Historia social

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Hist贸ria Social


Conselho Editorial Série Letra Capital Acadêmica Beatriz Anselmo Olinto (Unicentro-PR) Carlos Roberto dos Anjos Candeiro (UFTM) João Medeiros Filho (UCL) Luciana Marino do Nascimento (UFRJ) Maria Luiza Bustamante Pereira de Sá (UERJ) Michela Rosa di Candia (UFRJ) Olavo Luppi Silva (USP) Orlando Alves dos Santos Junior (UFRJ) Pierre Alves Costa (Unicentro-PR) Rafael Soares Gonçalves (PUC-RIO) Robert Segal (UFRJ) Sandro Ornellas (UFBA) Sergio Azevedo (UENF) Sérgio Tadeu Gonçalves Muniz (UTFPR) William Batista (Bennet - RJ)


Leonardo Santana da Silva Adriana Patricia Ronco Organizadores

História Social Tradições e modernidades: ensaios interdisciplinares sobre economia, cultura e política como forma de linguagens, identidades e práticas de poder


Copyright © Leonardo Santana da Silva e Adriana Patricia Ronco, (Org.), 2015 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem a autorização prévia e expressa do autor.

Editor João Baptista Pinto

Capa Luiz Guimarães Projeto Gráfico e Editoração Luiz Guimarães Revisão Dos autores

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

H579 História social: tradições e modernidades: ensaios interdisciplinares sobre economia, cultura e política como forma de linguagens, identidades e práticas de poder / organização Leonardo Santana da Silva, Adriana Patricia Ronco. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015. 196 p. : il. ; 15,5x23cm. Inclui bibliografia ISBN 978-85-7785-407-3 1. Brasil - História. 2. Economia - Brasil - História. 3. Brasil - Civilização. I. Silva, Leonardo Santana da. II. Ronco, Adriana Patricia. 15-25843 CDD: 981 CDU: 94(81) 24/08/2015

24/08/2015

Letra Capital Editora Telefax: (21) 3553-2236/2215-3781 letracapital@letracapital.com.br


Sumário

À estimada Professora Rubenita Vieira (In memoriam).................7 Leonardo Santana da Silva Apresentação........................................................................................9 Leonardo Santana da Silva e Adriana Patricia Ronco Consequências econômicas da guerra da tríplice aliança: o caso de Mato Grosso com a Matte Laranjeiras.......................15 Adriana Patricia Ronco A real democracia racial: uma reflexão sobre racismo, preconceito e discriminação na sociedade brasileira contemporânea.......45 Anderson Sampaio da Silva Memória e Identidade.......................................................................61 Dalva Figueiredo Formação do capitalismo no Vale do Paraíba e exclusão social: uma análise historiográfica do lugar do liberto no novo contexto Republicano e burguês.................................71 Leonardo Santana da Silva Buscando a “Árvore das Patacas” no Além-Mar: um breve panorama da imigração portuguesa no Brasil e um pequeno exercício de história e memória...............................85 Luiz Antônio da Costa Chaves A história metódica, a Egiptologia e D. Pedro II: viagens de um monarca brasileiro à terra dos faraós...............................119 Marcio Sant´Anna dos Santos


História e Cotidiano: buscando alguns caminhos de reflexão e trabalho.............................................................................131 Marize Bastos da Cunha O registro de comerciantes da capital do império do Brasil (1851-1889).........................................................................151 Rubenita Vieira (In memoriam) “Terra na Lei ou na Marra” – Uma História de Luta Camponesa.........................................................................................177 Zizelia da Silva Borges


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À estimada Professora Rubenita Vieira (In memoriam)

