Pensamento e linguagem

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Pensamento e Linguagem:

Platão, Aristóteles e a Visão Contemporânea da Teoria Tradicional da Proposição.

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marilúze ferreira de andrade e silva

Pensamento e Linguagem:

Platão, Aristóteles e a Visão Contemporânea da Teoria Tradicional da Proposição.

2002


Copyright © Marilúze Ferreira de Andrade e Siva

Editores: Márcia Xavier de Brito & Alex Catharino de Souza

Capa: Luiz Henrique Sales

(sobre ‘Atenea do Varvakeion’, cópia romana da estátua grega ‘Atenae Patenos’ de Fídias)

Foto do Autor: Projeto Gráfico: Revisão: Editoração Eletrônica: Produção Cultural:

ASCON-UFSJ João Baptista Pinto Rita Luppi Luiz Carlos Guimarães Cláudio Aguinaga Potsch & André Andrade

Assessoria de Imprensa: Lígia Maria Filgueiras & Milena Cosmo Catalogação na fonte do Departamento Nacional do Livro S586p Silva, Marilúze Ferreira de Andrade e Pensamento e linguagem: Platão, Aristóteles e a visão contemporânea da teoria tradicional da proposição / Marilúze Ferreira de Andrade e Silva. – Rio de Janeiro: Pós-Moderno, 2002. 270p.; 14 x 21cm ISBN: 85-89181-02-2 1. Linguagem e línguas – Filosofia. 2. Pensamento. 3. Proposição (Lógica) I. Título.

Rua Tirol, 475 Jacarepaguá CEP 22750-007 Rio de Janeiro RJ Tel./Fax: (21) 2447-1291 EditorPosModerno@aol.com Printed in Brazil 2002


Conselho editorial: Andreya Mendes de Almeida S. Navarro (UCAM) Antônio Paim (Academia Brasileira de Filosofia / IHGB) Aquiles Côrtes Guimarães (UFRJ / Academia Brasileira de Filosofia) Arno Wehling (Uni-Rio / UGF / IHGB) Eduardo Mayora Alvarado (Universidad Francisco Morroquín) Emmanuel Carneiro Leão (UFRJ / Academia Brasileira de Filosofia) Dom Filippo Santoro (PUC-RJ) Ian Boyd, C.S.B. (Seton Hall University) João Ricardo Moderno (UERJ / Academia Brasileira de Filosofia) José Luiz Carvalho (USU) José Ribas Vieira (UFF / PUC-RJ / UFRJ / FESO / UGF) Leonard P. Liggio (George Mason University) Luiz Alberto Machado (FAAP) Maria Lúcia Victor Barbosa (UNOPAR) Marilúze Ferreira de Andrade e Silva (UFSJ) presidente Paulo Alcoforado Natividade Filho (UFF / ILTC) Pierre Garello (Université Aix-Marseille III) Ricardo Vélez Rodríguez (UFJF / Academia Brasileira de Filosofia / IHGB) Roberto Fendt Jr. (FGV-RJ) Ubiratan Borges de Macedo (UGF / Academia Brasileira de Filosofia / IHGB ) Ubiratan Iório (UERJ / IBMEC-RJ / FGV-RJ) Tarcísio Padilha (Academia Brasileira de Letras / Centro Dom Vital)



Dedico este livro, resultado de minha pesquisa de p贸s-doutorado, ao mestre e amigo professor Paulo Alcoforado, que despertou em mim o interesse pela pesquisa nas 谩reas de L贸gica e Filosofia da Linguagem.


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Sumário

Prefácio (Mario A. L. Guerreiro) ............................................... 11.............................................................................................

