Memórias de um “Russo” brasileiríssimo idealista em busca da paz
Joceni de Almeida do Canto
Memórias de um “Russo” brasileiríssimo
idealista em busca da paz
Copyright © Joceni de Almeida do Canto, 2015. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9. 610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem a autorização prévia por escrito da Editora/Autor, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados.
Editor: João Baptista Pinto Projeto gráfico: Rian Narcizo Mariano Capa: Luiz Guimarães Partituras: José Mauro Mendes Cleber Matos e Márcio Santos Revisão: Rita Luppi
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ C233m Canto, Joceni de Almeida do, 1952Memórias de um 'russo' brasileiríssimo um idealista em busca da paz / Joceni de Almeida do Canto. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015. il. ; 23 cm. ISBN 9788577853373 1. Canto, Joceni de Almeida do, 1952-. 2. Escritores brasileiros - Biografia. 43. Homens - Brasil - Biografia. I. Título. 15-19797 CDD: 929.2 CDU: 929.52
Ryala é um selo da
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Agradecimentos Como todo escritor e poeta procura em algo, abstrato ou concreto, sua fonte de inspiração, é mais do que um dever agradecer àqueles que ajudaram a buscar na memória coisas que vivi ao longo dos anos e trazer à luz como se tivessem ocorrido ontem. Primeiramente a Deus, pois sem Ele nada disso teria se realizado. Caso Ele não olhasse para mim com misericórdia e me fizesse nascer, não existiria hoje esta autobiografia. Ao meu filho Joceni de Almeida do Canto Jr., um jovem cristão, homem de Deus, pela sua marcante participação na criação e produção deste livro. A todos que me ajudaram a construir o palácio dos meus sonhos, pois em cada ajuda que tive, entregaram-me pedras, para que hoje esta obra estivesse concluída. A vocês que participaram direta ou indiretamente, o meu apreço e a minha gratidão! Se não caminhássemos juntos, nada do que é seria. Muito obrigado!
Joceni Do Canto
Apresentação
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oceni Do Canto é uma dessas raras pessoas em que você com certeza pode situar como alguém com personalidade forte e determinada. Basta caminhar pelos atalhos das suas poesias ou simplesmente navegar nos mares da sua emoção para perceber o seu lado profundamente religioso e seu papel na vida. O livro do russo brasileiríssimo, Do Canto, é uma síntese dessa forma de ser do seu autor. Nele é possível encontrar em linguagem direta, à sua maneira, a visão do homem Do Canto no seu mundo e época. Mundo onde um menino buscava o seu espaço e viu chegar, sem submissão, o êxito de sua inesquecível trajetória, uma época onde o mundo, em especial o nosso país, era mais político e menos omisso em relação ao seu povo, mas que Do Canto soube tocar. Assim é este livro “uma lição de vida”... Alpa Luiz Produtor, comunicador e crítico de arte
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ale de sua aldeia, você estará falando com o mundo. Fale dos seus sentimentos, você estará falando com a humanidade. Não lembro quem escreveu isso, só sei que estava diante de uma bola de cristal prevendo um futuro onde autores como Do Canto iriam até o fim para conseguir derramar seus sentimentos em folhas de papel. Começando pelas memórias do seu pequeno mundo, Ele as amplifica juntando a experiência pela paixão pelo que faz e pelo que vive. O russo brasileiríssimo Do Canto nos toca pela sinceridade e pela pureza que lhe ingenua de algumas estórias. Afinal, é o verdadeiro espírito do Bom Malandro: amar a poesia da vida, o samba e a beleza esfuziante das nossas mulheres. Obs.: não aguento, vou fazer um trocadilho: “Do Canto do Bar, do Canto Decanta o Canto do Samba de Bamba”. Sargentelli Filho Publicitário e produtor de TV
