O devir da verdade

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o devir da verdade fundaçþes da filosofia

William Batista


Copyright© William Batista, 2012 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem a autorização prévia por escrito da autora, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados.

Reimpressão: 2014 Editor João Baptista Pinto Diagramação Francisco Macedo Revisão / Ilustrações Do Autor CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ B336s Batista, William José, 1949O devir da verdade: fundações da filosofia / William José Batista. - Rio de Janeiro: Letra Capital, 2012. ill. 218p.: 21 cm Inclui bibliografia ISBN 978-85-7785-168-3 1. Filosofia - História. I. Título. 07-1359.

CDD: 109 CDU: 1(09)

16.09.12

21.09.12

Letra Capital Editora Telefax: (21) 2224-7071 / 2215-3781 letracapital@letracapital.com.br

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Sumário 1. O destino da finitude .................................................................. 7 2. A filosofia....................................................................................... 9 3. Algumas definições de filosofia.................................................. 12 4. A tarefa da filosofia...................................................................... 17 5. Linha do tempo............................................................................ 22 6. Fundadores da filosofia................................................................ 26 7. História e historicidade............................................................... 29 8. Filosofia grega – a natureza......................................................... 32 9. Sócrates – a revolução humanística........................................... 39 10. Platão e a dialética...................................................................... 43 11. Aristóteles, a metafísica e a lógica............................................ 52 12. O pensamento medieval – Características gerais da filosofia na Idade Média..................... 63 – Patrística ................................................................................... 66 Santo Agostinho......................................................................... 68 – Escolástica ................................................................................ 73 As escolas. ................................................................................. 74 Os universais. ............................................................................ 77 Tomás de Aquino........................................................................ 78 13. A Modernidade.......................................................................... 88 – R. Descartes e o racionalismo.................................................... 91 – Espinoza e a ética da liberdade.................................................. 97 – Empirismo................................................................................. 109 F. Bacon...................................................................................110 J. Locke....................................................................................... 111


G. Berkeley................................................................................. 112 David Hume............................................................................... 113

– Idealismo................................................................................. 114 Kant e a crítica da razão......................................................... 114 Hegel e a fenomenologia......................................................... 119 14. Breve panorama da cultura contemporânea........................... 125 15. K. Marx e F. Engels e o materialismo histórico...................... 131 16. S. Kierkegaard e a vertigem da angústia................................. 142 17. F. Nietzsche, a desnaturalização da moral e a crítica à cultura........................................................................... 149 18. S. Freud e a psicanálise.............................................................. 161 19. M. Heidegger e o pensamento do ser...................................... 170 20. J-P. Sartre e o existencialismo................................................... 178 21 M. Foucault, o poder, o discurso e a produção do sujeito..... 188 22. M. Horkheimer – a Escola de Frankfurt................................. 200 23. Esquema para antropologia filosófica..................................... 206 24. O projeto fundamental da filosofia.......................................... 208 25. Grandes obras filosóficas, literárias ou científicas ................ 210 26. Referências Bibliográficas......................................................... 214


1. O destino da finitude – O ser como devir

A filosofia começou na Grécia arcaica e nunca se cumpriu, nunca se completou. Nunca mais acabou de começar. E desse nunca e dessa incompletude a própria filosofia faz medrar ainda agora para si mesma o vigor do seu começo. E volta ao seu destino. O que funda a filosofia desde os primeiros pensadores gregos é a teoria que situa ao longo dos séculos de duração da sua errância a pergunta que pergunta sobre o que é isso que existe e a revelação da sua verdade. A verdade fica velada ou na aparência que se esconde à superfície, ou na essência que desapareceu. Aparência e essência ora se aproximam, ora se afastam, ora deslizam e se confundem, ora se dissimulam, ora balançam e trocam de lugar. A história da filosofia conta a história da revelação/ocultamento da verdade narra a história da sua própria incompletude. E da incompletude do humano. Narra, relê e interpreta, cada vez nova e sempre voltando ao seu começo, vestígios, trilhas e traços do não dito do que foi dito com palavras , as perguntas e as respostas em torno da verdade que, como o ser, tende à ocultação. O que é a verdade não aparece e porque não aparece, espera; mas espera como o que precisa ser procurado, e continua por isso mesmo ignorado e esquecido. O que pode ser verdadeiro é verdade mesmo quando está velado, mesmo quando invisivel, ainda escondido no esquecimento; e é também verdadeiro quando revelado. Pode portanto ser verdadeiro desencoberto ou escondido. E assim, porque a verdade não é determinada nem pelo seu velamento nem pelo seu desvelamento, o advento da verdade é devir contínuo. As verdades são provisórias. O Devir da Verdade

