PERMITA-SE!
Luciana Castro
PERMITA-SE!
Copyright© Luciana Castro, 2013 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem a autorização prévia por escrito da autora, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados.
Editor João Baptista Pinto Revisão Alexandre Machado e Juliana Mangi Projeto Gráfico e capa Rian Narcizo Mariano
(Foto: www.onlyhdwallpapers.com)
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
C35p Castro, Luciana, 1973 Permita-se! / Luciana Castro. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Letra Capital, 2013. 124 p. : il. ; 21 cm. ISBN 9788577852307 1. Romance brasileiro. I. Título. 13-05807 CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3 04/10/2013
07/10/2013
Letra Capital Editora Telefax: (21) 2224-7071 / 2215-3781 letracapital@letracapital.com.br
Sumário 13
Prólogo
42
Um dia
46
Dois dias
51
Três dias
55
Quatro dias
62
Cinco dias
67
Seis dias
77
Sete dias
83
Oito dias
91
Nove dias
100
Dez dias
107
Onze dias
115
Doze dias
120
Epílogo
O que se vê, antes não era; E o que era não é mais. Leonardo da Vinci
... E sem pretensões: (...) Livre-se da minha voz em teus ouvidos. De tudo que ainda não fiz. Do meu querer-te, e eu duvido: Que alguém te queira como eu quis. (...) Caminha em meu fértil solo, Mas não tardes a brotar! Me ames, me pegues no colo! Não me deixes escapar! (...) Lindo? Como criança? Queres luz, sol e mar? Devolvo-te a esperança De novamente aprender a amar. (...) Na cama, papéis, muitos! Letras, fonemas e rimas... Tons sem sons e tudo mais, assim. Você em mim. E fim. Luciana Castro
Aos meus grandes e eternos amigos. Aos amores da minha vida. E a um anjo em especial, minha Gi. Personagens reais de um mundo real que eu protagonizo. Com todo meu amor, obrigada.
Prólogo
T
em dias em que as coisas começam a fazer mais sentido que outros. Aquele era um dia desses. Eu estava prestes a completar meus trinta e oito anos e tinha as melhores amigas que alguém pode ter! Éramos três trintonas, caminhando para os quarenta a passos largos. Há quem diga que é possível viver sem amigos, mas eu discordo! A vida sem amigos não tem cor, não tem graça. A amizade entre nós era algo intocável, do tipo “ninguém mete a mão”! E não metia mesmo! Em comum, tínhamos um gosto maravilhoso pela vida e pelas coisas boas, sonhos de umas merecidas férias no Caribe ou em Miami Beach, embora Bali também rondasse nossas cabeças. Tinha um emprego razoável, um AP financiado e bem localizado, um bom carro quitado na garagem, e é claro, estava na minha melhor forma - meus 59 kg. O despertador gritava tentando me acordar às 6h30min da manhã. Terça feira - uma reunião importante começaria pontualmente às 8h, e Branca, minha editora, não perdoaria atrasos. Eu deveria ter pronta a lista com a escolha das modelos da próxima capa, mas não tinha. Precisaria chegar mais cedo. Um pouco mais cedo seria o bastante. Saltei da cama. Uma ducha rápida, secador, e um terninho básico foram suficientes para estar preparada para engolir rapidamente algumas torradas. Os terninhos na verdade, deixaram de ser uma exclusividade do mundo masculino desde que Coco Chanel usou um dos inúmeros ternos de seu namorado por ocasião da Primeira Grande Guerra, lá em 1914. De lá pra cá, reconheçamos, eles nos caem muito bem, desde que usados com um pouco de cuidado e algumas adaptações! Liguei como de costume o som do carro nas alturas, enquanto fazia previamente uma seleção das modelos na minha cabeça. Era um hábito antigo e sempre que eu
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aumentava o volume do rádio, lembrava-me do alerta da minha mãe quanto aos perigos de perda auditiva. Ela lera em algum lugar que não me recordo onde, que o nível de 50 decibéis é o indicado como saudável pela Organização Mundial da Saúde, o que equivale a uma conversa normal entre duas pessoas. Segundo os fonoaudiólogos, o som no carro mais alto que isso pode causar danos irreversíveis aos ouvidos ao longo dos anos. Vendo por esse lado, eu não precisaria ficar velha pra ficar surda! Naquela manhã eu ouvia The Byrds – Ballad of Easy Rider –, um clássico que marcou a juventude “Brother Paz e Amor”. Adoro! A torrada estava boa, deveria ter engolido mais algumas... Levaria em torno de trinta minutos para que eu fizesse o trajeto até à revista se não fosse o trânsito no Rio de Janeiro - a cidade maravilha da beleza e do caos! Tempo suficiente para que não me atrasasse para a reunião de seleção. O dia estava ensolarado e obviamente eu preferia beirar a orla, mesmo isso me custando mais alguns minutos. A música parecia em perfeita sintonia com as ondas do mar. Eu sempre tive uma ligação estrema com o mar, a praia e em especial, com os grãos da areia. Meus pés sempre pareceram mais confortáveis por cima da areia da praia como se massageassem minha alma. Eu costumava abrir as janelas do carro para sentir o cheiro que vinha dele. O verão costuma ter dias lindos de sol, principalmente no Rio de Janeiro! Isso me entusiasmava, mexia comigo internamente. As ondas, o sol, a música alta. Muito provavelmente por isso, não tenha percebido a parada brusca do carro da frente. Assustei-me com a batida. Abaixei o som, sai do carro e imediatamente fui conhecer o tamanho do estrago que tinha feito. – O que aconteceu? Estava distraída? – perguntou-me o motorista do Toyota em que eu havia quase que passado por cima. Ele não era o que eu posso chamar de um homem bonito, mas era diferente. Tinha algo extremamente atrativo, gostoso de olhar. 14 Permita-se!