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Prefácio Joceni Do Canto é um brasileiríssimo forte e intimorato, mas com alma de poeta popular, imbuído de natureza filosófica e profunda sensibilidade. Imprime em seu livro Memórias de um Russo Brasileiríssimo uma redação que fala direto ao espírito do leitor, dos sentimentos mais profundos. Em sua obra, vive, respira e transpira os momentos mais ternos com nostalgia aflorada. Condensa a prosa, a música e a mais bela poesia, tão peculiar ao gosto de nossa gente, contagiando o leitor, desde as primeiras linhas, com sabedoria aliada à mais espontânea alegria de saborear aspectos de sua vida, de sua arte e do seu incontido entusiasmo. Abre, com riqueza de detalhes, o livro de sua própria vida, enriquecido de melodiosas composições – música e poesia – traduzindo sua coragem cívica, sua amizade mais sincera e o seu bom caráter. Fala-nos com a linguagem dos anjos, com o coração puro e a alma Crística, fazendo rememorar o grande Rui em sua Oração aos Moços, quando se refere ao coração: “Há, nele, mais que um assombro fisiológico: um prodígio moral. É o órgão da fé, o órgão da esperança, o órgão do ideal. Vê, por isso, com os olhos d’alma, o que não vêem os do corpo... Onde pára o cérebro de ver, outorgou-lhe o Senhor que ainda veja; ... Até onde chegam as vibrações do sentimento, até onde se perdem os surtos da poesia, até onde se somem os vôos da crença: até Deus mesmo, inviso como os panoramas íntimos do coração, mas presente ao céu e à terra, a todos nós presentes, enquanto nos palpite, incorrupto, no seio, o músculo da vida e da nobreza e da bondade humana.” E concluímos dizendo que continuaremos a viver com os mais elevados sentimentos, mesmo depois da vida do corpo, pois o espírito que nos anima é imortal. De tal arte que a nossa amizade perdurará infinitamente. Joceni Do Canto: «Somos todos iguais» em nossas diferenças. Foi um privilégio para nós tecermos esses breves comentários sobre a sua excelente obra. Marco Aurélio Daher Advogado, escritor e procurador da cidade de Santo Antônio de Pádua, RJ. Autor do livro Memória e reflexão de uma viagem... Do Oriente Médio ao Infinito e do infinito ao interior da mente humana.
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Oh! Venerado estandarte Símbolo da pátria mãe gentil Galardão de esperança e paz Sempre que a vejo Desfraldada ao vento Sinto sua grandeza aqui dentro Sou Brasil! No teu colo Embalas o ouro da terra E o fausto azul Iluminado pelo Cruzeiro do Sul. Embevecido Em sua notabilidade sacra, Entendo os deveres e obrigações Em cada peito juvenil Aceite o amor com que guardo Seu cortinado de justiça, Porque direito se conquista Liberdade ainda que tardia Sou Brasil!
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Expondo aqui meus sentimentos com uma certa tristeza, algum desprezo e muita revolta, em se tratando dos descasos, demagogias e corrupções. Mas, por outro lado, agradeço a Deus pelo dom de reconhecer o lado bom dessa história. É com bastante orgulho que exalto tantos heróis in memoriam, homens íntegros de ontem e de hoje, que continuamente lutam pela felicidade e bem-estar do povo. Deus, conhecendo meu coração, me levou a fazer uma viagem psicodélica, me dando a certeza que um dia...
O amor vai dar conta Nadei no céu do Criador, flutuei no doce véu do mar, andei de baixo pra cima e de lá pra cá pra ver se mudava a rotina que quer me calar; mergulhei, nas profundezas da terra, vi um foco de guerra tão desigual. Um campo minado, nesse mundo coitado, perto do final. Dei a volta medida com a métrica do dono da razão e com ele dei a partida pelas areias sem vidas que respiram com as águas da imensidão quando vêm se banhar; me fortaleci com o perfume da flora, quando a fauna na mesma hora emitiu o mais lindo som jorraram-se as águas de cima, para que eu lavasse a chacina, purificasse Hiroshima com aroma de Saron; só assim me dou conta que o amor vai dar conta da destruição.
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Homenagem às mulheres O Arquiteto maior da costela de Adão criou você mulher, com supremacia, toque de magia e lhe fertilizou o menino rei, a virgem deu a luz o preço da vida pregado na cruz, novo tempo nova criação, a mulher se faz presente gerando a semente se revestindo de paixão, embalando a miscigenação. Submissa nunca mais, guerreira, sexo frágil que cruzou fronteira, fez o bem vencer o mal, com amor, hoje o poeta exaltando o seu valor. Seios que amamentam vidas, sonhos que viverão eternamente, heróicas mulheres, erguendo o estandarte no esporte na cultura e na arte. Serena, com força, fé, garra e determinação e com seu talento superou os preconceitos raciais. Mulher é paz é liberdade, Mãe dom divino de amar e sutilmente se respalda em decisões faz os problemas reverter-se em soluções. Do seu swing vem toda magia, da sua voz nosso cantar, pela existência quero te agradecer, mulher razão, dom de viver.