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Com a pergunta pela verdade, a filosofia sinaliza o seu fim no seu começo. Em qualquer momento histórico aponta para sua origem e seu princípio. O esforço dos pensadores em vista da elucidação da verdade ao longo dos séculos se complexifica, e numa relação de oposição e proveniência um do outro, ensejam novos alcances, novas articulações e implicações, novos discursos e novas derivações que parecem indicar que a verdade, se se afunda ou vem à superfície, mais uma vez fracassa. Para meditar esse fracasso e continuar perseguindo a ocultação da verdade, a historia da filosofia convoca os filósofos com seus desvios e os seus erros. Os pensadores gregos, os primeiros a pensar, começaram a filosofia com a pergunta pela natureza, o ser do que existe, físis. Essa é a pergunta que a filosofia nunca mais acabou de perguntar. Contínua e ao mesmo tempo descontínua,os seus princípios ainda hoje vigiam e preservam seu curso; o seu fim nunca rompe com a sua origem.Essa origem é mais do que procedência ou proveniência; é pertinência essencial.Origem originária que vigora sempre;doação que dispõe,provê, atravessa, marca e determina, sustenta e nunca se esgota. Assim, a única fundação da filosofia persiste fincada na Grécia; apenas os gregos, dos pré-socráticos a Platão e Aristóteles, são os fundadores da filosofia. Se não pensamos ainda ou se não pensamos mais, estas são duas razões a mais para ainda começar o seu começo, que a seu modo já está pleno. De uma plenitude que arrasta atrás de si o seu vazio. Na finitude se radica a incompletude humana, a fluência da realização que nunca termina. Finitude não define apenas a condição daquele que carrega em si mesmo o seu fim e acaba, mas projeta o destino daquele que nunca está completo e nunca está realizado; aquele que começa e nunca acaba de começar.

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2. A filosofia Filosofia, seja como teoria do real ou como expressão de uma interpretação do mundo ou mesmo como crítica da cultura, responde em seus princípios a uma informação ética. O ethos da ética se refere à demora propriamente humana historial – a que deixa vestígios – na morada do homem. Os estudos que compõem esse livro percorrem esses vestígios. Compreendidas em suas implicações culturais, as filosofias representam um esforço de interpretação e interferência na realidade, um olhar crítico mais ou menos original e mais ou menos característico lançado para o mundo e que, com o seu vigor, continua repercutindo em outros modos de olhar, interpretar e interferir na realidade. Quem se depara com a filosofia se dispõe a aprender a pensar. Só se aprende a pensar a partir do momento em que se deixa pensar e não deixa mais que a filosofia o ensine a pensar. Mesmo porque não se ensina a pensar; aprende-se a pensar. Trata-se portanto de se dispor a aprender a deixar-se pensar. O verbo deixar em português distingue duas acepções básicas: permitir e abandonar. Deixar tem o sentido de permitir quando, por exemplo, se deixa que alguma coisa aconteça e essa coisa permitida flua em sua fluência própria. Deixar tem o sentido de abandonar quando, por exemplo, se deixa uma casa: abandona a acomodação; abandona a proteção e a segurança dos paradigmas instituídos e prontos, aceitos por todos; abandona os modos de pensar padronizados e nunca questionados. Quem se depara com a filosofia aprende a deixar nos dois sentidos básicos do nosso verbo deixar: filosofia é ao mesmo tempo permissão e abandono. O primeiro passo e talvez o único radicalmente necessário para se chegar à sabedoria filosófica é fazer de alguma forma a experiência do seu próprio não-saber. Nada saber de antemão para, escutando

