Planejamento e conflitos urbanos

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PLANEJAmENTo E CoNFLiTos u r B A N o s Experiências de luta FA B R I C I O L E A L D E O L I V E I R A F E R N A N DA S Á N C H E Z G I S E L L E TA N A K A P O L I A N A M O N T E I RO Organizadores

Apoio


Planejamento e conflitos urbanos: experiências de luta © 2016 ETTERN | IPPUR | UFRJ Fotografia de capa | Luiz Baltar Projeto gráfico | André Mantelli Revisão | Rita Luppi

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ P773 Planejamento e conflitos urbanos: experiências de luta / organização Fabricio Leal de Oliveira ... [et al.]. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Letra Capital, 2016.

416 p. : il. ; 22 cm.

Inclui bibliografia ISBN 978-85-7785-468-4

1. Olimpíadas - Planejamento - Aspectos sociais - Rio de Janeiro(RJ). 2. Eventos

esportivos - Planejamento - Aspectos sociais - Rio de Janeiro(RJ). 3. Planejamento urbano - Aspectos sociais - Rio de Janeiro(RJ). 4. Mobilidade social - Aspectos sociais Rio de Janeiro(RJ). I. Oliveira, Fabricio Leal de. 16-33737 CDD: 307.76 CDU: 316.334.56 09/06/2016 10/06/2016

Letra Capital Editora Av. Treze de Maio, 13 gr. 1301 – Centro CEP: 20031-901 – Rio de Janeiro – RJ www.letracapital.com.br


Planejamento e conflitos urbanos

sumário

11 Apresentação 17 Introdução 27 Carlos Vainer, Regina Bienenstein, Giselle Tanaka, Fabricio Leal de Oliveira, Camilla Lobino, Fernanda Sánchez e Glauco Bienenstein

O Plano Popular da Vila Autódromo: uma experiência de planejamento conflitual

65 Fernanda Sánchez, Clarissa Moreira, Grasiele Grossi, Mariana Lins, Rosane Santos e Mattheus Bento

Cronologia crítica da cidade em disputa: o caso do Morro da Providência no Porto do Rio de Janeiro

113 Breno Pimentel Câmara

Conflitos urbanos no Rio: mapear a desigualdade, colecionar lutas

146 Regina Bienenstein

A luta da Favela do Gato contra remoção: um exemplo de articulação entre universidade e comunidade


178 Rede Justiça nos Trilhos e Usina - Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado: Antônio Filho, Danilo Chammas, Ícaro Vilaça, Isadora Guerreiro, Kaya Lazarini e Paula Constante

“As vacas têm para onde ir, o povo do Piquiá não”: o reassentamento do Piquiá de Baixo e os caminhos do desenvolvimento brasileiro

205 Caio Santo Amore, Nunes Lopes dos Reis e Rafael Borges Pereira

De entrave ao desenvolvimento a pessoas com direitos: a experiência do plano popular alternativo da Favela da Paz, em Itaquera

231 José Ricardo Vargas de Faria e Daniele Regina Pontes

Planejamento militante: trajetória e instantâneos da experiência da Ambiens Sociedade Cooperativa

270 Simone Polli

Moradia e Meio Ambiente: a resistência dos moradores do Assentamento Ilha

305 Joviano Gabriel Maia Mayer e Tiago Castelo Branco Lourenço

Belo Horizonte, cidade ocupada: o caso da Ocupação Dandara

340 Luana Varejão, Rudrigo Rafael e Vitor Araripe

A disputa entre o Novo Recife e o Recife que queremos: a trajetória do conflito pelo Cais José Estelita

387 Emanuela Bove

A remodelação enquanto metamorfose urbana: as Casas Baratas de Bon Pastor, Barcelona



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Apresentação Carlos Vainer1

Através de relatos e análises de diversos conflitos urbanos e experiências de planejamento contra-hegemônico, este livro aborda três grandes temas, que podem ser sinteticamente enunciados como segue: os significados da cidade e da urbanidade na contemporaneidade; o lugar e papel do conflito na produção e reprodução da cidade contemporânea; os sentidos e apropriações possíveis das metodologias, técnicas e linguagens do planejamento. Examinemos cada um destes temas rapidamente. Para falar do significado da cidade e da urbanidade, recorremos em primeiro lugar ao mito da fundação de Roma. Após ter cavado um fosso circular, o rei “lança neste o torrão de terra por ele trazido da cidade de Alba. Depois, aproximando-se, cada um dos seus companheiros lança, por sua vez, como Rômulo o fizera, um pouco da terra trazida consigo do país de origem” (Fustel de Coulanges, 1975, p. 107). Neste ato, todos abdicam de suas origens e firmam o pacto urbano: pacto de reunião do diverso. 1. Professor Titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Coordenador do Núcleo Experimental de Planejamento Conflitual / Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (NEPLAC/ ETTERN/IPPUR/UFRJ).