Sumário
Introdução..............................................................................17 A importância do amor..................................................................17 Fruto de um amor de verdade.......................................................19 União abençoada por Deus............................................................20 Meu velho progenitor.....................................................................21 Nasce um marco.............................................................................22 Vivendo por viver...........................................................................22 A saga de uma mãe heroína...........................................................22 Razão do renascer...........................................................................24 Sinal de fraternidade......................................................................25 Duas almas maravilhosas, que me deram grandes privilégios...25 Ferrugem, arroz doce com canela, russinho.................................27 Congratulações...............................................................................29 Nunca é tarde..................................................................................30 O preço da vida..............................................................................31 Tão só..............................................................................................33 Minha nova trajetória.....................................................................34 Divina inspiração............................................................................35 Filosofar era uma arte que Deus me dava.....................................36 Dom de deus...................................................................................37 Eloquente paixão............................................................................38 Me chamam de russo......................................................................38 Primeira grande fase de sorte.......................................................40 Meu primeiro amor........................................................................41 Sedução...........................................................................................42 Uma cilada que quase me leva às penas do verbo penar.............43 Os acordes da vida..........................................................................45 Verbo penar.....................................................................................47 Às margens da sorte.......................................................................48 Santa liberdade...............................................................................48 Meu elo............................................................................................49 Revel................................................................................................51
Espaço no céu.................................................................................52 As cores e a cena.............................................................................53 A fé no amanhã...............................................................................54 Medindo forças...............................................................................55 Fora da realidade............................................................................58 Rainha do amanhecer.....................................................................61 Medida exata...................................................................................62 Maldade absurda.............................................................................64 Dura decisão...................................................................................65 Somos iguais...................................................................................66 O nosso sangue tem a mesma cor.................................................68 Entre o volante e o banco...............................................................70 Sem estudo e sem amor.................................................................71 O amigo que não deixou a porta se fechar atrás de mim............73 Amigo..............................................................................................74 Nome da lua....................................................................................75 Essência do amor............................................................................76 Sonho de momento........................................................................77 Um homem marcado......................................................................81 Da cabeça aos pés...........................................................................83 O cupido do meu novo amor.........................................................84 O prazer de amar............................................................................86 Um livro aberto...............................................................................88 Coisas de Deus................................................................................88 O passageiro da agonia..................................................................91 Ao tempo incerto e à sorte que é cega..........................................92 Tanta crueldade..............................................................................93 Marcado pelo seu amor..................................................................96 Desenlace do enlace que me entrelaçou.......................................97 Semente de uma semente...............................................................97 A poesia florescer em minh’alma..................................................98 Verdadeiro professor......................................................................100 Surgiu como visão..........................................................................101 Celeiro de poetas............................................................................102 Olha só.............................................................................................104 Um duro golpe na vida...................................................................105