Há um pouco mais de dois anos, uma notícia muito triste chegava aos nossos ouvidos: havíamos perdido a nossa ilustre amiga Professora Rubenita. Para aqueles que a conheceram, sabem muito bem que a Professora Rubenita Vieira foi acima de tudo uma formadora, despertando em cada um daqueles que passaram por suas aulas, o espirito crítico e a paixão pela História como ciência e disciplina, partes importantes para se exercer o ofício de historiador. Posso afirmar com todas as convicções que a sua maior alegria e satisfação era ter em seu redor, pessoas, sejam elas alunos ou colegas de trabalho, que pudessem dialogar de maneira simples e objetiva sem perder a intensidade e o grau de complexidade dos debates. Assim, a nossa querida mestra suscitava em cada um de nós um sentimento de igualdade intelectual, buscando, principalmente incentivar a cada um de seus alunos a despertarem a própria vocação e talento que havia dentro de cada um deles. Em torno de sua sala de aula ou de quaisquer partes das dependências do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), instituição esta a qual se dedicou por um significativo período de 30 anos, inúmeros alunos tiveram o privilégio de poder compartilhar das atividades realizadas e, até mesmo, muitas das quais idealizadas por ela mesma. Por exemplo: quem não se lembra das visitas técnicas as lindíssimas fazendas de café em Barra do Piraí? Na fazenda Ponte Alta, por exemplo, a nossa saudosa Rubenita recebeu até o título de baronesa concedido pelo próprio barão de Mambucaba representado pelo ator que explica tudo relacionado à fazenda. E do projeto de extensão denominado de O Arauto Leopodinense? Um projeto que sempre teve como objetivo a produção da história e memória de uma região, a partir da participação da comunidade acadêmica e moradores do entorno, buscando informações sobre a história da Leopoldina, permitindo


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Rubenita Vieira (In memoriam)

aos leitores a revalorização do seu patrimônio material e imaterial, resgatando a identidade da região. A preocupação do jornal Arauto Leopodinense, portanto, era focada no objetivo de aproximar, sobretudo, a UNISUAM dos moradores locais, permitindo que eles possam participar como eventuais informantes da sua própria memória, integrando-os à sociedade, de modo que proporcionava uma tomada de consciência e reflexão crítica acerca do seu papel como cidadãos. Em se tratando do Arauto Leopodinense, uma das suas grandes paixões, devemos deixar registrado que a Professora Rubenita deixou o exemplar de número 8 (o último que teve a sua participação em vida) pronto, assim como o artigo de sua autoria que compõe um dos capítulos deste livro que, certamente, vem coroar todo este trabalho. Isto demonstra, sem sombra de dúvida, a sua grande dedicação e seriedade para com seus afazeres, trabalhando até o último momento em que pôde. Este fato, portanto, causa grande admiração por todos nós colegas, alunos e diretoria desta Instituição que tiveram a oportunidade de ombrear trabalhos em determinados momentos específicos de sua vida. Visitas às fazendas... Reuniões do Arauto... Aulas..., quantas saudades! Quantas lembranças boas que ficarão guardadas eternamente em nossas memórias. Em relação a você grande mestra, não será diferente. A sua memória será lembrada sempre por todos nós e ficará guardada eternamente em nossos corações. A sua trajetória e exemplo de vida nos dá força e nos incentivam para continuarmos os trabalhos. A você grande mestra, nós só poderemos dizer o nosso muito obrigado por sua existência, por toda sua contribuição, dedicação e carinho que transmitistes a todos nós durante a sua vida acadêmica. Em nome de todo corpo docente, coordenação do Curso de História, alunos, ex-alunos, Diretoria Acadêmica, Vice-Reitorias e Reitoria do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM), dedicamos em especial este trabalho a você! Esta singela homenagem é o mínimo que poderíamos fazer diante de tamanha generosidade e dedicação ao longo de uma carreira profissional consolidada e que muito contribuiu para todos nós. Prof. Dr. Leonardo Santana da Silva Coordenador do Curso de História da UNISUAM