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atentamente esse não-saber, fazer em si mesmo um tal silêncio que capacite os ouvidos a ouvir o que se oculta nos múltiplos modos de aparecer, a identidade de todas as diferenças. Mesmo para não filosofar se utiliza filosofia; pois quem questiona a filosofia já está filosofando. Para questionar a utilidade ou afirmar a inutilidade da filosofia é preciso filosofar. Se a única utilidade da filosofia fosse se deixar utilizar para que se demonstrasse a sua inutilidade, já se estaria exercendo sua utilidade: o questionamento e a crítica. Por isso, toda filosofia é também filosofia da filosofia. Pois a filosofia se afirma exatamente em ser questionada. É esse questionamento que impulsiona a filosofia e o ato de filosofar. É por isso que filosofia está sempre em crise; pois que se exerce mediante a crítica. Filosofia está sempre em crise porque se move no limite daquilo que se pode e não se pode pensar, daquilo que se pode e não se pode conhecer. Move-se no limite daquilo que se revela e se esconde; do dizível e do indizível. A filosofia está sempre em crise porque se bate permanentemente nos seus limites e com os seus limites. Como teoria da realidade, a reflexão filosófica se define como teoria prática e prática teórica. Não existe distinção entre teoria e prática. Toda prática é teórica e toda teoria é prática. A teoria que não é prática de nada serve, e se não serve para nada, nem é teoria. É a filosofia que se empenha por recuperar a liberdade e o vigor do pensamento teórico diante das soluções cotidianas imediatas e não criticadas, e que se dispõe a superar, pela reflexão, as repetições condicionadas por mecanismos de poder que criam e impõem valores que nunca se questionam. O mais próprio da filosofia são seus riscos, sua aventura, as incertezas. Muito mais do que de certezas, o pensamento se nutre de procuras. Pois toda filosofia é provisória e se supera. É próprio da filosofia permitir que o pensamento se transforme em ponte, um horizonte, meio de transporte. Todo pensamento abre, em seu processo, um caminho para outro, pois contém em si mesmo muito mais do que ideias e muito mais do que suas ideias. Todo pensamento se desdobra; os seus 10

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desdobramentos ecoam no aberto dos outros pensamentos. E a partir desse aberto, seus ecos se expandem. Nunca se chega a uma resposta conclusiva, nunca se constrói uma explicação definitiva. Assim, o pensamento filosófico é filosófico exatamente porque essa expansão acaba por se constituir em matriz de ideias, o que fornecerá novas visões e novos rumos, novas chaves, novos roteiros, novas perspectivas e sementes, novas sínteses. Em relação ao saber, e em especial ao saber filosófico, que se define como saber em busca do saber, estamos sempre começando. A experiência do pensamento faz-se mediante disposição de abertura e acolhimento do mundo, que a filosofia platônica e aristotélica nomearam como espanto e admiração. O envolvimento admirado e espantado com a realidade faz-se lentamente, inclusive pela consciência de não-saber. Filosofia é um saber que sabe que não sabe. E sabe não saber. Trechos escolhidos1 “Ser homem já significa filosofar. Segundo sua essência, o homem como tal já se encontra na filosofia. Como o ser homem tem diversas possibilidades, múltiplos níveis e graus de lucidez, o homem pode encontrar-se de diversas maneiras na filosofia. De modo correspondente, a filosofia como tal pode permanecer velada ou manifestar-se no mito, na religião, na poesia, nas ciências sem que seja reconhecida como filosofia.” (Heidegger. Introdução à filosofia)

“O tempo filosófico é um grandioso tempo de coexistência, que não exclui o antes e o depois, mas os superpõe numa ordem estratigráfica. É um devir infinito da filosofia, que atravessa sua história mas não se confunde com ela. A filosofia é devir, não história; ela é coexistência de planos, não sucessão de sistemas.” (Deleuze. O que é a filosofia)

1 Os textos escolhidos para citações, ao final de cada capítulo, são identificados apenas pelo nome do autor e da obra da qual foram extraídos. Isso porque não se tratam de citações literais. Ao serem escolhidos, esses textos foram traduzidos, relidos e, em muitos casos, adaptados ao interesse do contexto do capítulo. O Devir da Verdade

