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Guardi천es da Floresta ret처ricas e formas de controle da gest찾o ambiental e territorial


Exigência aplicável ao(s) Programa(s): BIBLOS – Programa de Apoio a Publicações Científicas; PUBLICA – Ação de Apoio à Publicação Científica e Tecnológica

Folh de R

José Melo de Oliveira

Governador do Estado do Amazonas

SECRETARIA DE estado de PLANEJAMENTO, desenvolvimento, ciência, tecnologia e inovação

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Thomaz Afonso Queiroz Nogueira

Secretário de Estado de Planejamento, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação - SEPLANCTI

René Levy Aguiar

Diretor- Presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas

Esta obra foi financiada pelo Governo do Estado do Amazonas com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas – FAPEAM

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Esta obra foi financiada pelo Governo do Estado do Amazonas com recursos da


Gimima Beatriz Melo da Silva

Guardi천es da Floresta ret처ricas e formas de controle da gest찾o ambiental e territorial


Conselho Editorial Série Letra Capital Acadêmica Beatriz Anselmo Olinto (Unicentro-PR) Carlos Roberto dos Anjos Candeiro (UFTM) João Medeiros Filho (UCL) Leonardo Santana da Silva (UFRJ) Luciana Marino do Nascimento (UFRJ) Maria Luiza Bustamante Pereira de Sá (UERJ) Michela Rosa di Candia (UFRJ) Olavo Luppi Silva (UFABC) Orlando Alves dos Santos Junior (UFRJ) Pierre Alves Costa (Unicentro-PR) Rafael Soares Gonçalves (PUC-RIO) Robert Segal (UFRJ) Sandro Ornellas (UFBA) Sergio Azevedo (UENF) Sérgio Tadeu Gonçalves Muniz (UTFPR) William Batista (Bennet - RJ)


À minha família amazônica e todos os habitantes de áreas protegidas que me fazem pensar constantemente acerca da correlação de forças que se opera diariamente na definição dos rumos a serem dados a essa – quase inesgotável – fonte de recursos da qual fazemos parte enquanto capital social, a saber, a Amazônia.


Copyright © Gimima Beatriz Melo da Silva, 2015 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem a autorização prévia e expressa do autor. Editor João Baptista Pinto

Capa Luiz Guimarães

Projeto Gráfico e Editoração Luiz Guimarães Revisão Rita Luppi

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

S578g Silva, Gimima Beatriz Melo da Guardiões da floresta, retóricas e formas de controle da gestão ambiental e territorial / Gimima Beatriz Melo da Silva. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Letra Capital, 2015. 186 p. : il.; 15,5x23 cm.

Inclui bibliografia ISBN 978-85-7785-404-2

1. Amazônia - Condições ambientais. 2. Amazônia - Aspectos sociais. 3. Amazônia Ciências sociais. 4. Geopolítica - Amazônia. I. Título. 15-25403 CDD: 307.78113 CDU: 316.334.5(811.3) 07/08/2015

10/08/2015

Letra Capital Editora Telefax: (21) 3553-2236/2215-3781 letracapital@letracapital.com.br


"Faço ciência para saber até onde posso suportar..." (Max Weber)



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Sumário apresentação................................................................................................. 11 prefácio............................................................................................................ 13 Introdução O objeto de estudo e o campo da pesquisa...................................... 17 As condições sociais da pesquisa.................................................................... 22 A caracterização das comunidades pesquisadas ............................................ 29 A comunidade Nova Esperança....................................................................... 29 A Comunidade Tiririca..................................................................................... 31 A comunidade Marajá..................................................................................... 33 A comunidade Santo Antonio......................................................................... 34 A estrutura do texto........................................................................................ 36 Capítulo 1 1. A GESTÃO TERRITORIAL NO AMAZONAS E AS INTERFACES ENTRE CENTRALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO ESTATAL..................... 41 1.1. Alternativas analíticas na abordagem da questão territorial.............. 41 1.2. A questão territorial na Amazônia: pertinência e prestígio................ 47 1.2.1. Gestão territorial: intervenção estatal e pertencimento comunitário.............................................................................. 51 1.2.2. O ZEE como base de informação sobre o espaço amazônico... 55 Capítulo 2 2. DINÂMICA E SIMBOLISMO DO PODER NA GESTÃO AMBIENTAL DO BAIXO RIO NEGRO-AM....................................................................... 61 2.1. Formas de recrutamento e produção de adesões............................... 67 2.1.1. O pagamento pelos serviços ambientais em RDS no Amazonas............................................................................ 67 2.1.2. As Experiências Zona Franca Verde e Bolsa Floresta................ 74 Capítulo 3 3. O MOSAICO DE ÁREAS PROTEGIDAS NO BAIXO RIO NEGRO: “CAPITALISMO DOMESTICADO” E PROJETO CIVILIZATÓRIO................ 83 3.1. O caso Novo Airão............................................................................... 85 3.2. A dinâmica da regulação fundiária em Novo Airão-AM....................... 86 3.3. O potencial ecoturístico de Novo Airão............................................... 90 3.4. O mosaico do ordenamento territorial no Baixo Rio Negro................ 94