Às margens da vida........................................................................106 Eu vi o meu deus todo poderoso...................................................108 A luz que me conduz......................................................................109 E a história voltou a se repetir.......................................................113 Minha vida mudaria da água para o vinho...................................115 No meu lar, doce lar.......................................................................116 A regra dos dez mandamentos do bom viver...............................118 Algo tão doce..................................................................................122 Que amor de carnaval é fantasia...................................................122 Um amor de verdade......................................................................123 Transformações...............................................................................125 Seja bem-vindo Júnior, nós te amamos.........................................125 Reflorescer.......................................................................................128 Escadas da vida...............................................................................129 Grande filho....................................................................................132 Heranças da idade..........................................................................133 Nada posso fazer.............................................................................135 Entre a vida e a morte....................................................................138 Sou brasileiro, jamais desisto.........................................................139 Tinta mancha..................................................................................143 Trabalhador x covardia...................................................................144 Agora vamos falar de jangada que é pau que boia!.....................144 Sequência da vida...........................................................................155 Impunidade x CPI..........................................................................146 Mas nós “é” SETE...........................................................................146 Ninho de cobras.............................................................................147 Faça amor, não faça guerra............................................................153 Minha alma cansada.......................................................................155 As flores...........................................................................................156 Na medicina, é de se ver................................................................158 Na guerra, heróis notórios.............................................................158 O idealista inconfidente.................................................................158 Eles na política, foram os finos......................................................158 O pai da aviação..............................................................................158 O brasil vira um dilema.................................................................158 A que pena......................................................................................158
O vídeo do sonhos..........................................................................158 E os predestinados que soltaram a voz com ousadia...................159 Machado de Assis............................................................................159 José Datrino ‘‘Gentileza’’................................................................159 Esses Baluartes!...............................................................................160 Fruto do meio.................................................................................161 Refletindo minha reflexão... .........................................................164 Eclesiastes........................................................................................169
Introdução Do enlace matrimonial de João Francisco do Canto, “Chico”, e de Francisca de Almeida do Canto, “Chica” – casal formoso e apaixonado, quatro anos de verdadeiro amor – era eu o quarto fruto, semeado no ventre fértil de Chica. Em pleno sol de verão, brotava janeiro, quando um mal traiçoeiro surpreende meu pai levando-o à mesa de operação. Homem sereno em suas atitudes e paciência de um monge, cria na sorte e na juventude. Minha mãe, mesmo preocupada, acreditava no seu Robin Hood, que foi para o corte e, forte, venceu a morte. Mas os solavancos da vida já me machucavam, participava de tudo e não sabia de nada. O mês já findava, e o sorriso estampava em seu rosto com a alegria da volta de seu Einstein, que lhe beijou a barriga e abençoou seu neném. De repente o pior acontece: a montanha esmorece e o mal então se deu: um corpo estranho em seu corpo um médico relapso esqueceu. Eu, protegido no leito ventre, enquanto ele era envenenado no leito que virou o palco da tragédia e da dor, por um famigerado assassino que desconhecia...
A importância do amor O amor é tão bonito O amor é importante O amor dissolve o ódio O amor destrói a guerra Por amor eu vim a terra O amor é tão constante O nosso Salvador Deu a vida por amor Não posso compreender Se o amor vai se perdendo Levado por caminhos A lugares tão banais Por isso vou gritar Gritar com desespero Ajude a cultivar O amor no mundo inteiro
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Obrigado pai, pelo senhor ter deixado no seu coração a única coisa que jamais irá se acabar porque Ele é o caminho da paz. Com Ele, o mal se desfaz! E só através Dele é que haverá responsabilidade para que outros sádicos não brinquem de matar a qualquer momento ou a qualquer hora de cada dia oito, como ele que fez com que, ao oitavo dia do mês de fevereiro, minha pobre mãe gritasse com desespero pelo triste desenlace em que fez prevalecer o ditado que diz: “Tudo o que é bom, dura pouco neste mundo de Deus”. A sua dor me fazia sofrer, mesmo na sua barriga eu sentia, mas sem de nada saber. Na imensa dor da saudade, ela chorava a perda e cultivava a vida. Ele se foi, e me fez existir, porque a vida é mesmo assim: enquanto uns vão outros vêm a seguir. Mas pela força do amor ela não se entregou. Carregou-me, sem se deixar abater. Há exatamente um mês e três dias depois, a luz se acendeu! Aos treze da sorte, de março de peixes, do ano de 1950. De quatro, uma era fêmea, e eu, Joceni de Almeida do Canto, o terceiro guri...
Fruto de um amor de verdade Meu pai era papa-goiaba de Friburgo, descendente de italianos, da conceituada família Canto. Já minha mãe era carioca de Santa Cruz, mistura da raça brasileira. Ele era carpinteiro de esquadria e funcionário do antigo IAPI, hoje, nosso INSS. Recebeu uma indicação para trabalhar no Rio de Janeiro, na construção do conjunto residencial do órgão citado, em Realengo. Como era do quadro ativo, vivia no próprio alojamento. Ela morava perto, na rua Belém. Houve um encontro “casual”, ou seja, amor à primeira vista. Começaram a namorar. Criada pelos seus padrinhos. Eram muito enérgicos. Haja vista, minha mãe ainda estar solteira com trinta e três anos de idade, que, nascida em 1911, só encontrou o verdadeiro amor em 1944. Meu pai, homem cheio de virtudes e atitude, tomou Memórias de um "Russo" brasileiríssimo 19
iniciativa e foi pedir sua mão em casamento, o que foi aceito. Então começam a namorar em casa. Ele vivia sozinho, não era mais criança, pois estava com trinta e dois anos, e ele nascido em 1912, sendo mais novo do que ela um ano. Prepararam-se e casara-se no dia 29 de dezembro de 1945. Saiu do alojamento onde vivia e foi morar com ela na casa onde já residia, para viver aquela...