Introdução ............................................................. 23 Parte I Teoria do Nome ...................................................................27 Platão e as Teorias do Nome......................................................27 A Exatidão do Significado do Nome ..............................................28 Platão e as Teorias Relativista e Essencialista ...................................38 Aristóteles e as Teorias do Nome................................................55 O Nome na Relação Sujeito-Predicado ...........................................55

Parte II Teoria da Proposição ...........................................................101 Platão e o significado da proposição – o Sophista.........................101 As Considerações de Gabriel Nuchelmans sobre a Teoria da Proposição em Platão.............................................................109 Origem do Termo Propositio.....................................................122 Teoria da Linguagem e do Pensamento em Aristóteles.................. 126 Sobre o Pensamento .................................................................127 Os Estóicos e o Conceito de Lekton..........................................159 O Lekton como predicado de algo ................................................160

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Parte III A Visão Contemporânea da Teoria do Nome e da Proposição .....................................................................215 John R. Searle e as Teorias Causal e Descritivista da Intencionalidade do Nome Próprio..........................................215 A Teoria Causal......................................................................218 A Teoria de Donnelan...............................................................220 Nomes Próprios e a Explicação Descritivista ...................................228 Searle e a Diferença entre as duas Teorias......................................231 O Sentido dos Nomes Próprios segundo John R. Searle ....................233 O Sentido da Proposição segundo Frege.........................................242 O Sentido dos Nomes Próprios.....................................................253 O Sentido dos Nomes Complexos..................................................254 O Sentido das Proposições...........................................................255 Considerações Finais: Resultados e Discussões ..........................260

Referências Bibliográficas ............................................267

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Prefácio Mario A. L. Guerreiro

Departamento de Filosofia da UFRJ

Um discípulo pediu a Epimênides: “Demonstre para mim a razão pela qual devo estudar Lógica” E o mestre observou: “Ainda que eu pudesse fazer uma demonstração, como você reconheceria que ela era boa?”

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e considerarmos o uso lingüístico e nos situarmos neste começo de terceiro milênio, poderemos afirmar que “lógica” não é mais uma simples palavra, porém uma constelação de acepções. Dentro desta diversidade heteróclita, podemos eliminar de saída uma família de usos que se caracterizam como impróprios e ficar com outra família de usos que, apesar de suas significativas diferenças semânticas, têm de ser tomados como próprios. A primeira se subdivide em dois grupos. O grupo (a) compõe-se de expressões em que “lógica” não é usada para designar uma disciplina como a gramática ou a matemática, mas para veicular noções tais como a de “funcionamento e estratégia” (por exemplo: “a lógica do xadrez”), “articulação de um meio de expressão” (por exemplo: “a lógica do cinema”), “finalidade ou sentido” (por exemplo: “a lógica da vida”), etc. O grupo (b) compõe-se de expressões usadas para designar uma disciplina cujo caráter “lógico”, no sentido rigoroso do termo, revela-se suspeito. Por exemplo: “lógica dialética” (que, por não ser formal, deve ser tomada como “método”, jamais como lógica), “lógica do significante” (tal como pro-posta por J. Lacan) e “lógica do sentido” (tal como proposta por G. Deleuze) cuja acepção conferida à “lógica” é algo que, por mais que nos esforcemos, confessamos não lograr captar.

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Basta a palavra “lógica” ser empregada em expressões fazendo referência a mecanismos ou funcionamentos de quaisquer processos encontráveis no domínio da natureza ou da cultura humana, para que possamos levantar a grave suspeita de que está em jogo um uso impróprio do termo. Por exemplo: o cientista francês François Jacob usa a expressão “lógica da vida” para fazer referência a combinações de genes dentro da estrutura do ADN. Não temos a menor pretensão de questionar a validade de suas investigações científicas: queremos apenas chamar a atenção para um uso impróprio. Por sua vez, K. Marx, após ter virado de cabeça para baixo, a “lógica” dialética de Hegel – como ele próprio dizia ter feito – passou a usar a palavra “contradição” (nome de um importante conceito da Lógica no sentido próprio do termo) para designar algo cujos termos apropriados poderiam ser “conflito”, “atrito”, etc. Consideremos expressões tais como “contradições de classe”, “contradições da sociedade capitalista”. Neste ponto o economista e filósofo E. Dühring tinha toda razão quando da sua afirmação de que falar em “contradição” nas coisas é o cúmulo do absurdo. De fato, assim como a articulação sujeito/ predicado, contradição é algo somente encontrável no interior da linguagem. Como mostrou Wittgenstein, no Tratado LógicoFilosófico, tautologia e contradição são os limites do dizível, ou seja: não se referem a nada, não dizem nada, porém delimitam nossas possibilidades de dizer alguma coisa dotada de sentido. A Lógica e a Matemática não fazem parte do mundo das coisas e não se pronunciam a respeito de nenhum aspecto do mundo das coisas. Para a maioria das pessoas esta afirmação é bastante chocante e causadora de perplexidade e, temos de admitir, pode gerar alguns indesejáveis mal-entendidos. Alguém poderia ser levado a fazer a seguinte inferência: “Se a lógica não faz parte do mundo e nada diz sobre o mundo, então não passa de uma fantasia ou ficção”. Todavia, tanto os delírios da imaginação humana como as estórias