10 Sumário

Capítulo 4 4. RDS E CELEBRAÇÃO DOS GUARDIÕES DA FLORESTA........................... 105 4.1. Contexto de criação do Parque Nacional do Jaú............................... 105 4.2. RESEX Catuá-Ipixuna: gestão de recursos demandada pela comunidade .............................................................................. 113 4.3. RDS do Rio Negro e RDS do Juma: gestão ambiental em corresponsabilidade compulsória..................................................... 118 Capítulo 5 5. GUARDIÕES DA FLORESTA?: REPRESENTAÇÕES SOBRE O QUE É VIVER NUMA RDS NO RIO NEGRO......................................... 127 5.1 RDS e o regime de proibição............................................................... 128 5.2. RDS e trabalho legalizado.................................................................. 132 5.3. RDS e gestão dos guardiões da floresta............................................. 140 Capítulo 6 6. SOBRE O REFLEXO DAS ESTRATÉGIAS DE GESTÃO AMBIENTAL E TERRITORIAL NO BAIXO RIO NEGRO-AM........................................... 147 6.1. Do (re)ordenamento das atividades socioeconômicas...................... 147 6.2. Dos efeitos do regime de tutela na (des)ocupação de áreas protegidas......................................................................................... 150 6.3. Da organização comunitária sob tutela............................................. 153 6.4. Dos chamados e dos escolhidos à integração seletiva: o Centro de Conservação e Sustentabilidade do Baixo Rio Negro................... 155 PARA CONCLUIR............................................................................................... 167 REFERÊNCIAS ................................................................................................. 177 LISTA DE SIGLAS............................................................................................... 182 LISTA DE FIGURAS............................................................................................ 184


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Apresentação

N

este livro realiza-se uma discussão acerca da dinâmica e do simbolismo inerente às relações de poder constituídas entre o Estado e os habitantes da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro, no âmbito dos processos que envolvem a gestão territorial e ambiental na região do Baixo Rio Negro, no Estado do Amazonas. Nesse processo, considera-se que as estratégias adotadas pela esfera federal e estadual do governo apresentam-se embasadas em orientações distintas, ora priorizando a preservação dos recursos sem permitir a participação dos seres humanos nas áreas destinadas a essa preservação, ora priorizando a conservação, considerando que tal processo se opera a partir da adoção de uma nova postura a ser assumida pelos seres humanos em relação à exploração dos recursos naturais. Essas orientações de gestão, aparentemente distintas, findam por almejar como meta a manutenção da floresta em pé, como slogan de um ideal de desenvolvimento que se apropria do componente ambiental mantendo em suas bases o ideal do crescimento econômico como ideia fundante, o que é proposto como análise tendo como referência a ideia de teatralização, formulada por Clifford Geertz. Alia-se à análise desses processos, como elemento que corrobora para a sustentação da tese da convergência entre as estratégias distintas adotadas para a gestão territorial e ambiental da região em análise, as representações de sujeitos que habitam a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro, que faz parte de um complexo de áreas protegidas denominado Mosaico do Baixo Rio Negro.


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Os sujeitos envolvidos nessa dinâmica do ordenamento territorial experimentam em seu cotidiano os reflexos dessas estratégias distintas ao passarem de exploradores ilegais de recursos naturais à situação de corresponsáveis pela gestão ambiental quando por intermédio de sua inserção num programa de Pagamento por Serviços Ambientais, assumem a denominação de guardiões da floresta.


