Reflexões e Práticas na EaD
Copyright©André Ary Leonel, Karina Marcon e Dom Robson Medeiros Alves OSB (Organizadores), 2016 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem a autorização prévia por escrito da Editora, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados.
Cada texto em seu conteúdo e forma é de responsabilidade exclusiva do autor. A publicação desta obra foi possível graças ao patrocínio do Instituto Educacional São João Gualberto – São Paulo, SP Editor João Baptista Pinto Co-editora Maria Eduarda de Lima Menezes Revisão Gramatical Eva Célia Barbosa Editoração Rian Narcizo Mariano Capa Adaptação do logotipo: Maria Eduarda de Lima Menezes CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ R257 Reflexões e Práticas na EaD / organização André Ary Leonel , Karina Marcon, Dom Robson Medeiros Alves. - 1. ed. - Rio de Janeiro : Letra Capital, 2016. 308 p. : il. ; 21 cm. Inclui bibliografia sumário ISBN 9788577854097 1. Ensino a distância. 2. Professores - Formação. 3. Prática de ensino. I. Leonel, André Ary. II. Marcon, Karina. III. Alves, Dom Robson Medeiros. 16-30556 CDD: 371.35 CDU: 37.018.43
Letra Capital Editora Telefax: (21) 2224-7071 / 2215-3781 vendas@letracapital.com.br
André Ary Leonel Karina Marcon Dom Robson Medeiros Alves OSB (organizadores) Marco Silva Adriana Rocha Bruno André Correa Daniel Mill Edméa Oliveira dos Santos Mirian Maia do Amaral Débora Conforto Selma dos Santos Rosa Karina Marcon Marie Jane Soares Carvalho André Ary Leonel José André Peres Angotti Ana Cláudia Taú Roselaine Ripa Carla Peres Souza Jorge de Oliveira Musse Jussara Brigo Tania Regina da Rocha Unglaub Lidnei Ventura Maria Helena Tomaz Lucésia Pereira Dom Robson Medeiros Alves OSB
Reflexões e Práticas na EaD
CONSELHO EDITORIAL Ana Maria Saul, PUC-SP André Ary Leonel, UDESC Antonio Chizzotti, PUC-SP Fernando Albuquerque Costa, ULisboa George França dos Santos, UFT José Armando Valente, UNICAMP Maria Altina Silva Ramos, UMinho Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida, PUC-SP Robson Medeiros Alves, FSB/RJ Roseli Zen Cerny, UFSC Sérgio Paulino Abranches, UFPE Silvana Donadio Vilela Lemos, PUC-SP Tânia Maria Hetkowski, UNEB
Sumário Prefácio - EaD: Para que? educar ou Ensinar a Distância?.......................................... 7 Marcos Tarciso Masetto Introdução - Avaliação e aprendizagem no Ensino Superior e a multiplicidade da Educação contemporânea.............. 19 Adriana Rocha Bruno Construindo diálogos entre mídia e educação: a construção de wikis em um curso de extensão universitária............... 37 Ana Cláudia Taú e Roselaine Ripa Uma proposta de extensão para a formação continuada de professores de Física atuantes em escolas da rede pública estadual de Santa Catarina................................... 51 André Ary Leonel e José André Peres Angotti Base de conhecimento docente para educação a distância: Elementos para Pensar a Docência Virtual....................... 76 André Correa e Daniel Mill A Pesquisa como Eixo Estruturador no Ensino da Estatística na Formação Docente.................................. 102 Carla Peres Souza, Jorge de Oliveira Musse e Jussara Brigo Acessibilidade na Modalidade EaD: Ações de Empoderamento para a Pessoa com Deficiência.............. 126 Débora Conforto Autorias em Redes: Uma Experiência de Pesquisa-Formação na Cibercultura............................. 149 Edméa Santos e Mirian Maia do Amaral Formação Inicial de Educadores e Tecnologias Digitais: Articulações e Reflexões Emergentes................................ 171 Karina Marcon e Marie Jane Soares Carvalho
Ensino de História e Museus no Contexto de Santa Catarina............................................................................... 193 Lucésia Pereira Fundamentos da Avaliação da Aprendizagem: Da Sala de Aula Presencial à Plataforma de E-Learning...208 Marco Silva Modelos Pedagógicos de EaD em Ifes Brasileiras: Processos de Reconfiguração do Tradicional para o On-line............234 Selma dos Santos Rosa Docência Compartilhada: Uma Experiência de Estágio Curricular Supervisionado em EaD do Cead-Udesc........ 255 Tania Regina da Rocha Unglaub, Lidnei Ventura e Maria Helena Tomaz Leitura antropológico-filosófica da EaD: interatividade entre educação, tecnologia e pessoas, pelas vias de mediações pedagógicas on-line e off-line........................272 Dom Robson Medeiros Alves OSB Posfácio................................................................................ 300 Maria Elisabette Brisola Brito Prado
Prefácio
EaD: Para que? Educar ou Ensinar a Distância? Marcos Tarciso Masetto1
O
fato diante do qual nos encontramos no Brasil é incontestável: a implantação, o crescimento vertiginoso e a multiplicação sem limites dos cursos de educação e de formação a distância. E tudo indica que não haverá volta. Tais cursos vieram para ficar. E com eles nossas preocupações de educadores. A pergunta que nos fazemos também está posta: Criam-se e se desenvolvem estes cursos como novas oportunidades de ampliar e desenvolver o acesso à educação para pessoas e comunidades, ou como novas técnicas para se difundir um processo de ensino, exclusivamente voltado para a transmissão de informações para que as pessoas se insiram na cultura atual e possam formar-se para exercer determinada profissão? Quando analisamos projetos de cursos em EaD geralmente nos deparamos com uma proposta instrucionista que privilegia softwares tutoriais que “ensinam” um determinado conteúdo para o aluno por meio de vídeo conferências sem interatividade, textos para serem lidos, seguidos de exercícios ou perguntas a serem respondias individualmente, verificação de conhecimentos adquiridos através de provas tradicionais, com a presença de um tutor apenas para responder dúvidas sobre o uso do material. Cursos em EaD podem contribuir e muito para o 7
Prefácio
processo de educação das pessoas desde que sejam planejados e voltados para um processo de aprendizagem. O conceito de aprender está ligado diretamente a um sujeito (que é o aprendiz) que, por suas atividades, envolvendo ele próprio, os outros colegas e o professor, busca e adquire informações, descobre o significado do conhecimento, produz reflexões próprias, pesquisa, troca informações com os colegas, dialoga sobre atitudes éticas, políticas, muda comportamentos, integra conceitos teóricos com realidades práticas, dá sentido às diferentes práticas da vida cotidiana, desenvolve sua criticidade, Numa palavra, o aprendiz cresce e se desenvolve. Seymour Papert (1986) assume uma proposta alternativa à linha instrucionista dos cursos em EaD e sugere o termo construcionismo para designar a modalidade de uso do computador em que o aluno o utiliza como uma ferramenta para construir seu conhecimento. No dizer de Valente (1993) surge o “computador como uma ferramenta educacional” com a qual o aluno se torna o sujeito de seu processo de aprendizagem. Apesar de difícil, a opção por se trabalhar com cursos EaD focados num processo educativo é possível, desde que planejados e executados com essa determinação. Agendas preparadas com atividades voltadas para um processo de aprendizagem dos alunos, que permitam o desenvolvimento de objetivos cognitivos, afetivos, de habilidades e de atitudes que constituem o crescimento do aprendiz. Incentivo à pesquisa e atividades para o aluno aprender a dar significado próprio às informações adquiridas, trabalhe com situações reais de vida e solução de problemas aplicando seus conhecimentos em sua vida pessoal, social e profissional. Incentivo para um processo de interaprendizagem entre os alunos, pelo qual o grupo trabalhe trocando entre si informações, dúvidas, questionamentos, debates e textos. Desenvolvimento de uma atitude de mediação pedagógica por parte do professor. 8
Marcos Tarciso Masetto
