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Copyright Francisco Gregório Filho, 2008 chico.greg@yahoo.com.br
Ilustrações Raquel da Câmara Pipas Francisco Gregório Filho (confeccionadas em tecidos) Caricaturas Kiko Capa e Projeto Gráfico Guilherme Sarmento
Letra Capital Editora
Telefones (21) 2215-3781 / 3553-2236 www.letracapital.com.br
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Dedicado aos contadores de hist贸rias populares
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... a fala humana anima, coloca em movimento e suscita as forças que estão estáticas nas coisas.
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A. Hampa Té Bá
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Apresentação
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São dez histórias. Para leitores e contadores de histórias. Sem fronteiras de idade. Escolha dos escutadores. Desses que participam das oficinas de Contadores de Histórias e de Práticas Leitoras E após ouvirem uma narração Pedem logo a seguir: – Conta outra vez? Portanto, consideradas por mim Como minhas histórias sagradas. Mas, cuidado, elas são profanas.
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A quem se destina este livro? Aos que gostam das histórias populares, Mitos, lendas, causos, vivências, Narrativas pessoais e sociais. Ainda, para quem gosta de voar Com as pipas. Produzir sentidos com as palavras.
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ORATURA
Não posso precisar há quanto tempo Estou envolvido com as práticas da Contação de Histórias. Alguns anos certamente, talvez décadas. Sinto-me um narrador: Aquele que narra a dor. Pareço-me mesmo é com um brincador: Aquele que brinca com a dor. Essas dores humanas de todos nós. As que doem de profunda tristeza E as que doem de intensa beleza. A alegria permeia e atravessa Qualquer fronteira entre os humanos De que falo mesmo? Torno-me frágua, reflexo das circunstâncias Sugeridas pelas narrativas contadas Pelos homens e pelas mulheres Desde sempre.
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Ciência de que nasci humano, porém Tenho que aprender a conquistar uma certa Humanidade plena. Aprender entre os homens, as mulheres, As crianças e os velhos. Aprendente também com os outros seres vivos: Animais, vegetais e minerais. Claro, acrescento o vento-ar, o sol-luz, A noite-lua, o rio-mar-fonte, o doce e o sal-água. – Vovô, o que se aprende? – Menino, até a amar se aprende! Aprende-se a ser amado. Aprende-se, sim, nas travessias, nas passagens E com as histórias: O gosto de ouvir – apurar a escuta, O gosto de contar – apurar a expressão, O gosto de ler – apurar o discernimento, O gosto de escrever – aí uma “oratura”. Oralidade e escritura.
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Caros leitores, Pessoas amigas, ouvintes e narradores Pois aqui, nessas experiências – Talvez melhor, vivências, Sigo a vida, Com os altos e os baixos, Persistindo Para melhorar na relação Com o outro e comigo mesmo. Será? Pode ser assim um pouco Diabólico e despudorado? Idiossincrático? É... de onde falo? Aonde ando a falar? Quem me escuta? Que quero dizer?
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O que preciso ganhar? Anjo, sei que não sou, Quem propagou que só anjos contam histórias? – Diga-me, Professor, O que posso fazer pelo senhor? – Catar piolho! Pode ser um cafuné!
Não me basto sozinho, preciso do outro. Peço paciência, tolerância, ajuda: Por favor, me ajudem? Mas, quem pode me ajudar? Não sei... e saio por aí a contar histórias, Compartilhar as narrativas humanas Com deuses e mistérios. Inclua ainda as estrelas, por gentileza. Em minhas trajetórias com essas práticas De narrar em diversos ambientes e com Diferentes públicos ouvintes, Observei que de meu repertório-acervo Algumas histórias são recorrentes Nas solicitações dos ouvidores.