Prefácio 13

PREFÁCIO

A

questão ambiental, ultrapassando os questionamentos quanto às condições do desenvovimento industrial e às formas predatórias de apropriação dos recursos naturais, veio a se constituir em arsenal de regras de normalização social. Desta forma, impôs aos pesquisadores que dela se ocupam olhares intercruzados e complexos exercícios de articulação de domínios relativamente consagrados de conhecimento, especialmente os reclamados por distinção disciplinar, isto é, reivindicados como específicos a universos econômicos, políticos e ideológicos. Gimima Beatriz Melo da Silva tem se dedicado a esse interdependente exercício, acumulando, no decorrer de sucessivos exercícios de pesquisa, reflexões inovadoras para compreender a temática que, nesse caso, ela vem construindo para compreensão de imbricado exercício de intervenção social, mormente estatal. A singularidade da posição metodológica por ela assumida pode ser imediatamente reconhecida pelo título do livro que tenho a honra de prefaciar: Guardiões da floresta, retóricas e formas de controle da gestão ambiental e territorial. Ao conjunto daquelas questões acima apontadas, ela integra os modos de construção de políticas e programas de normalização social para qualificar a inserção estatal na prática cotidiana de determinados segmentos. Essa inserção converte, por princípios de participação colocados em cena por agentes de instituições externas à situação objetiva sob intervenção, valores e práticas convergentes de territorialização em instrumentos delimitativos de áreas específicas de preservação ou de contraposição a formas agressivas de depredação. Em correspondência, os segmentos atingidos por tais decisões de complexa produção social, pressupostamente transformadora


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porque pautada na adesão a princípios e valores elaborados em campos políticos e ideológicos de amplo alcance (estaduais, nacionais e internacionais), são, para o bem e para o mal, considerados como guardiões da floresta. Dada a complexidade da constituição desse tecido social e de agregação de múltiplos universos de significação, a autora percorre a construção desses campos sociais para afinal entender a que preço os ribeirinhos são reconvertidos em guardiões da floresta; sob que base social se celebra o convencimento de que há convergência em torno dos laudatórios exercícios de preservação ambiental. Portanto, preservação só é possível se a referência fundamental colocar em questão a reprodução de segmentos tradicionalmente habitantes de áreas cujos modos de vida tornaram possíveis a seleção delas para integração ao projeto preservacionista. Aquelas associações e rearticulações de domínios e instituições sociais antes apontadas são por si sós indicativas de processos de mudanças incidentes sobre práticas e representações quanto ao que se concebe como natureza. Neste caso, o pressuposto da descontinuidade entre natureza e cultura é questionado pelos conflitos quanto ao uso dos recursos, porque orientados por sistemas de crenças específicos. Amplia-se então, pela construção dos campos de intervenção preservacionista, a concorrência pela interdependência de múltiplos agentes: desde os tradicionais apropriadores dos recursos naturais até os representantes de interesses inimagináveis, inclusive constitutivos de outras formas específicas de mercadorias. A autora intercruza, mediante perspectiva analítica processualista, a gestão territorial e ambiental, destacando ainda a contextual significação de pressupostos vetores que respondem a modos de constituição da instituição estatal em ambiente social de envergadura desejada totalizante, mas amparada em princípios de ordenação categorizados como neoliberais. Nesse aspecto a análise apresentada pela autora se enriquece pelo diálogo com reflexões de autores franceses que, destacando as especificidades significativas dos casos empíricos em que se fundamentam, sinalizam para certa generalização de pressupostos de intervenção normatizados segundo a atual forma assumida pelo Estado. Por tais princípios analíticos, a démarche da autora situa os ribei-