Incentivo ao registro das produções e atividades realizadas documentando-as, e permitindo troca de material entre os membros do grupo. Criação de um processo de avaliação que valorize o feedback contínuo que permita ao aluno e ao professor a percepção da evolução e crescimento dos aprendizes no processo de aprendizagem. Escolha de uma plataforma que possua diferentes ferramentas como, por exemplo, chat, fórum, listas de discussão, portfólio individual e em grupo, agenda, correio, mural, produção de textos e de hipertextos, propor material de apoio, comentários, feedbacks, biblioteca, videoteca, e links de comunicação com os diferentes meios eletrônicos atuais de informação e comunicação. Não sem razão este livro que ora tenho a oportunidade de prefaciar, seleciona como temáticas para o 8º Seminário de Formação Continuada em EaD dois dos aspectos mais importantes: a Mediação Pedagógica e Processos Avaliativos. Mediação pedagógica compreendida como a atitude, do professor que se coloca como incentivador da aprendizagem do aluno, que inicia com o trabalho junto ao aluno para que este assuma um papel de aprendiz ativo e participante, sujeito de ações que o levam a aprender e a mudar seu comportamento em processo de auto-aprendizagem e de inter-aprendizagem com os colegas e com o professor. A mediação pedagógica se concretiza no planejamento da disciplina garantindo a dinâmica do processo de aprendizagem através do uso adequado de uma plataforma que permita ao aluno aprender a pesquisar, buscar informações, registrá-las, organizá-las, trocá-las com seus colegas, aplicá-las na resolução de problemas. Um planejamento que crie atividades de debates através de fóruns, chats, mesas redondas permitindo ao aluno troca 9
Prefácio
de experiências, desenvolvimento de reflexões, redação de textos e hipertextos sobre os assuntos estudados. Faz parte da mediação pedagógica a disponibilidade do professor para responder aos e-mails, participar nos chats e nos grupos de discussão, com atenção para não chamar para si ou centralizar em si a atenção e as comunicações dos participantes. Nos portfólios participar com feedback sobre as atividades realizadas. “E-moderação” é a expressão com a qual Lina Morgado (2005) se refere à mediação pedagógica preocupando-se com os elementos centrais de um curso online ou a distância que são: a comunicação mediada por computador, a comunicação síncrona e assíncrona, as interações colaborativas visando aprendizagem colaborativa, orientação dos alunos em suas atividades não apenas nos momentos de aula, mas nos períodos “entre aulas” também. Faz parte da mediação pedagógica repensar e criar um novo sistema de avaliação que se integre ao processo de aprendizagem e incentive o aluno a aprender. Assumir a avaliação como um processo de feedback ou de retroalimentação que traga ao aprendiz informações necessárias, oportunas por ocasião do uso das diferentes ferramentas de uma plataforma (fórum, chat, e-mail, registros de informações, produção de textos, relatórios de pesquisas, realização de exercícios, resolução de problemas, estudos de casos, mesas redondas). O portfólio usado como registro e oportunidade de autoavaliação que mantenha o aluno motivado para realizar todo o curso a distância. Vivemos uma grande expectativa: que a leitura deste texto com o aprofundamento das reflexões e iniciativas dos nossos leitores possam garantir um avanço na qualidade dos cursos de EaD no Brasil, transformando-os cada vez mais em Cursos de Educação a Distância. São Paulo, 07 de setembro de 2015. 10
Marcos Tarciso Masetto
Nota Licenciado em Filosofia, mestre e doutor em Educação (Psicologia da Educação). Professor titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Formação Pedagógica de Professores Universitários, atuando principalmente nos seguintes temas: currículo, ensino superior, formação de professores, aprendizagem e formação de professores. Autor de diversos livros, artigos, tendo proferido diversas palestras e conferências em eventos nacionais e internacionais. E-mail: mmasetto@gmail.com 1
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Introdução Fabíola Sucupira Ferreira Sell1
A
proposta deste livro intitulado Reflexões e Práticas na EaD surgiu das palestras e mesas redondas apresentadas no 8º SFCead – Seminário de Formação Continuada em Educação a Distância, o qual se insere nos debates sobre a Educação a Distância que vêm sendo discutidos nos últimos anos pelo Centro de Educação a Distância/CEAD da UDESC. Os Seminários de Formação Continuada em EaD iniciaram no ano de 2007, como uma iniciativa da Direção de Ensino de Graduação do Centro de Educação a Distância da UDESC, no intuito de proporcionar aos professores, tutores, servidores, alunos e comunidade em geral a formação continuada na área da Educação a Distância. O 8º SFCead, que aconteceu em outubro de 2014, apresentou como tema norteador os “Processos avaliativos no ensino a distância”, buscando um diálogo interdisciplinar entre diversas temáticas que envolvem o processo de gestão, metodologias e práticas, numa perspectiva política, teórica e metodológica, ampliando as reflexões e os debates sobre o processo avaliativo na educação a distância. Docência, avaliação, acessibilidade, mediação, interdisciplinaridade e cibercultura foram os eixos das palestras e das atividades apresentadas nessa oitava edição do Seminário, cabendo aos envolvidos neste processo debater a pertinência de ações que possibilitem reflexões no campo da EaD, articuladas com as práticas docentes de profissionais na UDESC, bem como a analisar o que vem acontecendo 12
Fabíola Sucupira Ferreira Sell
no cenário da EaD na atualidade. Essa atividade de reflexão no campo das práticas pedagógicas em EaD propicia o aprimoramento da formação de professores e contribui para o fortalecimento das relações internas de trabalho e dos vínculos estabelecidos entre universidade e sociedade, na medida em que proporciona uma constante atualização dos docentes e dos processos institucionais, para atender a tão desejada educação de qualidade. É preciso dar destaque também à parceria firmada entre a UDESC e a Universidade Aberta do Brasil (UAB), bem como as parcerias internas entre o CEAD, através da sua Direção de Ensino de Graduação, com outros centros de ensino da UDESC. Além disso, desde a sua quarta edição, o SFCead tem sido financiado pelos Editais do Programa de Apoio ao Ensino de Graduação – PRAPEG, lançados pela Pró Reitoria de Ensino. Todas essas parcerias foram fundamentais para a efetivação e consolidação do Seminário. Nesse contexto, o presente livro tem por objetivo sistematizar os debates e discussões que ocorreram no 8º SFCead, nas palestras, mesas redondas e relatos de experiências didáticas do curso de pedagogia a distância. Agregam-se também a esse panorama outros estudos e relatos de pesquisadores cujos trabalhos se somam às discussões aqui apresentadas sobre a formação docente e as práticas na EaD. No capítulo 1, o professor Marcos Silva, da UERJ, propõe que reflitamos sobre a avaliação da aprendizagem em cursos na modalidade on line, a qual muitas vezes apresenta problemas semelhantes à avaliação da aprendizagem em sala presenciais. Silva propõe mudanças na dinâmica da avaliação da aprendizagem a partir do viés da interatividade, propondo encaminhamentos para uma avaliação mediadora em e-learning. O capítulo 2, escrito pela professora Adriana Rocha Bruno, da UFJF, também traz uma discussão acerca da avaliação e aprendizagem no ensino superior e a multiplici13
Introdução
dade da educação contemporânea. A autora apresenta como ponto de partida de sua discussão o descompasso entre o que se diz e o que se faz em termos de avaliação no ensino superior. André Correa, professor do IFSP, e Daniel Mill, professor da UFSCar nos apresentam em seu capítulo dados de pesquisa sobre a base de conhecimento docente em um curso de música na modalidade a distância, baseando-se no perfil dos docentes e em suas percepções sobre o processo de ensino e aprendizagem na EaD. Já no capítulo 4, as professoras Edméa dos Santos e Miriam Amaral, docentes da UERJ e da FGV-RJ respectivamente, discutem a relação ensino aprendizagem como forma de promover processos de autoria por parte de docentes e discentes na ciberultura. Para tanto, as professoras refletem sobre o conceito de autoria no meio digital e apresentam alguns exemplos de manifestações autorais que surgiram em pesquisa realizada no âmbito do Grupo de Pesquisa Docência e Cibercultura (GPDOC). O capítulo 5, da Professora Débora Conforto, docente da UFRGS, nos apresenta uma problematização sobre a acessibilidade oferecida em plataformas digitais a pessoas com deficiência, dentro de uma perspectiva inclusiva. Para tanto, a autora vale-se do conceito de empoderamento pensado aqui no contexto da Educação a distância e nos conceitos de acessibilidade e de usabilidade para a produção de material didático para a Educação Inclusiva, de forma a produzir a flexibilização curricular. A professora Selma Rosa, docente da UFPR, no capítulo 6, apresenta-nos uma reflexão sobre as práticas de EaD, com destaque ao uso das TDIC, levando em conta processos de reconfiguração da EaD tradicional para a on-line a partir da análise de quatro pesquisas realizadas em três instituições com cursos na modalidade semipresencial, com ênfase na participação dos docentes na constituição dos modelos 14