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3. Algumas definições de filosofia Filosofia é uma pergunta Filosofia é uma pergunta, uma interrogação. Mas não é uma pergunta ou uma interrogação qualquer. A pergunta filosófica é uma pergunta pela identidade e pela realidade de alguma coisa. A pergunta pela identidade pergunta pelo ser de alguém ou alguma coisa. A pergunta pela realidade pergunta pela existência e a verdade de alguma coisa. Em interrogar a identidade das coisas e a sua diferença em relação às outras, os gregos inauguram o que eles próprios chamaram de filosofia: amizade com a sabedoria. É a pergunta pela identidade e diferença que dá a primeira direção à filosofia e lhe garante o âmbito do seu movimento histórico: quem pergunta pela identidade pergunta pela diferença e distingue uma coisa de outra; percebe a multiplicidade de que é feita a totalidade. Todo pensador, cada um a seu modo e cada um dentro do seu enfoque, formula as suas questões em suas implicações com a totalidade do humano. Cada um formula de maneira característica a sua pergunta e lhe dá uma resposta também característica a partir do seu modo característico de perguntar. É então a nossa realidade mais próxima que nos impulsiona à reflexão filosófica. O impulso à reflexão filosófica é o impulso a tomar distância dessa realidade que nos cerca para melhor percebê-la, compreendê-la e interpretá-la. Assim, a pergunta filosófica pode ser dirigida a qualquer tema. Não existe tema não-filosófico. Diante de qualquer tema, se há disposição à reflexão e ao questionamento, a possibilidade de pensar filosoficamente se oferece. E é, muitas vezes, no aparentemente não-filosófico que o mais prementemente filosófico se revela. Pois é exatamente do obscuro e do inexplicado que se busca explicação e clareza. O universo das questões da filosofia grega, por exemplo, não 12

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é mais o nosso; foi superado. E é superado que continua lançando as bases conceituais com as quais se formulam as nossas questões e nossas respostas. A filosofia grega guarda uma atualidade que nunca foi superada. Nosso modo ocidental de olhar e interpretar o mundo, nosso modo de pensar, nosso modo de formular e responder a perguntas, nosso modo de conhecer e expressar nossos conhecimentos formam os seus princípios e conceitos a partir da razão grega. Porque são muitas as questões, são muitas as possibilidades de enfoque e ângulos de visão, e são muitas as interpretações e explicações, muitos são os sistemas filosóficos. E porque são muitos os métodos e muitos são os sistemas filosóficos, não se diz a filosofia, mas as filosofias. Pois cada interpretação é impulsionada por um tipo diferente de inquietação diante da realidade. Cada grande pensador toma distância dos outros grandes pensadores, não apenas para criticá-los, atualizá-los e reinterpretá-los, mas para, a partir do seu pensamento, abrir outros rumos, pois diziam mais do que pareciam dizer.

Filosofia é uma reflexão crítica • porque expressa a tomada de posição diante de uma questão. Todo posicionamento já representa crítica; • porque questiona a verdade daquilo que nos aparece como verdadeiro ou se nos impõe de imediato como verdade; • porque se dispõe a interpretar as questões sob vários enfoques e pontos de vista diferentes; • porque aceita que a realidade apresente várias faces e pode ser analisada sob uma pluralidade de ângulos; • porque avalia a coerência do raciocínio dos outros posicionamentos tanto quanto avalia a coerência do seu próprio raciocínio; • porque é capaz de julgar honestamente e autenticamente o grau de sustentação dos critérios e os argumentos; • porque, em relativizar os padrões e modelos de interpretação do mundo, põe em questão as conclusões baseadas na experiência cotidiana; • porque, consciente de que a realidade está em permanente O Devir da Verdade

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construção e descoberta, dispõe-se, quando necessário, a reconsiderar seu posicionamento, seus postulados e princípios;

Filosofia é esforço de abstração Percebemos o mundo com a nossa sensibilidade, e com a nossa inteligência nós o entendemos e pensamos. O nosso conhecimento opera, portanto, uma síntese de sensibilidade e intelecção. Por meio da colaboração dessas duas faculdades, nós representamos o que conhecemos. A representação que o nosso entendimento elabora se chama abstração. Abstração é a representação conceitual de um saber. Quando abstraímos nós ultrapassamos a multiplicidade empírica das qualidades individuais das coisas que percebemos e sintetizamos a dispersão das diversidades numa unidade, ao mesmo tempo em que estabelecemos relações que permitem uma visão universal e mais ampla da realidade. Filosofia é abstração porque procura ultrapassar determinações concretas em vista de conteúdos ideais e sínteses.