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rinhos no quadro institucional, jurídico e normativo dos programas públicos que deles fazem moradores tutelados para viverem em comunidades em Reserva de Desenvolvimento Sustentável, no caso por ela considerado, a do Rio Negro. Correlativamente, eles são enquadrados como populações tradicionais, categoria de mobilização em pressuposto acordo ao respeito à diversidade de direitos comunitários e modos de vida, aludindo assim para formas precedentes de pertencimento. Contudo, de fato, pelo vínculo com esse campo de ação, eles se tornam artesãos e cidadãos protegidos por programas sociais. A problemática adotada pela autora para a análise apresentada neste livro tem suscitado cumplicidade de diversos pesquisadores. Trata-se de mobilização louvável, uma vez que os objetivos da preservação dos recursos naturais subordinam aqueles dos moradores que, no decorrer de gerações, criaram formas específicas de negociação e reprodução conjunta, pelas quais nem sempre os limites, no contexto esgarçados pela contraposição homem e natureza, são assim pensados; ou, quando nada, pelo menos na absolutização com que os defensores da preservação tentam priorizar questões-problemas e soluções-fiscalizações. Lidando com populações que não haviam se constituído em beneficiários de recursos acumulados pela sociedade e objetivados como serviços públicos, o acesso a esses mesmos serviços se faz presente em correspondência a uma condição de exceção. Opera então como se a transferência dos serviços, que assim não ocorre para outros segmentos da população, só pudesse ser construída ao preço de reconversão de modos de vida. Diante da prestação de serviços médicos, escolares, alguma assistência técnica, agentes de instituições externas se veem dotados de direito e legitimidade para transformação de recomendações em punições, caso elas não sejam de fato cumpridas. Operando na transferência mínima de recursos financeiros, os ribeirinhos nessa situação elegem alguns de seus vizinhos e parentes para o exercício de fiscalização, introduzindo outras formas de conflitos não compatíveis com domínio de regras de parentesco e relações vicinais. Considero da maior importância a tomada de conhecimentos de todas essas contradições da prática de intervenção preservacionista porque, assumindo uma temporalidade longa para a pressu-


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posta reprodução dos recursos naturais e uma temporalidade curta para a dos homens em família, os recursos são transferidos levando em conta o tempo decorrido para reprodução de uma família nuclear e, assim, da reprodução de uma geração. A maioria das transferências sociais toma em consideração a presença de três grandes ciclos de vida familiar: os idosos ou aposentados, os casais ainda reprodutivos e os filhos ou crianças. Nessas especificidades de delimitação de faixa etária, os recursos que são transferidos deixam ao largo as faixas etárias correspondentes ao final da infância e início do ciclo reprodutivo biológico, quando socialmente se define o homem e a mulher em fase adulta e de constituição de recursos básicos para reinstalação de famílias. Por essa razão, na maioria das situações que reproduzem os referenciais dessas políticas preservacionistas, os efeitos se apresentam por intenso processo de migração dos geralmente considerados jovens. Conseguindo ou perseguindo outras formas de integração econômica, pela saída, os jovens, a médio prazo, revelam o quanto tais políticas preveem de fato o esvaziamento populacional dos espaços selecionados para controle preservacionista. Aos jovens muitas vezes tem restado, nem sempre em condições favoráveis ou possíveis, o emprego dependente dos fluxos e refluxos das demandas por serviços de turismo. Portanto, a laureação das políticas preservacionais, propiciadoras de prêmios e condecorações oficiais, também carrega intrinsecamente diferenciados objetivos e investimentos na construção de outros problemas sociais, decorrentes das pressões habitacionais nas sedes municipais. Por todas as qualidades que destaquei no texto, recomendo a leitura por estudiosos da temática, por mediadores da ação estatal e da gestão local e pelos brasileiros em geral, pelo menos os que se importam em acompanhar os grandes e recentes processos de mudanças pelos quais nós passamos neste início de século XXI e por todos os reclamados investimentos na preservação de nossos recursos naturais. Delma Pessanha Neves