Fabíola Sucupira Ferreira Sell
pedagógicos de EaD, com base em suas práticas pedagógicas e tendo em vista as diretivas das suas IES. No capítulo 7, as professoras Karina Marcon, da UDESC, e Marie Jane Soares Carvalho, da UFRGS, se propõem a refletir sobre as tecnologias digitais em rede na formação inicial de educadores, partindo da perspectiva de que tais tecnologias já perpassam as interações sociais de educandos e educadores. Nesse sentido, torna-se imprescindível a inserção da inclusão digital na formação inicial de educadores de forma a incrementar a apropriação das potencialidades pedagógicos das tecnologias digitais. Já o professor André Ary Leonel, da UDESC, e o professor José André Peres Angotti, da UFSC, apresentam, no capítulo 8, um relato de curso de extensão oferecido como formação continuada para professores da rede pública de Santa Catarina. O curso, em b-leaning, que ocorreu em três momentos pedagógicos distintos, buscou trabalhar com professores do ensino médio a reflexão e a investigação no processo de ensino-aprendizagem de Física. Para o enfrentamento das complicações surgidas durante esse processo, os autores buscaram o potencial das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC), na perspectiva de um uso crítico e criativo da mídia educação. As professoras Ana Cláudia Taú e Roselaine Ripa, ambas da UDESC, também apresentam, no capítulo 9, um relato sobre atividade desenvolvida em curso de extensão na modalidade a distância cuja proposta foi discutir com os participantes as relações entre mídia e educação. Neste capítulo, as autoras focam sua análise em uma Wiki elaborada pelos participantes do curso como uma das atividades propostas no AVA-Moodle, cuja efetivação enfrentou diversas complicações no que diz respeito à construção coletiva de textos no atual contexto educacional. Já o capítulo 10 apresenta o relato das professoras Carla Peres de Souza, Jussara Brigo e do professor Jorge 15
Introdução
de Oliveira Musse, todos da UDESC, no qual analisam o planejamento da disciplina de Conteúdos e Metodologias do Ensino da Matemática II no segundo semestre de 2014, do curso de Pedagogia a distância, cujo foco são conceitos estatísticos. Nesse relato, encontramos as inquietações dos autores quanto às possibilidades de práticas pedagógicas reflexivas para o ensino de estatística nos campos de atuação do pedagogo. No planejamento da referida disciplina, os professores optaram por trabalhar dentro da perspectiva da Pedagogia de Projetos e vincularam os conceitos estatísticos às pesquisas educacionais, tendo em vista o eixo Tratamento da Informação, previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Dentre os resultados apontados está o uso de ferramentas tecnológicas de comunicação que colocaram os futuros professores em posição de autoria diante de todo o processo pedagógico. O capítulo 11, das professoras Tânia da Rocha Unglaub e Maria Helena Tomaz e do professor Lidnei Ventura, todos da UDESC, apresenta a docência compartilhada na disciplina de Estágio Curricular Supervisionado, do curso de pedagogia a distância. Destaca-se, nessa perspectiva, a atuação de um sistema tutorial organizado por uma equipe multidisciplinar e suas contribuições para a formação dos futuros pedagogos, residentes em diversos municípios de Santa Catarina, distribuídos em 32 polos de apoio presencial. No 12º capítulo, a professora Lucésia Pereira, da UDESC, apresenta sua experiência didática com a disciplina de Conteúdos e Metodologias do Ensino de História II, no curso de Pedagogia a distância, cuja proposta envolveu temáticas sobre história local, relação museu/história e as Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que tornaram obrigatório o ensino de hitória e cultura afro-brasileira, africana e indígena na educação básica. A autora analisa a atividade realizada pelos acadêmicos cujo foco era a análise de museus nos municípios onde há polos de apoio presencial 16
Fabíola Sucupira Ferreira Sell
e seus entornos, tendo como expectativa que esses se posicionassem criticamente à ideia de uma Santa Catarina europeizada, levando ao uso pedagógico crítico de museus e espaços semelhantes por parte dos futuros pedagogos. Por fim, no capítulo 13, o professor Dom Robson Medeiros Alves OSB, reitor do Colégio São João Gualberto, apresenta uma reflexão acerca das interações entre tecnologias e educação e seus tempos e espaços, buscando uma nova perspectiva para a formação de educadores em tempos de cibercultura. Esperamos que este livro oportunize o fortalecimento de mudanças de atitudes diante dos desafios e possibilidades na efetivação de políticas metodológicas, teórico-práticas no campo da EaD e suas expressões pedagógicas, o que poderá permitir avanços na qualificação da Educação a Distância do CEAD/UDESC e em outros espaços educativos. Nesse ano em que a UDESC completa seus 50 anos de existência, é importante lembrar o seu pioneirismo na oferta do curso de Pedagogia na modalidade a distância, em polos espalhados por diferentes regiões do Estado de Santa Catarina, através do Centro de Educação a Distância/ CEAD, cujo número de formandos ultrapassa os 19 mil. Como parte dessa iniciativa, a EaD da UDESC tem se consolidado nas discussões propostas em cada um de seus Seminários de Formação Continuada em EaD, que nesse ano de 2015 apresenta sua nona edição com o tema norteador Desafios, Processos e Perspectivas.
Nota
Possui licenciatura em Letras-Alemão e bacharelado em Letras-Libras, ambos pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestrado em Linguística e doutorado em Linguística pela mesma universidade. Atuou como professora horista em várias instituições de ensino superior de Santa Catarina. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Estrutura Sentencial e ensino de língua materna, bem como na área de tradução e interpretação de LIBRAS. Trabalha com ensino a distância 1
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Introdução
desde 2007, e já atuou como conteudista, professora e designer instrucional na Universidade Federal de Santa Catarina e de outras instituições de ensino superior. É professora efetiva da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), onde exerceu a função de Diretora de Ensino de Graduação de 2012 a 2014 no Centro de Educação a Distância. Atuou como coordenadora de área do subprojeto PIBID - práticas leitoras multimidiais (2011 a 2014) e do subprojeto PIBID - alfabetização e letramento (2014 - 2015). Coordena projetos de extensão na área de formação de profissionais para a educação de surdos e para a tradução e interpretação de LIBRAS e projetos de ensino na área de formação docente. E-mail: fabiolafsell@gmail.com
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Avaliação e aprendizagem no Ensino Superior e a multiplicidade da Educação contemporânea1 Adriana Rocha Bruno2
O
tema avaliação tem sido o “calcanhar de aquiles” dos educadores. É parte fundamental dos processos de ensino e aprendizagem, mas, para quase todos, é etapa sempre desconfortável. Temos visto intenso descompasso entre o que se pensa ou propõe sobre avaliação e o que se pratica. Há tempos, temos acompanhado e vivenciado práticas avaliadoras que, por um lado, assumem a unificação como saída para oferecer situações igualitárias para todos – os mesmos recursos avaliativos, de modo a não haver discriminação e dar oportunidades iguais. Por outro lado, entretanto, tais práticas desconsideram as diferenças entre os sujeitos, suas especificidades e qualidades, ou seja, seu processo individual de aprendizagem. O que ilustra muito claramente tais episódios recorrentes nos espaços de aprendizagem é a situação3 em que um professor propõe aos seus alunos (respectivamente: um pássaro, um macaco, um pinguim, um elefante, um peixe, uma foca e um cachorro) o mesmo desafio (no caso, um exame/prova): escalar uma árvore. Esse tipo de prática/desafio tem sido desenvolvido ao longo dos tempos, nos múltiplos espaços de aprendizagem, independentemente dos recursos ou das modalidades utilizados. O foco deste texto-diálogo é a Educação Superior, especificamente as docências decorrentes de processos que desencadeiam aprendizagens. Pretendemos ainda discutir 19
Avaliação e aprendizagem no Ensino Superior...
tais processos empregados na cultura digital, ou seja, no cenário contemporâneo – que tem como base de apoio a cibercultura, cujas ações educativas ocorrem entremeadas pelas tecnologias digitais e em rede.
