D. Estêvão Bettencourt, O.S.B.
História da Igreja Mater Ecclesiae
Copyright © Escola Mater Ecclesiae da Arquidiocese do Rio de Janeiro, 2012 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da Escola Mater Ecclesiae, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados. 1ª Edição - 3ª Impressão, 2017 - Tiragem, 1.000 exemplares
Editor João Baptista Pinto
Capa Carolina Alves
Editoração Luiz Guimarães
Revisão Pe. Vitor Gino Finelon
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
B463c Bettencourt, Estevão, 1919-2008 História da Igreja Mater Ecclesiae / Estevão Bettencourt. - Rio de Janeiro: Letra Capital, 2012. 496p. : 15,5x23 cm Apêndice Inclui bibliografia e índice ISBN 978-85-7785-153-9 1. Igreja Católica - História. I. Título. 12-2845. CDD: 282.09 CDU: 282 02.05.12 11.05.12
Escola Mater Ecclesiae Edifício João Paulo II Rua Benjamin Constant, 23 - sala 311 - Glória CEP 20241-150 – Rio de Janeiro - RJ Tel.: (21) 2242-4552 materecclesiae@materecclesiae.com.br
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Apresentação “Muitos empreenderam compor uma história dos acontecimentos que se realizaram entre nós. Também a mim me pareceu bem, depois de haver diligentemente investigado tudo desde o princípio, escrevê-los para ti segundo a ordem, excelentíssimo Teófilo, para que conheças a solidez daqueles ensinamentos que tens recebido”. (Lc 1,1.3-4)
Caro leitor, Com muita alegria, a Escola Mater Ecclesiae apresenta o livro História da Igreja. Ele pretende ser um instrumento para professores, catequistas, agentes de pastoral e todos os fiéis de nossa Igreja Católica para a formação permanente e o contato com os pontos essências da nossa história. Esperamos estar contribuindo com a nossa missão de levar a todos a crescerem a estatura de Cristo (cf. Ef 4,13). Este material de estudo tem como origem o trabalho de um dos maiores teólogos brasileiros Dom Estevão Tavares Bettencourt, O.S.B. Ele deixou à Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro as apostilas da Escola Mater Ecclesiae. Em homenagem ao exemplo de dedicação deixado por este monge, no tocante a formação do Povo de Deus, a Escola está num esforço de fazer com que este rico patrimônio alcance outras pessoas. Por isso, as apostilas estão, aos poucos, se transformando em Livros. A primeira apostila, a entrar neste processo, se transformou no livro Curso Bíblico. Agora é a vez deste que o leitor tem nas mãos! O presente livro História da Igreja é uma reprodução na íntegra da apostila de História da Igreja. Pequenas modificações foram feitas para deixar a leitura mais didática e o conteúdo mais adaptado para o leitor de hoje. Assim, a estrutura do livro apresenta História da Igreja 3
cinco etapas e um apêndice. O leitor percorre nas quatro primeiras etapas os acontecimentos da Igreja Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea. A última etapa possui estudos relacionados com a História da Igreja no Brasil. O apêndice oferece, em linhas gerais, a História dos 21 Concílios Ecumênicos. Oferecemos, além das referências bibliográficas citadas por nosso autor, um conjunto mais extenso para facilitar ulteriores consultas ou pesquisas. Esperamos, assim, incentivar a todos a estudar como mais afinco estes capítulos que seguem. Confiamos ao Bondoso Deus esta obra que Ele mesmo suscitou no coração de D. Estevão, Pe. Vitor Gino Finelon Vice-diretor da Escola Mater Ecclesiae e Luz e Vida
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Introdução Meu caro cursista, você está recebendo o curso de História da Igreja da Escola Mater Ecclesiae. Antes de iniciar seus estudos, será oportuno que reflitamos juntos sobre o conteúdo e o significado desse Curso. 1. A história da Igreja não pode ser equiparada à de outra sociedade. Com efeito; sabemos que a Igreja não é apenas a soma de seus membros, mas é o Corpo de Cristo prolongado através dos séculos (1Cor 12,12-21; Cl 1,24); é a continuação do mistério da Encarnação, pelo qual Deus quis revelar-se e também ocultar-se mediante nossa fragilidade, a fim de comunicar sua santidade aos homens. Consequentemente na história da Igreja vamos encontrar façanhas de enorme brilho (como a evangelização dos bárbaros, a preservação e a transmissão da cultura antiga, os gestos dos mártires, dos missionários, dos heróis da fé) como também nos defrontamos com momentos difíceis, como foram os séculos X e XVI. A sucessão ou a simultaneidade de luz e sombras não surpreende o estudioso cristão; para este, aliás, e também para o não cristão, o fato de que a Igreja até hoje subsiste cheia de vitalidade apesar do contratestemunho de muitos filhos seus, é o sinal mais evidente de que Deus, e não os homens, sustenta a Igreja. Os bons mestres, à revelia dos inovadores, sempre fizeram questão de dizer que a Igreja não consta apenas de santos, mas que nela existirão até o fim dos tempos justos e pecadores, como o próprio Senhor predisse na parábola do joio e do trigo (cf. Mt 13,24-30.36-43). Fato interessante: nos períodos mais dolorosos da sua história, a Igreja encontrou o vigor da renovação em seu próprio bojo, ou seja, na santidade dos seus membros que se dedicaram à oração e à pureza da vida; foram os santos que, suscitados oportunamente por Deus, restauraram o fulgor da Santa Mãe Igreja. 2. Caro cursista, você percorrerá vinte séculos de história, consciente de que cada época tem seu tipo de cultura e civilização História da Igreja 5
