O tempo real dos jovens

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Conselho Editorial Série Letra Capital Acadêmica Beatriz Anselmo Olinto (Unicentro-PR) Carlos Roberto dos Anjos Candeiro (UFTM) João Medeiros Filho (UCL) Luciana Marino do Nascimento (UFRJ) Maria Luiza Bustamante Pereira de Sá (UERJ) Michela Rosa di Candia (UFRJ) Olavo Luppi Silva (USP) Orlando Alvez dos Santos Junior (UFRJ) Pierre Alves Costa (Unicentro-PR) Robert Segal (UFRJ) Sandro Ornellas (UFBA) Sergio Azevedo (UENF) Sérgio Tadeu Gonçalves Muniz (UTFPR) William Batista (Bennet - RJ)


Paulo Cesar Pontes Fraga Jorge Atilio Silva Iulianelli Orgs.

O tempo real dos jovens: juventude como experiĂŞncia acumulada


Copyright © Paulo Cesar Pontes Fraga, Jorge Atilio Silva Iulianelli (orgs.), 2013 Esta obra não pode ser reproduzida total ou parcialmente sem a autorização por escrito do editor.

Editor João Baptista Pinto

Capa Luiz Guimarães

Projeto Gráfico e Editoração Luiz Guimarães Revisão Rita Luppi

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

T28 O tempo real dos jovens: juventude como experiência acumulada / organização Paulo Cesar Pontes Fraga , Jorge Atilio Silva Iulianelli. - [1. ed.] - Rio de Janeiro : Letra Capital, 2013. 262 p. ; 23 cm. Inclui bibliografia ISBN 9788577852444 1. Juventude - Aspectos sociais. 2. Jovens - Atividades políticas. I. Fraga, Paulo Cesar Pontes. II. Iulianelli, Jorge Atilio Silva. 13-07859 CDD: 305.23 CDU: 316.346.32-053.6 10/12/2013

11/12/2013

Letra Capital Editora Telefax: (21) 3553-2236/2215-3781 letracapital@letracapital.com.br


Sumário

Apresentação Juventude como sujeito de direitos: nova gramática dos discursos sobre juventudes....................................................... 7 Jorge Atílio Silva Iulianelli Paulo Cesar Pontes Fraga

1ª Seção - Territorialidades e Políticas Públicas de Juventude Vítimas e agressores ou por que matamos os nossos jovens? Estudo sobre homicídios contra jovens em municípios baianos................................................................. 27 Paulo Cesar Pontes Fraga Campanhas de prevenção e o jovem usuário de Crack................ 50 Denis Petuco Jovens e participação no Brasil: para além das políticas públicas.................................................................... 68 Patrícia Lânes Araújo de Souza A emancipação de jovens nos tribunais: o efeito revelador da transitoriedade.......................................................... 91 Rogéria Martins

2ª Seção - Sagrado e Juventudes Jovens do mundo do candomblé: descrições e pretensões pedagógicas............................................................ 105 Rafael Soares de Oliveira A experiência religiosa da juventude brasileira contemporânea: esboço atualizado de um estado da arte......................................................................................... 134 Marcelo Ayres Camurça Juventudes ecumênicas brasileiras no Século XXI – dos projetos e processos............................................................. 161 Jorge Atilio Silva Iulianelli 5


3ª Seção - Juventudes e Cultura Cultura juvenil, lazer e violência................................................ 191 Elisabeth Murilho da Silva Santo som: Hip-hop gospel é trilha sonora na periferia de Juiz de Fora......................................................... 214 Tâmara Lis Reis Umbelino Caiu na rede: o hip-hop como experiência social e forma de resistência................................................................. 245 Paulo Cesar Pontes Fraga Tâmara Lis Umbelino Maria Fernanda de França Pereira Eduardo José Moreira


Apresentação

Juventude como sujeito de direitos: nova gramática dos discursos sobre juventudes Jorge Atílio Silva Iulianelli Paulo Cesar Pontes Fraga

A modernidade inacabada, como afirmam Boaventura Sousa San-

tos e Jürgen Habermas, por razões distintas, tem como uma de suas dimensões a radicalidade democrática e o direito ao reconhecimento. Essa dimensão do direito ao reconhecimento, a luta por afirmação de identidades é o que traduz o fato de haver na agenda política internacional a questão por políticas públicas de juventude. O fato demográfico da onda jovem, iniciada no século passado, na década de 1990, não é apenas um elemento do crescimento populacional. O Brasil é um país imenso e diverso. Nossas realidades regionais e locais, assim como as identidades dos grupos sociais têm diversidades muitas. As identidades de gênero, étnica, etária, de orientação sexual, dentre outras, são socialmente construídas e lidam com a desigualdade social que se afirma por meio de relações sociais (trabalho, educação, atendimento à saúde). Ao fim e ao cabo, temos um país rico pelas diferenças e perverso pelas desigualdades. Juntamente às desigualdades há intolerâncias criando cenários de exclusão social que afeta, de forma mais angustiante, as juventudes. Este texto curto irá apresentar alguns cenários que afetam as juventudes nas cidades e no campo, chamando a atenção para a contribuição da juventude para a superação das desigualdades. Só para reafirmar, juventude não é uma categoria que se afirma por uma determinada faixa de idade. É um ciclo de vida no qual as pessoas estão se afirmando por sua condição. Nesse ciclo de vida as juventudes constroem valores sobre relações familiares, trabalho, opção sexual etc., e se afirmam em ações sociais de interação e sociabilização, constituindo redes sociais de inserção no mundo. Essas relações e formação de valo7