Antropóloga, professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense


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Introdução

O objeto de estudo e o campo da pesquisa

O presente texto é dedicado à análise de processos sociais que

contribuem para convergência e divergência entre gestão territorial e ambiental no Estado do Amazonas, no período compreendido entre 2003 e 2010, tomando-se como referência para esta análise as comunidades que compõem o polo 1 dentre os três polos que abrigam as 19 comunidades existentes no interior da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro. Para a análise dessa realidade observada, a saber, Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Negro, localizada na região do Baixo Rio Negro1, e criada em 2008, a pesquisa foi centrada em quatro comunidades denominadas Tiririca, Santo Antonio, Marajá e Nova Esperança ou Igarapé-Açú que compõem o polo 1 da reserva e que é localizado totalmente no município de Novo Airão, distante cerca de 115km, em linha reta, de Manaus, capital do Estado do Amazonas. Este estudo referenciou-se em fontes constituídas no decorrer do trabalho de campo: as entrevistas com os vários agentes envolvidos com as ações de gestão ambiental e territorial no Amazonas, a saber: Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM); Centro Estadual de Unidades de Conservação (CEUC); Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA); e Fundação Amazonas Sustentável (FAS). Além dos contatos e convivências com moradores de 1 A região do Baixo Rio Negro está inserida no âmbito de um complexo de áreas de proteção denominado Mosaico do Baixo Rio Negro, que será abordado ao longo deste texto com maiores detalhes e, por sua vez, está inserido na área de abrangência do Projeto Corredores Ecológicos, desenvolvido pelo PPG7, desde o início dos anos 2000. (Disponível em http://www.isa.org.br)


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comunidades situadas na RDS do Rio Negro, de textos de estudiosos dessa temática, bem como do aparato de leis, projetos políticos e relatórios técnicos de instituições governamentais e não governamentais que definem o ordenamento territorial naquela região. Enfim, ações referenciadas por políticas públicas dirigidas a cenários sociais de grande complexidade e diversidade sociocultural na região amazônica. Para este fim, foram analisadas algumas ações efetivadas, em nível estadual e federal. De um lado, as políticas do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), que desde 2002 tem sido considerado instrumento primordial para o ordenamento territorial no Amazonas2. De outro, aquelas desenvolvidas pelo Plano Amazônia Sustentável (PAS) que desde 2003 tem embasado as ações públicas do governo federal para a Amazônia. Essas intenções políticas se intercruzam nas ações dos gestores governamentais federais e estaduais que buscam ajustar os planos, projetos e ações articulando-se com os poderes municipais e a iniciativa privada na condução dos objetivos do desenvolvimento regional pautados no paradigma da sustentabilidade3. Partindo da análise das experiências sociais dos sujeitos que compõem as comunidades do polo 1 da RDS do Rio Negro, buscou-se averiguar a correlação existente entre aspirações sociais das chamadas populações tradicionais e as metas preestabelecidas 2 SILVA, G.B.M. Estratégias de ordenamento territorial no Amazonas: impactos na qualidade de vida das populações tradicionais. Manaus, UFAM, 2003 (Dissertação de Mestrado) 3 Os conceitos de sustentabilidade e de desenvolvimento sustentável suscitam variadas interpretações e, ao longo deste texto sempre serão referenciados em itálico para simbolizar que não há unanimidade frente a esse entendimento. Entende-se que as abordagens desenvolvidas até este momento apresentam uma vasta gama de argumentação que, em resumo, centralizam o peso desse novo paradigma de desenvolvimento em três elementos. No biológico, quando referenciado pelas ciências da natureza. No econômico, quando referenciado pelas ciências econômicas; e no social, quando referenciado pelas ciências humanas. Neste sentido, limitar-se-á a adotar ao longo do texto a interpretação pela qual este novo modelo de desenvolvimento constitui “um novo paradigma que situe o ser humano como centro do processo de desenvolvimento e que deverá, necessariamente, considerar o crescimento econômico como um meio e não um fim, terá que proteger as oportunidades de vida das gerações atuais e futuras, e terá, finalmente, que respeitar a integridade dos sistemas naturais que possibilitam a existência de vida na Terra”. Guimarães, P. Roberto. Desenvolvimento Sustentável: da retórica à formulação de políticas públicas. In: Becker, Bertha e Miranda, Mariana (Orgs.) A Geografia Política do Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997, p.18.