próprio. Estes tipos próprios condicionaram frequentemente a compreensão das verdades do Evangelho; os antepassados fizeram, de boa fé e com zelo cândido, coisas que hoje não seriam repetidas (a Inquisição, as Cruzadas, a escravatura...). Ora não podemos julgar as gerações passadas com os critérios de hoje, mas temos que nos recolocar no ambiente dos antigos para compreender os fatos como eles os compreenderam ou dentro das coordenadas que a sua época lhes oferecia. Não silenciaremos em nosso estudo os feitos escabrosos de homens da Igreja, mas nem por isto condenaremos globalmente todos esses cristãos, como se eles tivessem o desabrochamento cultural de nossos dias. Diz sabiamente um historiador contemporâneo: “Se quisermos compreender a história, sentir as atitudes dos nossos maiores, muitas delas para o homem de hoje chocantes e paradoxais, procuremos estudar a mentalidade de cada época, o sentido social do tempo, os critérios em que se estribava a legislação vigente... Assim poderemos melhor entender certos episódios históricos, tais como a chamada intolerância religiosa, a Inquisição, a distinção entre cristão-novo e cristão-velho, o fato da escravatura... Aduzimos tais exemplos não para levantar loas aos aspectos menos evangélicos dessas instituições político-religiosas, mas para descobrir menos má vontade ou ignorância nos homens do tempo. Aliás, nós homens do findar do século XX somos, com frequência, assaz ingênuos e incoerentes. Condenamos episódios passados que nos parecem monstruosos e calamos fenômenos históricos em edições contemporâneas ainda mais volumosas e cruéis, porque apresentados sob o disfarce de intenções aparentemente legítimas ou em nome de leis sociais que parecem válidas e aceitáveis” (Arlindo Rupert, A Igreja no Brasil, vol. I, Santa Maria 1981, p. 17). 3. O estudo da história da Igreja deve decorrer do amor à Igreja e levar a um aumento desse amor. Diz a sabedoria popular: “Ninguém ama o que não conhece”; por isto também mais amará a Igreja aquele cristão que sabiamente a estudar em sua história bimilenar. Não se pode menosprezar o passado, pois é nele que estão as raízes do presente e do futuro; a história vem a ser uma escola que nos ensina a viver melhor hoje e a preparar o porvir 6 História da Igreja
da humanidade. Todo edifício deve ter sua base para se equilibrar; toda renovação supõe o conhecimento daquilo que a precedeu: “ O verdadeiro progresso jamais condena as suas fases anteriores; passa de um bem para outro melhor, sem, porém, considerar um mal aquilo que antigamente era um bem” (L.M. Carli, A Igreja viva. São Paulo 1971, p. 125). Aliás, a história dilata os horizontes, abre panoramas novos. Em particular, o estudo da história da Igreja exige conhecimentos de geografia e de história gerais, sem os quais o estudioso se sentiria desorientado. 4. Como dividiremos a História da Igreja? A história universal foi dividida pelos renascentistas dos séculos XV/XVI em Antiga, Medieval e Moderna. Os historiadores da Igreja, a partir do século passado, adotaram esta distribuição, que continua em voga até hoje, com o acréscimo de mais um período: o Contemporâneo. As razões para assim dividir a História da Igreja são válidas: 1) a mudança de cenário e de cultura acarretada pela invasão dos povos germânicos na Europa dos séculos V/VII foi pondo termo à Idade Antiga; convencionalmente dizemos que em 692, data do Concílio regional de Trulos II, começa a Idade Média; 2) o renascimento das ideias e da cultura greco-romanas no século XV, bem como a Reforma Protestante e a descoberta de novos continentes, dão origem a nova fase da história – a Idade Moderna, que convencionalmente começa em 1450; 3) o Tratado do Latrão entre a Santa Sé e o Governo italiano assim como os rápidos progressos das ciências e da técnica no século XX obrigam a assinalar o início de nova Idade – a Contemporânea – em 1929. Por conseguinte, temos: I. História da Igreja Antiga: até o ano de 692. Distinguimos neste período duas sub-fases: até o ano de 313 e 313-692. Até 313, a Igreja foi duramente perseguida: o Edito de Milão, concedendo a paz aos cristãos, permitiu a evangelização mais sistemática das instituições e também dos povos bárbaros invasores; estes imprimiram suas características próprias à vida cristã. História da Igreja 7
II. História da Igreja Medieval: 692-1450. Nesta distinguimos três sub-fases: a) 692-1054: Idade Média Ascendente. Este período é de reconstrução após as invasões. O poder civil pratica a investidura leiga, nomeando os bispos – o que prejudica seriamente a disciplina da Igreja. Esta, porém, vai-se implantando no plano da doutrina e da cultura, o que forma a sociedade medieval; b) 1054-1294: Alta Idade Média. Estes são os séculos em que a Igreja mais se projeta tanto no foro religioso como no civil; atinge o auge com o pontificado de Inocêncio III (1198-1215); e, c) 1294-1450: Baixa Idade Média. A Igreja vai perdendo influência no foro civil, ao mesmo tempo que se dá o empobrecimento da teologia e da piedade. III. História da Igreja Moderna: 1450-1929. Esta época se subdivide em duas sub-fases: a) 1450-1789 (Revolução Francesa): novas ideias racionalistas vão-se difundindo, o que obriga a Igreja a novas respostas; o século XVII é dito “ o século dos Santos”; e, b) 1789-1929: o racionalismo e o materialismo se fazem sentir com toda a pujança, enquanto a fé se propaga nos territórios de missão. IV. História da Igreja Contemporânea: a partir de 1929. Desafiada por novas situações e correntes de pensamento, a Igreja tira da sua vitalidade novas expressões de fé; tenhamos em vista o renascimento bíblico-litúrgico-eclesiológico. Eis, prezado cursista, o que temos a dizer-lhe ao entregar-lhe este curso. Queira estudá-lo com vagar e com amor ao Verbo que se encarnou em Maria Virgem para viver no Corpo Místico da Igreja através dos séculos! Estêvão Bettencourt O.S.B.
