaba por trazer ao período universitário que os segue uma quantidade apreciável de jovens despreparados para a compreensão da magnitude universal e também de ordem nacional — cívica — de suas profissões. O que é alentador perante esse último comentário e, seguramente, uma das razões deste trabalho é a constatação de que na engenharia brasileira não foi sempre assim, e o progresso nacional decorrente tenha dependido de uma diminuta parcela de sua sociedade, a elite. Tal constatação histórica não representa fator de avaliação negativo, pois ela nos induz — como instrumento de reflexão — à consciência de que ampliar as possibilidades da profissão, em termos quantitativos — irrecusáveis num país das dimensões continentais do Brasil —, recomenda inclusões sociais baseadas em projetos de educação e cuidados especiais de estado, cláusulas pétreas num projeto nacional — sempre desejável — de crescimento sustentável. Ocorre-nos, por oportuno, assinalar — como um agravante da não efetivação dessa recomendação inclusiva — que a incipiência na formação dos engenheiros brasileiros, quantitativa e qualitativamente falando, leva à fatalidade da exposição do mercado profissional aos estrangeiros, mormente quando os índices de desemprego se mostram preocupantes no Velho Mundo e nos continentes africano e asiático. 15


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Todos os estudiosos da história brasileira não negam a alta probabilidade de que os pioneiros da engenharia, entre nós, viveram momentos de sonho. Afinal, o mundo do século XVIII, que identificaremos como sendo a época da gênese formal da engenharia brasileira, desfrutava de uma ambientação de fundamentação progressista, já menos dependente da influência de poder político explícito da Igreja e fortemente voltada para o ser humano e a valorização da defesa dos seus direitos. O sonho maior daquela gente que, segundo o abade Corrêa de Souza, em censo de 1776, contava com uma população de 1.900.000 habitantes2, era resguardar o território brasileiro dos ataques de pretensos conquistadores. De fato, o principal trabalho era prover fortificações ao longo do litoral. Algum tempo depois do mencionado censo, já em 1799, a população na corte brasileira do Império lusitano, ou seja, na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro somava apenas 43.000 habitantes, dos quais cerca de um terço era escrava3. Tais dados confirmam a pequenez populacional para a defesa de um território gigantesco, numa época em que o potencial bélico do proprietário português, acrescido das dificuldades próprias da distância Corte-Colônia, apresentava limitadas potencialidades.

Fotografia da placa que rememora a inauguração do Forte dos Reis Magos, de 1598, Rio Grande do Norte.

SOUZA E SILVA, J. N. : “Censo de 1776”, IPE/USP, São Paulo, (1986). BENCHIMOL, Jaime Larry: “Pereira Passos - Um Haussann Tropical”, Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esporte, DGDI, Divisão de Editoração, Rio de Janeiro, (1992), p. 25 e 79. NEEDEL, Jeffrey: “Belle Époque Tropical”, Editora Schwarcz, São Paulo, (1993), p. 43, 136, 161 e 163. 2 3

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Os que pretendiam invadir a Terra Brasilis — alguns bem exitosos na pretensão —, principalmente nos séculos XVI e XVII, dispunham de conhecimento de navegação e sabiam das potencialidades do território, não apenas no tamanho e na condição geoestratégica, mas principalmente na disponibilidade de tantas e variadas riquezas naturais. Isto exigia cuidados especiais por parte do legítimo proprietário, o colonizador português. Este, após várias demonstrações de quase-hegemonia partilhada com os espanhóis na transição dos séculos XV e XVI — ocasião de suas conquistas ultramarinas que ampliaram o conhecimento geográfico do mundo — acabaria por constatar o progresso náutico holandês, francês e inglês, restando-lhe exercer, com indiscutível denodo, forte empenho na tentativa de defesa territorial, totalmente dependente da engenharia em termos técnicos e militares. Construção e combate eram prioridades na defesa de sua vasta terra de além-mar.

Invasão holandesa em Salvador, 10 de maio de 1624, em pintura de Hassel Gerritsz

Foi grande o esforço português na manutenção dos seus domínios, malgrado a corrupção que já de há muito imperava4 e influenciava negativamente a eficiência das iniciativas. Mas ficou visível o papel cívico dos que se dedicavam à engenharia militar, por conta de uma formação calcada na disciplina. Seu advento, ainda com uma conotação imperial portuguesa, dá-se com a contratação pela Corte (por volta de 1640) e quando da Segunda Invasão MONTEIRO, Edson: “Corrupção, uma endemia sem remédio?”, Letra Capital Editora, Rio de Janeiro, ISBN 788577852123, (2013), p. 87 a 107.