– É, acho que sim... – respondi desconcertada. – Felizmente, acho que não destruiu muita coisa, não é? – disse-me, olhando para os dois carros. – Ai, isso me conforta um pouco! – eu estava aliviada. – Não acho que seja o caso de uma briga na justiça! – Sorriu, dizendo. – Que bom! Isso é uma boa notícia! – respondi, sorrindo. – Desculpe-me! Eu estava bem distraída! – Vamos tirar os carros do meio da rua e resolver com calma, pode ser? – disse-me de forma a contornar a situação. – Claro! – concordei. Encostamos e novamente ficamos olhando estáticos por alguns segundos, os arranhões em ambos os carros. Havia um amassado também no meu para-choque, mas eu estava decididamente resolvida a deixar pra lá. – Eu sou o Fabrício e você? – Marcele, a motorista assassina! – Não! Isso acontece. Eu mesmo já passei por uma situação assim... – ele estava tentando ao máximo ser simpático e educado. – É? Você realmente está sendo bem educado! – Serei ainda mais então: Posso lhe oferecer um café? – Ai, meu Deus! Minha reunião! Eu estou superatrasada! – lembrei-me da reunião. – Não posso! – Uma pena! Posso, ao menos, ficar com o número do seu telefone? – Pode! – passei o número a ele, certamente ele me pediria para pagar o conserto do carro dele. Telefones trocados, carros amassados, acelerei ao máximo rumo à revista. Interrompi a reunião já começada com dez minutos de atraso. Para quem ainda precisava chegar um pouco mais cedo que o normal, minha situação era crítica. – Desculpe Branca, tive um pequeno acidente de carro, uma batida... Vamos começar... – Já começamos Marcele. – Respondeu Branca com seu Luciana Castro 15
habitual mau humor matinal. – Me passa a lista das modelos selecionadas. Eu não tinha a lista! Muito embora, ela estivesse esboçada na minha cabeça... Gelei! –Vou pegar Branca, está em minha sala. – Era tempo suficiente para eu sair e rapidamente digitar alguns nomes. Foi o que fiz, entrei em minha sala já ligando meu computador, refiz na memória a listagem e a digitei rapidamente. Após imprimi-la, voltei à sala de reuniões. A reunião terminou em poucas horas e tudo deu certo, para minha sorte. Enquanto me servia de um café, que deveria ser um direito humano básico como saúde e educação, meu telefone tocou. – Alô, Marcele? – Sou eu, quem fala? – Sou eu, Fabrício, o cara que você tentou matar hoje pela manhã... – ele tinha um ar irônico. – Oi! Tudo bem? – ele me pegou de surpresa! – Estou vivo! Acho que já estou no lucro, não é? – Vendo por esse lado, sim! – respondi debochada. – Você tem alguma oficina... – ele me interrompeu. – Não liguei pra falar sobre o carro... – Ah, não?... – Na verdade, a intenção era convidá-la para um almoço... O que acha? – Hum, quando? – respondi embaraçada com o convite. – Hoje, se você não tiver outro compromisso, é claro. – disse Fabrício de forma direta. – Hoje? – Sim, por que não? – Fabrício estava decidido. – Não, na verdade, não tenho. – Isso é um sim. – perguntou-me sem rodeios. – Sim, é um sim. – respondi com um sorrisinho de canto de boca. – Então, a que horas eu encontro você? Tem algum lugar que você goste de ir, talvez aí perto do seu trabalho? 16 Permita-se!
– Tem, na verdade, tem... Vamos nos encontrar às 13h40min no Appreciata? Você conhece? – Sim, conheço. Estarei lá. – Fabrício concretizou o encontro. – Ok. Até lá. – desliguei o telefone sem acreditar que tinha aceitado o convite. Por alguns segundos me arrependi em ter aceitado almoçar com ele. Por que eu iria almoçar com um desconhecido que eu havia quase “atropelado” com carro e tudo? Mas depois, pensei que tínhamos coisas a resolver, eu precisava pagar o conserto do carro dele e ele só estava tentando ser simpático. E não havia problema algum, afinal, eu almoçava naquele restaurante tantas vezes que não haveria perigo algum em estar com ele em um lugar tão público. Eu não seria assassinada ou violentada na frente de tantos garçons conhecidos! Fui até a minha sala e enquanto finalizava as conclusões da reunião em meio a fotos de modelos lindíssimas, me permiti me concentrar em alguns detalhes do rosto daquele ilustre quase desconhecido Fabrício. Seu rosto tinha curvas sinuosas, seu queixo era levemente projetado para frente, uma barba quase por fazer, no tamanho certo para não parecer relaxado e ter um charme especial. Sua franja fazia uma onda perfeita que ele insistia em jogar para trás com a mão direita. – Ei! O que é isso? No que estou pensando? É apenas um encontro para resolvermos o conserto do carro dele que eu amassei apenas isso. – Espantei os pensamentos da minha cabeça e voltei ao trabalho. 13h15min. Eu precisava sair se não quisesse me atrasar. Mas eu tinha problemas sérios com horário. Atrasei-me. Fabrício já esperava por mim há uns quinze minutos. – Desculpa! Eu me atrasei... – Sem problemas. – Fabrício levantou-se e puxou a cadeira para que eu sentasse. – Obrigada. Já pediu alguma coisa? – Não, apenas água. – respondeu-me. Luciana Castro 17
– Tenho uma dificuldade incrível em beber água. Dizem que vou acabar comprometendo os meus rins. – disse quase que sem pensar. – Beba comigo então. – Me estendeu o copo dele com água. Parecia provocador beber no mesmo copo que ele. Bebi. – O que quer comer? – Perguntou-me sem cerimônia. – Acho que peixe, gosta de peixe? – Acompanho você no que escolher. – ele disse de forma cortês. A cerimônia quase não existia antes mesmo de terminarmos a entrada. Conversávamos e riamos sobre histórias dos nossos trabalhos. Fabrício era fotógrafo e falava de seus ensaios em categorias notícias gerais que fazia por todos os cantos do mundo. Ele contou detalhes de sua foto vencedora em 2010, onde capturara mostra de corpos se acumulando em um necrotério da capital haitiana Porto Príncipe, depois do terremoto que avassalou o país. Ao mesmo tempo, descontraía o assunto, detalhando como capturou a vida em cidades que não param de crescer em um ensaio intitulado “Imensa Metrópole”, explicando que neste ano, a população mundial alcançará a marca dos sete bilhões de habitantes. Parecíamos velhos conhecidos. Os assuntos fluíam com uma leveza extraordinária. Estávamos em frente ao mar, onde as janelas de vidro do Appreciata permitia-nos a visão das ondas que levemente estouravam uma a uma. Não resisti: – Eu adoro o mar! – revelei. – Por causa do que você vê, do que você ouve ou do que você sente? – perguntou-me com um ar misterioso. – Estranha essa pergunta. Eu não sei. – Por que não tenta descobrir? – Isso é realmente importante? – perguntei. – Pra mim é, e acho que pra você seria interessante também saber. – respondeu-me. – Acho que pelos três. Eu adoro olhar o mar, adoro ouvir 18 Permita-se!