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de ficcionistas podem ter vínculos – diretos ou indiretos, mais ou menos tênues – com o mundo. A ficção não fala do que foi, porque não é História; não fala do que será, porque não é profecia, não fala do que é, porque não é uma descrição de eventos do presente (como, por exemplo, uma reportagem jornalística). Mas se é assim, de que fala, afinal? Fala do que poderia ter sido e, por isto mesmo, sua relação com pessoas e eventos reais é a de verossimilhança, como mostrou Aristóteles, mas não nos livros componentes do Organum – onde, entre outras coisas, está sua Lógica – porém no seu livro denominado 1 Poética em que trata da produção artística (poiésis) . Quando muito, para determinados lógicos como Aristóteles, Bertrand Russell e Rudolf Carnap – que se recusaram a desvincular totalmente a Lógica de um compromisso ontológico – a Lógica tem a ver com a estrutura geral da realidade. Outros lógicos, no entanto, talvez por desejarem maior liberdade para as construções formais, rejeitaram até mesmo esse vínculo de caráter genérico. Importa assinalar que esse tópico é o que se pode chamar de uma controvérsia interna (a expressão é de Carnap) semelhante às que ocorrem entre pesquisadores no interior de quaisquer campos de pesquisa. Por exemplo: para alguns microfísicos determinadas expressões da Microfísica fazem referência a entidades reais; para outros são construções da imaginação matemática, que não se pode afirmar com segurança que façam ou não referência a entidades reais. Mas a esta altura cabe indagar: Considerando a existência de significativas diferenças entre sistemas lógicos (no sentido próprio e mais rigoroso do termo) é possível oferecer uma definição de Lógica capaz de se mostrar adequada dando conta dessas diferenças? Há quem pense que não é possível apontar propriedades de 1

Vide a este respeito M. A. L. Guerreiro: O Problema da Ficção na Filosofia Analítica, Londrina, Editora UEL, 1999.

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caráter necessário-e-suficiente, de modo a apresentar a requerida definição. Não há nenhuma propriedade desse tipo presente em todas as formas de lógica; há somente propriedades nãonecessárias e não-suficientes que se superpõem e se entrecruzam constituindo aquilo que Wittgenstein chamou de semelhanças de família. De nossa parte, como não estamos não seguros de que assim realmente seja, pensamos que vale a pena tentar construir tal definição. Consideremos, por exemplo, um traço definitório que, ao que tudo indica, deve fazer parte de uma definição completa de Lógica. Trata-se da propriedade de ser um “sistema dedutivoformal baseado em axiomas”. É difícil imaginar que algo possa ser devidamente chamado “lógica” e não se caracterize como um sistema dedutivo-formal. Tanto a silogística aristotélica como a lógica sentencial dos estóicos na antigüidade ou ainda as que, no contexto do pensamento contemporâneo, foram apresentadas pela Begriffsschrift (Con-ceptografia) de Frege ou pelos Principia Mathematica (Princípios da Matemática) de Russell & Whitehead, malgrado todas as possíveis diferenças entre eles, são sistemas dedutivo-formais baseados em axiomas. Como advertimos, isto não pretende ser uma definição completa, porém apenas parte de uma. Os diversos sistemas geométricos dos tipos euclidiano (por exemplo: a geometria analítica de Descartes) ou não-euclidiano (as geometrias de Lobatchevsky e de Riemann) também são sistemas dedutivo-formais baseados em axiomas, com a diferença de que os axiomas das geometrias não-euclidianas são diferentes dos das geometrias euclidianas, mas os dos quatro sistemas lógicos elencados acima – que não esgotam os tipos existentes , mas são representativos como padrões – são exatamente os mesmos que foram explicitados, pela primeira vez, por Aristóteles:

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(1) Princípio de Identidade (2) Princípio de Não-Contradição (3) Princípio do Terceiro Excluído

Além disso, todos os sistemas acima elencados são do tipo bivalente, quer dizer: trabalham com dois valores lógicos (ou semânticos) – o verdadeiro e o falso. Tudo indica que durante um longo período da história – do século V a.C. à primeira metade do século XX, aproximadamente – todos os sistemas lógicos dignos deste nome apresentavam ao menos duas propriedades essenciais: (1) Estavam baseados nos três axiomas apresentados acima e (2) Trabalhavam com os dois valores apresentados acima. Somente na primeira metade do século XX que a Lógica experimentou uma transformação radical semelhante à que ocorreu com a geometria, pois foram criados sistemas que poderiam ser chamados de “não-aristotélicos” – não por se diferenciarem exclusivamente do particular sistema de Aristóteles, mas sim por se diferenciarem do padrão constituído das propriedades (1) e (2) caracterizando os sistemas de Aristóteles, dos estóicos, de Frege e de Russell & Whitehead. No século XVIII, Kant afirmava que a Lógica era uma disciplina filosófica que tinha experimentado muito poucas modificações desde sua criação por Aristóteles. Temos de levar em consideração que Kant e outros pensadores de sua época desconheciam as importantes contribuições feitas por alguns pensadores medievais e especialmente por um pensador moderno: Leibniz. Os tratados dos medievais haviam se extraviado e os manuscritos de Leibniz tinham permanecido engavetados; só foram descobertos e editados no princípio do século XX Suas respectivas contribuições não alteravam o padrão aristotélico constituído pelas propriedades (1) e (2), porém concorriam significativamente para o enriquecimento do nosso conhecimento sobre o mesmo. Hoje sabemos

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que Leibniz foi o mais remoto precursor disto que, no século XX, passou a ser chamado de “lógica matemática” ou “lógica simbólica” cuja fundamentação foi consolidada – entre os finais do século XIX e inícios do século XX – por Frege e por Russell & Whitehead. Ora, se levarmos em consideração as propriedades (1) e (2), podemos fazer uma afirmação mais radical ainda do que a kantiana: Da silogística de Aristóteles ao sistema lógico apresentado em Principia Mathematica – a Lógica não experimentou transformação nenhuma. Porém, se levarmos em consideração outros fatores não tão radicalmente diferenciadores como (1) e (2) , não há dúvida de que cabe falar – como faziam alguns filósofos como Carnap e Quine por volta da década de 50 – em uma “antiga lógica” (não-matemática e não-simbólica) e uma “nova lógica” (matemática e simbólica). A primeira qualificação se justifica, porque, tal como na matemática, na “nova lógica” é possível fazer cálculos [como mostram os manuais de Lógica Elementar, como o de Benson Mates, há dois sistemas-padrão de cálculo: o assim chamado cálculo sentencial (ou proposicional) de primeira ordem e o assim chamado cálculo de predicados de primeira ordem]. A segunda qualificação se justifica, porque, tal como na matemática, na “nova lógica” são empregados símbolos especiais (seja para a agilização do cálculo, seja para manter um padrão fixo de significado, evitando, assim, a ambigüidade e a vaguidade das palavras da linguagem comum). Durante muitos séculos, a lógica de Aristóteles – ou uma versão medieval bastante próxima da mesma – exerceu uma total hegemonia nos currículos universitários de Filosofia. Surgiram alternativas dentro dos limites do mesmo padrão constituído por (1) e (2), mas não chegaram a ameaçar a referida hegemonia. No século XVI, Petrus Ramus (nome latinizado de Pierre La Ramée) propôs um sistema original bastante diferente da silogística aris-