União abençoada por Deus Ah que suave estarmos juntos Com voz macia a falarmos de amor Vendo em sua face pequena O olhar discreto e sereno Neste sorriso tão doce Dizer-me o que sente Ah que lindo apreciar seu corpo Tendo tuas mãos a me guiar Como o leme que dá rumo ao barco Eu me encontro agora em pleno mar Quem nos mandou certamente virá nos buscar quem nos uniu não irá querer nos separar Esta união foi abençoada por Deus E estaremos juntos em qualquer dos planos seus
Era de fato um planejamento invejável. Reinava a paz e a união. Ele era carente e ela carente também; da união se tornaram dois, ou seja, o casal! Mas com a vinda do primogênito, num parto tranquilo, dia treze de outubro do ano seguinte, chegou Getúlio, aumentou a família viraram três, e seus padrinhos foram os mesmos de minha mãe, seus pais de criação, a saber Domingos e Benedita. No ano seguinte voltou a engravidar. E no dia vinte e nove de novembro, para maior felicidade, nasceu o segundo menino, que se fez o quarto e se batizou Juarez. E da sua terceira gestação, no dia trinta de janeiro de 1949, nasceu uma bela menina que se tornou a quinta e foi chamada Luci. Logo em seguida seria eu o quarto rebento dos dois que completariam seis na família. A gestação seguia normalmente como as anteriores. Só que algo de ruim veio a acontecer e abalar uma estrutura tão sólida: um acidente de 20 Joceni Do Canto
trabalho fez meu pai se render a um excesso de peso, fruto da covardia de dois companheiros que prestavam o mesmo serviço, onde carregavam uma barra de ferro de aproximadamente 150 quilos sobre os ombros; eles sustentavam as duas pontas e meu pai sustentava o meio, e, cedendo ao enorme peso, soltaram as pontas e fizeram com que todo o peso fosse posto sobre os ombros de meu saudoso pai. E ele, coitado, se rendeu ao instrumento da sua ruína. Que o fez descer ao chão, e a sua triste sina fez parar seu coração, deixando destroçado um alicerce construído só de amor. Eu ainda não era o sexto membro da família; ele foi o primeiro, e se foi, e eu só me tornei o quinto na sorte porque sobrevivi a todo choque naquele ventre forte... Tudo isso mediante a uma cirurgia totalmente negligente e covarde que o fez voltar ao pó, impedindo a sequência do meu ídolo maior, dando fim à intensa felicidade de um grande amor. Das quatro sementes, ele viu as três primeiras luzes se acenderem. Eu, a quarta luz, acendi! Porém o brilho se ofuscou. Sou o caçula forçado, pela trajetória cortada, fruto da saudade e da dor, que por culpa de um momento infeliz, ficou consolidado o fim da vida do...
Meu velho progenitor É com muita gratidão Que inspirado em você Faço esta doce canção Meu pai Meu velho progenitor Trago seu sangue nas veias E no peito seu amor Quando você se foi Estava num colo tão só Aguardando o rebento divino Pra vida que é o dom maior Você partiu antes dela Voltando pro eterno pó Onde quer que você esteja Um beijo no seu coração Carrego seu sobrenome Com orgulho e emoção Sou verbo da sua história Meu arvoredo do bem Você simboliza vitória Do Reino da Glória... Amém! Memórias de um "Russo" brasileiríssimo 21
Nasce um marco Prevalecendo a ordem natural da procriação, o rebento se deu! Recebi o mais divino dom, que é a vida. E a ela vim à luta, numa eterna disputa para tentar sobreviver. No início de uma década marcante, em plena era Vargas, o meu Rio de Janeiro, "cidade maravilhosa e cheia de encantos mil", de cariocas alegres e tão prosa, na capital do meu Brasil. Realizava-se a inauguração do estádio Maracanã, na época o maior do mundo. O país em festa e minha mãe pranteava a perda de uma vida. O Rio recebia; de minha mãe era tirado, e a paixão a deixou...