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Capítulo 1

Holandesa (1648-1650), do chamado engenheiro de fogo Miguel Timmermans, de origem neerlandesa, incumbido da formação dos chamados aprendizes para construção de fortificações, estes os primeiros atuantes nativos da atividade de construção na Terra Brasilis5. Tudo isso, tecnicamente falando, e ainda com ressalvas peculiares a um contexto primitivo, próprio de uma atividade que será chamada, bem mais adiante, engenharia civil.

Flagrante de Recife e Olinda, dominadas pelos holandeses desde fevereiro de 1630, quando sob o comando de Hendrick Lonck deu-se a invasão àquele território.

Em 1694, chega ao Rio de Janeiro o capitão-engenheiro Gregório Gomes Henriques, incumbido da instrução aos comandantes de artilharia responsabilizados pela instrução ulterior aos seus comandados artilheiros. O episódio, até então, se restringia à instrução de caráter militar específico, mas na data de 15 de janeiro, conforme Carta-Régia, são criadas as chamadas aulas militares, agora como primeiros cursos específicos de formação de artilheiros e engenheiros militares, nos quais eram também aceitos alunos civis. Era uma forma de oficializar um procedimento já praticado na Bahia, no Rio de Janeiro, em Pernambuco e no Pará. A aula inauSILVA TELLES, Pedro Carlos da: “História da Engenharia no Brasil - séculos XVI a XIX”, Livros Técnicos e Científicos Editora - LTC, ISBN 8521603754, Rio de Janeiro e São Paulo, (1984), p.65. 5

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gural no Rio de Janeiro foi ministrada pelo capitão-engenheiro Gomes Henriques, a primeira realizada nas Américas e terceira no mundo. Em Salvador, no ano de 1710, tal incumbência coube ao sargento-mor engenheiro José Antonio Caldas. Estes fatos históricos revelam a essencialidade do exercício da engenharia, demonstrando o quanto dela dependia o contexto daqueles primeiros séculos de existência da Colônia. Ainda que soe óbvio ao leitor essa revelação, nada custa que a ressaltemos, como o fez, em artigo recente, José de Arimathéia Cordeiro Custódio, onde afirmou, tecnicamente, que “o estilo arquitetônico colonial brasileiro, enraizado no medieval, enfatiza o caráter defensivo das construções, direcionando funcionalmente seus monumentos para a defesa do território brasileiro que, à época, era alvo de disputas mercantis”6. O interesse português que demandava arquitetura — como concepção — e engenharia — como técnicas construtivas — não privilegiava conforto e estética, tão-somente segurança e resistência. Afinal, viver na Corte, em plena Europa, era melhor e mais seguro. Logo, praticamente, todo o dispêndio dos recursos destinados às construções na Colônia eram encaminhados às fortificações das cidades litorâneas e àquelas interioranas que constituíam importância comercial. No século XVI, foram erigidas 17 fortificações, entre 1536 (Iguaçu) e 1565 (São Sebastião do Rio de Janeiro), cobrindo parte do litoral nordestino até o sudeste. No século XVII, agregaram-se mais 6, de 1612 (São Luis do Maranhão) a 1637 (Alcântara). Tais monumentos obedeciam ao modelo das construções abaluartadas, mas o estilo que até hoje está identificado em vários deles é aquele que se atribui a Giorgio Martini, de 1567, cuja imagem aérea plana reproduz um polígono assumido como o modelo de maior eficência no propósito defensivo. Todas essas realizações obedeceram a uma inspiração italiana. Foi, seguramente, a primeira grande iniciativa de absorção de tecnologia na engenharia e na arquitetura nas terras portuguesas de CUSTÓDIO, José de Arimathéia Cordeiro: “A Arquitetura na Defesa do Brasil Colonial”, in Discursos Fotográficos, v. 7, nº 10, Londrina/PR, jan/jun, (2011), p. 173-194.

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Capítulo 1

além-mar. Ressaltemos que a mão de obra nativa e escrava teve papel fundamental nessa realização, o que traz ao episódio uma relevância social de grandes proporções e valor qualitativo. Não nos omitamos, por oportuno, no exemplo moderno de Brasília, de concepção brasileira, construída com as mãos e a disciplina dos candangos nordestinos, prova inconteste da capacidade de trabalho do operário brasileiro, um fator de produção para o qual a história de nossa engenharia sempre renderá justas homenagens. Data de 1553 — em seu início — a primeira fortaleza brasileira construída a partir de um projeto arquitetônico essencialmente português. Sob ordem do Rei, ela foi toda edificada em alvenaria — pedras graníticas e cal ligadas com óleo de peixe —, em Bertioga, para substituição da antiga construção em madeira, incendiada pelos indígenas tupinambás no ano de 15517.

Fac simile da planta original da Fortaleza de São João Marcos, em Bertioga. CASTRO, Carlos Eduardo de: “História de Bertioga”, in VI Seminário de Cidades Fortificadas e I Encontro Técnico de Gestores de Fortificações, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/SC, 31/3 a 01/4, (2010).

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