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Poderíamos também lançar mão da definição clássica fornecida pela Escola de Sociologia Urbana de Chicago: “para fins sociológicos, uma cidade pode ser definida como um núcleo relativamente grande, denso e permanente de indivíduos socialmente heterogêneos” (Wirth, 1973, p. 108). O que dizer da cidade em que se está destruindo a densidade heterogênea, ou, se se prefere, a heterogeneidade densa? Não é isso que assistimos nos intensos e rápidos processos de aprofundamento das desigualdades urbanas? Não é este o resultado das dinâmicas que impulsionam de forma simultânea e necessariamente complementar a valorização simbólica (aburguesamento) e econômica (renda da terra) de certas áreas, decorrente de remoções/expulsões dos pobres – leia-se “limpeza social e étnica”? No lugar de cidades, emergem cidadelas: os condomínios fechados dos ricos, as “zonas perigosas” dos pobres. Nestas circunstâncias, não seria exagero afirmar que a cidade contemporânea é vítima de urbanicídio, de que são responsáveis o empresariamento urbano, o planejamento urbano competitivo, os grandes projetos urbanos, as parcerias público-privadas. Esta é uma das narrativas que se pode extrair dos relatos reunidos neste livro. No que concerne ao lugar e papel do conflito urbano, o que se impõe reconhecer é que os casos estudados mostram o permanente e inexorável fracasso das tentativas de banimento da política e do conflito do espaço urbano. A utopia da cidade “pacificada” 12

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porque submissa e acomodada às lógicas e dinâmicas do mercado, a utopia da cidade empresa e das parcerias público-privadas sucumbem, ambas, diante de resistências incessantes, mesmo quando fragmentadas e aparentemente condenadas a priori à derrota. A polis se insurge contra a city, o conflito se instaura nas frestas e margens de uma ordem sempre imperfeita e incompleta, por mais autoritária e totalitária que pareça e se pretenda. Na contramão da utopia da cidade pacificada emerge (e às vezes submerge) a utopia da cidade insurgente, conflituosa, rebelde. Nas lutas contra remoções, nas resistências ativas ou passivas aos processos de expropriação e privatização de espaços urbanos e cercamentos dos comuns, a cidade reafirma sua vitalidade e urbanidade. A amplitude, diversidade e persistência dos conflitos lançam luz sobre a natureza das novas retóricas e tecnologias que pretendem produzir e impor consensos através da chamada “prevenção e mediação” de conflitos. Trata-se de conquistar a adesão pela imposição de um cálculo suposto realista que demonstraria ser a relação custo/benefício do consenso (acordo) sempre mais favorável que a do confronto. Os grupos subalternos devem, em consequência, agir racionalmente, isto é, abdicar de se constituírem em sujeitos coletivos (políticos) e adotar o modelo negocial. Aqui, mais do que nunca, busca-se fazer com que a política ceda o lugar e seja colonizada pelo mercado – no caso, pelo modelo das relações mercantis.

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Nosso terceiro e último grande tema é o do planejamento. Tema caro a um conjunto de pesquisadores, professores e estudantes reunidos no Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Interpelar o próprio campo acadêmico e profissional no qual estamos situados e com cujos integrantes queremos manter o diálogo nos impõe perguntar, a nós mesmos e aos nossos colegas: afinal de contas, a que vem e a que serve o planejamento? Estarão suas metodologias, técnicas e linguagens destinadas apenas a desenhar e impor um projeto que produz e reproduz a desigualdade urbana? Estarão ancoradas inexoravelmente à projeção territorial dos interesses das coalizões urbanas dominantes? Os capítulos que seguem podem ser lidos como relatos de experiências em que diferentes movimentos e grupos sociais apostaram em que essas metodologias, técnicas e linguagens podem ser apropriadas, ressignificadas e, desta forma, servir ao agenciamento de projetos e ações que desafiam a ordem urbana dominante. Não se está falando de mera participação nos marcos do planejamento oficial, que impõe regras e limites, mas de construir alternativas. Planejamento conflitual, em que se luta para planejar e se planeja para lutar. Planejamento insurgente, que surge de baixo para cima numa lógica e dinâmica que se constituem no processo mesmo da confrontação. Planejamento que constitui o sujeito coletivo (planejador) que o elabora. Se isso faz sentido, e aponta caminhos a serem explorados, é 14