Vivendo por viver O amor floriu em mim No dia em que o conheci Você me trouxe a paz Que eu tanto procurei Que importa Se o mundo desabar Se com você não posso mais ficar? Se a vida tirou de mim O que eu mais amei Por isso agora Eu vou sem rumo Por esse mundo a fora Vivendo de lembranças suas Mas quase morrendo E no infinito Vou te procurar Todo o meu amor Vou lhe entregar E até que isso aconteça Não vou ter outro em teu lugar
A saga de uma mãe heroína Logo após o meu nascimento a nação parava. E o povo chorava com a triste derrota da seleção brasileira na grande final da Copa, para a seleção do Uruguai pelo placar de 2x1, dentro do maior estádio do mundo que é o nosso Maracanã. E como uma antítese proporcio22 Joceni Do Canto
nada pelo destino, minha mãe sorria pelo nascimento de uma nova vida, que veio substituir a assolação por uma nova perspectiva do futuro. Nasci debilitado, com pouca saúde e um luto estampado no fundo do olhar, dando sequência à luta de uma pobre mulher, que veio a conhecer o sofrer. Minha saúde foi se agravando, e a cada dia ia de mal a pior. Ela peregrinava rumo aos hospitais. Os médicos me desenganavam, mas, perseverantemente, ela cria na cura; não parava noite e dia. Recursos? Não tinha. Sozinha, com os pés calejados, o corpo cansado por um sofrido resguardo, a dor era tanta, mas não se entregava! Até que um dia, ao ver sua luta, Dona Isaura, sua vizinha, resolveu lhe ajudar. No dia seguinte, as duas saíram sem nenhum destino. Eu, já quase sem vida, e algumas feridas, era rejeitado a cada hospital. De colo em colo, nas suas andanças faltava-lhe forças, mas nunca a fé! Como a fé remove montanhas e a esperança é a última que morre, Chica em sua dor diz: “Só Deus poderá trazer a solução! Estamos sem destino, com fome e sem pão”. Desembarcaram de um trem em Realengo, subiram e desceram a escadaria da estação. Havia um táxi e nele embarcaram sem nenhum tostão, e ao motorista chorando diziam: “Meu filho está morrendo, meu filho vai morrer!”. Um toque divino do Criador entra na mente daquele senhor: “Esta criança é batizada?”, indagou. Teve a resposta imediata: “Não!”. “Então vamos levá-lo para que possa ser batizado ou receber a extrema-unção, para que não morra pagão.” E assim fui levado à Igreja de São João Batista e Nossa Senhora das Graças, ali mesmo no bairro perto de onde morávamos (por coincidência a mesma onde ela e meu pai se casaram). Ao ver minha situação, o padre Francisco exclamou: “Vamos logo batizá-lo, antes que morra. Será agora!”. “Onde estão os padrinhos?”, Mamãe respondeu: “Estão aqui, será esta senhora e este senhor” – a saber, a vizinha e o motorista. E assim realizaram a Igreja de Nossa Senhora das Graças e São João Batista, em Realengo.
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cerimônia batismal. O milagre foi acontecendo, notoriamente fui me restabelecendo, minutos depois de ter me tornado cristão! Tudo foi mudando... O sorriso voltando a todos os presentes naquela Casa de Deus. Após as despedidas e com a benção sacerdotal, o motorista levou-nos para casa, já como compadre de minha mãezinha, seu José, meu padrinho, junto com a vizinha, dona Izaura que se tornou minha madrinha, após a graça de Deus ter me concedido...
Razão do renascer Vamos tentar... compreender Ninguém vive só por viver Ninguém nasce só pra sofrer Esta é a razão do renascer Se não houvesse Uma lágrima de dor Minh’alma transbordaria Se não houvesse Um jardim em flor Nenhuma criança sorria Tudo se torna tão lógico Não há João sem Maria Não há paz sem esperança Não há noite sem dia Lá ia lá ia lá ia lá ia... Não há João sem Maria Não há paz sem esperança Não há noite sem dia
Realmente as minhas chances eram remotas. Eu renasci, porque a minha recuperação foi uma benção. Porém os problemas continuaram nos importunando, principalmente a dificuldade financeira. Haja vista que a pensão deixada por papai era muito pouca para que pudesse sustentar quatro filhos pequenos, já que era um humilde funcionário público federal. Mas Deus continuou agindo sobre mim. Minha madrinha, alma generosa, falou com seu marido sobre a possibilidade de criar-me. Ele, tendo também uma grande alma, concordou imediatamente. Ela foi ao encontro de mamãe e lhe disse: “Comadre, estou vendo sua dificuldade para criar estas crianças e ainda cuidar de seus padrinhos idosos e doentes. Vim lhe propor o seguinte: deixe que 24 Joceni Do Canto
leve este inocente para ajudá-la a criá-lo”. E ela, diante das dificuldades concordou; e lá fui eu, e eles com todo carinho cuidaram de mim e das minhas feridas. A minha mãe ficava feliz ao ver o amor com que se dedicavam para comigo, refletindo em mim como um grande...