Filosofia é busca de fundamentação e sentido Poucos fatos, circunstâncias, acontecimentos e até escolhas que fazemos são imediatamente e claramente compreensíveis ou revelam um sentido e fundamento evidentes. É preciso reflexão para buscá-los e encontrar o meio e o instrumento para procurá-los. O homem é o único ser que faz de si mesmo questão para si mesmo. Ele é capaz de pôr em questão seu próprio ser; ele está em busca de si mesmo, ele está em busca de sentido. Aquele que se põe em questão em seu ser é para si mesmo motivo de inquietação e angústia. A angústia me indica que alguma coisa, que muitas vezes de início nem sei determinar com precisão, perdeu seu fundamento e a sua sustentação. A angústia me predispõe a perguntar pela origem da falta e da perda. A angústia é esse fundo a partir do qual eu entro em contato com o esvaziamento, o estranhamento, a ameaça do nada.

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Filosofia é sistematização do pensamento Filosofia é um sistema conceitual de pensamento. Quem filosofa pensa sistematicamente. Pensar sistematicamente é pensar a partir de princípios coerentes, relacionar ideias e conceitos, ordenar os enunciados de modo a chegar a uma visão de totalidade e à expressão precisa de uma tomada de posição diante do mundo. A reflexão filosófica elabora e trabalha com conceitos e expressa o seu raciocínio por meio de enunciados: • procura desenvolver a sua argumentação e encadear logicamente as ideias; • preocupa-se em construir um raciocínio coerente com os seus princípios e pressupostos; • organiza a reflexão, finalmente, em um discurso. O discurso articula os seus conceitos de tal forma que cada ideia se relacione com outra, e essa reciprocidade forme uma totalidade coerente e com sentido. Como discurso, filosofia é a exposição do pensamento em forma de desenvolvimento de ideias. Essas ideias encadeiam conceitos e argumentos por meio de recursos metodológicos que convêm ao seu tema ou enfoque desse tema. O método, as ideias, os conceitos, os enunciados, organizados em discurso, formam um sistema filosófico. Trechos escolhidos Filosofia é o estar interpelado e desafiado pelo próprio ser;é primordialmente o cuidado do ser e nunca uma questão de cultura e de conhecimento. (M. Heidegger. Parmênedes)

As obras do pensamento não podem ser explicadas. Só podem ser pensadas. E pensadas na forma que nos apela e provoca a pensar.

(Carneiro Leão. Aprendendo a pensar.)

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Não há uma filosofia que contenha todas as filosofias; em certos momentos, a filosofia está inteira em cada uma delas. Seu centro está em toda parte e sua circunferência em nenhuma. Assim, a verdade, o todo ali estão desde o princípio – mas como tarefa a cumprir, e, portanto, ainda não estão ali. ” (Merleau-Ponty. Em toda e em nenhuma parte.)

A superação filosófica do mito não é um simples deixar-para-trás o mítico, mas uma luta constante contra e com ele: a filosofia precisa do recurso do mito, não apenas para explicar seu ensinamento conceitual, mas inerentemente para saturar seu próprio edifício conceitual onde ele fracassa – do mito da caverna de Platão ao mito do pai primordial de Freud. O mito é, assim, o real do logos: o intruso estrangeiro – impossível livrar-se dele, impossível permanecer inteiramente dentro dele. (Slavoj Zizek. O amor impiedoso).

O papel da filosofia não é descobrir o que está escondido, mas sim tornar visível o que é precisamente visível – fazer aparecer o que está tão próximo, tão imediato, tão intimamente ligado a nós mesmos que, em função disso, não o percebemos. Enquanto o papel da ciência é fazer conhecer aquilo que não vemos, o papel da filosofia é fazer ver aquilo que vemos. Tento tornar visível o que só é invisível por estar muito na superfície das coisas. (Michel Foucault. Ditos e escritos.)

O que eu procuro fazer é a história que o pensamento mantém com a verdade. A história do pensamento é pensamento sobre a verdade. (M. Foucault. Ditos e escritos V)

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