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porque afirma que não é apenas a cidade que é arena e objeto de conflito, mas também o planejamento. A disputa se estende, pois, ao campo acadêmico, teórico e técnico. O planejamento conflitual oferece um terreno em que a prática da crítica ao planejamento dominante se alia à crítica prática da cidade, promovida hoje sobretudo, em primeiro lugar, por aqueles movimentos que, de um maneira ou outra, perseveram na defesa da cidade e da urbanidade que a cidade empresa está destruindo. Cidade, conflito e planejamento, é disto que trata este livro. Pode e deve ser lido por especialistas. Pode e deve ser lido por leigos. Mas deve ser lido sobretudo pelos que estão engajados nas lutas por uma cidade mais justa e igualitária, emancipada e emancipatória. Não traz modelos nem receitas, mas traz experiências inspiradoras, que mostram ser possível reinventar nossas cidades e nosso planejamento através do conflito e da ação coletiva no espaço público, isto é, da política.

Referências Bibliográficas WIRTH, Louis. O urbanismo como um modo de vida. In: VELHO, Otávio Guilherme (org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2 ed., 1973, p. 90-113. FUSTEL DE COULANGES, Numa Demnis. A cidade antiga: estudo sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma. São Paulo: HEMUS, 1975.

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INTRODUÇÃO

No século XXI, houve um retorno das políticas de desapropriação em massa, despejos e remoções na cidade do Rio de Janeiro. A realização da Copa do Mundo de 2014 e, especialmente, das Olimpíadas 2016, impulsionaram investimentos em estruturas viárias, equipamentos esportivos, grandes empreendimentos imobiliários e outros projetos que implicaram, quase sempre, em processos de desapropriação e remoção de milhares de moradores, especialmente aqueles residentes em favelas. O grande programa federal de produção habitacional Minha Casa Minha Vida, por sua vez, viabilizava moradias subsidiadas na extrema periferia municipal ou metropolitana, para onde era transferida a grande maioria da população de baixa renda afetada pelos megaeventos (FAULHABER, 2015). Esses novos conjuntos habitacionais periféricos são, com frequência, dominados por milícias que impõem taxas de proteção aos moradores, já sobrecarregados com os custos do condomínio e outros relacionados à moradia formal e ao deslocamento para o trabalho, agora bem mais distante do que antes. As remoções forçadas, o despejo de ocupantes de imóveis abandonados, a repressão aos camelôs e outras ações incluídas no projeto de adaptação da cidade aos interesses de grandes Planejamento e conflitos urbanos

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empresas são apenas uma face desse projeto. A outra pode ser constatada nos processos de privatização do planejamento e da gestão urbana cuja feição mais visível são as concessões e parcerias público-privadas bem como as operações urbanas consorciadas. Numerosos conflitos socioambientais surgiram nesse contexto, alguns deles com expressivo protagonismo de coletivos sociais que não apenas resistiram, como propuseram alternativas aos projetos governamentais os quais, comprometidos com interesses empresariais, transformavam a estrutura urbana e impunham um modelo de cidade que, a fim de criar um ambiente favorável aos negócios, acirra a segregação socioespacial e amplia as desigualdades na cidade. Essas observações, que traduzem apenas precariamente o ambiente desfavorável onde se desenvolvem lutas urbanas sempre desiguais em torno do direito à cidade e à moradia, não dizem respeito apenas ao Rio de Janeiro ou sua Região Metropolitana, local de trabalho, residência e pesquisa dos organizadores deste livro. Podem se referir também, com as respectivas mediações, diferenciações e especificidades, a muitas cidades brasileiras e países periféricos e dependentes, bem como a espaços subalternos, ocupados por grupos minoritários e discriminados em cidades de países centrais e dominantes. O ritmo acelerado de transformação do espaço público e de reestruturação urbana por meio de grandes projetos e o 18

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aprofundamento das desigualdades socioespaciais a partir de intervenções urbanísticas têm, como consequência, o acirramento dos conflitos urbanos. Com o objetivo de debater e refletir sobre as resistências e lutas sociais que motivaram ações coletivas organizadas que se articularam em torno de projetos e planos alternativos, o Núcleo Experimental de Planejamento Conflitual do Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (NEPLAC/ETTERN/IPPUR/UFRJ) promoveu, em 2014, no Rio de Janeiro, o I Encontro Internacional de Planejamento em Contexto de Conflito, que contou com a participação de palestrantes, debatedores e convidados de diferentes cidades brasileiras e de outros países. Essa iniciativa, realizada no âmbito do projeto de pesquisa “Planejamento e conflito: experiências de planejamento urbano em contexto de conflito social”, apoiado pela Fundação Ford, visava contribuir para a disseminação e a troca de ideias e experiências capazes de fortalecer, em alguma medida, a luta por cidades mais justas e menos desiguais. Por outro lado, dado o perfil do grupo que a organizava, pretendia-se contribuir para o debate acadêmico e para a teoria crítica do planejamento urbano. Neste livro, que se concentra nas experiências brasileiras, reunimos algumas das contribuições apresentadas nesse encontro, ao lado de outras que acrescentam novas perspectivas às discussões realizadas. Alguns dos textos reunidos na coletânea trazem ao debate interessantes experiências de conflitos urbanos Planejamento e conflitos urbanos