Sinal de fraternidade Nuvens escuras no céu, é sinal de tempestade; mãos que se unem, unem-se na Terra, é sinal de fraternidade. No alto estão as nuvens e tempestades, vêm e passam; no mundo está o homem fazendo castelos de vidraça. Do sol vem a luz com a sua realeza, que no mundo impera junto com a bela natureza. Isso é que é beleza que a todos conduz e faz com que as trevas se transformem em luz. Beleza é a maior felicidade. Homens unidos, pensamentos nobres, beleza é simplesmente a compreensão dos povos ricos e pobres.
Foi um ato humilde, porém fraterno, a decisão foi difícil e dolorosa. Só depois de ver o amor que eles me davam, e também pelas casas serem uma ao lado da outra – assim como fazia Miriam, irmã de Moisés, que o levava para sua mãe amamentá-lo – minha querida madrinha, que me criou como um filho seu, fazia o mesmo: me entregava por cima da cerca para mamãe me amamentar. Sentia o calor do seu corpo junto ao meu, e vice-versa, além de ter também um pouco do carinho de meus irmãos. E só ao saber que o marido de sua comadre logo se intitulou meu padrinho, “pai de criação”, é que se conformou com a ideia, já que o casal não tinha filhos, eu fui o premiado com aquelas...
Duas almas maravilhosas, que me deram grandes privilégios Ele já era um homem de idade avançada, 61 anos, nascido em Portugal em 1889. Homem sério, honesto, correto, muito humano e religioso, católico apostólico romano. Ensinou-me só coisa boa e a ser um menino de bem. Deu-me boa educação, e o entendimento que Memórias de um "Russo" brasileiríssimo 25
lá no céu existe um Deus maior, que é o dono do mundo, e que eu tivesse a certeza de que era filho d'Ele. E para isso nunca abriu mão de que ouvisse a oração da Ave-Maria, na rádio Tupi, às 18 horas, com o saudoso locutor Júlio Lousada. Esse homem também era José! José Joaquim Fernandes, meu “Zezé”, porque era assim que o chamava carinhosamente. O tempo passava e ele se intitulava meu padrinho. Nos seus ensinamentos me chamava de meu filho. Eu o considerava como se fosse o Sr. José, meu verdadeiro padrinho, que me batizou e sumiu por causa de ciúmes do Zezé, que não era o padrinho verdadeiro, mas que me assumiu como tal. Com sabedoria e postura usava o diálogo como a força do homem, e que a palavra força era para os insensatos e os animais. E que briga era para cachorro, galo etc. Também dizia que tudo é força, mas só Deus é poder. Exigia que eu respeitasse para ser respeitado. Porque eu só iria colher o que plantasse. Mas ensinou-me que o dia que me batessem no rosto ou ferissem o meu brio, principalmente se estivesse certo, que eu perdesse o amor à vida e tomasse atitude, e então, onde ele estivesse, iria me aplaudir! Foram ensinamentos dados durante toda a minha infância. Confirmava a profecia de que o mundo de mil passaria e a dois mil não chegaria! O que trouxe guardado em mente até a virada do século no ano 2000. Graças a Deus tive olhos para ver. E minha madrinha fazia sua parte, endossava os seus ensinamentos e pedia para que eu os guardasse. Da casa ao tanque, do quintal à cozinha, como dona do lar, verdadeira rainha. Não me faltava nada,
Meus padrinhos José Joaquim Fernandes Izaura de Souza Fernandes