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Índice Geral Breve Léxico....................................................................................... 16 1ª ETAPA: História da Igreja Antiga (até 692) Capítulo 1: A Igreja Nasce...................................................... 21 Capítulo 2: Os Apóstolos e a Propagação da Igreja.............. 29 Capítulo 3: Os Primeiros Escritores Cristãos........................ 37 Capítulo 4: As Perseguições................................................... 45 Capítulo 5: Igreja e Império no Século IV............................ 53 Capítulo 6: Igreja e Império nos Séculos IV/V.................... 61 Capítulo 7: A Igreja e os Povos Bárbaros.............................. 69 Capítulo 8: As Heresias Trinitárias........................................ 77 Capítulo 9: As Heresias Cristológicas (I)............................... 85 Capítulo 10: As Heresias Cristológicas (II).............................. 93 Capítulo 11: Orígenes e Reencarnação................................. 101 Capítulo 12: O Rebatismo e o Donatismo............................. 109 Capítulo 13: As Controvérsias Sobre a Graça....................... 117 Capítulo 14: O Monaquismo................................................. 125 Capítulo 15: O Islamismo e a Igreja...................................... 133 2ª ETAPA: História da Igreja Medieval (692-1450) Capítulo 16: Introdução à Idade Média................................. 143 Capítulo 17: A Controvérsia das Imagens............................. 151 Capítulo 18: A Fundação do Estado Pontifício..................... 159 Capítulo 19: Papado e Império de 891 a 1003...................... 167 Capítulo 20: A Dita “Papisa Joana”........................................ 175 Capítulo 21: O Cisma Grego.................................................. 183 Capítulo 22: O Século XI, Gregório VIL............................... 191 Capítulo 23: Inocêncio III. O Apogeu do Poder Temporal............................................................ 199 História da Igreja 9
Capítulo 24: O Papa Bonifácio VIII....................................... 207 Capítulo 25: Clemente V. Avinhão e Viena........................... 215 Capítulo 26: O Papado e Luís IV........................................... 223 Capítulo 27: Fim do Exílio de Avinhão. O Cisma................. 231 Capítulo 28: Os Concílios de Constança, Basileia e Ferrara-Florença ............................................... 239 Capítulo 29: Os Movimentos em Prol da Pobreza................ 247 Capítulo 30: As Cruzadas (I).................................................. 255 Capítulo 31: As Cruzadas (II)................................................. 263 Capítulo 32: A Inquisição (I).................................................. 273 Capítulo 33: A Inquisição (II)................................................. 281 Capítulo 34: Santa Joana D’arc............................................... 289 Capítulo 35: Wiclef e Hus....................................................... 297 3ª ETAPA: História da Igreja Moderna (1450-1929) Capítulo 36: Visão Geral da Idade Moderna. O Renascimento................................................ 307 Capítulo 37: Papas do Renascimento..................................... 315 Capítulo 38: A Reforma Protestante (I)................................. 323 Capítulo 39: A Reforma Protestante (II)................................ 331 Capítulo 40: O Cisma Anglicano........................................... 339 Capítulo 41: O Concílio de Trento......................................... 347 Capítulo 42: A Inquisição Espanhola..................................... 355 Capítulo 43: O Processo de Galileu....................................... 363 Capítulo 44: Baianismo e Jansenismo.................................... 371 Capítulo 45: Galicanismo e Febronianismo.......................... 379 Capítulo 46: A Supressão da Companhia de Jesus. A Revolução Francesa....................................... 387 Capítulo 47: Pio VII e Napoleão Bonaparte.......................... 395 Capítulo 48: Pio IX. A Queda do Estado Pontifício.............. 403 Capítulo 49: O Concílio do Vaticano I................................... 411 Capítulo 50: De Leão XIII A Pio XI....................................... 419