Aprendizagem do adulto Seria óbvio afirmar que o sujeito da educação universitária é um adulto, ou jovem adulto. Entretanto, essa evidência não tem sido suficiente para que os expedientes da educação aplicados a esse segmento insiram como uma de suas prioridades os estudos sobre como os adultos (nossos estudantes, cursistas e os próprios professores) aprendem. Destarte, abordaremos tal temática para avançar nas discussões sobre o tema avaliação, pois, de antemão, deixamos claro que não compreendemos a cisão entre avaliação e aprendizagem. Os estudos sobre aprendizagem do adulto (BRUNO, 2007) apresentaram algumas características importantes sobre o processo. Papalia e Wendkod Olds (2000), Brookfield (1998) e Ludojosky (1972) já propunham discussões sobre a aprendizagem do adulto. Etimologicamente, a palavra adulto deriva do lat. Adultus, que significa crescido, aumentado e do verbo adolescere, cujo significado é fazer-se grande (LUDOJOSKI, 1972). Tais significados trazem a ideia de finitude, determinando o término de um período e ainda associando-o às capacidades biológica, psicológica, social e física do indivíduo. Porém, tais definições estão longe de representar a complexidade do ser adulto. Segundo Alcalá (2000), o adulto é capaz de assumir com total responsabilidade assuntos inerentes à vida social e de tomar decisões com plena liberdade. Para Ludojoski (1972), por exemplo, o indivíduo é considerado adulto de acordo com as mudanças psicofísicas decorrentes da maturidade, cuja influência revela-se nos planos do pensamento e sentimento, acarretando alterações significativas de ordens social, 20
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intelectual e afetiva. O adulto é o indivíduo que passa a ter autoconsciência e desenvolve uma capacidade de organizar, orientar e dominar seus impulsos. Nesse sentido, Ludojoski, (1972) já sinalizava que a historicidade e a prospectividade do sujeito são aspectos importantes relacionados ao adulto4 (em formação). Paulo Freire, um dos representantes desses estudos, cunhou uma vida inteira debatendo temas que envolviam a formação do adulto. A partir de um olhar sempre crítico, o adulto foi por ele concebido como um ser inacabado e em formação; um sujeito histórico que deveria se apropriar com a ação de sua consciência social para uma prática emancipadora. Não à toa, Paulo Freire é referenciado por pesquisadores do mundo inteiro (LUDOJOSKI, 1972; KOLB, 1984, TORRE, 1993, DUSSEL, 2000, etc.) e por diversos educadores e pesquisadores brasileiros. A educação de adultos tem como marco o século XVIII, na Noruega, e foi disseminada pela Europa na transição entre os séculos XVIII e XIX, com a formação de escolas para adultos e jovens trabalhadores e o domínio da educação permanente. Mas é no século XX, com um documento oficial britânico de 1919, que trazia a expressão “lifelong education”, e um trabalho publicado por Lindeman, em 1926, intitulado The Meaning of Adult Education, que encontramos o foco no adulto, entendido como um sujeito que aprende ao longo da vida e de forma específica (FEDERIGHI; MELO, 1999). No Brasil, somente em 1947, com a Campanha de Educação de Adultos, que perdurou até a década de 1950 e deu origem ao ensino supletivo, essa temática é mais evidenciada, mesmo que mais voltada para a alfabetização de adultos (BRUNO, 2007). Disso resultou certo atraso na abordagem e no tratamento da aprendizagem do adulto, que trouxe consequências para a educação universitária: compreender como o adulto aprende e suas características e especificidades não foram e ainda não são parte da formação 21
Avaliação e aprendizagem no Ensino Superior...
para a docência (ou dos docentes) do ensino superior. Mas quem é o adulto? Bruno (2007) elenca algumas características que podem definir os sujeitos adultos: • capacidade de adaptação a situações plurais e de resolver e administrar problemas e conflitos; • plasticidade orgânica, que permite a relativização das ideias, a assunção de posições diversas, o exercício de seus próprios julgamentos, a priorização de suas escolhas, a percepção e a análise das consequências, bem como a tomada de decisões de forma lúcida; • potência para desenvolver a consciência de si e competência para orientar e dominar seus impulsos, assim como fazer associações por meio de abstrações que busquem resoluções práticas para os problemas emergentes; • consciência de que os conflitos possuem causas e soluções múltiplas e de que seus interesses, motivos e suas expectativas estão condicionados ao significado que é dado à aprendizagem e experiência. O fato é que o adulto apresenta especificidades em sua aprendizagem e, portanto, para que esse processo seja desenvolvido satisfatoriamente, cabe aos professores formadores de adultos conhecerem e compreenderem quem são e como são seus estudantes. Placco e Souza (2006, p. 19), a partir dos estudos desenvolvidos por Kolb (1984), apresentam quatro características importantes da aprendizagem do adulto: – a experiência: ponto de partida e de chegada da aprendizagem; – o significativo: “envolve interação de significados cognitivos e afetivos. O que foi aprendido tem que fazer sentido para o sujeito e, ao mesmo tempo, mobilizar interesses, motivos e expectativas”; – o propositado: meta a ser atingida; o que o estimula, o impulsiona; 22
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– a deliberação: aprender decorre de uma escolha deliberada de participar ou não de dado processo. Na direção dessas autoras, optamos pelos estudos de Kolb (1984) e a denominada aprendizagem experiencial, por integrar correntes teóricas e estudos especializados afeitos aos comportamentos, à memória, às emoções/sentimentos e às percepções, dentre outros. Tais estudos alinham-se com investigações realizadas sobre a linguagem emocional (BRUNO, 2002). A aprendizagem experiencial propõe o imbricamento entre teoria e prática por meio da experiência vivenciada ao longo da vida do indivíduo, em suas dimensões biopsicosociocultural-cognitivas. Para Kolb (1984), o adulto aprende por meio da transformação de suas experiências, processo este que se dá em estágios5. Kolb (1984) propõe uma sequência não linear para a vivência desses estágios, ponderando que a aprendizagem do adulto é decorrente, num primeiro momento, da combinação de dois em dois estágios/modos que não são fixos, mas modificados/transformados por fatores diversos, ao longo da vida. Isso significa que o estágio de aprendizagem vivido agora, não é necessariamente igual ao que se vivenciou há dois ou três anos, ou ao que se experienciará adiante. Em verdade, os estágios são marcados pelo histórico de vida, por influências externas e fatores internos do corpo humano. Os modos de aprendizagem referem-se à sua predominância em dada fase da vida adulta, e por isso não são fixos. A teoria desse pesquisador é vasta e, para nossos estudos sobre a aprendizagem do adulto, utilizamos os níveis de aprendizagem ao longo do desenvolvimento humano, focalizando os dois últimos, que são voltados especificamente para o adulto (BRUNO, 2007, p. 120-122): - Aquisição - situada entre nascimento e a adolescência (Kolb não propõe idade específica), caracteriza-se pela 23