seu som único, e adoro o que eu sinto quando o vejo e o escuto. Difícil responder. Por que perguntou? – Porque estou tentando descobrir do que gosto em estar aqui com você. Não sei se gosto de olhar pra você, se eu gosto de ouvir você falar ou se gosto do que eu sinto ao te ver e te escutar. – Fabrício me disse em som meigo e baixo. Ficamos inertes por alguns segundos olhando fixamente um para o outro. Bloqueei totalmente. Sentia um gelo correndo na minha espinha. Eu precisava dizer alguma coisa, ter alguma reação, mas não consegui. Não imediatamente. Nossos olhos se encontravam de uma forma eterna. Por mais que eu tentasse desviar os meus dos dele, não conseguia. – Desculpa. Acho que tenho que ir embora. – disse tentando fugir daquela situação. – Marcele, eu não queria ser direto dessa forma, não era a minha intenção. – desculpou-se Fabrício. – Eu compreendo, mas tenho mesmo que ir. Em meio a todo aquele clima estranho, o garçom nos trouxe a conta. Ameacei pegar minha carteira dentro da minha bolsa na intenção de dividir a despesa com ele. – Nem pensar! – Disse Fabrício. – É por minha conta. – Se prefere assim... Fabrício me levou até o carro, abriu a porta e quase se ajoelhou enquanto eu me sentava. – Diz que podemos nos encontrar novamente! – aquilo, nitidamente, era um pedido. – Não sei. Vamos ver, quem sabe. – Posso te ligar, Marcele? – Acho que não tem problema, não é? Olha, depois você me diz em quanto vai ficar o conserto do seu carro. – De forma alguma! Nem sei se vou mexer nisso agora. Quero que me diga apenas que não se chateou com a minha franqueza. – Tudo bem. – respondi já me despedindo. Despedimo-nos com dois beijos. Luciana Castro 19
Lembro-me dos nossos olhares presos um ao outro enquanto ele descia as escadas para o estacionamento inferior onde estava seu carro. Era um olhar especial, daqueles únicos em nossas vidas, que não esquecemos jamais. Quando dois olhares se fixam assim, algo acontece; os olhos de duas pessoas que mal se conhecem que se prendem por uma força desconhecida e surpreendente. Em meio a todos os olhares do mundo, encontramos um em especial, um que nos toca, nos balança, nos diz “é esse”! Eu não conseguia desviar meu olhar do dele e nem ele do meu. O caminho até a revista era curto demais! Eu não teria tempo para uma boa música alta e um estudo crítico dos detalhes do almoço. Cheguei com um bombardeio de informações e recomendações deixadas por Branca com Patrícia, sua secretária. Ela havia deixado uma lista imensa de coisas que eu deveria fazer. Branca era o tipo de mulher que para não pensar em sua vida pessoal e amorosa, se joga de cabeça no trabalho. Trabalho, trabalho, trabalho! Era só nisso que Branca pensava. Inundava-se de pautas e matérias até sucumbir suas frustrações amorosas. Talvez por isso, estivesse sempre tão mal humorada. Poucas vezes eu havia visto um sorriso em seu rosto. Já estava escuro lá fora. Os dias normalmente eram assim, cheios de trabalho. Eu já tinha passado do meu limite de seis xícaras de café por dia. Juntei minhas coisas, não me importando muito com a habitual bagunça em minha mesa e fui para casa. Dessa vez, a música não estava tão alta no carro. Meus pensamentos sim, estes iam longe! Eu pensava em Fabrício. Seria uma cantada barata? Quantas mulheres ele convidava para almoçar e perguntava sobre o mar? Não! Eu havia falado sobre o mar primeiro! A deixa perfeita para ele me passar uma cantada! Ah! Não sei! O fato era que eu havia gostado. Saber que ele gostava de me olhar, ouvir e sentir fazia-me sentir especial mesmo que, muito provavelmente, isso fosse 20 Permita-se!
só uma corriqueira cantada. Não importa! Eu me sentia leve, bonita, atraente. Os elogios no meu meio profissional não eram novidade. É um meio onde as pessoas se vestem bem, frequentam festas... com muitos homens e mulheres no mesmo lugar, não tem como dar errado! As pessoas se atraem, é normal. Fabrício, mal ou bem, fazia parte do meu mundo. Ele era um fotógrafo! Havia voltado ao Brasil recentemente e estava cheio de planos. Tinha uma carreira sólida, um fotógrafo do tempo de máquinas de rolo. Ele, certamente, tinha um olhar diferente do mundo. Clicara por todo canto, viagens, pesquisas. Tudo era completamente fascinante! Lembrei em especial, de uma imagem específica que ele me falara durante o almoço, que retratava Somalis, no meio do deserto. A viagem que durou toda a noite em rota para o Iêmen, onde ele documentou o trajeto de refugiados da Somália, além do conflito entre milícias islâmicas que lutava pelo controle da nação, fora o terrorismo, as secas e o deslocamento de mais de um milhão de pessoas. Isso era, no mínimo, fascinante! Fabrício era um homem do mundo, enquanto eu estava no mundo. Apenas isso! Privacidade é um luxo recente. – Explicava-me Fabrício. Inventado no século passado e que continua indisponível para grande parcela da humanidade. Visitar uma favela indiana é sem dúvida, uma experiência esclarecedora, capaz de mudar de vez a nossa maneira de pensar sobre espaço, individualidade e, em última instância, em liberdade. Para ele, não é à toa que um dos conceitos mais incompreensíveis para os indianos em geral, é o da privacidade, a Índia não é sequer, um estado policial como a Coreia do Norte ou China, com vizinhos que espionam vizinhos vinte e quatro horas por dia. Fabrício, Fabrício, Fabrício. Era só nisso que eu pensava! Cheguei em casa, tirei meus sapatos e os deixei espalhados no meio da sala. Joguei-me no sofá em busca de um programa de TV atraente que não exigisse muito da minha atenção. Luciana Castro 21
Descongelei umas almôndegas e dei-me por satisfeita. A noite não foi das melhores. A bagunça habitual em minha casa, a louça do dia anterior, o pote vazio de comida do Bóris, - Bóris é o meu gato! - a insônia no meio da madrugada. Eu me sentia um cisne selvagem terminando o dia em um trecho congelado da baía Notsuke, no Japão. Acordei sem vontade para levantar. Mas eu não tinha muita opção. Deixei para calçar os sapatos na hora de sair, enquanto lavava a louça e tentava esconder de mim mesma todas as coisas espalhadas pela sala. Corri para atender ao telefone. – Marcele! Oi! – era Carina, minha amiga Carina. – Oi Carina... – Estamos combinando um encontro para hoje à noite. Tudo bem pra você? – Não sei muito bem a que horas vou conseguir sair da revista, mas encontro vocês... Onde estarão? – No Bar da Praça, como sempre. Pra Bianca lá é melhor por causa do horário. – respondeu Carina. Bianca era minha outra grande e inseparável amiga. – Ok. Encontro vocês lá assim que sair. Nos falamos durante o dia. – E de resto, tudo bem?- perguntou-me Carina. – Tudo muito bem! – respondi com um ar misterioso. – Hum... Estou sentindo um cheiro de novidades. – É. Acho que sim! Depois conto melhor. Estou mega atrasada. – Acho que consigo esperar até mais tarde sem morrer de curiosidade! Beijos. – despediu-se Carina. Foi só o tempo de calçar os sapatos e voar até ao carro. Dizer à Carina que eu tinha novidades, me despertou o quanto era bom pensar em Fabrício. Não consegui desviar meus pensamentos dele até chegar à revista. O estacionamento estava lotado; motivo suficiente para eu me irritar logo pela manhã. O trânsito me irritava, estacionamento cheio me irritava, fila me irritava. Estourada – 22 Permita-se!