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res são condicionadas pelas características socioeconômicas das juventudes – origem social, renda familiar, desenvolvimento regional etc. Por outro lado, a partir de 1994, demograficamente ocorreu a onda jovem, a presença social e demográfica dos jovens se tornou numericamente mais relevante na sociedade brasileira. Em 2000 havia 47 milhões de pessoas na faixa etária de 15-29 anos (para o governo brasileiro, assim como para a OMS esta é a faixa etária da juventude). Em 2010, quando houve o maior pico dessa faixa etária, o grupo cresceu para 51 milhões de jovens, conforme o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). No Brasil estamos vivendo ainda o que os demógrafos chamam de onda jovem. A atual geração que tem faixa etária entre 15-29 anos corresponde a 20% da população. Há vários debates públicos sobre como abordar a questão da juventude. A sociologia da juventude tem ficado entre as classificações que qualificam os jovens como classes perigosas, porque participantes dos grupos delinquentes e desviantes da sociedade; jovens revolucionários, porque participantes de grupos que lutam pela transformação do sistema; jovens acomodados porque participam do establishment sem questioná-lo. As novas situações das juventudes pós-1980, com a presença da AIDS remodelando os comportamentos sexuais, com novas modalidades de lutas políticas, com a inclusão da agenda cultural, tem feito com que se olhe a juventude como sujeitos de direitos. De fato, a partir das lutas por direitos da juventude se constituiu no Brasil, em 2005, a Secretaria Nacional de Juventude e, em seu âmbito, o Conselho Nacional de Juventude. Nestas instâncias, jovens organizados a partir da identidade religiosa, de distintas orientações sexuais, por setores rurais e urbanos, por segmentos culturais diversos apresentam suas agendas de lutas e suas reivindicações por direitos. A atual situação das juventudes no Brasil está pressionada pela baixa qualidade da formação escolar. Segundo o IBGE, a evasão escolar no ensino médio (entre 15 e 17 anos de idade) é de 10% e constitui a maior taxa entre os países do Mercosul, o que gera graves consequências para a inserção do jovem no mercado de trabalho. A violência letal, por armas de fogo, é uma das principais causa mortis entre a juventude. Cerca de 35 mil jovens morrem anualmente vítimas de homicídios perpetrados por armas de fogo, sobretudo negros, pobres, que vivem nas periferias urbanas. A taxa de mortalidade entre jovens de 20 a 29 anos de idade é de 103.1 óbitos por 100 mil habitantes, de 15 a 19 anos de idade a taxa é de 71 óbitos por 100 mil e de 30 a 39 anos, 57.1 por 100 mil habitantes. 8


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Reforçam-se os comportamentos sexuais de risco, gerando aumento de gravidez na adolescência e incidência de DST/Aids. Pesquisa do Ministério da Saúde (2011) indica o aumento de incidência do HIV/Aids entre jovens na faixa etária de 13 a 19 anos. A mesma pesquisa mostrou que entre os jovens de 15 a 24 anos as mulheres são mais vulneráveis, o que indica também a desigualdade de gênero. As juventudes brasileiras se veem desafiadas pela marca da desigualdade. Se, para o conjunto dos jovens, o acesso à educação, à saúde e ao trabalho é precário, é ainda mais precário para jovens negros, mulheres e pobres. Há algumas informações gerais sobre esses jovens no Brasil que mostram o perfil médio dessa juventude. Para os dados que seguem a base é a PNAD de 2007. O percentual de 30,6% dessa juventude é pobre, ou seja, a família tem renda média de até meio salário mínimo. As mulheres representam 53% dos jovens. A maior parte dos jovens pobres (51,7%) vive no Nordeste, sendo que 19,3% dos jovens pobres nordestinos vivem nas áreas rurais. A maioria dos jovens pobres são afrodescendentes (70,9%). As desigualdades entre os brancos e os negros jovens no Brasil são ainda mais evidentes ao olharmos alguns setores da vida social. No campo da educação, a maioria dos jovens, 15-29 anos, dos 6,8 milhões de analfabetos, 71,6% é negra – conforme o 2º Relatório Anual das Desigualdades Raciais (UFRJ). Em que pese haver uma redução da taxa de analfabetismo no Brasil entre 1996-2007, este é ainda um grande desafio para a juventude. O acesso da juventude afrodescendente ao ensino médio e ensino superior também é desigual. Em relação à saúde pública, permanece o dado que a principal causa de morte da juventude é a violência letal, provocada por causas externas (armas de fogo, sobretudo). Enquanto os jovens, de 15-29 anos brancos têm uma taxa de mortalidade por homicídio em 63,9 por 100 mil, os jovens negros têm essa taxa em 135,3 por 100 mil (Dados do SIM/SUS, de 2006). Considerando apenas os jovens entre 18-24 anos, a taxa entre os jovens negros é duas vezes maior que a faixa entre os jovens brancos, sendo 163,1 por 100 mil. A novidade no cenário nacional é a maior articulação entre os jovens que lutam por direitos. Os acontecimentos recentes de intensa mobilização da juventude mostra isso. Os jovens têm diversas articulações no campo político e cultural e passam a exercer pressão e controle social sobre os governos para que eles exercitem políticas públicas que corrijam aquelas situações de desigualdade elencadas acima. Os jovens desco9