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totélica, mas não conseguiu se impor nos meios acadêmicos. No século XVII, Francis Bacon propôs seu Novum Organum (Novo Instrumento) como alternativa para o “velho” instrumento (o Organum) de Aristóteles. Apesar da validade das críticas endereçadas à epagogé (indução por simples enumeração) de Aristóteles, na realidade o sistema de Bacon não era o que se pode considerar uma alternativa para a silogística aristotélica, porque esta é um sistema dedutivo-formal baseado em axiomas, ao passo que o “novo instrumento” de Bacon não é dedutivo tampouco formal, porém um método para a pesquisa substantiva de caráter empírico. A hegemonia da lógica de Aristóteles só começou a ser seriamente ameaçada muitos anos após a consolidação da “nova lógica” (e mesmo assim nos departamentos de filosofia de universidades inglesas e americanas, pois nas universidades francesas, marcadamente conservadoras e retrógradas, não havia cursos de Lógica Matemática ao menos até a década de 70 do século XX). Ainda na década de 80, Pierre Jacob – um pensador francês atípico – referindo-se ao modo como os filósofos franceses costumam encarar a lógica, fez uma cáustica, porém correta, observação: “No país de Descartes e Poincaré [obs. nossa: grandes matemáticos e filósofos] a lógica elementar produz tédio e quando se torna 2 técnica passa a ser desanimadora” . Bem, no Brasil e nos países latinos de modo geral – em que a filosofia costuma estar mais próxima da psicologia e da poesia do que da matemática e da ciência – tanto a antiga como a nova lógica não costumam despertar grande entusiasmo em professores e estudantes de filosofia. O fenômeno em si não é novo. Em seu tempo, Platão já chamava a atenção para aquilo que costumava denominar de misologia (horror à lógica). Se isto não gerasse nenhuma conseqüência para a clareza, o rigor conceitual e argumentativo esperados do 2

Vide Jacob, L’Empirisme Logique, Paris, De Minuit, 1980, p.9-10.

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discurso filosófico, não haveria grande razão para lamentação... Quando a nova lógica constituiu uma grave ameaça para o status de prestígio universitário secularmente desfrutado pela antiga, surgiram algumas acirradas polêmicas sobre qual das duas era a melhor e, por conseguinte, devia ser adotada no currículo universitário de um departamento de filosofia. Estivesse em jogo uma discussão de ginecologistas a favor ou contra a reposição hormonal da mulher na menopausa, a discussão teria de ser considerada relevante, uma vez que há bons argumentos favoráveis e bons argumentos desfavoráveis em relação à referida medida médica. Mas, estando em jogo uma discussão filosófica sobre qual das duas lógicas é a melhor, ela tem tudo para se tornar uma verdadeira polêmica bizantina. Na maior parte das vezes, os apologistas da nova lógica desconheciam a antiga e destilavam preconceitos a respeito da mesma (exemplo disto são as canhestras observações de Russell sobre a lógica de Aristóteles), e a postura dos apologistas da antiga lógica em relação à nova não costumava ir além de manifestações de mau funcionamento do fígado, idiossincrasias e ojerizas. Os exaltados ânimos das partes duelantes foi arrefecido e a questão passou a assumir um tom mais sério quando, na década de 50, foi publicada uma obra de inestimável valor para a comparação de sistemas lógicos e para a história da lógica. Referimo-nos ao livro de Jan Lukasiewicz intitulado: Aristotle’s Syllogistic From The 3 Standpoint of Modern Formal Logic . Nesta obra, o referido filósofo e lógico polonês mostrava como a silogística aristotélica podia ser expressa na linguagem da lógica matemática e se apresentava tão consistente quanto o moderno cálculo de predicados de primeira ordem. Ora, dizer que um sistema formal é consistente eqüivale a emitir um inequívoco sinal de aprovação, pois que mais poderia ser exigido dele além de coerência interna? 3