acho que posso me definir assim. Nunca tive muita paciência, esse talvez seja o grande exercício necessário em minha vida. Dentre as sete virtudes, a paciência é a mais difícil de se desenvolver. O bom é que, quando desenvolvida, traz inúmeros benefícios. Mas eu ainda estava na parte do exercício; No trânsito, na fila do banco, no trabalho, enfim, em busca de um desejado objetivo final: não me estressar tanto! Assim que cheguei dei-me conta da quantidade de trabalho que me esperava. Muita gente acha que trabalhar numa revista é uma das profissões mais belas do mundo. Pode até ser, já que se está lidando com cultura e com sua divulgação através das formas mais antigas, ou a mais antiga do mundo: caracteres impressos sobre uma superfície, que não necessariamente, precisa ser o papel. E a escrita, que existindo a 4.500 a.C, não se trata de uma ideia muito nova. Não era a perfeição, mas tinha um delicioso romantismo que me encantava. Estava longe de ser o trabalho dos sonhos. Grande parte disso, por causa da Branca! Mas eu poderia ter escolhido ser agente de viagens, jornalista, designer, comissária de bordo, sei lá! Sem contar que posso não ter virado Chacrete, graças à morte do Chacrinha, porque até nisso eu acho que pensei quando eu era criança. Diferentemente dos outros dias, eu estava olhando mais vezes para o visor do meu telefone. Olhava como quem esperava uma ligação. E esperava! Esperava que Fabrício ligasse para almoçar ou jantar, ou simplesmente, dizer “oi”. Afinal, ele havia perguntado se podia ligar e embora meu telefone tocasse quase que o dia inteiro, Fabrício não havia ligado, eram apenas ligações profissionais. Liguei para Bianca ao invés de ficar esperando que ele ligasse e contei a ela sobre Fabrício. Ligar para Carina no horário do expediente era sempre mais complicado. – Por que então você não liga pra ele? - Bianca era prática na hora de resolver as coisas. Não era do tipo de cerimônias. Ia direto ao assunto sempre. Luciana Castro 23
– Não sei Bianca! Pode parecer que estou me oferecendo, sei lá. – Como assim... Vocês se conheceram, se gostaram, qual é o problema de se conhecerem melhor? – Bianca era a mais despachada de nós três, agia sempre sem limites, sem medos, mergulhava fundo em suas convicções. – Vou pensar. Preciso trabalhar. O dia aqui está cheio e se não correr, não consigo encontrar vocês mais tarde. – não podia me deixar levar pela cabeça de Bianca, realmente, não podia! A manhã passou velozmente e desci para almoçar com os colegas da revista. Eu estava um pouco frustrada. Acho que no fundo, esperava que ele tivesse me ligado antes do almoço para marcarmos um encontro e estar almoçando com meus colegas de trabalho, era a prova definitiva de que eu não tinha tido um convite para o almoço. A comida quase que não desceu. Pensei que talvez ele não tivesse gostado tanto assim do nosso primeiro encontro. Quando uma mulher topa encontrar um cara, ela já está interessada. Então, o que ele precisa fazer é conversar com ela, mostrar alguns atributos, estabelecer uma ligação emocional, além de desenvolver alguma tensão sexual. Ele havia feito tudo isso! No entanto, existem alguns erros básicos que reduzem significativamente as chances de sucesso do primeiro encontro, e talvez, eu tenha feito isso com a minha total falta de atitude e silêncio quase mortal após a declaração escancarada dele. Eu estava quase que com raiva de mim mesma por não ter respondido nada. Por não ter agradecido o elogio, por não ter dito que também gostara de ouvi-lo, vêlo e senti-lo, sei lá. Eu deveria ter dito ou feito alguma coisa! Mas não fiz e ficaria pra sempre com aquela dúvida crucial dentro de mim. Uma areia fina feria meus olhos enquanto ia do meu carro em direção ao bar, onde encontraria Carina e Bianca. Não resisti olhar o mar agitado. Era como olhar num espelho que só refletia meus estados internos, uma possibilidade que a 24 Permita-se!
natureza me consentia sem me cobrar nada. O mar me fez companhia até que eu chegasse ao Bar da Praça. Só existe uma coisa melhor do que fazer novos amigos; conservar os velhos. A falta de amigos faz com que o mundo pareça um deserto. Era o que eu estava fazendo. Estava indo encontrar minhas amigas para conversar, rir e descontrair o dia tenso de trabalho que havia passado sem que eu recebesse um telefonema! Éramos amigas desde sempre, não sei precisar há quanto, mas éramos do tipo inseparáveis. Não nos desgrudávamos e tínhamos um pacto de participação dos lucros e prejuízos uma na vida da outra. Carina era mais calculista e articulada do que Bianca. Pra ela era fácil entender que as mulheres levam em consideração e dão valor às palavras. Percebeu que Fabrício demonstrou através das palavras a atração que estava sentindo por mim, além de ter sido claro e objetivo, pronunciando em alto e bom som a sua ansiedade em me rever. Também não me condenou pela falta de atitude total diante de sua confissão. – Fica tranquila Cele! – Assim me chamava Carina. – Ele vai ligar novamente. Já Bianca, insistia para a prática da coisa: – Liga você pra ele e acaba logo com isso! Nossos encontros eram sempre muito divertidos. A noite com Carina e Bianca fez bem, rendeu cervejas e confissões. Eram 2 da manhã e eu estava num bar, sentada confortavelmente com minhas melhores amigas, rindo e beliscando algumas delícias numa desforra excelente. O ambiente era extremamente agradável e tiveram que nos “expulsar” de lá, pois nenhuma das três queria ir embora. Táxi, e fomos cada uma para sua casa. O despertador tocou as sete pontualmente. Eu sentia em mim não a ressaca da bebedeira, mas um movimento anormal das ondas do mar sobre si mesmas na área de arrebentação, causada por rápidas e violentas mudanças climáticas em todo o Luciana Castro 25
meu estômago. Eu era o mar em plena ressaca. Natureza pura! Levantei-me sem vontade de acordar! Bóris reclamava minha atenção. Gatos sempre brincam. Brincam quando não estão dormindo, comendo ou apreciando a paisagem da janela. Estão sempre brincando. São súbitas, discretas e necessárias aos gatos. Havia tempos que não brincava com Bóris. Permitime sentar-me no chão, recostar no sofá e chamá-lo para brincar um pouco. O telefone tocou. Era Carina insistindo que eu fosse com ela fazer uma aula experimental de Muay Thai. Ela já estava em sua quinta aula e descobrira uma falta de habilidade total para chutar e socar com o lado esquerdo. Uma deficiência dela talvez, não sei. – Acho que isso não é muito a minha praia Carina! – Como vai saber. Faz uma aula, se não gostar, não insisto mais, prometo! – tentou me convencer. Marcamos a aula para a hora do almoço. Sobraria algum tempo para mastigar rapidamente uma salada após a aula que, segundo os especialistas, constrói um fundo de resistência através do sangue, torna as pessoas mais confiantes e estimula todas as partes do corpo, fazendo com que se durma melhor e mais rapidamente, além de ser um prazer e queimar calorias dos alimentos melhorando o processo de digestão. Carina se empolgou mais com o fortalecimento dos músculos e tendões e o alargamento e fortalecimento das pernas. Eu estava indo à aula de Muay Thai apenas por insistência de uma amiga! A manhã passou rápida e um chá me ajudou a não me sentir tão enjoada. Quando cheguei à academia, Carina já estava totalmente caracterizada com roupas adequadas para uma luta do século: caneleira, protetor bucal e luvas de boxe. O top, especial para proteger os seios, camiseta e bermuda reforçada. Assustei-me ao perceber que era uma luta que envolvia socos e chutes com grande impacto, sobretudo, com os cotovelos, joelhos e canelas. Eu, definitivamente não queria fazer aquilo. Carina estava empolgadíssima, afinal, perderia em média de 750 26 Permita-se!