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Apresentação

Um dos objetivos principais desta obra coletiva é oferecer ao leitor interessado no campo da história social alguns temas possíveis e passíveis de análise que surgem no interior desse campo específico de estudo, independentemente das possibilidades de análise se referir à construção dos respectivos objetos de pesquisa, a partir da definição de cada tema escolhido, ou até mesmo, no tocante as escolhas teórico-metodológicas feitas pelos respectivos autores que compõem este trabalho. A pluralidade de perspectivas reunidas neste livro deve ser compreendida dentro do contexto de rupturas que vem ao longo do tempo modificando significantemente a própria historiografia, principalmente a partir das diferentes gerações da Escola do Annales. Abordar temas relacionados à consequência econômica a partir de uma análise direcionada para questões de conflitos entre nações, democracia racial com intuito de se discutir conscientemente a questão do preconceito e discriminação que o Brasil enfrentou e ainda vem enfrentando em seu contexto contemporâneo, estudos voltados para memória como sendo algo completamente interligado a construção de uma identidade e, consequentemente um exercício para a própria construção histórica, música e sua utilização como fonte histórica, análise comparada entre ciência e história e sua influência no contexto histórico brasileiro, reflexões sobre história e cotidiano, registros das atividades comerciais da Corte Imperial brasileira ou Províncias que com ela tivessem relações de comércio e a questão da posse de terras no Brasil a partir de um estudo sobre a luta camponesa são temáticas variadas que fazem parte desta pesquisa e suas perspectivas. Sem se ter aqui qualquer intenção ou compromisso em definirmos esta produção acadêmica como sendo uma “verdadeira” obra fechada em si mesma, os artigos aqui propostos têm o objetivo de explicitar os


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Apresentação

seus diferentes contextos, nos quais estão inseridos seus respectivos temas específicos de análise. Em se tratando mais especificamente dos motivos que impulsionaram a nossa iniciativa em organizar esta coletânea de artigos, tal ideia partiu da proposta feita pelos seus organizadores, cuja finalidade era a de se produzir uma obra que tivesse temas que dialogassem de uma forma geral com o campo da história social e seus múltiplos desdobramentos, dando ênfase apenas nos trabalhos elaborados por professores e ex-professores do corpo docente do Curso de Licenciatura em História na Universidade Augusto Motta (UNISUAM), assim como nos trabalhos selecionados de ex-alunos – hoje formados e atuantes no campo de trabalho – que fizeram parte do corpo discente do Curso de História dessa Instituição de Ensino. No artigo “Consequências econômicas da guerra da tríplice aliança: o caso de Mato Grosso com a Mate Laranjeira”, Adriana Patricia Ronco propõe (neste trabalho) estudar a Empresa Matte Laranjeira, como uma consequência económica da Guerra da Tríplice Aliança, desde sua formação, em 1890, analisando suas relações com o poder político, o que permitiu monopolizar a exploração e exportação da erva mate. Foram abordados temas como: ”arrendamento” de terras, investimento de capital, ocupação do sul matogrossense, indústria extrativa, mercado único latino-americano. A autora opto pelo ano 1930 como ponto final do trabalho por dois motivos, a mudança na política brasileira quando Vargas assume o poder e a separação entre a Mate Argentina e a Mate Brasileira, o que leva ao declínio e fechamento da Mate Brasil. Em “A real democracia racial: uma reflexão sobre racismo, preconceito e discriminação na sociedade brasileira contemporânea”, Anderson Sampaio da Silva aborda o tema da “harmonia racial” brasileira, conhecida como democracia racial. Através de um pequeno histórico, o autor analisa o início do questionamento acerca da real situação brasileira, em termos de relações raciais, na mediada em que o projeto da UNESCO de 1950 através de pesquisadores nacionais e internacionais começa a desvendar o verdadeiro rosto da discriminação no Brasil. As relações raciais tratadas neste trabalho conseguem mostrar a perpetuação da situação socioeconômica do negro, mais ou menos, nos mesmos níveis do pós-abolição. São práticas discriminatórias quase imperceptíveis funcionando como “barreiras invisíveis” que o relega aos estratos sociais mais baixos. Em termos econômicos, a interação do negro dá-se por uma espécie de “metamorfose” da sua fenotipia.