Introdução 19

no plano de políticas públicas pelas distintas esferas de gestão ambiental e territorial. Foi considerado importante compreender o sentido da ação pública, materializada nos planos e projetos federais, coadunada com a gestão territorial e ambiental praticada pela esfera estadual no período investigado. O referencial teórico das Ciências Sociais, que pressupõe a análise e a compreensão do território enquanto objeto que perpassa por diversas leituras, sobretudo as que o definem como prática política, como assinalam Allain Faure e Emmanuel Négrier (2007), dão base à presente análise. Nesses termos, a unidade social de análise das interpretações apresentadas neste texto constitui-se do processo de criação da RDS do Rio Negro, no município de Novo Airão, no Estado do Amazonas, enquanto ação relacionada à estratégia de gestão territorial e ambiental caracterizada pela dinâmica e pela teatralização do poder político, como destaca Georges Balandier (1997)4, no período entre 2003 e 2010. Considera-se que na região em análise há diversos processos de territorialização em curso. Assim, este estudo referencia-se por contribuições teóricas de alguns estudiosos das ciências sociais brasileiras que refletem sobre a temática. Entre eles, destaca-se Alfredo Wagner de Almeida (2005) e Paul Eliot Little (2005). Evidencia-se, ainda, a importante contribuição da perspectiva dinamista de BALANDIER (1976 e 1997)5, para quem a existência de instituições políticas é condição da vida social. Também servem de referência para a análise da realidade aqui observada os estudos de Luis Fernando Santos (2002) e Henyo Barreto (1997) que desenvolveram pesquisas em nível de mestrado e doutorado, respectivamente, sobre o cenário construído naquela região acerca do exercício do poder na relação Estado e populações tradi4 A teatralização do poder político insere-se no âmbito da teatrocracia, que corresponderia a uma encenação na qual o poder se mostra com outra aparência, distinta da sua essência, fazendo com que o poder político esteja a efetivar-se por intermédio do acesso a novas fontes relativas à tecnologia, ao simbolismo e ao imaginário político, adequando-se ao contexto social ao qual pretenda se aplicar (BALANDIER, 1997). 5 A perspectiva dinamista em Georges Balandier (1997) corresponde à ideia de que as dinâmicas sociais são processos contínuos e ininterruptos, permitindo concluir que o termo “dinâmica” é apresentado como de alcance crítico, contrariando as análises estáticas. Assim, faz­-se necessário entender a sociedade como um processo histórico de produção contínua.


20 Introdução

cionais, que tem apresentado como elemento estratégico a criação de áreas de proteção ambiental para a gestão territorial e ambiental. É digno de registro que o trabalho etnográfico pauta-se em análises a partir de situações sociais em que as representações dos sujeitos sobre sua condição possuem relevância para a análise do observador. Com esse olhar e perspectiva procurou-se identificar as relações nas quais residem as relações de poder no âmbito das ações voltadas ao (re)ordenamento territorial, e que convertem-se, em última análise, num (re)ordenamento da vida social. Assim, sob a perspectiva dinamista ou processual, foram enfocados os agentes sociais promotores das ações políticas desenvolvidas nos programas de ordenamento territorial no Amazonas pelas diferentes esferas governamentais, bem como o alvo dessas ações, a saber, as comunidades que se localizam nas áreas de proteção ambiental, como a RDS do Rio Negro. Considerando que a territorialidade constitui-se em força latente em qualquer grupo, e que o território é produto histórico de processos sociais e políticos, privilegiou-se, nesta análise, agentes em situação social, enfatizando a compreensão de contextos em que tais situações ocorrem, ou seja, as comunidades estudadas foram analisadas a partir da configuração em que se encontravam suas relações com as esferas de poder político que operam a gestão do território em que habitam. Assim dito, considera-se ainda como aspecto fundamental no estudo da territorialidade humana, a multiplicidade de expressões com que ela se configura, levando à existência de uma diversidade de tipos de territórios, portanto, cada um com suas particularidades socioculturais. Paul Little (2001), ao utilizar o conceito de cosmografia para refletir sobre o conjunto de elementos inerentes às concepções de territórios, destaca os saberes ambientais, as concepções ideológicas e identitárias, coletivamente construídas e historicamente situadas, que um grupo social utiliza para estabelecer e manter suas diversas ações de pertencimento. Nessa perspectiva pode-se identificar com maior clareza as estratégias que os diversos grupos humanos utilizam para estabelecer e manter seu território. Entre essas, destaque-se o regime de pro-