a 800 calorias! Ufa! Eu não queria trabalhar minha musculatura das coxas, ombros e peitoral! Não naquele dia, naquela hora! – Cele, a luta não permite que você fique com os cabelos soltos, com brincos e acessórios... – foi alertando-me Carina. – Amiga, me desculpe! Mas vou ficar só assistindo hoje, tá. Não estou me sentindo muito bem pra fazer a aula. – Que pena! Tá maravilhoso! Me espera então, depois da aula saímos pra almoçar, tá bom? – Combinado. Vou ficar por aqui, te olhando. – respondi com pouca, ou nenhuma empolgação. A aula realmente estava divertida. Carina mesmo tinha uma dificuldade imensa com o lado esquerdo do seu corpo. Parecia estar amarrada quando tinha de chutar ou socar com a esquerda. Rir, então, parecia ser a melhor solução! O pessoal era entrosado por ali. Se não perdessem calorias, teriam conseguido, pelo menos, um bom grupo de amigos para se divertir por uma ou duas horas semanalmente. De modo geral, atividades físicas têm como característica: reunir pessoas de forma saudável e divertida. Fazia-me bem ver Carina feliz. Há muito ela tentava se recompor de uma desilusão amorosa de deixar qualquer mulher no fundo do poço: uma separação. Se entendermos o término de uma relação amorosa como uma desilusão, podemos pensar que não ajudará a superar, porém, poderá ajudar a sair um pouco a não pensar na situação que está causando tanto sofrimento. Como se fosse uma substituição de algo que está nos faltando naquele momento. Estava sendo assim para Carina. Ela estava se jogando de cabeça em tudo que a ajudasse a sair, a não pensar. Não pensar em Álvaro! De qualquer modo, Carina acabava vivendo a situação, “fugindo ou não”. De acordo com o Behaviorismo de B. F. Skinner, um renomado psiquiatra, o homem age no mundo modificando-o e ao mesmo tempo é modificado pelas consequências de seu comportamento. O fato era que o Muay Thai estava fazendo bem a ela. Enquanto sorria e ocupava todos os músculos do seu corpo Luciana Castro 27
com todos aqueles movimentos rápidos, não pensava em Álvaro. Não pensava no quanto eles estavam magoados e sofridos. No quanto seus sonhos e planos tinham sido aniquilados por total de uma hora para outra. O desejo de separar-se raramente acontece de repente. Mas só fica claro quando se sente que não é mais possível realizar os desejos com o outro, quando não há mais sonhos em comum, vontade de estar junto, quando não há mais saudade. A ruptura é um processo que acontece em diversos níveis. Era uma relação já há muito desgastada, o fim de um casamento longo e pouco feliz. Mas não estava sendo fácil para ela e acredito que nem para ele. Os momentos de solidão de Carina eram inevitáveis, mas vividos com dignidade, serenidade e alguns porres, como o da noite anterior! Acredito que esses momentos oferecem uma oportunidade dela se conhecer melhor, de obter mais confiança e seguir em frente. Amávamos Carina. Eu, ela e Bianca éramos um trio e tanto. E faríamos qualquer coisa para vê-la feliz. E naquela aula, naquele instante, ela estava feliz! Percebi que a aqueles socos não cessariam tão cedo. Não conseguira afastar de mim a sonolência da noite mal dormida. Sentei-me em um dos bancos que rodeavam a lanchonete da academia. Vi Fabrício! Não esperava vê-lo assim tão de repente, não ali, naquela hora, daquela forma. O olhar dele era intenso e profundo, capaz de desvendar os meus desejos mais secretos. O sorriso de canto de boca me fez estremecer. Ele me cumprimentou sem desviar os olhos dos meus, delicadamente, sem deixar desaparecer o sorriso. As palavras soavam como um respirar: – Que bom te ver, Marcele! Foi quase eterno! Eu tentava disfarçar parecendo estar à vontade e não me saiam as palavras. Era como se eu tivesse medo que ele descobrisse aquilo que ele já sabia. – Olá. - foi tudo que eu consegui pronunciar. – Eu pensei em te ligar, mas tive medo de ser inoportuno. 28 Permita-se!
– Não... Por que seria? – Acho que falei o que não devia durante nosso almoço. Depois me arrependi. – respondeu-me quase que se desculpando. – Acho que não. Não disse nada demais... – tentei contornar. – Como você está? O que faz aqui? – perguntou-me Fabrício. – Vim acompanhar uma amiga em uma aula? E você? – perguntei com um sorriso nos lábios. – Estou saindo de uma aula de squash, indo fazer um ensaio no Orquidário Binot, um lugar fantástico! Em qualquer lugar do Brasil, quem cria orquídeas, conhece. – Mas Binot não fica em Petrópolis? – lembrei-me de ter lido algo a respeito em uma revista. – Sim! O dia está lindo! Não seria um passeio incrível? – propôs Fabrício. – Seria, mas... Fomos interrompidos por Carina. – Amiga! Terminei. Vamos almoçar? Ela, imediatamente, percebeu que havia interrompido alguma coisa. – Desculpem-me. Eu te espero... – Carina foi se afastando de nós dois. – Não! Carina! Deixe-me apresentá-los. Esse é Fabrício e essa é minha amiga Carina. – Muito prazer, Fabrício. – respondeu timidamente Carina, sabendo de quem se tratava. Fabrício não poupou esforços em ser gentil: – Muito prazer. Você tem um nome lindo! Mas, vocês devem ter um compromisso, não quero atrapalhar. – Não temos não! – Disse Carina subitamente. – Nós só viemos para a aula mesmo, mas eu já estou de saída, atrasada para o trabalho. Até logo, foi um prazer conhecê-lo. – tratou de nos deixar rapidamente. Luciana Castro 29
Ficou óbvio para nós dois o quanto Carina quis deixarnos a sós. Era uma daquelas situações onde todos ficam sem graça. Rimos discretamente da situação. – Acho que você ficou sem programa pra hoje. Não resta outra opção. Terá de ir comigo à Petrópolis. – Fabrício falava olhando quase que minha alma através dos meus olhos. – Eu não posso! Meu trabalho. Tenho um milhão de coisas para resolver, a minha chefe... – Tenho certeza de que você pode dar um jeito nisso, se quiser. – ele foi incisivo. Há ocasiões em que o silêncio torna-se mais sábio do que qualquer palavra a ser pronunciada. Aquele silêncio foi assim. Naquela ausência relativa ou quase total de sons, nossos olhos diziam tanto! Eu dizia o quanto eu queria ir com ele - à Petrópolis, à Berlim, à Turquia - eu queria ir com ele a qualquer lugar. Relutei em permitir que minha alma ficasse tão exposta e quebrei o silêncio com uma resposta simples: – A que horas conseguimos estar de volta? Foi um sim! Alguns telefonemas e estava tudo resolvido. Eu teria o dia para fugir! Deixei meu carro no estacionamento da revista, o pegaria na volta. – Estranho! – sussurrei enquanto entrava no carro dele. – O que é estranho? – ouvi a ansiedade dele chegando. – Entrar no carro de um desconhecido! – respondi diretamente. – Eu não sou tão desconhecido assim. Você tem meu nome completo, meus telefones, a placa do meu carro que quase destruiu... Já até almoçamos juntos... O que há de estranho nisso? Você já sabe tudo sobre a minha vida! – ele deu mais um sorriso singular. A subida pela Serra tinha um lado muito romântico. Não era preciso se infincar por ela e seus distritos para descobrir seu charme natural. A acolhedora Petrópolis recebe casais apaixonados durante todo o ano. Todo o romantismo se dá 30 Permita-se!