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brem que, criando suas articulações locais, para exercer direito à cultura e lazer, esporte e educação, acesso à saúde pública, segurança e trabalho, controle social do meio ambiente, assegurando uma ecologia sustentável onde vivem, podem fazer a diferença. Usam para isso as redes sociais e os meios eletrônicos (computadores, celulares), como meio de interação, mobilização e criação de mudança. Mais que isso, passam a participar de conselhos municipais, estaduais e nacionais de controle das políticas públicas de juventude. Teremos que abandonar as heranças da modernidade? Os avanços em termos de reconhecimento da alteridade, do estranhamento, da inclusão, da valorização da diversidade, dos direitos humanos? As possibilidades da aventura do conhecimento científico, da biotecnologia, da cibernética? Esses jovens que estiveram nas ruas brasileiras, durante as, assim chamada, jornadas de junho, no ano de 2013, gritando pelo que é comum nos ensinam: Não haverá justiça socioambiental sem que se reconheça o tanto de racismo ambiental que a devastação planetária implica, as formas devastadoras que atingem de forma desigual populações tradicionais, pobres, mulheres e jovens das classes subordinadas, e os demais.

Da leitura do protagonismo juvenil à noção de juventude como sujeitos de direitos Precisamos notar que o Brasil, nos últimos 50 anos, passou de uma sociedade basicamente de ocupação rural para uma ocupação urbana. As cidades passaram a ser mais ocupadas. O espaço urbano passou a ser muito disputado. Isso tem alguns significados básicos. O primeiro deles é que a cidade passou a ser o lugar do trabalho. As pessoas trabalham em atividades de produção – indústrias de transformação, como construção civil e petróleo – e de serviços – como os serviços de educação, saúde e, também, os bancários. Lugar de trabalho que também ganha as ruas, pelo desemprego estrutural – há uma margem de desemprego permanente na sociedade, e as pessoas não têm como serem empregadas formalmente, com carteira assinada. A atuação no emprego informal vai incluir pessoas que lavam carros, são empregadas domésticas etc. Assim, o mundo do trabalho é um elemento fundamental do cenário urbano. Outra questão fundamental é a cidade como lugar de moradia. Neste caso, a desigualdade da sociedade é muito marcante. Ela se manifesta 10


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pela ocupação desigual do espaço urbano, produzida pela ação ou omissão do Estado, segregando as pessoas segundo as classes sociais a que pertencem. A questão da moradia é uma das mais angustiantes das cidades. A desigualdade de ocupação do espaço reflete a forma de utilização das cidades, transformadas em mercadorias pelo capital imobiliário. Este fato, somado à falta de políticas públicas habitacionais, resultou em ocupação desordenada do espaço e, consequentemente, em profusão de bairros sem condições de infraestrutura, que afetou a saúde e as condições de vida, em geral, da população mais pobre. A cidade como lugar de trabalho e moradia é o espaço no qual o desenvolvimento familiar e individual, bem como os cuidados com os indivíduos deve ser exercido para o benefício de todos. É o que se costuma chamar de direito à cidade. Esses direitos estão atrelados ao exercício dos direitos de cidadania. Aliás, a palavra cidadania está ligada à palavra cidade, e significa ser dono da cidade, se apropriar da cidade, ser cidadã e cidadão. Ter essa condição, de ser cidadã e cidadão, é poder usufruir dos benefícios de viver na cidade. Poder circular livremente, com segurança, tendo espaços de lazer e divertimento, equipamentos sociais de serviços educacionais, de saúde e estabelecimentos financeiros e comerciais que permitam as trocas sociais necessárias para a vida cotidiana. É também na cidade que vivemos nossas experiências religiosas e as tornamos visíveis para os demais habitantes do espaço urbano. Viver, desenvolver-se, ser feliz, são objetivos humanos onde quer que estejamos. Na cidade esta busca inclui a superação de diversos problemas. Vamos destacar alguns deles. Como as cidades crescem, nem sempre ordenadamente, há uma questão fundamental que é o abastecimento de água e o tratamento sanitário (saneamento). Este é um direito das cidadãs e cidadãos e um dever da municipalidade e do governo do estado. Juntamente a este serviço está o do recolhimento e tratamento dos resíduos sólidos (lixo urbano), oferecidos de forma precária ou inexistentes, comprometendo a saúde de jovens e adultos. Outro tema é o da população em condição de rua, que inclui meninas e meninos de rua, e também as trabalhadoras e trabalhadores de rua. Com raras exceções, há poucos programas de atendimentos sociopsicológicos e de assistência social. E são pessoas que contribuem para o funcionamento da vida urbana, de diversas formas, e isso nem sempre, ou quase nunca, é reconhecido. Juntamente a essa situação se colocam as questões da segurança pública, da comercialização de drogas, que 11