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4ª ETAPA: História da Igreja Contemporânea (após 1929) Capítulo 51: De Pio XII ao Vaticano II.................................. 431 5ª ETAPA: História da Igreja no Brasil Capítulo 52: A Igreja e as Missões......................................... 441 Capítulo 53: A Igreja e a Escravidão...................................... 449 Capítulo 54: Pombal, os Jesuitas e a Inquisição.................... 457 Capítulo 55: A Questão Religiosa.......................................... 465 APÊNDICE Capítulo 56: Os 21 Concílios Ecumênicos (I)....................... 473 Capítulo 57: Os 21 Concílios Ecumênicos (II)...................... 483
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Bibliografia ALBERIGO, G. (Org.). História dos Concílios Ecumênicos. São Paulo, Paulus, 1997. ALTANER, B. & STUIBER, A. Patrologia. Vida, Obras e Doutrina dos Padres da Igreja. São Paulo, Paulus, 2004. BENTO XVI. Os doze apóstolos e os primeiros discípulos de Jesus. São Paulo, Paulus, 2008. BENTO XVI. Paulo – Os seus colaboradores e suas comunidades. São Paulo, Paulus, 2009. BIHLMEYER-TÜCHLE. Historia da Igreja. São Paulo, Paulinas, 1964. COLOMBÁS, Don García M. San Benito. Su vida y su regla. Madrid, B.A.C., 1968. ________. El monacato primitivo. Madrid, B.A.C., 1998. DANIEL-ROPS. A Igreja dos Apóstolos e dos Mártires. São Paulo, Quadrante, 1988. ________.A Igreja dos Tempos Bárbaros. São Paulo, Quadrante, 1991. ________.A Igreja das Catedrais e das Cruzadas. São Paulo, Quadrante, 1993. ________.A Igreja da Renascença e da Reforma I. São Paulo, Quadrante, 1996. ________.A Igreja da Renascença e da Reforma II. São Paulo, Quadrante, 1999. ________.A Igreja dos Tempos Clássicos I. São Paulo, Quadrante, 2000. ________.A Igreja dos Tempos Clássicos II. São Paulo, Quadrante, 2001. ________.A Igreja das Revoluções I. São Paulo, Quadrante, 2003. ________. A Igreja das Revoluções II. São Paulo, Quadrante, 2004. DEDIEU, J. P. A Inquisição. Porto, Perpétuo Socorro, 1993. DOCUMENTOS DO Concílio Vaticano II. Constituições, Decretos e Declarações. Petrópolis, Vozes, 1966. DROBNER, R. H.. Manual de Patrologia. Petrópolis, Vozes, 2003. FLICHE-MARTIN. Histoire de L’Église. Paris, [s.n.], 1948.
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Breve Léxico Arquidiácono: O diaconato é o primeiro grau do sacramento da Ordem; é o primeiro serviço ao altar e ao próximo que os clérigos assumem, participando, a seu modo, do sacerdócio de Cristo. Arquidiácono era, a partir do século VI, o chefe dos diáconos, encarregado de funções importantes: administrar os bens da diocese, formar os jovens clérigos, cuidar da disciplina da Igreja, às vezes governar a diocese na ausência do bispo. O arquidiácono chegou a ser um Vigário Geral do Bispo (séc. VIII-IX). Aos poucos a palavra ficou sendo um título honorífico, que hoje é muito raro. Arquimandrita: Título que designa o Superior de um mosteiro ou de um conjunto de mosteiros no Oriente. Pode ser também título honorífico concedido a sacerdotes não casados no Oriente. Cardeal: Esta palavra vem do latim cardo, gonzo, o que já exprime função importante. Designava os clérigos que serviam estavelmente a uma igreja. A partir do século V, ficou sendo o título dos sacerdotes e diáconos de Roma; desde o século VIII, o colégio dos Cardeais compreendia também os bispos suburbicários de Roma. Atualmente são os conselheiros e eleitores do Papa; cada qual é titular de uma Igreja de Roma ou dos seus subúrbios, mas pode viver fora da Cidade Eterna, administrando outra diocese. Cisma: Ruptura da unidade da Igreja por recusa de obediência ao Papa; às vezes é encabeçada por um chefe dito antipapa e corre o perigo de se mesclar de heresia. Comenda: Benefício (bispado, abadia, igreja...) outrora concedido a um eclesiástico ou a um leigo. Este titular podia não ter a obrigação de administrar nem residir no seu benefício; entregava as funções administrativas a um gerente seu. Concílio: Reunião de bispos de uma região (Concílio regional) ou da Igreja inteira (Concílio geral ou ecumênico). Foram 21 os 14 História da Igreja
Concílios Ecumênicos da história. Ecumênico, no caso, significa simplesmente universal; nada tem que ver com o diálogo entre católicos e cristãos não católicos. Todo Concílio Ecumênico, se não é convocado pelo Papa, tem que receber do Papa a sua legitimidade e os seus decretos precisam de aprovação do Papa para ter validade jurídica. Conclave (= com chave): Reunião dos Cardeais eleitores do Papa. Tomou tal nome porque a partir do século XIII os Cardeais eram trancados a chave na mesma residência com diminuição gradual de alimentos à medida que demorassem para eleger o novo Pontífice. O Concílio de Lião (1274) prescreveu tal procedimento, que, aliás, nem sempre foi observado. Ecumênico: (do grego oikouméne = terra habitada). Significa originalmente “universal”. No século XX ecumenismo vem a ser o movimento que tende a reconstituir a unidade violada entre os cristãos. O diálogo que ocorre entre os católicos e não cristãos, é chamados Diálogo Inter-Religioso e, não deve ser chamado ecumenismo. Excomunhão: A mais grave das penas eclesiásticas; deve ter sempre sentido medicinal ou favorecer a conversão do delinquente. Implica a exclusão não só dos sacramentos e de qualquer ministério da Igreja, mas também a das demais graças de que usufruem os membros da Igreja por estarem inseridos na comunhão dos méritos de Cristo (comunhão dos santos). Ver Direito Canônico, Cânon 1331. Heresia: Negação consciente e voluntária de uma verdade proposta pela Igreja como pertencente ao patrimônio da fé. Interdito: Uma pena eclesiástica que priva os cristãos, direta ou indiretamente, de benefícios espirituais, todavia sem os privar da comunhão com a Igreja. Na Idade Média ocorria principalmente o interdito local; este implicava que não se celebrassem a Missa, os sacramentos, a sepultura eclesiástica ou algum ato litúrgico no território afetado pela censura. Esta penalidade hoje não existe mais. Persiste, porém, o interdito pessoal, que proíbe determinado cristão de receber História da Igreja 15
os sacramentos ou de celebrar a Missa ou algum ato de culto divino. Trata-se de uma excomunhão mais branda. Ver Direito Canônico, Cânon 1332. Mitra e báculo: As insígnias do bispo, do abade ou de quem tenha especial autorização para as usar. A mitra é o sucedâneo de frigium ou do barrete que as autoridades utilizavam antigamente; assemelha-se a um chapéu em forma de capacete. A partir do século XIV, os Papas traziam o triregnum ou a tiara, mitra ornamentada de três coroas, que na época de Paulo VI (1963-1978) foi abolida. O báculo é o cajado do pastor, próprio dos bispos, abades e abadessas, que hoje em dia tem forma estilizadas, podendo lembrar a Cruz do Senhor. Padre da Igreja: Já na antiguidade o mestre era chamado pai por seu discípulo, pois a transmissão da verdade era tida como transmissão da vida. Os bispos, por terem a missão de ensinar, eram também chamados pais (cf. 1Cor 4,15). No sentido estrito, Padres da Igreja são os escritores (não necessariamente presbíteros ou bispos) que nos primeiros séculos contribuiram para a exata elaboração e a precisa formulação das verdades da fé em tempos de debates teológicos com escolas heréticas. Devem atender a quatro notas características: 1) ortodoxia (comunhão de doutrina com a Igreja); 2) santidade de vida; 3) aprovação da Igreja (deduzida das declarações do Magistério); 4) antiguidade (até São Gregório Magno, † 604, no Ocidente; até São João Damasceno, † 749, no Oriente). A tradição reconhece quatro grandes padres ocidentais e quatro grandes orientais: Santo Ambrósio († 397), Santo Agostinho († 430), São Jerônimo († 421), São Gregório Magno († 604), no Ocidente; São Basílio († 379), São Gregório de Nazianzo († 390), Santo Atanásio († 373) e São João Crisóstomo († 407), no Oriente. Papa: O nome vem do grego pappas, pai. Era o título de todos os bispos da antiga Igreja, visto que todos exerciam uma paternidade espiritual. No século VI começou a ser reservado ao Bispo de Roma, sucessor de São Pedro e detentor do primado de magistério e jurisdição na Igreja inteira.
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Patriarca: Na constituição da Igreja, é o Bispo das cinco principais sedes da antiguidade: Jerusalém, Antioquia, Alexandria, Roma e Bizâncio (Constantinopla). O título foi concedido tardiamente a outros poucos Bispos por deferência às suas sedes (assim Lisboa em Portugal, Goa na Índia). Prelado: Do latim praelatus, colocado à frente. É o clérigo (diocesano ou religioso) que exerce jurisdição ordinária no foro externo. Sínodo: Concílio ou assembleia de Bispos chamados a estudar determinadas questões de fé ou de disciplina. Pode ser regional ou universal. Suspensão: Pena medicinal pela qual um clérigo é proibido, em parte ou por completo, de exercer as Ordens sacras ou a jurisdição eclesiástica.
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1ª ETAPA:
História da Igreja Antiga (até 692)
Capítulo 1:
A Igreja Nasce
CAPÍTUlo 1: A Igreja Nasce 21
Lição 1 O ambiente Diz São Paulo que Cristo nasceu “na plenitude dos tempos” (Gl 4,4; Ef 1,10). Isto significa que a humanidade foi preparada pelo Senhor Deus para receber o Salvador. A fim de esboçar os termos dessa preparação, distinguiremos o mundo greco-romano e o mundo judeu.