por conta da gótica arquitetura, uma herança de Dom Pedro II. Um legado histórico que pode ser presenciado em igrejas, prédios históricos e museus. Enquanto subíamos a Serra olhei de soslaio para ele e contive um suspiro repentino. – Nossa! Ele é bonito! – Ele sem querer tocou meu joelho esquerdo, mas fiz questão de me esquivar de seu toque. Olhei pra ele enquanto dirigia. De vez em quando, ele me olhava e sorria. No carro dele, a música que embalava nossa subida pela Serra era Fairytale – Enya. A música inundava meus pensamentos de sonhos e desejos. Quando em vez, ele me olhava como se me chamasse em sua direção. Eu retribuía com o mesmo olhar permissivo. Finalmente chegamos. Enquanto caminhávamos, Fabrício me contava que o orquidário havia sido fundado em 1870 por Pedro Maria Binot, um “petropolitano” de origem francesa. Seu pai era paisagista e foi o responsável pelo projeto e execução dos jardins do Palácio Imperial, hoje, Museu Imperial. Contava também que todo o acervo do orquidário é fotográfico. Eu estava encantada! Um lugar lindo! Eu ficara a observá-lo! Fabrício compunha imagens de forma única. Era como se ele guiasse meus olhos em lugares totalmente desconhecidos. Ele me fazia ver o óbvio, sem que fosse óbvio. Quase que me pegava pelas mãos para acompanhá-lo numa viagem nunca feita por mim antes. Ele surpreendentemente criava uma conexão entre as fotos e eu. Fazia com que de algum modo, eu estivesse inserida em tudo aquilo. As orquídeas, o verde, o céu, e... E eu! Eu estava lá. Ele me fotografava espontaneamente, fazia parte de todo aquele mundo em que só ele penetrava. Eu conseguia compartilhar daquela experiência, daquele momento, daqueles olhares. Percebia toda e qualquer captura de desvaneio, detalhe e expressão. Sentia o amor intenso e irresistível que ele tinha pela fotografia, pelo equipamento. Eles falavam a mesma língua. E eu falava a língua deles. Luciana Castro 31
– Sabe... – disse ele – eu amo esse lugar, as flores, o cheiro. É como se não fosse parte do mundo. Eu o escutei silenciosamente, pensando na melhor coisa a dizer, mas eu nunca me sentira assim em lugar algum. – Eu gostaria muito de entender o que você está sentindo, sinto como se tivesse perdendo algo maravilhoso. – disse tentando ser a mais sincera possível. Ele inclinou-se e seus lábios ficaram a poucos centímetros da minha orelha. Sua respiração tocou meu pescoço, senti meu sangue bombear mais rápido. – Vou explicar a você o que eu estou sentindo. – ele sussurrou em meu ouvido. Envolveu seus braços em minha cintura, me abraçando por trás e posicionou a câmera em meus olhos. – O que vê? – perguntou-me bem baixinho. – Vejo flores lindas. - respondi olhando através da lente. – Veja além. – Pediu-me, quase que humildemente. – Permita-se ver além das flores! Veja detalhes, sutilezas... Entendi o que ele me falava! Era maravilhoso sentir através das lentes. Era algo tão óbvio, e ao mesmo tempo, tão secreto. Eu nunca havia pensado nisso. Nossos corpos foram guiados pela paisagem. Eu estava feliz! Sorria! Ele me fotografava a todo instante. E eu estava encantadora! Sentia o corpo dele quase colado ao meu. Prendi minha respiração numa tentativa inútil de controlar meus movimentos. Segurava meus pensamentos no equipamento, nas lentes, mas era tão difícil pensar com o corpo dele tão próximo ao meu. Queria sentir o gosto dele, beijá-lo. Nossos olhos se encontraram e foi inevitável. Suas mãos envolviam-me os ombros, como se me segurassem para que eu não caísse. Seus olhos pareciam perfurar os meus. Eu sabia que em instantes, nossos lábios se encontrariam e eu não ia querer mais outra coisa. Senti quando eles delicadamente colaram aos meus. Um sorriso imenso se formou dentro de mim e eu pude sentir seu peito junto ao meu. Sentia as batidas 32 Permita-se!
aceleradas do seu coração misturadas a minha disritmia. Suas mãos que não me largavam, subiram para a minha nuca me segurando firme, bem rente ao meu corpo, sem pressa, em uma sintonia perfeita com os meus lábios. Era como se fôssemos um só. Respirávamos juntos e nossas línguas brincavam delicadamente sedentas. A única certeza que eu tinha era a de que eu queria muito mais dele. Nosso beijo tinha o mesmo ritmo, havia uma harmonia perfeita entre nossos corpos. Quando nossos lábios se descolaram, olhei a nossa volta e vi que estávamos sozinhos e que já era tarde. Eu não queria que tudo aquilo acabasse, eu queria muito mais. Estava frio. Um ar gelado esfriava a ponta do meu nariz, mas nada insuportável. Estávamos no verão, onde em Petrópolis, as tardes são bem frescas, quase frias. – Por que não passamos a noite aqui? – Perguntou-me, segurando minhas mãos. – Não sei. – um breve bater de pálpebra. – Prometo não fotografa-la dormindo! – eu queria ficar! – Se você promete, podemos ficar. – decidi! Fabrício sabia o que estava fazendo. E eu também. Não me arrependo nem um segundo! Naquele instante, a vida só era vida no limite da loucura. Pra mim não era algo fácil. Acredito que somos hoje o resultado de tudo que fomos até agora. Eu era um conjunto de medos e travas. Eu conhecia a força de um amor de verdade, devastador e feroz. Em minha história, um episódio de dor e sofrimento que me travara até então para novas expectativas amorosas. Eu queria permitir sentir novamente a energia de estar viva. Queria me permitir novamente. Amar não era algo fácil pra mim. Eram muitas as dificuldades que eu tinha em me doar, me expor, me entregar. Eu não sabia mais fazer isso. Não mais. Eu trazia em mim a experiência de um amor com dor, sofrimento, mágoas, tipicamente próprio de alguém que se deixa endurecer pelas circunstâncias de um abandono. O Luciana Castro 33
importante era que eu compreendesse que meus sentimentos de incapacidade afetiva estavam, direta ou indiretamente, atrelados às vivências que eu trazia em mim. Só assim, eu conseguiria me entregar novamente. Em toda minha vida, eu trazia a experiência de um único amor. Envolvera-me em outras tantas relações, corriqueiras, passageiras e outras até duradouras, mas amor entrega permissão, apenas uma única vez, sem sucesso. Caminhamos em silêncio até a porta do quarto da pousada. Tudo parecia mágico, com um delicado ar de ternura. Nossos olhos mantinham uma conversa silenciosa, onde muitas palavras eram ditas. Como num balé de almas, nossos corpos se entrelaçavam num encontro que há muito parecia estar marcado. Segurando minhas mãos, Fabrício me tomou por inteira. Eu era uma convergência de carne e alma, de beleza voluta. Uma espessa névoa cobria o céu pela manhã. Eu olhava pela janela, enquanto admirava seu corpo quase descoberto dentre os lençóis. A recordação da noite tomava por completo os meus pensamentos. Eu estava pronta. Novamente pronta para amar. Sentia em meu coração uma juventude pueril. Eu não tinha medo, ansiedades, receio em me machucar. Eu queria apenas viver tudo àquilo que a vida estava me ofertando. Algo dentro de mim me gritava PERMITA-SE! Sua barba por fazer refletia um tom avermelhado ao sol. Eu gostava disso! Gostava de suas mãos, da delicadeza dos seus dedos. Gostava do modo como ele andava. Aproveitava cada palavra que seus lábios pronunciavam, deliciando-me da imensidão de curiosidades que ele conhecia. Eu estava apaixonada! – Já está acordada minha princesa? – disse-me Fabrício em tom sonolento. – Bom dia! Acordei cedo. Acho que estranhei a cama. – Então volte para tentar se acostumar! – falou em tom sarcástico. 34 Permita-se!