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não poucas vezes se associa ao controle territorial armado, que impõe condições de medo às populações de determinada região, para as quais a mediação de conflitos ainda está distante de ser alcançada. Nem se pode desconhecer o tema da mobilidade urbana. Não por um acaso a insurgência juvenil tomou as ruas em junho de 2013, reclamando por 0,20 centavos? Não. Reclamando por uma cidade justa para todos, na qual o transporte público seja para o povo, a serviço da população, e não das empresas concessionárias de transporte público. E todas aquelas agendas acima descritas apareceram nas ruas. Foram amalgamadas às agendas de contestação de forma de usurpação do Estado por setores conservadores do Capitalismo obscurantista brasileiro, pela agenda da intolerância sexual, étnica, religiosa... daqueles que não nos representam, da denúncia dos desaparecidos, dos Amarildos nossos de cada dia! Os discursos sobre juventudes têm assumido um papel relevante na formulação de políticas públicas. Com efeito, como indicamos alhures em nossa análise do conceito protagonismo juvenil, havia, dentre outros sentidos, uma pretensão em indicar um papel para a juventude (responsabilidade com o futuro) e uma metodologia pedagógica (socioconstrutivista, dialógica, ênfase nas práticas de educação popular). Esse conceito teve ampla utilização, vários analistas indicaram que o uso indiscriminado levava a uma perda de foco no mesmo. Outros indicaram que o conceito ocultava a submissão do governo brasileiro às políticas dos organismos multilaterais. No campo das práticas de educação popular com jovens de segmentos periféricos urbanos e rurais o conceito foi problematizado. A problematização estava indicada pela adjetivação do mesmo: protagonismo juvenil popular, protagonismo juvenil na luta por direitos, protagonismo juvenil rural etc. Essa adjetivação tinha como indicação a busca em responder o desafio de qualificar a orientação política da prática construída pelas juventudes. Efetivamente, essas juventudes vinham se constituindo em qualificados atores políticos na cena nacional. Isso ganhava densidade tanto com relação à construção da Secretaria Nacional de Juventude, quanto em relação à efetivação de políticas públicas de juventude. O perfil juventude passou a incorporar a cena política nacional, interferir no jogo do Congresso, criar uma pauta para os congressistas e impactar diretamente o processo legislativo. Além disso, o Executivo organizou, por meio da Secretaria Nacional de Juventude, a coordenação de políticas sociais dirigidas às juventudes, por meio dos diferentes ministérios. 12


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Surge um novo conceito que tem se imposto na reflexão sobre as juventudes que participam socialmente e conquistam direitos. Documentos públicos, estudos conduzidos por especialistas, utilizam o conceito de sujeitos de direitos, pluralizando ambos os termos, para emitir um juízo sobre qual a principal característica que identifica essa parcela da população. Isso não quer dizer, em absoluto, que o próprio conceito de juventude recebeu uma elucidação definitiva. Juventude continua um conceito que marca faixa etária, condição social, ciclo de vida, dentre outras formulações para indicar que a representação social da juventude depende do território social (por exemplo, há uma faixa etária significativa para jovem rural, outra para considerações legais que incluam o ECA), do serviço público que se lhe dirigirá, das práticas sociais que os jovens efetivarão, dentre outros indexadores. Porém, um elemento foi assumido pelos formuladores de políticas públicas: juventude se conjuga no plural, isto é, são juventudes! No ano de 2003 parecia que o conceito de protagonismo juvenil ainda teria um fôlego político e seria relevante para as práticas sociais e o planejamento de políticas públicas. No entanto, o caráter ambíguo identificado mostrava que ele possuía uma fragilidade. Por meio dele não ficava evidente a questão da construção de uma sociedade de direitos na qual as juventudes pudessem ter direito a ter direitos. Até mesmo porque o tema dos direitos geracionais são, ainda hoje, um enigma: são os direitos da juventude presente? Acesso à educação e ao mercado de trabalho? São os direitos das gerações futuras (desenvolvimento sustentável, inclusão social etc.)? São os direitos das especificidades (jovens camponeses, indígenas, negros, mulheres etc.)?

Algumas notas sócio-históricas Nos anos de 1990, o conceito de protagonismo juvenil era usado para reforçar a noção de ação conduzida pelos jovens. Era um conceito polissêmico, que tinha acepções vinculadas à noção de empreendedorismo, advinda do mercado, e acepções de empoderamento dos atores jovens, no sentido de serem os atores principais do cenário de conquistas de direitos. Essas conotações não eram complementares, antes contraditórias. Isso fica(va) evidente nos atores sociais que usufruem do conceito, quer como elemento elucidativo da ação educativa desenvolvida, quer como elemento interpretativo das ações desenvolvidas pelos jovens. De 13


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qualquer modo, o que o conceito coloca em jogo é uma apreciação da juventude como ator social, que participa de um cenário, algumas vezes construídos pela própria juventude, outras vezes apenas atuando em um roteiro que não foi por ela criado. O protagonismo da juventude, ou juvenil, é um conceito útil, quer do ponto de vista da metodologia pedagógica, quer do ponto de vista da interpretação da ação das juventudes, quer do ponto de vista da compreensão dos processos políticos e da posição que ocupam os atores das juventudes. Porém, não é um conceito autoaplicado pela juventude. Não há registros de uso pelos próprios jovens que atuam em movimentos sociais, espaços culturais, atividades desportivas e outras modalidades de ação social e cultural, do nome protagonista juvenil – “eu sou um protagonista juvenil” não é uma frase utilizada por ninguém. Este, como analisamos alhures, é um conceito polissêmico, originário dos organismos multilaterais, aplicado por governos e por organizações que atuam com juventude. Já no final da década de 1990 o conceito estava sob questão. Permaneceu assim até a primeira metade da primeira década, porém continuava sendo usado e era adjetivado para não deixar dúvidas: protagonismo juvenil popular, protagonismo juvenil negro, protagonismo juvenil das mulheres etc. As adjetivações tinham a finalidade de identificar os novos atores jovens – muito embora, não tenha notado em minhas investigações o uso cultural para protagonismo juvenil do hip-hop, funk, bate-lata e que tais. O elemento identitário estava vinculado à necessidade de circunscrever os sujeitos e suas especificidades. De uma certa forma, poderíamos afirmar que este uso adjetivado já subentendia a noção de sujeito de direito que irá se estabelecer no discurso governamental. Desde a constituição da Secretaria Nacional de Juventude (2002) e das realizações das conferências de juventude, a noção de maior acesso às políticas públicas de juventude, fez da perspectiva do protagonismo juvenil, principalmente oriunda de uma perspectiva empresarial e mercadológica, fosse substituída pela noção de sujeitos de direitos. Helena Abramo afirma que tomar o jovem como sujeito de direito é reconhecer sua condição específica e a singularidade de sua experiência geracional. O cenário acadêmico e os espaços de participação das juventudes, em especial o Conselho Nacional de Juventude, se mostraram como o lócus de constituição dessa noção de caráter político. Neste sentido, afirmar as juventudes como sujeitos de direitos ao invés de demarcar o espaço do 14


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protagonismo juvenil é definir que a ação dos jovens é um construto de suas diversas modalidades organizativas e de sua intervenção na esfera pública.