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Ao passo que, no aspecto social, o elemento mulato serve como uma válvula de escape de uma dicotomia racial levando ao “preto” a um isolamento interativo. Devido a estas situações o quadro social brasileiro revela-se, como não poderia ser diferente, com um profundo abismo entre brancos e não brancos, apesar de sabermos que os nichos sociais mais baixos possuem a presença de brancos. O fato é que a democracia racial vai desviar a efetiva participação cidadã do negro no Brasil. Como antídoto para a discrepância apresentam-se as ações afirmativas. Uma tentativa de reparação histórica imposta pelo Estado brasileiro através de leis e estatutos. Dalva Figueiredo, em seu texto intitulado “Memória e Identidade”, transita por palavras-chave, tais como memória social, memória cultural, memória virtual e identidade para explicar os fatores que contribuem para a construção da memória social, cultural e identidade de um grupo social, da mesma maneira que fortalecem os laços de pertencimento dos indivíduos em relação ao grupo social. A ligação entre memória e identidade é tão intensa que permeia a forma como o imaginário histórico-cultural se alimenta para se reconhecer como expressão de um determinado grupo. No texto “Formação do capitalismo no Vale do Paraíba e exclusão social: uma análise historiográfica do lugar do liberto no novo contexto Republicano e burguês”, Leonardo Santana da Silva apresenta uma discussão direcionada para uma análise historiográfica sobre a questão do negro no advento deste novo contexto Republicano e burguês. Para que tal análise seja realizada, abordaremos a questão apresentada sob a luz de autores fundamentais que discorrem sobre informações essenciais para a fundamentação desta proposta. Neste sentido, para nosso embasamento analítico serão recuperados aqui, conceitos utilizados em dois trabalhos fundamentais escritos respectivamente por José de Souza Martins – O Cativeiro da Terra e a Formação Econômica do Brasil de Celso Furtado. Luiz Antônio da Costa Chaves em “Buscando a “Árvore das Patacas” no Além-Mar: um breve panorama da imigração portuguesa no Brasil e um pequeno exercício de história e memória”, objetiva traçar um breve panorama da imigração portuguesa no Brasil desde os seus primórdios, mas enfatizando esse processo na contemporaneidade, notadamente do final do século XIX às primeiras décadas do século XX. Para tanto, o autor buscou identificar fatores socioeconômicos dessa imigração, seu apogeu e crise, origens geográficas do imigrante e o perfil social


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Apresentação

do mesmo. Aborda também a inserção do imigrante lusitano na sociedade brasileira, ao mesmo tempo em que exemplifica o processo migratório em tela descrevendo a trajetória de Alfredo Augusto Costa, imigrante português e avô do autor, que chegou à cidade do Rio de Janeiro e nela se estabeleceu na segunda década do século passado. O artigo “A história metódica, a Egiptologia e D. Pedro II: viagens de um monarca brasileiro à terra dos faraós”, de Marcio Sant´Anna dos Santos é estruturado em três partes em que o autor analisa o desenvolvimento da história metódica no contexto do surgimento da Egiptologia, a evolução desta ciência em relação à produção do conhecimento sistematizado sobre o Egito antigo e, finalizando, são abordadas as viagens de D. Pedro II, como uma espécie de estudo de caso alusivo a certa aproximação entre o Estado brasileiro e países europeus. Marize Cunha em “História e Cotidiano: buscando alguns caminhos de reflexão e trabalho”, propõe uma análise apresentada em três partes. A primeira recai sobre a construção do conceito de cotidiano, no âmbito do redimensionamento da teoria marxista a partir de meados do atual século, considerando dois autores que se voltaram especialmente para o tema: Henri Lefebvre e Agnes Heller. Na segunda parte, a autora procurou identificar as possibilidades de tratamento teórico e metodológico do conceito através de alguns referenciais de dois historiadores: E.P.Thompson e Carlo Ginzburg. Por fim, Marize Cunha examina o trabalho de Sidney Chalhoub, procurando identificar como ele integra a reconstrução do cotidiano no âmbito da pesquisa histórica, voltada para a realidade brasileira e realizada nas particulares condições com as quais o pesquisador se defronta no Brasil. Rubenita Vieira, no artigo “O registro de comerciantes da capital do império do Brasil (1851-1889)” afirmar ser o registro de Comerciantes da Corte uma fonte privilegiada para o conhecimento da participação de brasileiros e europeus-especialmente os portugueses nas atividades comerciais da Corte ou Províncias que com ela tivessem relações de comércio. O acervo documental consultado revela o quantitativo de comerciantes que desempenharam sua atividade no setor de Alimentos e Bebidas, Tecidos, Roupas e Armarinhos, Metais e pedras preciosas e outros no ramo atacadista e em menor número no ramo do varejo. O segundo aspecto da fonte analisada refere-se às “individualidades” que formaram a tessitura social do mundo dos negócios na segunda metade do século XIX. Observa-se que o Registro de Comerciantes da Corte é excelente fonte para o conhecimento de um universo relativa-