Sentei-me ao seu lado, acariciando as ondas de seus cabelos, depois passei a ponta dos meus dedos sob o seu rosto na tentativa de gravar aquela imagem para sempre em minha memória. – Eu estou feliz em estar aqui, com você! – confessei. – Linda você! Eu também estou feliz. Você é especial, delicada. Vem aqui me dar um beijo. Vem pra mim. – puxoume delicadamente até ele. Ele me beijou com paciência. Parecia estar apreciando seu próprio gosto. Nos amamos novamente sem cerimônias enquanto eu escondia meu rosto dentre os lençóis. Fabrício me trouxe suco e torradas enquanto eu vestia a camisa azul dele. Dançamos uma música silenciosa, nos beijamos e nos amamos. Entre carícias e pequenas declarações, não percebemos o tardar das horas. Meu telefone tocou. – Marcele, onde você está? Liguei ontem por várias vezes! – Bianca parecia preocupada. – Estou em Petrópolis Bianca. Ia avisar, mas foi tudo tão rápido... – Petrópolis? Trabalho? Alguma seleção de modelos? – Não exatamente... Mas estou bem. Devo voltar mais tarde, ligo assim que chegar. – Tudo bem então. Se cuida! – despediu-se Bianca. Fabrício inevitavelmente havia prestado atenção à conversa. – Voltar mais tarde? Foi isso que eu ouvi? – É... Não voltaremos nunca mais? – falei sorrindo. – Voltaremos, mas não hoje! É sábado. Temos ainda o fim de semana inteiro pela frente. Por que não ficamos e fazemos mais algumas fotos e passeamos? Namoramos? – Isso é uma boa ideia. Podemos ficar sim! – respondi sem temer minha exposição. Na verdade, era tudo que eu queria ouvir. Queria que ele dissesse que me queria por mais tempo por perto dele. Queria que ele dissesse o quando havia sido bom ficar ao meu lado. Estava explodindo por dentro! Um fim de semana romântico, recheado de fotografias, beijos e declarações. Luciana Castro 35
Não havia espaço pra vergonha. Estávamos sendo piegas e isso era lindo! Afinal, ninguém está a salvo disso e estava valendo muito a pena. Eu quase não me permitia isso na vida, vestindo sempre uma capa protetora que não me permitia vivenciar emoções simples e sinceras. Gostava sempre de parecer tão dura, tão forte, inalcançável! Mas estava me permitindo ser eu mesma, me permitindo amar! O amor é um complexo com vários vieses e o mistério de um amor à primeira vista não é milagre, apenas algo que não se explica. São pequenos objetos do desejo. É um aviso, um alerta, um sinal. Sempre sabemos de cara quando o amor vai chegar. É como se todos os nossos “eus” mais internos gritassem de uma só vez: é esse! Entre nós foi à primeira vista. Fabrício havia sido fisgado pelo meu olhar e vice-versa. Foi sedução, atração, uma vontade imensa de aproximação. Sentíamos que toda aquela sedução se transformaria em amor em pouco tempo. Há algo de misterioso e mágico por trás do amor, mas sempre sabemos quando ele está chegando, se aproximando. É como se acendesse uma luz vermelha dentro de nós que nos avisa que ele vai acontecer. Havia afinidade em torno dos nossos projetos em comum, como se nos conhecêssemos de longa data, como um reencontro, fascinante e único! Nós nos encaixávamos perfeitamente. Ele me fazia rir e isso era tão bom. Era especial. Enquanto deliciava-se com a imensidão de verde da cidade, ele poetizava a arte da sua fotografia, inclusive com qualidade literária. Dizia-me que fotografar é conseguir captar o que tem atrás do que se vê com os olhos, como se existisse uma parede invisível. Visitamos lugares lindos, cheios da imensidão de Deus em flores, cores e tons. Beijava-nos dentre os jardins, orquídeas e nas sombras das árvores. Parecia que ao tocar os seus lábios, inerente e misterioso fascínio, nos misturávamos um ao outro. Existia um sentimento amoroso, que carregava a intenção de incorporar o objeto do meu afeto. 36 Permita-se!
Meu corpo gritava o dele, um ato bizarro. Um prazer irresistível e consentido num triunfo quase juvenil. Do ponto de vista evolutivo, não parece existir uma vantagem óbvia para o beijo. Cientistas e especialistas estudam a história evolucionária do beijo, formando algumas opiniões. Eles não conseguem explicar conclusivamente como se originou o beijo humano, embora tenham algumas teorias, que vão desde que o beijo é um comportamento instintivo, até um comportamento aprendido, remontando aos tempos de nossos ancestrais humanos. Seja como for, beijar é muito bom! Passeamos de mãos dadas durante todo o dia. Fabrício me fazia sorrir. Dançamos mais uma música sem música, relembramos canções bregas, recitamos poemas de Neruda. Tudo nele me encantava! As horas pareciam não ter fim ao lado dele naquele mundo harmonioso e organizado. Quanto mais conversávamos, mais descobríamos o quanto tinham em comum nossas vidas, nossos gostos, nossos desejos pela vida. O meu príncipe era cortês, gentil e romântico, me fazendo acreditar ser uma princesa em um castelo distante do mundo real. O sol azul de Petrópolis trazia o céu pra mais perto de nós. O carpete verde da grama e o colorido das flores tornavam mágicas as nossas horas de amor. Em três dias, ninguém me conhecia mais do que ele! Minha vida exposta por completo em algumas palavras, meus mais íntimos segredos e as mais duras revelações. Eu estava ali, com minha alma nua diante dele, sem o medo da crítica ou reprovação, apenas me sentia segura para fazer dele o meu melhor amigo. Ele parecia ler minha alma, conhecer meus gestos, adivinhar meus pensamentos. Já era noite quando Fabrício me levou a um restaurante todo em madeira antiga, cheio de charme com deliciosa comida. Enquanto aguardávamos nossos pratos, ele pegou um guardanapo e escreveu a frase:
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“Do ontem, lembranças, fotografias, sorrisos, carinhos. Hoje há de ser mais, muito mais.” Não me contive. Abracei-o com um sorriso e recostei-me sob seus ombros. Pelo espelho do restaurante, Fabrício observou quando meus olhos lentamente se fecharam enquanto eu o abraçava. Ele despertava em mim uma onda de proteção genuína que acalentava meus medos. Uma indelével ânsia de amar. Algo indescritível tomou conta dos meus mais íntimos pensamentos. Imaginar que existem sentimentos de tamanha magnitude! Estava assustada com o impacto causado por tais sensações que me invadiam e quase faziam com que eu me perdesse de mim mesma. Porém, fugir daquilo que eu queria tanto? Como desviar dos toques, beijos, sabores, cheiros? Como esquecer momentos de loucura indizíveis dedicados especificamente ao prazer de se ter aquela pessoa, que me olhava de maneira singular e intensa, que quando me tocava, me levava ao paraíso ou a algum lugar na qual não caibam dores e tristezas, apenas a infinita necessidade de me sentir satisfeita, enfim! De agora em diante, o maior risco que eu corria era o de ser feliz. Enquanto deixávamos a pousada olhei atentamente ao meu redor, na tentativa de guardar para sempre aquela paisagem. Eu jamais esqueceria aqueles dias ali com Fabrício. Seriam lembranças eternas, um pedaço de vida inesquecível, repleta de cores, flores e amores. A volta para casa carregava certo ar de melancolia. Não havia certezas, apenas expectativas de um amanhã desconhecido. Deixávamos que a trilha sonora nos embriagasse de sonhos e lembranças. Ele acariciava meus pés enquanto dirigia e eu respondia aos seus carinhos, entrelaçando minhas mãos com as dele. Percebi quando ele me olhava. – O que faremos com a gente? – ele tinha um ar angelical. – O que sugere? – respondi, tentando esconder minhas ansiedades. 38 Permita-se!