1. 1. O mundo greco-romano O Império Romano, que se estendia desde a Síria até a Espanha e do rio Nilo ao rio Danúbio, criou uma vasta organização política. Nesta desapareceram as barreiras que dividiam povos outrora inimigos entre si; a mesma língua grega, o mesmo sistema jurídico e administrativo suscitavam certa unidade nas condições de vida desses povos. O comércio intenso por mar e por terra tornava possível o intercâmbio de bens materiais e de ideias. O Imperador Otávio Augusto (30 a.C. – 14 d.C.), pode-se dizer, instaurou a paz (Pax Romana) e a normalidade dentro das suas fronteiras. Tais características, por certo, haveriam de facilitar a propagação do Evangelho: os Apóstolos e discípulos de Cristo se beneficiaram grandemente das estradas, dos meios de comunicação e da cultura do Império para difundir a Boa-Nova; São Paulo recorreu, mais de uma vez, aos seus direitos de cidadão romano no exercício de sua missão apostólica (ver At 16,35-39; 22,25-29; 25,10-12). Em consequência, podia o cristão Orígenes de Alexandria escrever por volta de 248: “Deus preparou os povos e fez que o Império Romano dominasse o mundo inteiro... porque a existência de muitos reinos teria sido um obstáculo à propagação da doutrina de Deus sobre a terra” (Contra Celso II 30). Todavia no plano da Filosofia e da Moral, registrava-se decadência. O pensamento grego chegou ao seu auge com Platão (428-348 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.). Depois foi declinando até o ceticismo de Pirro, o cinismo de Diógenes e o ecleticismo. A razão deste declínio foi a frustração que a Filosofia acarretou para os seus cultores: Platão e Aristóteles conceberam um deus que era “amado” 22 1ª ETAPA: História da Igreja Antiga (até 692)
pelos homens, mas não retribuía o amor precisamente por ser Deus ou ser perfeito; após Aristóteles, a confiança do homem na razão para descobrir as respostas aos seus anseios foi-se esvaindo. Substituindo o intelectualismo, a partir do século I a.C., apareceram as chamadas “religiões de mistérios”, que apelavam não para o raciocínio, mas para a pureza de coração e a mística como vias de encontro com a Divindade; não o acume intelectual do homem provocaria a descoberta da Divindade, mas esta é que se revelaria a quem se lhe abrisse mediante um processo de iniciação ascética e ritual; essas religiões falavam de culpa, expiação, renascimento, imortalidade, vida feliz no além-túmulo...; seus sacerdotes praticavam a direção espiritual e a instrução dos devotos para que chegassem à salvação. Sem dúvida, as religiões de mistérios suscitavam nos seus devotos uma atitude muito propícia para receber o Messias Jesus e sua graça; excitavam no homem a consciência (aliás, já despertada pela própria experiência dos séculos anteriores) de que a criatura não pode, por si só, chegar até Deus, mas precisa de que Este lhe venha ao encontro gratuitamente. Esta noção é básica na mensagem do Evangelho. Deve-se reconhecer também que a própria Filosofia grega, embora nas suas linhas gerais não tenha podido satisfazer às aspirações fundamentais do homem, forneceu todavia aos pensadores cristãos um valioso instrumental para ilustrar as verdades da fé cristã; o platonismo com sua sede do Transcendental e Invisível foi muito valorizado pela tradição teológica grega e latina até a Idade Média ou até São Boaventura († 1274); o aristotelismo, que nos primeiros séculos pareceu racionalista a muitos mestres cristãos, foi na Idade Média assumido por Santo Tomás de Aquino († 1274), entrando assim na Escolástica medieval e moderna; o estoicismo, representado principalmente por Sêneca († 65 d.C.), Epicteto († 138 d.C.) e o Imperador Marco Aurélio († 180 d.C.), influiu na formulação da Ética cristã; esta encontrava ecos antecipados em certos princípios ascéticos do estoicismo, na aceitação da lei natural, no reconhecimento de que todos os homens são iguais e devem ser solidários entre si; a proximidade de normas do estoicismo e do Cristianismo deu ocasião a que um cristão anônimo escrevesse em latim uma correspondência epistolar apócrifa entre Sêneca e São Paulo (há oito cartas atribuídas a Sêneca, pretensamente convertido ao Cristianismo, e seis cartas ditas do Apóstolo, que abordam a CAPÍTUlo 1: A Igreja Nasce 23
“conversão” de Sêneca e a missão deste filósofo como pregador do Evangelho na corte imperial). Em suma, alguns autores cristãos dos séculos II e III quiseram ver na cultura grega a preparação do Evangelho; assim, por exemplo, Clemente de Alexandria († 214) chamava a filosofia “um dom que Deus concedeu aos gregos” (Stromata I 2,20); dizia outrossim: “A filosofia educou o mundo grego como a Lei de Moisés educou os hebreus (Gl 3,24), orientando-os para Cristo” (Stromata I 5,28).