Oxford University Press, 1954

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É claro que, como todo e qualquer outro sistema de lógica formal, a silogística aristotélica tinha suas limitações internas. Levava em consideração quatro tipos de proposição compostas de dois 4 aspectos: a quantidade e a qualidade e com esses tipos formava argumentos constituídos de três unidades: duas premissas e uma conclusão. De todas as combinações possíveis feitas nestes termos, algumas resultavam em silogismos válidos, outras em silogismos inválidos, e a diferença entre ambos consistia em um acordo ou um desacordo em relação a explicitadas regras de dedução formal. Não cabe aqui repetir tudo quanto a autora de ‘Introdução à Lógica Formal’ diz a respeito da silogística aristotélica que, por sinal, constitui o núcleo da sua obra. Desejamos apenas frisar que o silogismo – tal como cuidadosamente caracterizado por Aristóteles – é um importante tipo de argumento, porém não é o único nem Aristóteles, consciente de suas limitações, pretendia que fosse. Por incrível que pareça, nos tipos de silogismo examinados pelo filósofo grego, não há lugar para este que talvez seja o mais conhecido de todos: O homem é mortal, Sócrates é homem, Logo: Sócrates é mortal Não há dúvida de que o argumento acima é um silogismo e é válido, pois é constituído de uma premissa maior, uma premissa menor e uma conclusão, e esta é consistente em relação àquelas. O problema é que a premissa menor é representada por uma proposição singular e, na combinação de proposições, que constituem os diversos tipos de silogismo da silogística aristotélica, há lugar para proposições universais e particulares, mas não para proposições singulares, como é o caso de “Sócrates é homem”. 4 5

a este respeito vide a presente Introdução à Lógica Formal, p. 68-9. Como “indivíduo”, na linguagem filosófica, não se aplica necessariamente a Pensamento e Linguagem

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É interessante observar que, desta mesma proposição, pode-se inferir imediatamente: “Algum homem é mortal”. De acordo com um modo de inferência imediata conhecido como generalização existencial, de qualquer proposição singular afirmativa pode ser corretamente deduzida uma particular afirmativa. Contudo, a recíproca não é procedente, pois, de uma particular afirmativa, não podemos deduzir uma singular afirmativa. Por exemplo: inferir de “Algum homem é mortal” que Sócrates é mortal. A razão disto é bastante intuitiva: se dizemos que Sócrates é mortal, sendo Sócrates um indivíduo, há ao menos um indivíduo que é mortal. Mas se dizemos que há ao menos um indivíduo que é mortal, não ficamos sabendo se é o caso de Sócrates ou de qualquer outro indivíduo determinado. Em proposições particulares, o termo de sujeito costuma ser expresso por “algum”, “alguns” e se refere a um indivíduo indeterminado ou a indivíduos indeterminados, mas, em proposições singulares, o termo de sujeito costuma ser expresso por nomes próprios (por exemplo: “Sócrates”, “Napoleão”, etc.), por descrições definidas (por exemplo: “O mestre de Platão”, “O general derrotado na batalha de Waterloo”, etc.) e se refere a um indivíduo 5 determinado, um indivíduo único em todo o universo . A razão pela qual ainda vale a pena estudar a silogística aristotélica não é apenas por se tratar de um sistema formal consistente e muito bem elaborado. Isto por si só constituiria uma boa razão para que os lógicos matemáticos e os próprios matemáticos – interessados que estão na teoria da dedução natural – se interessassem em ler a “tradução” da silogística feita por Lukasiewicz na sua obra já citada. Contudo, no que se refere a estudantes e profesindivíduos humanos, e considerando que a ciência já fez um clone de um indivíduo não-humano – a famosa ovelha Dolly – temos aí um bom tópico para uma discussão filosófica a respeito da individuação.

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sores de Filosofia – e é preciso frisar que o livro ‘Pensamento e Linguagem’, da professora Marilúze Ferreira de Andrade e Silva, foi preferencialmente endereçado a eles – há uma outra razão para conceder a mais séria atenção à lógica de Aristóteles: a maior parte dos filósofos posteriores ao referido filósofo desenvolveram suas teorias tendo como pressuposto não só a silogística como outros tópicos relacionados com o pensamento lógico-ontológico aristotélico. Temos razões para acreditar que uma boa compreensão da maioria dos filósofos do passado e mesmo do presente exige uma boa compreensão do referido pensamento. Neste sentido, ‘Pensamento e Linguagem’, escrito de forma bastante clara, enriquecido com esquemas e figuras bastante ilustrativos – bem como com exercícios que estudantes de Filosofia não deviam sentir vergonha de fazer – é sem dúvida um bom primeiro passo de uma longa caminhada. E, como diz o antigo provérbio chinês, toda longa caminhada sempre começa com um primeiro passo. E o Livro das Mutações (I Ching), cuja origem se perde na noite dos tempos, já advertia: “Todos os começos são difíceis”. Bem, pensamos que é melhor começar difícil e acabar fácil do que a trajetória contrária.

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