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mente restrito de “homens de negócio”, aqueles que, na maioria dos casos estavam voltados para o grande comércio, constituindo a elite mercantil da Corte e mesmo do Império. A grande contribuição dessa série documental composta de seis volumes é a constatação que o Tribunal do Comércio acolhia a matrícula do grande negociante, não do retalhista, proprietário da “venda”. Nos debates que se fazem acerca do fim da escravidão é marcante sua participação, questão interpretada por outros grupos como de menor relevo. “Terra na Lei ou na Marra – Uma História de Luta Camponesa” é o título que Zizelia da Silva Borges propõe em seu artigo. Este trabalho buscou resgatar a luta dos homens e mulheres do campo, que injustiçados por uma legislação, que gerou e gera até os dias atuais um sistema desigual e excludente, foram à luta, se organizaram, exigiram mudanças e principalmente o direito à posse da terra. Registrou-se neste trabalho a questão da posse de terras no Brasil e a incapacidade dos governos, em solucionar a problemática dos latifúndios improdutivos no campo e consequentemente as disputas sangrentas pela terra, pois em um país como o Brasil, onde a classe política, representante do povo, mantém estreita vinculação com os interesses das oligarquias agrárias, deixando o campesinato totalmente a parte do processo político e favorecendo a manutenção do monopólio da terra nas mãos de uma minoria, aspecto que é observado ao longo do processo histórico pela posse da terra, no Brasil, é uma luta desigual, marcada por mortes, miséria, leis injustas, proteção para uma minoria, detentora do poder e exclusão de uma maioria, camponês sem-terra. Gerando assim a luta pela terra na Lei ou na Marra, onde o trabalhador rural reivindica além da Reforma Agrária, a fundação de um projeto popular, baseado na justiça social e na dignidade humana. Desejamos a todos uma boa leitura! Leonardo Santana Da Silva Adriana Patricia Ronco Organizadores



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O caso de Mato Grosso com a Matte Laranjeiras: algumas consequências econômicas da guerra da tríplice aliança Adriana Patricia Ronco1

Peço pouco nesta vida P’ra minha felicidade, Uma cabrocha destorcida, Uma viola bem sentida, Facão, mate e liberdade. (Teschauer, 1926)

Apresentação2 Este trabalho visa estudar a Empresa Matte Laranjeira, como uma consequência económica da Guerra da Tríplice Aliança, desde sua formação, em 1890, analisando os privilégios recebidos do Governo Imperial logo Republicano do Brasil e dos Governos Matogrossenses, o que permitiu monopolizar a exploração e exportação da erva mate. Veremos como esta empresa de origem brasileira, chega a ser dominada por capitais argentinos a tal ponto de que a Sede da Matte Laranjeira é transladada a Buenos Aires. Abordamos temas como: 1 Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense. Professora Adjunta do Curso de História e da Pós-Graduação Lato Sensu em História e Cultura da América Latina do Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM). Foi professora da UFF e da UERJ- FFP. e do Mestrado em Desenvolvimento Local do Centro Universitário Augusto Motta, Foi Coordenadora do Curso de História da UNISUAM. Coordenadora da Pós-Graduação Lato Sensu em História e Cultura da América Latina do Centro Universitário Augusto Motta.

Uma versão deste trabalho foi apresentada nas XIX JORNADAS DE HISTORIA ECONOMICA, San Martín de los Andes. Neuquén. Argentina. 13, 14,15 de Octubre de 2004. 2


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Consequências econômicas da guerra da tríplice aliança...

”arrendamento” de terras, investimento de capital, ocupação do sul matogrossense, indústria extrativa, mercado único latino-americano. Optamos pelo ano 1930 como ponto final de nosso trabalho por dois motivos, por um lado, a mudança que se produz na política brasileira quando Vargas assume o poder e por outro lado a separação entre a Mate Argentina e a Mate Brasileira, causada principalmente, porque a produção de erva mate argentina passou a ser autossuficiente e mais barata. Para a elaboração deste trabalho se analisaram, ademais da bibliografia, ainda escassa sobre o tema, a documentação oficial, as leis nacionais e estaduais; o que permitiu reconstruir os passos seguidos pela Mate para lograr o monopólio, os Relatórios dos Presidentes da Província de Mato Grosso, informam sobre a atuação da empresa, a legislação provincial e as quantidades de produto exportado.