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dava-me bastante amor e muito carinho. Eles sempre me mandavam visitar minha mãe e meus irmãos, e quando pedia para vê-los, eles deixavam. A mãe de criação da minha mãe morreu em 19 de janeiro de 1954. E logo no dia 9 de abril veio a falecer seu pai de criação: mais duas grandes perdas. E no dia 24 de agosto, lembro-me como se fosse hoje, de que estando eu em sua casa, o rádio estava ligado, quando o Repórter Esso entra no ar em edição extraordinária, anunciando a morte por suicídio, do maior estadista brasileiro, o excelentíssimo senhor presidente Getúlio Dornelles Vargas. No mesmo instante ela caiu em prantos, desligou o rádio e se trancou em seu quarto. Fiquei apavorado com o seu desespero. Voltei para casa, e contei aos meus padrinhos o que havia acontecido, e perguntei por que ela agiu daquela maneira. E me responderam: “Ela atravessa uma fase muito difícil por ser 'getulista roxa'". No dia seguinte, voltei a visitá-la e já a encontrei mais calma. Recebi sua benção e começamos a conversar. Só então me explicou o porquê de sua comoção: “Era um bom presidente meu filho! E deu direitos ao povo trabalhador; se hoje tenho a pensão do teu pai, agradeço a ele. Eu o adorava e por isso batizei teu irmão mais velho com o nome dele”. Então tudo voltou ao normal e como o tempo segue nos preparando para a vida, topadas, tombos, não me faltaram. Além dos apelidos e das encarnações, como, por exemplo...
Ferrugem, arroz doce com canela, russinho Meus padrinhos me matricularam na Escola Pública Cel. Corcino do Amarante. Era meia hora a pé de casa ao colégio, e vice-versa. Cumprindo um trajeto diário, passei a ser conhecido por onde passava. Como os garotos não sabiam meu nome, me chamavam de “arroz doce com canela”, “ferrugem”, e os adultos me chamavam de “russinho”; eu até gostava, pelo fato de ter aparência russa e pele sardenta. Ao chegar do colégio minhas atribuições eram tomar banho e almoçar. Descansava do almoço, e ia fazer o trabalho de casa. Só então poderia brincar, mas com a seguinte condição:
Eu aos 7 anos de idade
Memórias de um "Russo" brasileiríssimo 27
às 18 horas voltar para casa e agradecer por mais um dia de vida, e terminar os outros afazeres. Tinha sete anos de idade, e passei ainda tão pequeno o maior susto da minha vida, quando o paiol de pólvora de Deodoro explodiu. Foram granadas para todos os lados, num desespero total; as famílias abandonaram suas casas, inclusive minha mãe e meus irmãos; nós fomos os únicos que não saímos. Apesar do pedido da mamãe, por ele negado, fiquei rezando por toda noite, em meio a tantos estampidos e tanta destruição, que só cessou ao amanhecer com o bairro totalmente vazio. E foi nesse bairro que prossegui cheio de esperanças, tanto que passei de série, e aos oito estudei catecismo e fiz a Primeira Comunhão na mesma igreja que meus pais se casaram, em que fui batizado e também curado. O Brasil se tornou nesse mesmo ano o campeão mundial de futebol. E o meu Vascão super, super campeão. No colegial, passava da segunda para a terceira série. Era só alegria! É... mas no início de 1959, antes de completar nove anos, o pior aconteceu: minha amada madrinha, segunda mãe, veio a falecer. E meu velho padrinho, vendo-se sozinho, não se acovardou. Deixou-me ao seu lado, para manter um mandato que não terminou. Finde o ano a terceira série, pelas lacunas que foram deixadas. Ele, mesmo com dificuldades, prosseguia em sua missão. E a quem conhecia, pedia para que lhe arrumasse uma companheira para preencher o vazio da sua triste solidão. Não demorou muito tempo ela apareceu, apresentada pelo seu inquilino, senhor Arlindo. Eles se entenderam e ela veio morar com ele. Que por sua vez ficou entre a cruz e a espada; me chamou e disse o seguinte: “A partir de hoje, meu filho, dormirás na sua casa. Durante o dia venha para cá, tudo continuará como antes, nada mudará, até que eu termine a minha missão”. E apesar de ainda ser uma criança, achei legal sua atitude. Só que muita gente o criticou. Mas ele, firme como sempre, falou: “O que me importa é você e a minha consciência. Quanto a eles, lhe peço que quando eu morrer não deixe que venham com badalações, nem falsas...”.
28 Joceni Do Canto