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imersão do ser humano no mundo. É uma fase de descoberta, apropriação, desenvolvimento de habilidades básicas e das estruturas cognitivas. Esse estágio engloba os propostos por Piaget: da pré-operatória à formal. - Especialização: compreende a educação formal piagetiana e se estende até o início da fase adulta. Focaliza as escolhas de ordens pessoal e profissional, advindas de características do sujeito associadas às demandas do ambiente. Nesse nível, por meio da interação com o mundo e das recompensas apresentadas, o adulto ratifica e estimula suas escolhas e, nesse processo, constitui sua individualidade e suas competências adaptativas. A espacialização estende-se ao longo da vida do indivíduo, que eventualmente pode permanecer somente nesse nível ad eternum. - Integração: esse nível ocorre, gradualmente, a partir de conflitos gerados ao longo da especialização. É notadamente um período de intensa transação com o mundo, em que há a tomada de consciência e emergência de novas necessidades, levando o indivíduo a repensar/ refazer suas escolhas. No nível de integração, as aprendizagens abrem-se, de modo muito peculiar e crítico, para novas aprendizagens, levando o indivíduo a envolver estágios/modos articulados de aprendizagem. Não mais predomina um, ou dois determinados modos de aprendizagem, mas acopla-o a outros, vivenciando o ciclo pela combinação de dois ou mais modos, e pode compreender todos os modos de aprendizagem. É importante ressaltar que o nível de integração contém a especialização, ou seja, o adulto integrado é também especializado. A “passagem” de um nível para outro não se dá pela superação, mas pela composição. Assim, o adulto integrado se constitui também por meio dos níveis de aquisição e especialização. Não se perdem ou diluem as 24
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características, que são potencializadas pelo nível em que o adulto se encontra. Segundo Bruno (2007), é notável a relação entre os níveis de aprendizagem (especialização e integração) com, respectivamente, a heteronomia e a autonomia piagetianas. Em direção semelhante, estima-se que os processos formativos realizados para e com o adulto – na educação formal – criam condições para o desenvolvimento de um adulto integrado e não estagnado na especialização. Nos tempos atuais, esse processo implica a reflexão sobre como está sendo formado o adulto contemporâneo, em meio à cultura digital. As pesquisas realizadas (BRUNO, 2007, 2012, 2015; TAVARES, 2011; VIEIRA NETO, 2013; dentre outras) sinalizam para processos formativos que perpetuam a especialização, ao manter um modelo heterônomo de ensino, de “subserviência acrítica de uma educação que se presta a atender às necessidades impostas pelo mercado de trabalho, reconhecidamente mergulhado nas demandas do fenômeno da globalização” (BRUNO, 2009). Felizmente, o cenário mostra que há educadores que navegam contra a maré e já obtêm resultados muito satisfatórios nos processos de mudanças. Essas mudanças, intensas e possíveis, podem ser acompanhadas, por exemplo, nos videodocumentários Educação Proibida (2012) 6 e Quando Sinto que já Sei (2014)7. As práticas docentes apresentadas nos dois documentários refletem a potência da educação e as possibilidades inumeráveis de transformação que os educadores e a comunidade podem realizar em suas práticas docentes e nos processos de aprendizagem humanos. Por isso, compreende-se que a ação docente, que envolve processos didáticos integradores de teoria e prática produzidos coletiva e colaborativamente entre todos os implicados com as aprendizagens, não pode cindir a avaliação da aprendizagem, entendidos como instâncias complementares. A 25
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avaliação não é fim, mas meio, estratégia e processo para que a aprendizagem ocorra. Por caminhar junto, no processo de aprendizagem, hoje todo esse movimento é produzido em meio à cultura digital, à cibercultura (LÉVY, 1999). As sociedades hodiernas se desenvolvem e se constituem com sujeitos que produzem, consomem e disseminam conhecimentos e produtos, pela via da tecnologia digital e em rede. A comunicação humana hoje acontece, assim, de forma mediada por tecnologias (redes sociais e recursos disponíveis na web, com o uso de múltiplos dispositivos móveis). Nesse sentido, a cibercultura tem promovido excelentes condições para práticas educacionais híbridas – contradiscursos da fragmentação herdeira da modernidade –, com as cisões até então certeiras no transcurso da aprendizagem. Assim, as docências contemporâneas implicam aprendizagens e avaliações convergentes com múltiplas possibilidades. Algumas dessas discussões são apresentadas como forma de provocar o debate reflexivo.
Educação Aberta Segundo Andreia Inamorato Santos (2011, s/p), a Educação Aberta Refere-se a um conjunto de práticas educativas. É utilizado na educação infantil e de adultos; formal e informal; presencial ou a distância. Termo contemporaneamente utilizado pelo movimento de recursos educacionais abertos, mas não exclusivo ao mesmo.
Para Peters (2004), esse tipo de educação propõe aprendizagem autônoma e autorregulada, na qual o estudante é capaz de planejar, organizar, controlar e avaliar de forma independente (a si próprio), e o professor serve como orientador, mentor e mediador. 26
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Bruno e Mattos (2015) apresentam algumas características da educação aberta: Liberdade de escolher o lugar no qual vai estudar; Estudar por qualquer forma (módulos, créditos, não lineares, múltiplos e rizomáticos); Autoinstrução (auto-orientação) e certificação opcional; Isenção de taxas ou quaisquer tipos de cobranças; Isenção de processo seletivo para ingresso/acesso e de qualificações prévias; Uso e produção de Recursos Educacionais Abertos (REA) no processo formativo.
Mediação Partilhada A Educação Aberta encontra, na proposta de Mediação Partilhada (BRUNO, 2007), reais condições de seu acontecimento. Nesse tipo de mediação, o outro (estudante) é um parceiro da aula. Ou seja, não é um espectador passivo à disposição do que é pensado, proposto e planejado pelo professor. A aula não é centrada no estudante, nem tampouco no professor, mas na integração entre todos os sujeitos que participam desse processo – direta ou indiretamente. Assim, os estudantes são parte e participam das ações promovidas para o desenvolvimento da aprendizagem, por meio das regências emergentes que brotam das circunstâncias de produção do conhecimento, realizando, com o professor, a mediação partilhada. Na formação docente, essa ação é fundamental e o docente assume-se, intencionalmente, como mediador de mediadores e também participante. Todos são adultos, todos em processo de formação contínua. Na mediação partilhada, o foco não está somente no conteúdo ou na aprendizagem de determinado assunto, mas na partilha de um processo de formação, no propósito de formar mediadores, descentralizar o processo de ensino, pois compreende-se, segundo Bruno (2007, 2012, 2014a), 27
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que há conscientização do papel do formador de formadores assumido pela e nas docências.
Educações/docências (Híbridas) O verbete híbrido, incorporado aos estudos da cibercultura e da comunicação como ideia de integrar e articular traz segundo o dicionário etimológico, em sua raiz grega hybris (do fr. hybride e do lat. hybrida), o significado de “resultante do cruzamento de espécies diferentes, que se afasta das leis naturais” (CUNHA, 1986, p. 409). Germina em sua etimologia, associada ao campo da biologia, também a ideia de infertilidade – pela mistura de duas espécies diferentes. Destaca-se que o sentido de híbrido, hibridismo, neste texto assumido, compreende a “integração dos ‘espaços físicos de circulação’ aos ‘espaços virtuais e informação’” (SANTAELLA, 2010). Muito distante da infertilidade, estima-se que tal integração seja um campo potente (fértil) para a área da Educação, com a mistura de espaços, ideias, recursos e pessoas envolvidas na produção de conhecimentos, encontros e diálogos intensos e produtivos. Nos espaços de aprendizagem, não há mais o “a distância” e “o presencial”, o local e o global, pois a ruptura com as cisões é inevitável. Falamos, portanto, de EducaçõeS. O adjetivo híbrido apenas ratifica, sublinha que as mudanças já acontecem nos espaços educacionais, de forma aberta.
