Guarda pra Mim
Éle Semog
GUARDA PRA MIM
Copyright©, Éle Semog, 2015 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem a autorização prévia e por escrito do autor.
Editor João Baptista Pinto Projeto Gráfico, Diagramação e Capa*: Francisco Macedo *Sobre foto de Jannuário Garcia | Floresta dos Baobás, Senegal.
Revisão Do Autor CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
S475g Semog, Éle, 1952Guarda pra mim / Éle Semog. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015. 110 p.; 14x21 cm. Inclui sumário ISBN 978-85-7785-367-0 1. Poesia brasileira. I. Título. 15-21917 CDD: 869.91 CDU: 821.134.3(81)-1
Letra Capital Editora Tels: (21) 3553-2236 / 2215-3781 www.letracapital.com.br
Sumário Apresentação...................................................... 9 1 - Filosofia e outros bichos...........................19 Inusitado.................................................................20 Dois sonos...............................................................20 Azul derramado.......................................................21 Monodrama.............................................................22 Isso que aperta o peito.............................................22 Mim........................................................................23 Quebrada feia..........................................................23 No dia que o cachorro caiu do telhado......................24 Macabra urdidura do aniquilamento de um ser..........24 Em todo lugar tem um mundo..................................25 Esse amor que tudo sabe..........................................25 Tombo.....................................................................25 O dia que voce virou manga ....................................26 O espelho do outro...................................................28 Semelhança ............................................................28 Destempero ............................................................29 Besta, mas muito besta ............................................29 Soneto do eu perdido ..............................................30 Conjuntura e olhar crítico ........................................31 Necessitado ............................................................31
2 - Amor e essas coisas..................................33 Procissão ......................................................... 34 Trocas ............................................................. 35 Limpando a área .............................................. 36 Descobertas ..................................................... 37
Nuances da Lapa ............................................. 37 Sorver-te.......................................................... 38 Dor entre amigos (o cara de pau)....................... 39 As duas falas dela............................................. 40 Linguagem dos sinais........................................ 41 Bem no informal............................................... 41 Amor em tempo quente.................................... 43 Desejo, razão, conflito e posse........................... 43 Pequenas mentiras no meio do afeto.................. 44 O amor e seus fatores....................................... 44 Domínio ponto com.com você........................... 45 Gavetão............................................................ 46 De Lisboa direto a Manaus................................ 46 Arrumando o gavetão....................................... 47 As tralhas, os sonhos........................................ 47 Deschaveada, mas revelação............................. 48 Vexame............................................................ 49 Costela minha.................................................. 49 Cachorro.......................................................... 50 Como se fosse quadro....................................... 50 Depois da briga mescreviverso doidão................ 51 Cinco contra um............................................... 53 O amor falado por ai......................................... 54 Terminal de chegada......................................... 55 Carinho............................................................ 56 Quem sou em tudo de nós................................. 57
3 - Tempo por ai................................................. 59 Desde o primeiro dia...................................60 Guarda pra mim..........................................60 Firulas........................................................63
Com testemunhas ......................................64 O chato das horas minuto a minuto..............64 Ansiedade...................................................65 Desleixo.....................................................66 Contratempo...............................................66 Improviso...................................................67 Quando o poema acaba...............................67 E-mail........................................................68 Climas........................................................68 Concluintes.................................................68 Cofre..........................................................69 Você não pode fugir disto............................69 Temporâ.....................................................70 Ilha inteira..................................................70 Você e seus perdidos...................................71 A toa te amar..............................................72 Ferrolho......................................................72 Aquele lugar...............................................73 As águas e o tempo (para Rachel)................73 Ilha corrigida..............................................75 A outra omoplata, lombar, cervical, adutor...76 Ilha perdida................................................76
4 - Povo e aqueles....................................... 77 É por necessidade............................................. 78 Cada um no seu qualquer................................. 79 Memórias......................................................... 79 Os cães de Caioaba........................................... 80 Triangulo das sumidas...................................... 80 Física pura, alias química, alias filme................. 82 A mulher de mil poemas................................... 84