– Eu quero você. Quero como nunca quis ninguém. Quero você pra mim! – ele respondeu em tom sério. – Eu também quero viver tudo isso! – declarei-me sem temor. – E quanto ao medo de amar novamente? – havíamos conversado muito sobre nossas vidas. Ele já conhecia minha história, meus receios, minhas mágoas passadas. – Não estou pensando muito nisso. Quero viver o presente, sem olhar pra trás. Quero recomeçar, me dar o direito de ser feliz. Quero tentar! – Eu não vou magoar você. Vou cuidar de você, eu prometo. – ele encostou o carro para me dizer olhando em meus olhos. – Não me prometa nada. Apenas seja você mesmo. Eu confio em você! – disse-lhe seriamente. Naquele instante, eu não me preocupava com verdades ou mentiras. A verdade seria um amontoado de hipocrisias inventado pelos monges do século XIII. Eu precisava era de objetividade! Ele beijou-me ardentemente. Tínhamos um acordo! Meu coração desacelerava em busca de uma tranquilidade relativa. Era um aval para seguir em frente. Um sinal verde de AME! Ele dirigia com os olhos atentos à rua. Passamos pelo prédio onde ele morava e ele fez questão de parar e me apresentá-lo: – Quer subir um pouquinho para conhecê-lo? – Não posso. Devo ir logo pra casa. Meu gato está sozinho há dois dias. – respondi sorrindo. Antes de irmos até minha casa, passamos no estacionamento da revista para pegarmos meu carro. Enquanto dirigia sendo seguida por Fabrício, minha cabeça tinha pensamentos misturados numa luta intensa com meu desejo. Estávamos voltando à vida real. Entrei na minha rua e ele me seguiu. Liguei a seta e entrei na garagem. Era um prédio antigo, com poucos apartamentos. As pastilhas externas na cor verde haviam sido trocadas recentemente dando ao prédio um ar renovado. Luciana Castro 39
Ele estacionou bem na porta e subimos. Nos beijamos deliciosamente dentro do elevador. – Esse é o Bóris! Fale com o Fabrício, meu amor... – Olá, Bóris. Como vai? – tomou meu gato em seu colo, acariciando sua cabeça. – Desculpe-me a bagunça. Eu saí de casa na sexta pela manhã, e não esperava voltar apenas no domingo! – brinquei. – Não acontecerá novamente minha princesa! - seguroume pela cintura. – Não? – eu estava decepcionada. – Não! Na próxima vez, você será avisada com antecedência e terá inclusive, tempo para preparar uma mala levando roupas e sapatos. – Isso é bom! Faz toda a diferença ter uma muda de roupas a mais! – Puxa! Achei que você ficou tão bonita com a minha camisa azul! - Ele me abraçou tomando meus lábios. – Vou preparar algo para comermos. Está com fome? sugeri. – Estou, mas não tenho muito tempo. Acho melhor deixarmos para um outro dia. Preciso ainda revelar as fotos para amanhã cedo. – Que pena! – eu não queria que ele fosse embora e a noite terminasse. – Eu quero uma cópia das minhas fotos! – Pode deixar, serão as primeiras que eu vou relevar. – Tomara que tenham ficado boas! – disse enquanto o abraçava. – É claro que irão ficar! Nos falamos amanhã, tá bem assim? Te ligo logo cedo. – Almoçamos? – perguntei. – Claro! Ligo pela manhã. Obrigado pelo fim de semana. Sonhe comigo. – disse-me com um abraço. – Não me agradeça. Eu também adorei! – Não vai ter mais medo de mim, não é? – Devo ter? – perguntei. 40 Permita-se!
– Não. Quero te fazer feliz. Quero você pra mim. E quero que confie em mim. – ele olhava fixamente em meus olhos. – Vou confiar. O acompanhei até a porta. Bóris nos seguiu pedindo afagos. – Essas lembranças Marcele, durarão uma vida inteira. Guarde as melhores e esqueça as outras. – ele, certamente, se referia ao meu passado. Fazia alusão a tudo que havíamos conversado sobre meus medos, minhas mágoas. Era como se ele me dissesse: “Tente outra vez”. E eu ia tentar! Nos despedimos com beijos e olhares. Fiquei triste com a despedida, mas elas são necessárias para os reencontros. Foi difícil deixá-lo ir embora, tive vontade de segurá-lo, prendê-lo ou amarrá-lo comigo. Senti meu coração pulsar mais forte, apreensivo, quase temeroso. Pedi uma pizza por telefone. Merecia fechar com chave de ouro o meu fim de semana, mesmo sozinha. Eu estava radiante! Até Bóris estranhou meu inesperado bom humor. Pensei que deveria ter pedido que ele ligasse ao chegar em casa. Peguei o telefone para ligar, desisti. Amanhã falaria com ele, não queria parecer do tipo “grudenta”.
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Um dia – Meu Deus, Marcele! Que diabos aconteceu com você? – falou quase gritando Bianca. – Bom dia, Bianca. Você me acordou... – Eu estou preocupada. Você desapareceu, desligou o telefone. Quer matar a gente de susto? Carina também está louca atrás de você! – Eu tô bem. – respondi com voz sonolenta. – O que foi fazer em Petrópolis? – Estava com o Fabrício... – fui bruscamente interrompida por Bianca. – Como assim? O carinha do carro? Você mal o conhece! – Mal o conhecia! Agora conheço! Eu estou completamente apaixonada! – Preciso saber de tudo. Almoçamos hoje? – convidou-me Bianca. – Acho que não dá. Vamos almoçar juntos. – Então à noite marcamos alguma coisa. Vem aqui pra casa. Vou falar com a Carina. Quero saber de tudo! – Tá bom. Vou levantar, já estou atrasada. Falamos durante o dia. – despedi-me de Bianca. Fui até a minha pequena cozinha, simples e um pouco desarrumada. Não tinha muito espaço, mas era agradável. Abri o armário vermelho da parede à procura de cereais ou qualquer coisa que eu pudesse utilizar. Havia uma caixa aberta na segunda porta, estava pela metade. Pensei e decidi que cereais com leite era uma boa opção. Fui até a geladeira à procura de leite gelado. Ao lado dos iogurtes estava uma caixa de leite fechada. Tudo bem. Estava animada para o dia que estava começando. Caprichei no visual. Caprichei na preparação da comida de Bóris. Caprichei na escova e na maquiagem. 42 Permita-se!