Experiências inovadoras Citamos duas experiências, desenvolvidas na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em que tivemos o prazer de atuar intensamente e que hibridizam a avaliação na/com a aprendizagem. 28
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A primeira diz respeito ao programa Percursos Formativos para a Docência no Ensino Superior, desenvolvido pela Coordenação de Inovação Acadêmica e Pedagógica no Ensino Superior/Pró-reitoria de Gradução (Ciapes-Prograd) 8 (2011-2014). O foco dessa experiência, realizada em parceria com a Pró-reitoria de Recursos Humanos (PRORH-UFJF), foi desenvolver ações formativas para seus professores a partir das demandas de docência da própria universidade. Em 2012, a Ciapes fez pesquisa com professores e estudantes – 512 docentes e 8.398 estudantes respondentes, sobre os recursos e as estratégias mais usadas para a docência da instituição. Foi diagnosticado o predomínio de aulas expositivas dialogadas, como estratégia didática mais desenvolvida, e o PowerPoint como o recurso mais utilizado por todos. Com esses dados, a Ciapes desenvolveu o projeto piloto Ações Formativas para a Docência no Ensino Superior (2012-2013), com professores voluntários e, numa versão oficial (2013-2014), o programa Percursos Formativos, destinado prioritariamente aos docentes em estágio probatório. Esse programa teve duas ofertas computadas, até o final de junho de 2014, e todos os cursos e oficinas foram criados e desenvolvidos por docentes da UFJF, de diversas áreas. 1a oferta: quatro cursos e cinco oficinas; 310 inscrições e emissão de 269 certificados. 2a oferta: seis opções de cursos e cinco oficinas. Dos 265 inscritos, 171 foram certificados. Os temas dos cursos/oficinas desenvolvidos foram diversos: Alfabetização e letramento digitais (usos tecnológicos nos processos de aprendizagem); Docências no Ensino Superior (plano/projetos em ação); Avaliação e aprendizagem; Artes e produção de materiais didáticos; Cinema/ vídeo/documentário; Webconferência e videoaulas; Audiovisuais e podcasts; etc. 29
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A proposta de percursos, como fica evidente, foi oferecer um leque de opções para que os docentes criassem suas trilhas, em acordo com seus desejos e suas necessidades. A prática de uma Educação Aberta e Híbrida, com o exercício da mediação partilhada, ocorreu ao longo do programa, que oportunizou a todos vivenciar ações impregnadas dessas/ por essas acepções. Como diferenciais, podem ser citados: - Cada docente cria seu próprio percurso; - Escolhe o que deseja cursar e como (presencialmente, on-line ou no modo semipresencial); - Os próprios professores da universidade oferecem cursos e oficinas aos demais docentes; - Foco na prática da docência na graduação; - Avaliação qualitativa – sem notas. A segunda experiência, ainda em desenvolvimento, traz a proposta de criação dos Percursos On-line Múltiplos Abertos e Rizomáticos (Pomar). São ambientes on-line que promovem experiências autônomas, coletivas e colaborativas, entre os sujeitos. O conceito de Pomar surge da necessidade de criar: • espaços on-line, (trans)formativos – digitais e em rede; • abertos para qualquer pessoa que tenha interesse nos temas disponíveis; • múltiplos, no sentido de possibilitar níveis diversos de intensidade e aprofundamento das/os temáticas/conteúdos/ideias tratadas/os para/por/com qualquer pessoa; • Percursos para que os interessados criem seus trajetos, caminhos, suas rotas, travessias, da forma que desejarem. Convergentes com os pressupostos da Educação Aberta e híbrida, esses espaços de aprendizagem não possuem começo, meio ou fim – cada um pode acessar o que, como, quando e de onde quiser. Ou seja, como está na Web, é 30
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possível acessar de qualquer dispositivo móvel conectado à Internet, e também explorar apenas determinado tema. É percurso e não curso. Portanto, os Pomar se retroalimentam da própria rede. Os usuários acessam, contribuem, produzem, remixam; todos cocriam temáticas, materiais, ideias; complementam, abrem espaços para diálogo; e todos são mediadores. Por fim, a proposta é que existam múltiplos Pomar, para diversos temas e áreas, integrados ou não, mas que fundamentalmente sejam abertos. Por tudo isso: • não oferecem certificação; • não estão, necessariamente, vinculados a uma instituição; • são destinados a pessoas que desejam ter acesso e produzir os conhecimentos e socializá-los em rede; • sua proposta é a abertura plena – quanto mais, melhor; portanto, são criados, compartilhados, ampliados e atualizados por todos os usuários que dele participem; • trabalham com a mediação partilhada (BRUNO, 2007), ou seja, todos os participantes são (co)mediadores e atuam a partir das emergências (regências emergentes) advindas da própria rede; • buscam processos interativos rizomáticos, por meio de redes rizomáticas (BRUNO, 2010, 2012); • os percursos são dinâmicos, flexíveis, plásticos e não possuem um padrão, modelo; • os Pomar serão diferentes uns dos outros, pois se criam na rede, em rede, por pessoas diferentes, com múltiplas possibilidades, recursos plural e singular; • são plásticos – plasticidade social e cultural (BRUNO, 2010), pois não se fixam, não se delimitam, mas se transmutam, transgridem, em devir.
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E a avaliação? Todos devem estar se perguntando Retomemos o que inicialmente foi falado. A avaliação não está apartada da aprendizagem, exatamente como foi proposto e desenvolvido neste texto. Mais do que discorrer sobre tipos de avaliação, significado ou tendências, optamos por mostrar possibilidades de aprendizagem em que avaliar é um processo naturalmente participativo, ativo, coletivo e colaborativo. Assim, se as ações desenvolvidas para a aprendizagem do adulto – foco do Ensino Superior – se pautarem em EducaçõeS Híbridas e Abertas, na mediação partilhada e, ainda, se de fato o desejo for promover o exercício da autonomia, e propiciar campos de ação para um adulto integrado, em cada ação de parceria desenvolvida haverá processos avaliativos incorporados. Não é necessário falar sobre avaliação, mas mudar posturas, visões e concepções. A aprendizagem do adulto implica experienciar e ninguém melhor do que o próprio adulto para produzir suas avaliações. Quem pode afirmar o que o outro aprendeu? O que prova uma avaliação produzida por outrem, alheia e descolada do sujeito avaliado? Qual é a medida do conhecimento? Essas questões ficarão para outras conversas, complementares a esta, mas possivelmente com uma pitada de braconagem (HAREL, 2005) 9. O educador braconeiro questiona tudo, é movido pela inquietação. É um sujeito que duvida da ideia de propriedade (de espaços, mas também ideias) e, portanto, dos processos hegemônicos que concentram territórios (ideias, conhecimentos, etc.) nas mãos de uns e não de outros ou, ainda, de todos. Ou seja, possivelmente, o rompimento com as concepções que nos encarceram, no sentido foulcaultiano, vai permitir processos de aprendizagem em que a avaliação seja apenas um diagnóstico promovido pelo próprio sujeito, com o auxílio de outro – por exemplo, como uma zona de desen32
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volvimento potencial (ou proximal) vigotskiniana – para decisões sobre mudanças de rotas, permanência em curso, ou navegação em outros mares. Talvez aí possamos criar caminhos que não existem, adentrar espaços, invadir, reterritorializar pensamentos, ações e pessoas. Braconearmos a educação.
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Notas 1 O presente texto é fruto das pesquisas e produções realizadas pela autora-educadora-pesquisadora no período de 2002 e 2014, e financiadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). O conteúdo foi apresentado no 8o Seminário de Formação Continuada em Educação a Distância (EAD), no dia 16/10/2014. Disponível em: <http://eventos.virtual.udesc.br/8SFCead>. Acesso em: 02 fev. 2015. 2 Doutora e mestre em Educação: Currículo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e licenciada em Pedagogia. É professora adjunta do Departamento de Educação, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e dos Programas de Pós-Graduação em Educação e em Gestão e Avaliação da Educação Pública da UFJF. Coordena os tutores a distância do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação (FACED)
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da UFJF/Universidade Aberta do Brasil (UAB) e é membro do Núcleo Docente Estruturante (NDE) do Curso de Pedagogia da UFJF. É líder do Grupo de Pesquisa Aprendizagem em Rede (Grupar) e possui pesquisas financiadas pela Fapemig desde 2009 e também pela CAPES (2000-2002 e atual). Pesquisa os temas: Formação de professores, Docência no ensino superior, Educação on-line e cibercultura, Didática, Aprendizagem de adultos, Neurociência, Educação, mídias e tecnologias. Site: https:// sites.google.com/site/arbruno. E-email: adriana.bruno@ufjf.edu.br 3 Imagem disponível em: <http://www.vivendo-e-aprendendo.com/wpcontent/uploads/2011/11/desescolarizacao-educacao-ativa-unschooling-educacao-orientada-a-crianca.jpg.>. Acesso em: 10 jan. 2015. 4 Os estudos sobre a educação de adulto foram abordados em profundidade em nossa tese. Ver Bruno (2007). 5 Não é o foco deste texto adentrar em tais estudos, mas, para aprofundamento, acesse: BRUNO, Adriana Rocha. A aprendizagem do educador: estratégias para a construção de uma didática on-line. Programa de Pósgraduação em Educação: Currículo. 2007. 352p. Tese (Doutorado)- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Disponível em: <https://sites. google.com/site/arbruno>. Acesso em: 02 fev. 2015. 6 Originalmente no idioma espanhol, o projeto foi realizado e financiado coletivamente, com uso de software livre, envolvendo oito países e 90 educadores entrevistados. Para assistir ao filme e saber mais, acesse: <http://www.educacionprohibida.com/>. Acesso em: 02 fev. 2015.