Problematizando O conceito de juventudes sujeitos de direitos está longe de ser simples. Primeiro, como deve ser compreendido? Podemos imaginar, ao menos, quatro acepções. Num sentido amplo, se refere à capacidade de acesso aos direitos sociais e políticos específicos da juventude. A luta no interior do Conjuve para fazer com que na emenda constitucional (PEC 42/2008) o termo juventude fosse incluído na Constituição Federal é um exemplo dessa perspectiva. Uma segunda possibilidade é a noção da competência em proposição de políticas públicas. Esta segunda acepção é muito próxima da anterior. Tem que ver com a participação de jovens em organizações tradicionais, como sindicatos e partidos políticos, e de sua luta interna nesses dispositivos para fazer valer uma visão dos direitos de juventude, com repercussões no campo da incidência pública da ação política. Uma terceira possibilidade seria a de articulação de interesses das juventudes a partir das organizações culturais, tais como hip-hop, funk, rap etc. Há ainda a organização da juventude a partir dos meios de wikipolítica, a participação via redes sociais, Internet etc. Seguramente, juventudes sujeitos de direitos inclui isso e é ainda mais amplo que esse campo semântico que está elencado aqui. Isso indica uma dificuldade de mapeamento desse campo político. Não menos complexa é a questão dos dilemas existentes entre juventudes sujeitos de direitos. E os dilemas são aqueles que estão presentes na sociedade como um todo, com algumas questões específicas atinentes às juventudes. Por exemplo, os jovens na condição de sujeitos de direitos exercitam a cidadania das juventudes? O que seria a cidadania das juventudes? Cidadania é um conceito amplo, moderno, que implica na afirmação de nossa capacidade de interação coletiva na constituição da esfera pública e administração da coisa pública. Em que isso possui uma diferenciação no que tange à cidadania das juventudes? Tem que ver com o momento pré-obrigatoriedade do voto, em sociedades como a brasileira? Sim, porém, seguramente, é insatisfatória a mera afirmação. Outra situação dilemática diz respeito às diversidades das juventudes. A categoria sujeitos de direitos quer dar conta de um papel de agen15


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te, ator social, que interfere em processos de construção da realidade social, em especial com ações transformadoras. Neste ponto, as diversidades étnicas, genéricas, sexuais, religiosas, dentre outras, apresentam demandas específicas, nem sempre convergentes. Como se conciliam estas duas noções, a de sujeitos de direitos e a de atores sociais plurais? Essa não é uma questão específica da juventude. Porém, há questões neste campo semântico que também são específicas das juventudes. Como lidar com elas?

Pequena digressão sobre juventudes sujeitos de direitos Uma das críticas que se fazia era o envelhecimento dos quadros políticos nas organizações tradicionais. Igrejas, partidos e sindicatos vêm sofrendo ao longo das últimas décadas uma perda de quadros, quer pela participação em cargos governamentais, quer pela não substituição de quadros. Entretanto, não havia estratégias positivas de incorporação de quadros. O caso do sindicalismo, urbano e rural, é exemplar. O sindicalismo no Brasil terminou consagrando uma forma de participação vertical e vitalícia (em muitos casos, aliás, este último fenômeno é mais incidente no universo rural). A partir dos anos de 1990, na sua segunda metade, as confederações sindicais e centrais começaram a estabelecer políticas de juventude e agregação de ações com a juventude (processos formativos, discussões sobre políticas públicas específicas etc.). Essa estratégia pode ser considerada vitoriosa, no que tange a favorecer a integração da temática das juventudes às políticas sindicais, porém, ainda é tímida em relação à renovação das lideranças sindicais. Da mesma forma houve uma abertura dos partidos políticos, em especial na última década, à incorporação de quadros jovens. A estratégia fundamental era renovar os quadros. Porém, o que se tem verificado é que os políticos jovens eleitos são, em geral, de famílias com alguma tradição de mandatos políticos. Ou seja, muito embora existam estratégias, especialmente no campo da formação e discussão de políticas públicas de juventude, a participação nas estruturas internas de comando dos partidos, e a eleição de políticos jovens para cargos é ainda menor que a participação de pessoas adultas. Nas igrejas cristãs a participação da juventude tem passado por momentos altos e baixos. Os processos de ‘carismatização’ e ‘pentecostalização’ do cristianismo no Brasil têm favorecido a uma alta taxa 16