Urbana............................................................. 85 Bai bai lambe-lambe......................................... 85 Fulminante....................................................... 86 Disturbio psicossomático alias banzo................. 86 Quando............................................................ 87 Exemplos......................................................... 88 O vizinho papou um pitelzinho no sábado......... 89 Imaturo............................................................ 90 Aos mortos das nossas cotas............................. 90 Na hora do futebol............................................ 92 O graveto e a tora............................................. 93 Omoplata, cervical, lombar, adutor.................... 93 Cinco sentidos (rsrsrs)...................................... 94 Dançou fiel....................................................... 94 Um neguinho sem noção................................... 96 Yemanjá (a partilha)......................................... 97 Briga de amor se fala assim............................... 98 Povo................................................................ 100 Meu nego, o negro que eu quero (1985)............. 100 Minha vida....................................................... 104 Mangueira... Sincera alegria.............................. 106 Briga................................................................ 107 Quase idolatra.................................................. 108 Travessia do Rio Botas...................................... 108
Apresentação Lia Vieira
E
ste livro é um memorial ao Amor com seus medos e zelos mas, é tem também o encantamento e a fluidez emanadas de uma fonte rara de inteligência e comprometimento com o Humano, as causas sociais e a lucidez, geradas no Tempo e dirigidas do coração ao coração, do ser ao ser. O poeta tem nas mãos um sonho e na alma inquietação de como traduzir em versos, o espetáculo-tema desta obra. A peleja para manter viva, contra todas as circunstâncias, a chama de uma opção formulada consciente e entusiasticamente em toda juventude, nas lutas de uma geração que pretendeu mudar o mundo e que sonhou com a possibilidade de construção de uma sociedade mais justa, mais humana, mais fraterna e com Amor. Neste espaço, desempenhando os papéis de escritores e ativistas, tivemos a oportunidade de nos conhecer, de conviver e de ousar. Entre palavras circulamos, vivemos e, nisso, já se vão trinta anos. Não eram fáceis aqueles dias. Talvez por essa razão, Éle Semog, tenha me distinguido com a honra desta apresentação. Desafio aceito! 9 Guarda pra Mim
Guarda pra mim, a obra, tem vetor comum nos poemas aqui revelados. De leitura fácil, agradável, inventivo, reflexivo. Expresso minha admiração. Aprendizagem sempre. Quem sabe ele será uma gota de orvalho, que se faz necessária para limpar a poeira da mediocridade e inutilidade que nos tem turvado a visão, e molhará a terra do pensamento e do sentimento, para que brote o interesse renovado pelo semelhante? Este é um livro repleto de imagens, registros, experiências, riquezas. A primeira parte desta obra, Filosofia e outros bichos – desvela um caminho em direção ao transpessoal, a partir de um amplo mapa de inquietações do Eu, de busca por mudanças e do nosso psiquismo pessoal. Dois títulos me chamaram a atenção para isto: Em todo lugar tem um mundo e Inusitado; Mas o poema ‘O espelho do outro’ completa o pensamento:
O espelho do outro A vida vai a vida cai na ida. Não tem vida que passa e volta... É como um caos que não desaba, só ordena a ida da vida que não para.
10 Éle Semog
Amor e essas coisas – quem já teve a oportunidade de ler outros trabalhos literários de Éle Semog, terá aqui o tema revisitado. Os poemas apontam para sua identidade, em que são colocadas questões essenciais da vida: eu estou de passagem, eu sou um peregrino sobre a terra, eu estou de passagem neste espaço-tempo e reconheço esta força cósmica, social, consciente e inconsciente. Ele reconhece o que o Amor faz com nossas resistências, nossas dúvidas, nossos cansaços, nossos medos. E, infelizmente, não conseguimos dormir bem. No coração de nossa inconsciência existe um chamado que nos convida a levantar, a nos tornarmos nós mesmos para sermos capazes de ir ao outro. O outro é diferente. Algumas vezes o outro é o inimigo e dorme com a gente. Estes poemas são bem atuais para nós, porque estamos, sem cessar, à procura de alguém, de um ensinamento ou de uma instituição que nos digam o que é bom e o que é mau. E que nos isente do exercício de nossa liberdade. Vi isto neste poema:
Quem sou em tudo de nós Por mais que eu seja teu homem, teu amigo, teu parceiro, teu namorado, sei bem dos teus lugares em ti que não devo entrar. Por mais que eu te pense aconchego das minhas verdades
11 Guarda pra Mim
abismo que guarda as minhas buscas, você é mulher de si própria tecendo soluções para me ensinar a ser teu homem. Por mais que eu diga que sei ser mulher, me incluindo no que te consome, tem sempre um momento que o amor que existe entre nós me controla ... e pra não sair, por mais que eu queira ficar, te peço: me tira daqui, me ensina mais agora.
Um capítulo repleto de assertivas pessoais e provocativas, oferecendo retratos fortes e verdadeiros capazes de relativizar a sexualidade para renascer em uma capacidade de relação amorosa que contém o sexo, mas não é exclusivamente sexual. Descobrimos como lidar graciosamente com questões controversas que ameaçam tudo aquilo que consideramos caro! Tempo por aí - neste capítulo me apercebi que o passar do tempo é um fenômeno sentido de forma diferente no íntimo de cada um de nós. O vento da memória te leva longe e o fio do pensamento te mantém preso. O tempo é senhor da razão, germina, cresce, dá sombra, produz frutos que podem ser:
12 Éle Semog
Cofre O tempo guarda pra mim. Ou em:
Guarda pra mim (...) Guarda pra mim a surpresa das famílias com aquele plano de amor consolidado, o carro velho que não foi a Cabo Frio, as idas e vindas de casamentos e aniversários, os batizados e os natais comemorados. Aquela orquídea comprada na estrada, e o parque aquático instalado no terraço, o gosto bom do espaguete a carbonara, guarda pra mim o aconchego dos abraços, os poemas que escrevi pro povo no Botequim cento e oitenta e quatro, e deixa que eu guardo as dores, as perdas e tudo mais que eu mesmo fiz virar farrapos. Ou ainda em ‘Concluintes’, onde o poeta nos abandona com nossas reflexões e se vai...:
Concluintes Depois que tudo parecia ser resumo da vida inteira, cada detalhe protegido
13 Guarda pra Mim
da inclemência do destino, feito o rigor duma peneira, deixamos o tempo consumir o resto dos nossos planos, (depois eu termino).