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priedade, os vínculos afetivos que os agentes mantêm com seu território específico, a história da sua ocupação construída por memória coletiva, o uso social dos territórios e as suas formas de defesa. Os estudos sobre território necessitam ainda, segundo Francisco Ríos (2006), do conhecimento das imbricações existentes entre o local e o global, mesmo que os que já tenham sido realizados até a atualidade apresentem um maior enfoque nas transformações ocorridas num plano global e menor enfoque nas que ocorrem num plano local. Todavia, aspecto inerente, segundo o autor, pelo fato de que as mudanças sociais causadas pela globalização se refletem nas condições em que os grupos humanos se percebem vinculados a totalidades mais amplas; e ainda porque tais imbricações também referenciam o fazer antropológico, que investiga os modos de construção de territórios. Assim, compreender o território significaria para RÍOS (2006), contar com a possibilidade de situar-se na ação e no processo de construção de tais unidades de vinculação e de percepção identitária. Trata-se, nas palavras do autor, de um compromisso com a ação que se reclama hoje ao conhecimento antropológico construído para investigar os sentidos de configuração do território. Com base ainda nas perspectivas teóricas apontadas por Clifford Geertz (1980), referencia-se à ideia que o poder político não pode se constituir sem o poder simbólico, base fundamental para construção ou projeção dos grupos em universos sociais, inclusive da concepção das metas que definem meios e fins para se atingir o projetado sucesso. Desse modo, poder e simbolismo estão intimamente relacionados, tal como adverte BOURDIEU (1989), ressaltando inclusive o caráter mascarado que o poder político assume. Por isso, faz-se necessário compreender as imbricações com que tais relações de poder se constituem, objetivo que pretende-se alcançar a partir da pesquisa ora apresentada e realizada nas comunidades da RDS do Rio Negro que tem sido alvo de programas de desenvolvimento sustentável que se coadunam à política de gestão territorial e à política ambiental implantada pelas esferas de poder estadual e federal no Amazonas, no período aqui analisado.


22 Introdução

As condições sociais da pesquisa A pesquisa de campo se configurou em estratégia extremamente relevante para a construção do presente texto, voltado ao estudo de cenários da convergência entre gestão ambiental e territorial na microrregião do Baixo Rio Negro. Essa região constitui-se em locus de diversos investimentos acadêmicos de pesquisa que enfocaram o processo de criação do Parque Nacional de Anavilhanas e do Parque Nacional do Jaú, bem como as ações de intervenção que promoveram mudanças significativas no cotidiano dos habitantes daquela região. Entre eles, cita-se os realizados por BARRETO (1997) e SANTOS (2002), cujas ideias serviram de parâmetro para as reflexões propostas acerca do processo de “ambientalização” nessa região. Nos termos referenciados por José Sérgio Leite (2006), a “ambientalização” refere-se ao processo pelo qual a questão ambiental vai se interiorizando de diferentes modos nas pessoas, grupos sociais e instituições, promovendo arranjos institucionais que contemplem a questão ambiental enquanto uma questão pública a ser associada à questão social, política e econômica. No âmbito do processo de ambientalização foram realizadas entrevistas entrevistas com moradores de quatro comunidades que compõem o Polo 1 da RDS do Rio Negro, a saber: Tiririca, Santo Antonio, Marajá e Nova Esperança. Estas são quatro das 19 existentes na RDS, e estão distribuídas em três polos ao longo de três municípios, a saber Iranduba, Manacapuru e Novo Airão. As comunidades elencadas para a pesquisa e acima citadas, estão localizadas em sua totalidade dentro dos limites do município de Novo Airão, conforme recorte de imagem a seguir fornecida pela Fundação Amazonas Sustentável (FAS).


Introdução 23

Figura 01: Recorte da área de estudo da RDS do Rio Negro

Recorte da área de estudo: (latitude 2° 15 min a 3° S / longitude 61° 30 min a 60° W) RDS do Rio Negro, 2010. Fonte: FAS

A região do chamado Baixo Rio Negro é composta em sua quase totalidade por Unidades de Conservação, seja de proteção integral ou parcial, e pela presença de instâncias disciplinadoras desse uso, no nível federal, como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (IBAMA) e Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). E em nível estadual, do Centro Estadual de Unidades de Conservação (CEUC), autarquia ligada à Secretaria


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