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de participação móvel das juventudes. Ou seja, a religião cristã é espaço de trânsito religioso, os jovens assistem a atividades religiosas e têm uma participação transitória nos processos. Isso se verifica, também, pela baixa taxa de renovação dos clérigos nas igrejas. Efetivamente a presença de pastoras e pastores jovens é muito pequena. As igrejas são ‘androgerontocráticas’ sobretudo, isto é, lugar do poder de homens de mais idade. Por outro lado, há uma afirmação da crença religiosa elevada entre os jovens. É necessário, entretanto, mencionar que as igrejas sustentam amplas redes de articulação de juventudes entre suas membresias. Em suma, no que tange às organizações tradicionais, há uma baixa participação da juventude nos cargos diretivos. Muito embora, a presença das juventudes seja ampliada e a temática da juventude, em especial a discussão das políticas públicas de juventude, ganhe mais espaço. Isso significa que a renovação de quadros é ainda um elemento complicado para as organizações tradicionais. Nesse campo é necessário falar da interação das juventudes com o Estado brasileiro. Efetivamente, a partir do final da década de 1990 intensificou-se a discussão sobre os direitos das juventudes. Estas discussões desdobraram-se na criação da Secretaria Nacional de Juventude, do Conjuve, do debate sobre o Estatuto da Juventude e da Emenda Constitucional da juventude. Os movimentos de jovens conseguiram criar uma forma de participação social e política inovadora. 1. Movimentos sociais e movimentos de juventude Os movimentos sociais urbanos e rurais permanecem sendo formas de expressão de participação social pela cidadania ativa da sociedade brasileira. Os quadros dirigentes e a membresia organizada desses movimentos é constituída por jovens e adultos. A presença da juventude nos movimentos sociais é um elemento que merece maior atenção e apreciação sociológica. Efetivamente, nesses espaços sociais, na luta por Reforma Agrária e Urbana há uma confluência de jovens que não pode ser despercebida. Porém, esses movimentos não lidam com questões exclusivas da juventude; por outro lado, os jovens se afirmam nessas organizações como protagonistas de lutas sociais relevantes, também, para a juventude. As décadas de 1990-2000 viram acentuar-se a criação de movimentos de organização das juventudes. Esses movimentos inauguraram novas formas de participação social. Alguns desses movimentos tiveram 17


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uma estrutura político-cultural, como hip-hop, rap, funk; outros um caráter associativo ambiental, como o movimento estudantil (que poderia ser mencionado como uma das organizações tradicionais); houve a inovação de movimentos étnicos, em especial a partir da juventude afrodescendente; e a formação de redes sociais de jovens com caráter de afinidade sexual ou religiosa, como os de movimento LBGT e as redes ecumênicas, como as rede Fale e Reju – que embora redes de vínculo religioso, não se articulam como redes de igrejas ou de comunidades religiosas específicas. A inovação dos movimentos de juventude desse período foi, não apenas a de articulação de jovens de diferentes setores sociais, mas, também, a agregação de temáticas específicas das juventudes, relacionadas ao campo da sexualidade, da etnia, da cultura, do lazer. Esta foi uma nova forma de fazer política. As esquerdas trataram historicamente esses temas como questões pequeno‑burguesas. Eram temas dissimulados em outras questões consideradas mais abrangentes, como as relações trabalho/capital ou a democratização da sociedade. As juventudes vieram indicar que aqueles temas abrangentes, sem os outros temas, eram insuficientemente elaborados. Não obstante, mesmo esses temas necessitavam de um olhar das juventudes, o que os requalificava em relação à pressão dos ciclos de vida – assunto que apenas menciono aqui sem destrinchar devidamente. 2. Para além do descritivo: aspectos significativos da participação juvenil desde os movimentos de juventude Emergência das juventudes como sujeito de direitos – Talvez a maior inovação da década seja a emergência dessas juventudes como aqueles que, por meio da participação política, denunciam a ausência de políticas públicas capazes de lidar com as demandas biopolíticas das juventudes. O Estado cumpre o papel histórico de normatizar o espaço dos jovens e adestrar, no sentido de Foucault, os jovens para participar do mercado de trabalho e da ordem pública. As demandas por uma sexualidade não subordinada, reconstrução e ressignificação dos papéis sexuais (gênero), novas estruturas de lazer na Era dos TICs e interação participativa ficaram absolutamente relegadas. A emergência das juventudes mostrou que essas pautas não poderiam ficar de fora da agenda governamental. Na verdade, trouxe o problema da diversidade das juventudes para ser equacionado no campo de políticas públicas sempre pensadas para uma homogeneidade tutelada. 18


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Emergência das juventudes como proponentes de políticas públicas para a juventude – O Estado brasileiro teve que lidar com um conjunto de demandas que nasciam do fato de os jovens poderem se pensar como atores sociais. Este elemento inovador, também proporcionado pelos processos de democratização da sociedade brasileira, trazem para a pauta do Estado os problemas e as soluções inventadas pelos próprios jovens. Emergência das juventudes como atores socioeconômicos – Experimentações de economia solidária, produção agroecológica, convivência com o semiárido e outras inovações de relações socioeconômicas, têm nas juventudes seus atores protagonistas. Este elemento de capital humano acumulado gera um novo valor agregado para a economia nacional que ainda precisa ser mensurado. Autonomia e cooperação – Um dos elementos desafiadores da participação das juventudes é a afirmação da autonomia dos movimentos de juventudes ou da presença de jovens em organizações e movimentos e a cooperação intergeracional. A dialética da formação da identidade, que muitas vezes contrapõe as identidades, ao invés de favorecer o reconhecimento, nem sempre é notada como uma questão a ser enfrentada. 3. Para (não) concluir: alguns problemas e desafios Certamente a participação da juventude, como mencionado, muito embora ampliada, ainda precisa ser qualificada. Isto significa que as participações de juventudes nos diferentes movimentos e organizações ainda sofrem: (a) dos conflitos intergeracionais – velhos no poder; (b) da baixa qualificação educacional – problemas do sistema educacional brasileiro; e (c) da pressão genocida – alto índice de mortes de jovens por causas externas. Isso demanda da juventude a busca por processos formativos e organizativos que precisam ser criados ou reinventados. Por parte dos jovens a principal questão qual será? Somente eles podem responder a esta questão. Um olhar não jovem nos faz crer que há muitas questões a serem aprofundadas, as quais não saberíamos enunciar exaustivamente. Então, heuristicamente, poderíamos apenas dizer que as pressões do mundo do trabalho (acesso e remuneração), das novas estruturas familiares (gênero e sexualidade) e da formação sociocultural (educação, cultura e lazer) se colocam como os desafios fundamentais a serem respondidos na próxima década. Estas seriam, na nossa opinião, as questões fundamentais 19