Esse documentário brasileiro, um projeto independente, reúne depoimentos de pais, alunos, educadores e profissionais de diversas áreas e apresenta as mudanças produzidas em escolas brasileiras que rompem com o tradicional modelo de escola. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=HX6P6P3x1Qg>. Acesso em: 02 fev. 2015. 7
Disponível em: <http://www.ufjf.br/ciapes-prograd/files/2013/11/ SITE_SOBRE-A-CIAPES_2013-2014.pdf>. Acesso em: 02 fev. 2015.
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9 Palavra originada do francês braconnage, é trazida por Michel de Certeau (HAREL, 2005) em referência à “caça ou pesca ilícita, em tempos ou lugares proibidos”.
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Construindo diálogos entre mídia e educação: a construção de wikis em um curso de extensão universitária Ana Cláudia Taú1 Roselaine Ripa2
Introdução EU, ETIQUETA (...) Onde terei jogado fora meu gosto e capacidade de escolher, Minhas idiossincrasias tão pessoais, Tão minhas que no rosto se espelhavam E cada gesto, cada olhar, Cada vinco da roupa Sou gravado de forma universal, Saio da estamparia, não de casa, Da vitrine me tiram, recolocam, Objeto pulsante mas objeto Que se oferece como signo de outros Objetos estáticos, tarifados. Por me ostentar assim, tão orgulhoso De ser não eu, mar artigo industrial, Peço que meu nome retifiquem. Já não me convém o título de homem. Meu nome novo é Coisa. Eu sou a Coisa, coisamente. (Carlos Drummond de Andrade)
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Construindo diálogos entre mídia e educação: a construção de wikis..
C
arlos Drummond de Andrade, no poema Eu Etiqueta, ressalta o novo papel atribuído ao ser humano no seu cotidiano: homem-anúncio itinerante e escravo das mensagens das marcas anunciadas. O eu transformado em etiqueta esconde e pode aniquilar a identidade e a capacidade do homem de fazer escolhas. A exigência de ceder aos apelos das marcas globais, divulgadas de forma incessante pela mídia, torna-se a sua demissão como ser pensante, criativo e capaz de gerenciar imagens e percepções. Para o poeta, isso é a decadente transformação do eu em coisa. O entendimento de que a mídia possui poder de influência e interferência nas vidas alheias está cada vez mais difundido e aceito. Porém, esse mesmo discurso não se apresenta como capaz de conduzir a uma atitude crítica diante das mensagens propagadas pela mídia. Tudo indica que continua difícil de identificar de maneira consistente os pontos positivos e negativos que permeiam os meios de comunicação social. Eles tendem a lançar moda e gírias, a criar atos de consumo, a moldar a opinião pública, a influenciar o gosto musical e a disseminar valores e crenças. Esses são alguns dos argumentos utilizados pelos especialistas em Educação e/ou Comunicação para a existência de estratégias de educação para a mídia nas escolas. Afinal, tais estratégias podem contribuir no processo de formação de telespectadores e cidadãos mais conscientes e preparados diante dos desafios da vida contemporânea. A partir desses estudos, o objetivo deste trabalho é discutir a construção de Wikis, uma das atividades propostas no curso de extensão a distância promovido por uma equipe de professores do Centro de Educação 38
Ana Cláudia Taú | Roselaine Ripa
a Distância (Cead) da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). O curso, intitulado Construindo Diálogos entre Mídia e Educação, foi ofertado no período de maio a novembro de 2014, com o propósito de sensibilizar os participantes para a necessidade de trazer para o universo escolar o ensino e a exploração dos meios de comunicação social, contribuindo para que o questionamento sobre seu poder e sua influência se manifeste na sala de aula. Tal como afirma Soares (1999, p. 33), no campo da inter-relação comunicação/educação, temos “[...] a sensação de que tem sido feito muito pouco em relação ao que deveria estar sendo realizado”. Essa realidade impulsionou a inclusão de propostas de educação para as mídias na atividade de extensão universitária aqui apresentada.
Mídia e Educação Segundo o sociólogo Giovanni Sartori (2002), o advento da televisão teria suscitado a transformação do homo sapiens, que fora produzido pelo livro e pela cultura escrita, em homo videns, produzido pela cultura midiática virtual e pelo império da imagem. Essa situação apresenta para a sociedade um enorme desafio educativo. A escola, instituição que contribui para o desenvolvimento da autorreflexão crítica dos indivíduos, para a autonomia e para a emancipação, tem papel fundamental nesse processo. Os educandos chegam à sala de aula impregnados de mensagens midiáticas. Porém, tal fato ainda é desconsiderado, pela maioria dos professores, que se dedicam exclusivamente aos assuntos previstos nos livros didáticos e destinados à sua disciplina. Muitos professores introduzem a televisão, o vídeo e/ou a Internet na sala de aula apenas como recurso para atingir seus objetivos pedagógicos, esquecendo-se, contudo, de trabalhar sobre os meios e suas mensagens. 39
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Desde a década de 1970, a educação para a mídia começa a se inserir no sistema de ensino de diferentes partes do mundo. Ainda que as metodologias adotadas e os níveis de comprometimento sejam diferentes em cada país, essas iniciativas atendem a um mesmo objetivo: a necessidade inadiável de preparar as crianças e os adolescentes para lidarem com o impacto dos meios de comunicação social. Em alguns países, como o Canadá, a Austrália e Grã-Bretanha, a educação para a mídia faz parte oficial do currículo de escolas públicas (REMOTO CONTROLE, 2004, p. 298). No Brasil, os projetos de educação para a mídia resultam, quase sempre, de iniciativas locais, sem o amparo de leis ou políticas públicas abrangentes. Na Lei 9.394/1996, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, as referências de educação para a mídia são vagas. Em maio de 1992, o artigo 36 do projeto estabelecia a obrigatoriedade da leitura crítica da comunicação como parte do currículo escolar da educação básica. No entanto, as modificações introduzidas na proposta original tiraram a clareza do texto no que se refere ao uso das tecnologias no ensino e aos critérios a serem utilizados em programas de educação para os meios de comunicação. A referência à educação para a mídia ficou indireta. Em vez de determinar que a leitura crítica da comunicação fosse obrigatória nos currículos, estabeleceu que a escola deveria promover a capacitação dos estudantes para a análise crítica do mundo e dos fatos que nele ocorrem. Nesse caso, a interpretação do artigo teria que considerar que a leitura dos meios de comunicação torna-se condição necessária para que o aluno faça uma análise crítica do mundo que o cerca; exerça a cidadania; e desenvolva a criatividade e a capacidade de se expressar. Uma interpretação ainda pouco difundida entre os professores que atuam na Educação Básica no Brasil. Efetivar uma discussão que envolva mídia e educação 40
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na escola, segundo Belloni (2012), torna-se indispensável para a efetivação da cidadania, dos direitos à educação de qualidade e à comunicação, para crianças e adolescentes. Esse objetivo, expresso pela Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos da Criança e do Adolescente, de 1989, norteou as discussões nas atividades desenvolvidas no curso de extensão a distância Construindo Diálogos entre Mídia e Educação.