1. 2. O mundo judaico Entre os demais povos da terra nos tempos anteriores a Cristo, distinguia-se o povo judaico por seu monoteísmo ou pelo culto estrito de um só Deus. Os estudiosos têm procurado explicar o surto e a persistência do monoteísmo no povo de Israel desde Abraão (século XIX a.C.); não encontram elucidação sociológica ou psicológica para tal fenômeno, pois Israel era um povo militar e culturalmente inferior aos seus vizinhos politeístas; tendia a adotar os deuses e os costumes dos pagãos...; não obstante, à revelia de todas as influências politeístas, Israel professou constantemente o monoteísmo, suplantando assim, no plano da religião, os grandes reinos e impérios que o cercavam. Este fato só se entende se Deus quis intervir na história, suscitando e conservando Ele mesmo o monoteísmo em Israel (como, aliás, professa a Bíblia). Desta maneira a história de Israel é um portento, que a Providência Divina quis realizar a fim de preparar a vinda do Messias ou do Senhor Jesus. Este é o Prometido a Israel desde os tempos de Abraão. Nos séculos anteriores próximos a Cristo, o povo israelita se achava em fase de declínio. Após o apogeu de sua história sob Salomão († 932 a.C.), as tribos de Israel conheceram duas deportações (721 e 587 a.C.); após esta última, viveram sempre sob domínio estrangeiro. Nos tempos de Cristo estavam sob os romanos desde Pompeu e a tomada de Jerusalém em 63 a.C. A esperança de Israel se voltava para o Messias prometido como Filho de Davi; todavia o ideal messiânico era assaz desvirtuado pelo nacionalismo de Israel, que concebia um messianismo fortemente político, apto 24 1ª ETAPA: História da Igreja Antiga (até 692)
a restaurar a potência e a grandeza temporal do povo de Deus (ver Lc 24,21; At 1,6). A facção dos Fariseus predominava no país e inspirava ao povo uma observância escrupulosa da lei de Moisés e das respectivas tradições, ao mesmo tempo que incutia forte espírito nacionalista; os fariseus “separavam-se” (tal é o sentido do nome perushim) de tudo o que fosse estrangeiro ou impuro. Ao lado dos fariseus, havia os Saduceus, grupo de elite, que se voltava para a cultura grega, seguindo orientação racionalista (negavam a ressurreição dos mortos e a existência dos anjos, At 23,7s). Fora das cidades encontravamse em colônias isoladas no deserto (principalmente à margem ocidental do Mar Morto) os Essênios, que esperavam a vinda do Messias para breve, observando celibato e renúncia à propriedade particular; é possível que São João Batista e alguns dos discípulos de Jesus tenham tido contato com os Essênios em Qumram (Noroeste do Mar Morto). O nacionalismo judaico chegava ao extremo nas correntes dos Zelotas (zelosos de suas tradições pátrias e religiosas) e dos Sicários (dispostos a empreender a guerrilha). Nos tempos do nascimento de Jesus, a Judeia era governada por Herodes o Grande (37-04 a.C.), estrangeiro idumeu, rei vassalo de Roma. No ano 6 d.C. a Judeia foi incorporada à província romana da Síria, cuja administração competia a um Procurador que residia em Cesareia (Palestina). Fora da sua terra-mãe, os israelitas se achavam esparsos na Diáspora (= Dispersão). Com efeito, após as deportações para a Assíria (em 721) e para a Babilônia (em 587), muitos permaneceram no estrangeiro, formando comunidades que não se misturavam com outros povos e mantinham contato com Jerusalém mediante peregrinações frequentes. Especialmente no Egito constituiu-se próspera colônia judaíca, com sua sede principal em Alexandria; nesta cidade viveram grandes pensadores judeus, dos quais o mais famoso é Filon († 40 d.C.), filósofo que procurou fundir a Bíblia e a Filosofia grega numa síntese harmoniosa. Embora se mantivessem segregados, os judeus não deixaram de exercer influência sobre o mundo pagão; o monoteísmo e a Moral de Israel impressionavam os greco-romanos, de modo que estes se aproximavam da religião judaica... uns como prosélitos, At 2,11 (aceitavam a circuncisão e a Lei de Moisés), outros como tementes a Deus, At 10,2; 13,50; 16,14 CAPÍTUlo 1: A Igreja Nasce 25
(abraçavam o monoteísmo e apenas algumas práticas do judaísmo como o repouso do sábado, a distinção de alimentos, certas abluções rituais...). Neste contexto de pagãos e judeus teve origem o Cristianismo.
Lição 2 Jesus e a Igreja Jesus nasceu em Belém, cidade do rei Davi, como descendente de estirpe régia. A data de seu nascimento foi calculada pelo monge Dionísio, o Pequeno († 556), que se enganou fixando-a no ano 753 (25 de dezembro) da fundação de Roma; para tanto, baseou-se em Lc 3,1 e 3,23, que afirmam: “No décimo quinto ano do Império de Tibério César... Jesus tinha aproximadamente trinta anos”; foi então batizado e iniciou seu ministério público. Ora o 15º ano do Imperador Tibério corresponde ao ano 782 da fundação de Roma; Dionísio entendeu que Jesus tinha 29 anos completos quando começou a pregar; daí o cálculo 782 - 29 = 753. Jesus então teria nascido em 25/12/753 da era de Roma. Consequentemente, o ano de 754 foi o primeiro da era cristã. Todavia este cálculo de Dionísio é falho, pois atribuiu a Lc 3,23 um sentido errôneo; Lucas apenas queria dizer que Jesus tinha a idade exigida pelos judeus para exercer uma função pública (= 30 anos). Na verdade, Jesus nasceu antes de 753 