As origens e o monopólio A erva-mate foi o produto extrativo de exportação mais importante de Mato Grosso durante as últimas décadas do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Finalizada a Guerra do Paraguai, em 1872, foi conformada uma Comissão, com o objetivo de fixar os limites entre o Império do Brasil e a República do Paraguai. Tal República perdeu 156.415 quilômetros quadrados de território, onde se encontravam os mais ricos ervatais naturais da região que foram incorporados ao Mato Grosso. A Comissão Brasileira obedecia às ordens do Coronel Rufino Enéas Gustavo Galvão, futuro Barão de Maracaju e Presidente de Mato Grosso. As tropas de apoio estavam sob a responsabilidade do Major Antônio Maria Coelho, importante político mato-grossense. Os dois se tornaram os principais protagonistas do monopólio de Thomaz Laranjeira sobre os ervatais de Mato Grosso. Thomaz Laranjeira, nativo de Bagé, Província de Rio Grande do Sul, era mascate de uma Casa de Comércio de Porto Alegre. Trabalhou no Rio Grande do Sul e no Paraná, chegando a fazer transações comerciais até no Paraguai. Por isso, conhecia a região e compreendia a importância econômica da erva-mate. Thomaz Laranjeira e Ernesto Paiva chegaram ao sul de Mato Grosso como empregados da Casa Comercial que ia abastecer de mercadorias a Comissão de Limites. Isto fez com que Thomaz Laranjeira percorresse a zona e reconhecesse a riqueza da erva-mate existente na região.


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Em 1874, quando a Comissão terminou suas tarefas, e devido ao atraso nos pagamentos, por parte do Governo Imperial, o dono da Casa Comercial fez um acordo com seus empregados, repartindo o dinheiro que tinha. Além disso, Paiva aceitou, como forma de pagamento, uma casa em Porto Alegre e Thomaz Laranjeira aceitou as carretas e os bois, o que lhe permitiu continuar comercializando na região. Laranjeira constituiu uma boa amizade com o Coronel Galvão e o Major Coelho, da qual se aproveitaria no futuro. São poucos os dados que existem de Thomaz Laranjeira. Segundo Rubens de Aquino3, Laranjeira teria trazido ajudantes do Rio Grande do Sul para organizar seus trabalhos de exploração da erva-mate no Paraguai. João Lima foi o responsável por gerenciar e organizar a empresa, Antônio Inácio da Trindade e Francisco Xavier Pedroso estavam comprometidos com a compra de gado e Gabriel Machado era o administrador da Fazenda Santa Virgínia, que foi criada para abastecer os “ranchos ervateiros” de carne e outros produtos. A sede da empresa estava localizada em Capivari, na boca da Picada del Chiriguelo, no Paraguai. A “erva cacheada” era transportada em carretas até Conceição, de onde seguia, por via fluvial, para a Argentina. A Sociedade Comercial Francisco Mendes y Cia., com sede em Buenos Aires, promovia a industrialização final e a comercialização da erva desde 1877. Laranjeira seria beneficiado pelo próprio processo político mato-grossense. Enéas Galvão, Barão de Maracaju, assumiria o Governo da Província, situação que Laranjeira aproveitou para manifestar seus desejos de transferir sua empresa para o Brasil, quando pudesse conseguir a concessão dos ervatais para explorá-los. Com a ajuda de seus amigos Galvão e Coelho, Laranjeira dirigiu sua solicitação ao Governo Imperial, já que os ervatais estavam localizados em uma área de terras devolutas. Através do Decreto Imperial 8.799, datado no Rio de Janeiro em 9 de dezembro de 1882, era concedido o direito de exploração da erva-mate nos terrenos devolutos. Este fato foi confirmado com a assinatura dos Contratos de Arrendamento com a Província de Mato Grosso. O contrato estabelecia: 3 AQUINO, Rubens de. Tereré, em Vários. Ciclo da Erva-mate. Campo Grande: Instituto Erivaldo Lodi, 1986. p. 339.


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