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Nas seções de contação de histórias Sempre há espaço para os pedidos. E, quase sempre, atendo uma ou outra solicitação. Selecionei então, as “10 +” para seguir as “Tendências contemporâneas” Seria isso mesmo? Faz sentido isso? Pois aqui estão as histórias Repetidas vezes elencadas no Conta-de-novo. Sublinhando que a seleção foi feita Do meu ponto de vista E a partir de repertório pessoal Esclarecimento necessário, digo. É possível até que não seja assim Tão absoluto, bom é flexibilizar. Quem tem acompanhado essas minhas Vivências Talvez possa listar outras narrativas Diferentes dessas. É, pode ser, quem sabe, não é? Alerto-os, amigos leitores,
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Que em muitas vezes, Contando uma história, Acontece de esquecer alguma passagem, Alguns detalhes e até de trocar os finais. Bom, nesses casos, o ouvinte pode me ajudar A lembrar, coisas da memória, vocês sabem, sim? Emociono-me quando falo dessas questões. Acreditem, faço um esforço danado. Talvez precise ouvir mais vocês Contarem suas histórias, Grávido de sentidos, Assim será.
Um abraço e até breve, Gregório.
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Barba Azul
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Aquele grão de areia
Lua Mulher, Homem Sol
42 48 54
Cabelos de ouro
A mulher do cemitério
Os tons do encantamento/Partir para a escolha
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O nascimento das estrelas
72 80
A pomba branca na praça XV
Nascimento do amor
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Laurinda
+ Histórias
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Barba Azul
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H
á muito tempo, na época dos avós de
nossos avós, em uma aldeia muito distante, cercada de grandes florestas e cortada por volumosos rios com águas barrentas, morava uma viúva com as suas três filhas. A pobre mulher tinha mais três filhos que foram para a guerra em regiões para alémmar, muito longe. Nas redondezas da aldeia tinha um castelo imenso de muitas torres. O povo das feiras, dos mercados comentava que dentro daquele palácio a decoração cintilava de tanto ouro espalhado nas colunas e no mobiliário. Ali trabalhavam muitos homens e mulheres que serviam ao grande Senhor proprietário da espetaculosa edificação. A vizinhança pouco conhecia daquele moço dos cabelos negros penteados e uma longa barba azul. Ler e Contar/Contar e Ler 17
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O Homem, de quando em quando, saía de seu castelo montado em um cavalo alazão em sela toda cravejada de pedras preciosas. Cavalgava por algumas trilhas ou sob os arvoredos e por fim atravessava a cidadela, troteando por sobre as pedras das pequenas ruas. E quase sempre parava em frente à casa da Senhora Viúva – onde costumeiramente as filhas dessa postavam-se às janelas e esperavam. O senhor invariavelmente cumprimentava-as com um aceno respeitoso. As moças respondiam ao aceno com sorrisos de muita graça. Muitos dos habitantes testemunhavam essas correspondências para depois darem com os dentes. E as línguas corriam soltas: era um disse-me-disse sem fim. Nos mercados e nas feiras as mulheres e os homens comentavam sobre um possível interesse do Sr. Barba Azul pelas jovens solteiras que esperavam. 18 Francisco Gregório Filho
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Um dia, já retornando do passeio, o moço apeou-se de sua montaria e dirigindo-se à irmã mais velha convidou-a para casarse com ele. – Não... jamais... de jeito nenhum... nem pensar... sem possibilidades respondeu assim a mais velha das belas irmãs. O moço voltou a montar e, com a cerimônia de sempre, inclinou-se em um cumprimento cordial e disse um sonoro: – Agradecido!!! Certa vez, em outra de suas saídas do castelo, o Senhor Barba Azul repetiu o mesmo convite, agora, à irmã do meio. Essa ainda demorou um pouco a responder, mas a irmã mais velha foi logo dizendo: – Não, irmã, não aceite isso de jeito nenhum... jamais... Então a moça bela do meio pronunciou:
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– Não, senhor, muito obrigada. Lisonjeada, agradeço seu convite. Em tom ameno, o moço, já montado em seu alazão por sobre uma cela bordada a brilhantes, disse: – Agradecido, bela moça, até breve! Dias passaram-se e toda a comunidade daquela aldeia seguia com atenção os passeios do Senhor Barba Azul. E aí, aconteceu... de o moço formular o mesmo convite à filha mais nova da senhora viúva. As pessoas que estavam na rua se aproximaram com curiosidade para ouvir bem claramente a resposta da moça: – Aceito, meu Senhor, de bom grado vosso pedido, caso sim! O povo em volta aplaudiu demoradamente a manifestação da linda moça. E os gritos foram ouvidos: Viva! Viva! – És já minha linda noiva, bela 20 Francisco Gregório Filho
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