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pelas quais a participação das juventudes em movimentos e organizações deveriam ter como horizonte. Uma nova sociabilidade e uma nova política dependerão das respostas a essas questões, de um controle social do sociometabolismo do capital, em superação ao controle capitalista vigente. Ao fim e ao cabo, a questão final do Manifesto Comunista, socialismo ou barbárie, permanece. A participação política não pode estar pensada somente a partir da presença dos jovens nos espaços políticos. Essa presença precisa indicar qual é o horizonte, qual é a esperança que move essa juventude, para qual modelo de sociedade, de desenvolvimento, de relacionamento sociopolítico a juventude quer conduzir os rumos de nossa sociedade. Participação política é mais que preencher lacunas ou substituir quadros para reproduzir socialmente tudo o que já está afirmado. Quais sonhos os jovens querem sonhar? Que visão de sociedade querem difundir? Quais práticas libertadoras querem alimentar?

Os momentos reflexivos do livro Neste livro, Tempo Real dos Jovens: juventude como experiência acumulada, os autores que colaboram estão inseridos em processos de ação/reflexão com juventudes. O livro foi organizado em três seções. Na primeira, territorialidades e políticas públicas da juventude, reunimos textos que indicam a inserção das juventudes na esfera pública, e os olhares que são sobre elas lançados. Na segunda, sagrado e juventudes, apresentamos reflexões que indicam o estado dos estudos sobre juventudes e religião, além de alguns estudos sociológicos específicos. Na terceira, cultura e juventudes, são tratados temas a cerca da produção cultural das juventudes, com olhares específicos. Os textos que compõem essa obra foram elaborados antes das jornadas de junho de 2013, porém sua atualidade pode ser contatada pelos leitores. O que se depreende da leitura dessas seções é que o tempo real das juventudes têm se alterado, tanto em ritmo de inserção das juventudes nos espaços sociais, quanto na modalidade dessa intervenção. Minimamente, saímos com o questionamento sobre o senso comum disseminado da alienação das juventudes contemporâneas, em contraposição a uma suposta consciência política transformadora da década de 1960. Além disso, há indicações de percursos que se afirmam em sua construção de uma cena 20


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política, econômica, social, cultural, religiosa que é bastante elucidativa dos habitus com que a sociedade brasileira se afirma. Isso nos leva a uma rápida incursão sobre os capítulos do livro. Paulo Fraga, em continuidade às investigações sobre os circuitos de violência e as juventudes, discute a construção social dos conceitos de vítima e de vitimadores e como eles têm sido aplicados à juventude. Nessa reflexão, aborda o fato de a justiça restaurativa ter instalado a noção de vítimas como central, e construir paralelamente a noção de sobreviventes, famílias sobreviventes, e movimentos de solidariedade com as vítimas. O aumento de homicídios na Bahia, que se contrapõe à tendência nacional de redução dos indicadores de homicídios, que também incide sobre os jovens, se apresenta como uma possibilidade de interpretação desse fenômeno da vitimização das juventudes em nosso país. Coloca, assim, em questão, políticas públicas de segurança e de saúde dirigidas às juventudes. Dênis Petuco analisa o uso das peças midiáticas na construção do imaginário social adverso aos jovens usuários de substâncias qualificadas como ilícitas, em especial relativa aos usuários de crack. Primeiramente, ele opera uma desconstrução dos conceitos usuais no tratamento de usuários de crack. Em seguida, submete à análise do leitor diferentes peças usadas com a suposta finalidade de cooperar para a superação da adição de usuários de crack, ou para a prevenção ao consumo. Observa que a semântica é de uma crueldade e despersonificação dessa personagem, usuário de crack, que mais que criar meios sociais de solidariedade para com os mesmos, qualifica a rejeição que a sociedade já alimenta, cercada pela semiótica da política proibicionista que orienta as políticas públicas nessa área. Patrícia Lanes reflete sobre a intervenção das juventudes na constituição de políticas públicas, em especial no âmbito do Conjuve. Na condição de insider, como conselheira do Conjuve, e, ao mesmo tempo, aliando argúcia sociológica, ela identifica como o processo democrático é fertilizado por juventudes que são capazes de se apropriar das tecnologias de informação e comunicação (TICs). Ela destaca que os jovens, na condição de sujeitos de direitos, vivem contradições e dilemas no processo de fortalecimento da democracia no Brasil. Na verdade, mais que uma condição, juventudes seriam referências aos lugares jovens, aos territórios das juventudes. Assim, cidadania, participação, não podem ser tomados como conceitos simples e positivos, senão complexos e dilemáticos, que tem que ver com as disputas por territórios que fazem 21