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protagonizados por coletivos de resistência em diferentes contextos. Outros valorizam a reflexão acerca das assessorias técnicas aos movimentos populares, assim como os limites e possibilidades suscitadas pelos diálogos entre os sujeitos coletivos dos conflitos urbanos e as organizações de assessoria: núcleos universitários, cooperativas, organizações não governamentais, grupos de ativistas etc. O estímulo à memória social e coletiva relacionada às lutas, sua raiz política, cultural e agendas adotadas, bem como a contextualização histórica dos problemas que resultam das ações e inércias dos atores dominantes, constituem elemento essencial na construção de práticas libertadoras (MIRAFTAB, 2009) e apontam para a positividade do conflito como chave para a compreensão do processo de produção do espaço. O livro apresenta onze experiências onde, na disputa pela cidade e pela apropriação social do espaço urbano, poder público, interesses empresariais e moradores se confrontam, suscitando o envolvimento de outros atores no conflito. Inicialmente, são apresentados os casos discutidos por centros de pesquisa do Rio de Janeiro e Niterói, a começar pelo “Plano popular da Vila Autódromo, uma experiência de planejamento conflitual”, escrito por professores e pesquisadores que prestaram assessoria à Associação de Moradores e Pescadores da Vila Autódromo. Carlos Vainer, Regina Bienenstein, Fabricio Leal de Oliveira, Fernanda Sánchez, Giselle Tanaka, Camilla Lobino 20

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e Glauco Bienenstein tecem o contexto do conflito associado ao quadro geral das Olimpíadas 2016 e sua relação com o processo de elaboração do Plano Popular, pontuando os principais momentos da luta dos moradores em confronto com a prefeitura e seus aliados empresariais. Tal caso tornou-se emblemático do confronto de perspectivas e interesses atualmente em jogo na cidade, tendo alcançado grande projeção nacional e internacional. No texto “Cronologia crítica da cidade em disputa: o caso do Morro da Providência no Porto do Rio de Janeiro”, de Fernanda Sánchez, Clarissa Moreira, Grasiele Grossi, Mariana Lins, Rosane Santos e Mattheus Bento, são discutidos os efeitos socioterritoriais decorrentes da instauração da Operação Urbana Consorciada Porto Maravilha em paralelo às ações urbanísticas do Programa Morar Carioca na favela da Providência. Em especial, destacam-se os conflitos advindos da interrupção da relação construída entre os grupos sociais e o lugar que ocupam na cidade, as ameaças ao direito à moradia e a perda de espaços públicos relevantes àquele tecido social. Um painel geral sobre os conflitos urbanos no Município do Rio de Janeiro é apresentado por Breno Pimentel Câmara em “Conflitos urbanos no Rio: mapear a desigualdade, colecionar lutas”. Aqui são abordados os conflitos urbanos cariocas a partir das informações levantadas e analisadas pelo Observatório dos Conflitos Urbanos na Cidade do Rio de Janeiro, que registra e disponibiliza informações sobre lutas urbanas, movimentos sociais e as diversas manifestações da conflituosidade no município. Planejamento e conflitos urbanos

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Da cidade sede das Olimpíadas, da Copa do Mundo e de grandes “parcerias” público-privadas, segue-se para o Município de São Gonçalo, na periferia metropolitana do Rio de Janeiro, onde Regina Bienenstein discute a experiência de apoio técnico do Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos da Universidade Federal Fluminense (NEPHU/UFF) aos moradores da Favela do Gato, em sua luta contra as iniciativas de remoção total para a implantação de uma rodovia federal. Concluído o módulo inicial, o livro se volta para a rica discussão sobre experiências de luta, assessoria e disputa pela cidade em outros cinco estados brasileiros (Maranhão, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Pernambuco) e, finalmente, na Espanha, onde uma experiência em Barcelona permite um olhar diverso, complementar às leituras sobre os processos no Brasil. O texto “As vacas têm para onde ir, o povo do Piquiá não”: o reassentamento do Piquiá de Baixo e os caminhos do desenvolvimento brasileiro”, produzido pela articulação Justiça nos Trilhos e pela Usina - Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado (USINA-CTAH) traz como autores Antônio Filho, Danilo Chammas, Ícaro Vilaça, Isadora Guerreiro, Kaya Lazarini e Paula Constante. Aqui são apresentadas iniciativas da comunidade de Piquiá de Baixo, em Açailândia, Maranhão, em sua luta pela reparação coletiva dos danos causados pelos impactos socioambientais produzidos pela atuação da Vale S.A. e outras empresas no Norte do país.