de Roma, pois nasceu antes da morte de Herodes (cf. Mt 2,122), que se deu em 4 a.C.; Jesus devia ter talvez dois anos quando Herodes provocou a matança dos inocentes (cf. Mt 2,16), o que quer dizer que nasceu em 6 ou 7 “antes de Cristo” (pois Herodes deve ter vivido um pouco, depois do morticínio dos inocentes). Após três anos de vida pública (27-30, provavelmente), Jesus morreu e ressuscitou, como havia predito. Tinha chamado doze seguidores imediatos ou Apóstolos, dos quais Judas desertou (entrando em seu lugar Matias; ver At 1,21-26); Pedro foi constituído chefe visível desse Colégio e da Igreja inteira (ver Mt 16,16-19; Lc 22,31s; Jo 21,15-17). A existência histórica de Jesus foi negada por autores como A. Kalthoff, P. Jensen, A. Drews, P. L. Couchoud..., que quiseram equiparar Jesus a personagens míticos do Oriente antigo. Tal tese, porém,
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não encontra ressonância mesmo nos ambientes mais racionalistas, pois a realidade histórica de Jesus é atestada por autores romanos e judeus, além dos cristãos (ver Curso de Iniciação Teológica da Escola Mater Ecclesiae, capítulo 3, onde são citados os textos de Tácito, † 116; Suetônio, † 120; e, Plínio, o Jovem, † 112; são outrossim transcritos testemunhos do Talmud dos judeus e de Flávio José, historiador israelita, † 95). A Igreja teve sua origem plena em Pentecostes, quando o Espírito Santo se deu aos Apóstolos reunidos com Maria em oração no Cenáculo de Jerusalém. Os Apóstolos, pregando em diversas línguas sob a ação do Espírito, fizeram a primeira proclamação de que se iniciava o Reino de Deus; daí resultou a conversão de 3.000 judeus (cf. At 2). A Igreja era movida pela Espírito, de sorte que o número de fiéis aumentava de dia para dia (cf. At 2,47); os Atos dos Apóstolos atestam que levavam vida fraterna, com desapego de seus bens, como se fossem um só coração e uma só alma (cf. At 4,32s). A princípio, os cristãos frequentavam o Templo de Jerusalém, participando da oração dos judeus e observando costumes israelitas; nas casas particulares, porém, “partiam o pão”, isto é, celebravam a Eucaristia, como lhes mandara o Senhor. Não pareciam ser mais do que um ramo dissidente do judaísmo oficial, o que lhes valeu perseguições da parte das autoridades judaicas (cf. At 4,1-31). Em breve, porém, se evidenciaria a grande novidade trazida pelo Evangelho e assim formulada por São Paulo: “Quando ainda éramos fracos, Cristo no tempo marcado morreu pelos ímpios. Dificilmente alguém dá a vida por um justo; por um homem de bem talvez haja alguém que se disponha a morrer. Mas Deus demonstra seu amor para conosco pelo fato de Cristo ter morrido por nós quando éramos ainda pecadores” (Rm 5,6-8).
Perguntas 1) Como Deus quis preparar o mundo greco-romano para a vinda do Messias? 2) Como se achava o povo judeu quando veio o Messias? 3) Quando foi fundada a Igreja? 4) Qual a grande novidade do Cristianismo? CAPÍTUlo 1: A Igreja Nasce 27
Capítulo 2:
Os Apóstolos e a Propagação da Igreja
CAPÍTUlo 2: Os Apóstolos e a Propagação da Igreja 29
Lição 1 O Apóstolo São Pedro Sabe-se que São Pedro foi por Jesus constituído fundamento visível da Igreja (cf. Mt 16,16-19; Jo 21,15-17). Os Atos dos Apóstolos mostram como este Apóstolo tomava a dianteira logo nos primeiros tempos da Igreja: no dia de Pentecostes (At 2,14-40), no pórtico de Salomão (At 3,12-26), diante do tribunal judeu (At 4,8-12), no caso de Ananias e Safira (At 5,1-11), ao receber o primeiro pagão, Cornélio, na Igreja (At 10,1-48), ao pregar na Samaria (At 9,32-43). No ano de 42, é aprisionado em Jerusalém e, uma vez solto, “retira-se para outro lugar” (At 12,17). Para onde terá ido? Uma tradição em voga do século IV em diante refere que Pedro morou 25 anos em Roma, ou seja, de 42 a 67. Quem a aceita, dirá que Pedro passou logo de Jerusalém para Roma. Acontece, porém, que Pedro é tido como fundador da Sé episcopal de Antioquia na Síria; é certo que esteve presente ao Concílio de Jerusalém em 49 (cf. At 15,7-11); pouco depois estava em Antioquia (cf. Gl 2,11-14). Estes dados levam a dizer que, se Pedro passou para Roma em 42, não permaneceu ininterruptamente nesta cidade. É certo, porém, que Pedro pregou em Roma, exercendo a plenitude dos poderes apostólicos, e ali sofreu o martírio, provavelmente crucificado de cabeça para baixo no ano de 67. Esta tese está bem documentada pela tradição, como se depreende dos seguintes testemunhos: Em 1Pd 5,13, o autor (Pedro) fala em nome dos cristãos da Babilônia, onde reside. Ora Babilônia é a Roma pagã do séc. I d.C. (cf. Ap 18,2s). São Clemente de Roma por volta de 96, em sua carta aos Coríntios, refere-se a Pedro e Paulo, que lutaram até a morte e deram testemunho diante dos poderosos; supõe que ambos tenham morrido em Roma (cf. cc. 5-6). Santo Inácio de Antioquia († 107) escreve aos romanos nestes termos: “Eu não vos ordeno como Pedro e Paulo”. Visto que não existe carta de Pedro aos romanos, admite-se o relacionamento oral de Pedro com a comunidade. Clemente de Alexandria († 215) narra que São Marcos, intérprete de Pedro, redigiu por escrito a pregação de deste a pedido de seus ouvintes romanos (cf. Eusébio, História Eclesiástica II 15; VI 14).
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