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parte da construção plural e radical do processo democrático, da qual participam as juventudes. Encerrando essa seção, temos o texto de Rogéria Martins, que investiga o discurso jurídico da emancipação das juventudes. Oferece uma revisão da literatura sociológica sobre os procedimentos jurídicos e as ações sociais que demarcam a passagem da infância à vida emancipada. Os tribunais são observados como um espaço de constituição dessa emancipação, da linguagem da emancipação. Nessa condição, arranjos de sociabilidades femininas são distintos do papel social, e sexual, dos jovens do sexo masculino. Há uma questão de gênero nas práticas geracionais que deve ser considerada. Isso é relevante em circunstâncias como as que temos, de incremento da gravidez na adolescência, como um dos elementos de nova sociabilidade feminina juvenil. Na sequência, iniciando a segunda seção, temos uma etnografia das juventudes de candomblé. Rafael Soares de Oliveira oferece uma leitura dos vínculos entre negritude, pobreza, construção das identidades de juventudes, a partir de experiências de terreiros de Salvador. Faz uma análise da negritude como circuito cultural, que mescla a produção cultural musical, artística e religiosa, como elemento de afirmação de identidade étnico-política. Essa constituição explica, também, circuitos e circulações das juventudes. Nesse circuito-circulação, de forma invisível (invisibilizada) se formam identidades juvenis de candomblé, que se explicam com a constituição de pertença a territórios, dos quais os candomblés são espaço de culto e esfera política. Essa formação da pertença possui elementos lúdicos e cúlticos. Marcelo Camurça empreende uma revisão da literatura das Ciências Sociais sobre Juventudes e Religião. Resgata esse binômio como campo de estudo, que emergiu com as discussões sobre as identidades religiosas das juventudes universitárias. Indica depois a migração dos estudos para a questão dos vínculos entre religião e cidadania, e como isto se relaciona à construção das identidades juvenis. Na sequência, mostra como esse campo chegou a uma nova formulação identificando a religião como mediação cultural das juventudes, explicando a adesão religiosa sem filiação denominacional e o trânsito religioso. Na segunda parte do texto desenvolve uma análise atualizada daqueles campos, mostrando que nas investigações sobre jovens universitários o que mais se busca são as visões de mundo dessas juventudes. Em relação à questão da cidadania, destaca o uso de métodos qualitativos nas investigações mais recentes. Em relação à mediação cultural, destaca 22


Apresentação

as investigações que identificam na música, sobretudo uma espécie de instrumentalização religiosa. Concluindo a seção, Jorge Atilio Iulianelli oferece uma análise sociológica das juventudes ecumênicas. Identifica a carência de investigações sociológicas do ecumenismo, como fenômeno não exclusivamente brasileiro, mas extensivo às outras latitudes. Levanta a suspeita da insignificância social do ecumenismo, o que conduziria a uma espécie de rejeição de tomar como objeto de estudo quer o movimento ecumênico, quer sua institucionalidade. Aceitando sugestões que identificam um cenário de funcionamento normal do ecumenismo, e outro que seria do movimento ecumênico, e as que afirmam haver uma tensão dialética transformadora em relação ao capitalismo periférico no movimento ecumênico no Brasil, oferece uma análise sobre a construção dos projetos ecumênicos no país e a participação das juventudes na sua elaboração e realização. Na última seção, os três capítulos lidam com as relações entre culturas e juventudes. Elizabeth Murilho analisa como a moratória social que recai sobre os jovens é um momento oportuno para a constituição do que a autora identifica como subculturas juvenis. Uma delas é o punk que se afirma como rejeição da sociedade hegemônica. Ela analisa o movimento punk paulista e o fenômeno das torcidas de futebol. Nota que tais fenômenos seriam expressão da fragmentação das juventudes. Percebe que mais que tribos urbanas há uma multiplicidade de estilos que merece observação sociológica. Tâmara Lins Reis Umbelino investiga um fenômeno cultural assaz intrigante, o hip-hop gospel. Por meio de uma etnografia do Ministério da Galera de Cristo, grupo de Juiz de Fora, Minas Gerais, observa que o hip-hop gospel descende do movimento homônimo que se disseminou no Brasil a partir da década de 1980. Porém, diferente do movimento do qual se origina, que tinha letras que explanavam situações sociais complexas e contraditórias, a modalidade Gospel, usando uma linguagem religiosa, dissemina mensagens semelhantes à sua raiz. Ou seja, mensagens de combate ao consumo de substâncias qualificadas como ilícitas, álcool e outras drogas, reforçam a proximidade entre os atores sociais desses dois movimentos. Além disso, traz um tom de mudança de comportamento que agrada aos jovens que se sensibilizam com essa modalidade. O último artigo Caiu na Rede: O hip-hop como experiência social e forma de resistência, trabalho coletivo de Paulo Fraga, Tâmara Um23


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belino, Maria Fernanda de França e Eduardo Moreira traz também o movimento hip-hop de Juiz de Fora como protagonista. Produto de uma pesquisa desenvolvida com apoio da FAPEMIG e do PLUG MINAS, o artigo fala sobre a utilização das redes sociais pelos jovens para a divulgação de eventos, para se expressarem e compartilhar suas experiências sociais. Enfim, esse conjunto de leituras quer mostrar, uma vez mais, o mosaico das juventudes que na cena brasileira, de diferentes maneiras, estão a construir a radicalização da democracia. Uma democracia mais plural, mais diversa e nem por isso menos impactada pela desigualdade social. Os processos por meio dos quais as juventudes acedem às políticas públicas e os mecanismos sociais afirmadores da cidadania, são permeados de dilemas, debates e embates. É um universo que não se esgota em borbotões e retalhos, de uma realidade fragmentada. Ao invés, é uma realidade entrecortada de ações comunicativas, que proporcionam interações capazes de mobilizar cooperação social de caráter transformador e afirmadora do Estado democrático de direito.

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