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O caso de São Paulo trata da história da resistência à remoção da Favela da Paz, nas imediações do novo Estádio de Futebol do Corinthians, no bairro de Itaquera, que sediou a abertura da Copa do Mundo de 2014. O texto “Entrave ao desenvolvimento a pessoas com direitos: a experiência do plano popular alternativo da Favela da Paz em Itaquera”, escrito por Caio Santo Amore, Nunes Lopes dos Reis e Rafael Borges Pereira apresenta o processo de planejamento empreendido pelos moradores com assessoria da Peabiru Trabalhos Comunitários e Ambientais (Peabiru). Em “Planejamento militante: trajetória e instantâneos da experiência da Ambiens Sociedade Cooperativa”, José Ricardo Vargas de Faria e Daniele Regina Pontes refletem sobre a experiência de assessoria da Ambiens, em especial sobre a metodologia de planejamento adotada, tendo como referências de destaque casos no Paraná, como a elaboração do Plano de Assentamento (PA) do Contestado, a experiência de regularização do Sabará, e a assessoria à elaboração de planos diretores municipais. Também sobre o Paraná, Simone Polli, no texto “Moradia e meio ambiente: a resistência dos moradores do Assentamento Ilha”, escreve sobre a resistência à remoção de área sujeita à inundação na periferia de Curitiba, discutindo a própria noção de risco ambiental e dando voz à leitura dos moradores sobre a questão. Joviano Gabriel Maia Mayer e Tiago Castelo Branco Lourenço escreveram o texto “Belo Horizonte, cidade ocupada: o caso da Ocupação Dandara”, que discute a disputa pela terra na cidade Planejamento e conflitos urbanos

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de Belo Horizonte, que culminou em um processo de ocupação de uma área vazia em região valorizada da cidade, envolvendo a elaboração de um plano e um projeto urbanístico em um contexto de acirrado conflito entre moradores, Prefeitura de Belo Horizonte, governo do Estado de Minas Gerais e investidores privados. Luana Varejão, Rudrigo Rafael e Vitor Araripe, no texto “A disputa entre o Novo Recife e o Recife que queremos: a trajetória do conflito pelo Cais José Estelita”, discutem os diferentes momentos da disputa em torno da construção do Projeto Novo Recife no Cais José Estelita, no Centro Histórico do Recife. A experiência conflitual aqui tratada coloca em xeque a reprodução de uma forma particular de planejamento e projeto, sob o manto do empresariamento urbano, e explicita as profundas divergências em relação ao futuro daquele lugar. Por fim, o artigo “A remodelação enquanto metamorfose urbana: as Casas Baratas de Bon Pastor, Barcelona” de Emanuela Bove, traz o caso da luta popular de um bairro da periferia barcelonesa sob efeito das transformações urbanas instrumentadas pela cultura neoliberal. A conflituosidade social provocada por esse padrão de reestruturação denuncia a esterilização do urbano, pois os processos a ela associados produzem esvaziamentos em duplo sentido, tanto físicos quanto simbólicos, com vistas à reconversão dos espaços, antes significados pela moradia e sociabilidade populares.

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A identificação desse conjunto de experiências e imaginários insurgentes, em sua concretude socioespacial e vibrações políticas torna-se parte constitutiva dos processos de transformação das cidades, assim como ingrediente crítico imprescindível a seu entendimento na contemporaneidade. Esperamos que a leitura deste livro, ao lado de insumos para a reflexão sobre os processos de planejamento em contexto de conflito social, seja capaz de contribuir para difundir e revigorar práticas e estratégias de luta contra a injustiça social e a desigualdade nas cidades brasileiras. Fabricio Leal de Oliveira, Fernanda Sánchez, Giselle Tanaka e Poliana Monteiro Organizadores

Referências FAULHABER, Lucas; AZEVEDO, Lena. SMH 2016: Remoções no Rio de Janeiro Olímpico. Rio de Janeiro: Mórula, 2015. MIRAFTAB, Faranak. Insurgent planning: situating radical planning in the global South. In: Planning Theory. February, vol. 8, 2009. (pp. 32-50).

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