Legados eternos são construídos sobre nossas convicções, nosso caráter e nossos relacionamentos, são pontes que nos ligarão a eternidade, quando partirmos desta terra. Povo e aqueles – enfim o poeta chega ao tempo da autenticidade, da profundidade, de mais uma etapa em nosso caminho. A exemplo de como muito bem faz a escrita de Carolina Maria de Jesus, ele atinge com precisão a alma do seu leitor e nada deixa de fora. Os imaginários se encontram nesse mar de dizeres entrelaçados. Sentaremos com o Grupo Negrícia Poesia e Arte de Crioulo, vamos nos curar na Praia de Copacabana, mas também pode ser Leblon ou Cabo Frio. Caminharemos pelos bares do Centro do Rio, onde o poeta deixou seus recados e, perambularemos pela Lapa, como se cada uma daquelas ruas fossem veias do seu corpo. Sentiremos a luz de versos cáusticos apontarem para um vizinho que papou um pitelzinho no sábado e virou noiva na cadeia. Poesia inclusiva que não divide o que a própria vida uniu: corpo, plenitude, revolução: 14 Éle Semog
O graveto e a tora Não olhe para mim pensando que sou um negro e só. Olhe outra vez, e veja. Sou negros.
Povo e aqueles – é cada um de nós com a esperança que esta leitura pode trazer, mas também com os medos que podem despertar ligados as nossas histórias de infância, a nossa história de jovens, assim como adultos. Faz referencia a expectativa da nossa própria grandeza e das exigências que dela decorrem. Trata-se de escutar estes poemas, por que é isto que são; músicas aos nossos ouvidos, como se fossem sonhos ou um testemunho do inconsciente e que nos questionam em como aliviar a dor sem adormecer a consciência. Nos fascina, pois sabemos que lá esta a verdade e recoloca em questão a nossa maneira habitual de viver. Este é o espírito que se depreende dos poemas de Éle Semog e este é o nosso estado de espírito, em alguns momentos de nossas vidas. Sobretudo quando esta voz interior nos confronta com o massacre da Candelária, ou pergunta: Onde está o Amarildo? Somos todas Cláudias. Vivemos na Guiné Equatorial ou no Jardim Ângela... 15 Guarda pra Mim
ou somos convocados para ir ao Cabula. Esta é a tempestade que vem agitar a barca.
Aos mortos das nossas cotas (...) Bem na beira do valão entre pneus, latas, outros lixos os corpos dos quatro pretinhos se somavam a outros corpos que juntos foram todos mortos mas não excederam as cotas. O grito de uma outra mãe “valha-me deus, que matança é essa!” Interrompeu todos os gritos das mães dos outros pretinhos. ...E as estatísticas rolam e é dado de boca em boca, cada pretinho na cota da escola vale dez pretinhos na vala.
Sigo sem saber se posso atender ao pedido do título-tema desta obra. É essa misteriosa força das pessoas excepcionais que Éle Semog procura revelar e, generosamente, ensina para todos nós. Nossa cultura, às vezes a percebo errante, carente de direção, valorizando o inútil e ignorando aquilo que realmente tem valor, que é duradouro.
16 Éle Semog
Vivemos no mundo do instantâneo, do controle remoto, das facilidades, do sucesso imediato, do querer enriquecer sem trabalhar duro. Vendem-nos ilusão que vamos ficar ricos, famosos, bem sucedidos, sem trabalho, sem estudo, sem esforço, sem dedicação. É nesse emaranhado de valores, visões e percepções que ler está ficando cada vez mais chato para os jovens. Este livro é, sem dúvida, uma “caixinha de emoções”. O autor as coloca lá dentro e, nesse processo, cresce. Cabe ao leitor abrir o pequeno recipiente com cuidado, não porque as emoções voarão dali, já que indeléveis no papel, mas sim porque as palavras se tornam vivas em nós. Convido você a viajar por estas páginas e se emocionar nestes poemas. Só nos resta agradecer a ele esta feliz idéia, as lições de vida e esperança que seus poemas trazem as novas gerações.
Nova Friburgo, fevereiro de 2015.
17 Guarda pra Mim