Extensão Universitária: Contribuições para a Formação O curso teve o objetivo de discutir as relações entre mídia e educação para que os participantes pudessem reconhecer a necessidade de analisar as mensagens midiáticas e elaborar questionamentos sobre seu poder, contribuindo para que propostas de “educação para a mídia” pudessem se efetivar na Educação Básica. O curso foi realizado a distância, pelo Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA– plataforma Moodle), com carga horária de 60 horas, divididas em três módulos de 20 horas cada. O conteúdo foi apresentado por meio de vídeos e textos disponibilizados no AVA. Os 119 inscritos eram acadêmicos(as) de licenciaturas, profissionais da educação e comunidade em geral. No primeiro módulo, intitulado Mídia e Educação: Panorama Histórico, foi disponibilizado aos participantes conteúdo introdutório que pretendeu traçar breve panorama histórico da relação entre mídia e educação. As atividades englobaram: Glossário e Discussão em Fórum. Na sequência, o módulo Educação com e para a Mídia: o que É?”, possibilitou que os participantes discutissem conceitos que envolvessem a relação entre mídia e educação, como também a análise de planos de aula que evidenciassem essa prática com crianças e adolescentes. Segundo Belloni (2009), na perspectiva da mídia-educação, é funda41
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mental considerar a integração de duas dimensões inseparáveis: objeto de estudo e ferramenta pedagógica, que se concretiza como “educação para as mídias”, “educação com as mídias”, “educação sobre as mídias” e “educação pelas mídias”. As atividades que promoveram essa integração foram: Pesquisa, Postagem de Tarefa e Discussão em Fórum. Com fundamento nos estudos dos módulos anteriores, no último módulo, Educação com e para a Mídia: Construindo Possibilidades de Atuação, ocorreu o momento em que os participantes elaboraram e socializaram planos de aula com propostas de atividades para a Educação Básica, envolvendo mídia e educação. Nessa etapa, tiveram a oportunidade de elaborar um plano de aula de forma colaborativa, por meio da ferramenta Wiki disponibilizada no AVA, na plataforma Moodle.
Wikis O termo wiki significa “super-rápido”, no idioma havaiano, e refere-se à rapidez com que um conteúdo pode ser atualizado nas páginas de hospedagem de documentos colaborativos (LITTO; FORMIGA, 2012). Essa facilidade de alimentar a rede com informações fez do wiki um recurso muito popular nos espaços colaborativos da internet, como é o caso da Wikipédia. Nem todo texto colaborativo é um wiki e nem todo wiki é colaborativo. Um texto escrito pelo wiki somente é colaborativo quando várias pessoas passam a editá-lo, pois um wiki (ferramenta) também pode ser usado de forma individual, ou seja, quando somente uma pessoa edita. Há muita confusão quanto ao conceito. Um wiki pode se referir tanto ao software que possibilita o texto colaborativo, quanto ao texto produzido (produto) por meio desse software. Sobre o primeiro caso, pode-se recorrer ao conceito de Maia e Mattar (2007, p. 79) quando afirmam que “O wiki 42
Ana Cláudia Taú | Roselaine Ripa
é um software colaborativo que permite a edição coletiva dos documentos de maneira simples. Em geral, não é necessário registro, e todos os usuários podem alterar os textos sem que haja revisão antes da modificação serem aceitas”. Esse tipo de software permite manter o histórico de todas as postagens que compõem o material, e seu uso pode ter formas muito variadas: registros de palestras anotadas conjuntamente, esquemas de trabalhos colaborativos, agenda de reuniões feita conjuntamente, autoria de livro on-line, criação de conteúdo on-line sobre tema predefinido (artigos), narração ou poesia, diário pessoal, notas de exames, revisões de aulas, entre outros. Quando o termo é usado como sinônimo do texto colaborativo, refere-se aos textos escritos em conjunto, por meio de software próprio para isso ou não. Portanto, partindo dessa ideia, pode-se dizer que até mesmo um editor de texto convencional, se usado colaborativamente, pode produzir um wiki. Mesmo assim, é importante destacar que textos colaborativos passam a se caracterizar propriamente como um wiki quando trabalhados em espaços virtuais. Wikis podem atingir grandes dimensões, dentro da amplitude permitida pela rede mundial de troca de informações (Internet). De acordo com Trimer (2012, p. 316), seria natural o surgimento na Web de uma cultura que permitisse “[...] a produção ‘coletiva’ e desindividualizada, tendo nos softwares ‘wiki’ sua principal manifestação e na Wikipédia seu melhor exemplo”. O que é atrativo, nesse tipo de texto, é justamente o que pode causar estranhamento: a possibilidade que todos têm de dizer algo sobre determinado assunto ao mesmo tempo. O Wiki permite incluir diferentes e até opostas visões sobre um mesmo tema em um único material. Para que isso funcione, é preciso que uma série de decisões conjuntas seja tomada: quais informações são mais relevantes; quais são descartáveis; quem faz esse tipo de escolha; quais infor43
Construindo diálogos entre mídia e educação: a construção de wikis..
mações estão repetitivas, etc. Essas decisões promovem um ambiente em que é necessário o exercício contínuo do sentido de coletividade. Quando um wiki é usado para fins educativos, é recomendável a mediação desse processo por uma pessoa, ou grupo, que verificará se o texto atende aos objetivos de aprendizagem da proposta inicial. No ambiente escolar, o professor pode ser aquele que faz a mediação, porém deve garantir que as decisões sejam tomadas de forma coletiva e que todos participem do processo, sem impor suas decisões ao grupo. Um wiki passa a ser interessante para a educação, principalmente, quando privilegia a inteligência coletiva 3. O termo, criado por Pierre Levy, refere-se à união das competências individuais de uma equipe, a qual promove resultados mais expressivos do que a soma dos resultados particulares de cada indivíduo do grupo. Segundo Levy (1998, p. 28), “É uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta numa mobilização efetiva das competências”. Inteligência coletiva é, portanto, a soma das inteligências individuais, que pode ser compartilhada por toda a sociedade e potencializada pelas Tecnologias Digitais de Rede, principalmente no que se refere à Internet.
O Desenvolvimento da Atividade com Wikis No terceiro módulo do curso de extensão, a atividade proposta foi a construção de um plano de aula colaborativo em grupos utilizando a ferramenta wiki do Moodle. Para essa etapa do curso, os participantes deveriam construir um plano de aula direcionado à Educação Básica, com propostas de atividades que privilegiassem a integração das mídias na educação como objeto de estudo e ferramenta pedagógica. O objetivo era fazer o plano de aula de forma 44
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colaborativa, em grupos de até quatro integrantes. Os participantes, a partir dos conceitos estudados, deveriam se posicionar criticamente diante dos planos de aula pesquisados em etapa anterior e propor em seus planos de aula algo diferente do que já haviam encontrado. A princípio, nada de novo há nesse tipo de atividade, a não ser a exigência de escrever colaborativamente4 por meio da ferramenta wiki do Moodle. Mesmo sendo requisitado como meio para a realização de atividade em um projeto de extensão, cujo tema central era mídia e educação, o uso de wikis causou estranhamento aos participantes do curso e mediadores. Já na elaboração da atividade, os mediadores tiveram dificuldades para definir como seria utilizada a ferramenta: Como dividir os integrantes de cada grupo? Seriam indicados os temas para escolha? O feedback ocorreria dentro ou fora dos planos de aula? Essas questões já indicavam que tanto para os mediadores do curso, como para os participantes, o uso do wiki seria um desafio. De fato o foi. Os mediadores das turmas reconheceram que não tinham muita experiência com essa ferramenta do Moodle em particular, e que fariam algumas delimitações na elaboração da proposta para efetivar a atividade. O número total dos participantes naquele momento era de aproximadamente 80 cursistas, divididos em três turmas (A, B e C), assim, decidiu-se criar oito espaços de wikis em cada turma. Outras questões surgiram nesse momento: Como efetivamente dividir esses grupos no espaço virtual de aprendizagem? Os mediadores optaram, então, por criar um Fórum para que os participantes se organizassem e encaminhassem os nomes dos integrantes dos grupos com o tema do plano de aula. Nesse processo de construção da atividade, também se notou que seria importante um espaço para que os participantes enviassem questionamentos, principalmente porque já era previsto que muitos teriam dificuldade em traba45
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lhar com a ferramenta wiki. Foi criado, nesse momento, um Fórum de Dúvidas específico para essa atividade. Esse planejamento demandou um conhecimento mais aprofundado da ferramenta proposta, pois era preciso saber o que efetivamente ela oferecia enquanto recurso para mediar de forma construtiva a ação dos participantes na atividade proposta. Depois de feito esse processo de construção dos grupos, ou seja, todos os integrantes já haviam enviado os nomes ao Fórum e o tema dos planos de aula já escolhido, percebeuse ser necessário incentivar os participantes para que se sentissem encorajados a escrever coletivamente, ou seja, que escrevessem por etapas, fazendo do wiki um espaço para redigir um texto por muitas mãos. Várias tentativas neste sentido foram feitas, mas a maioria dos grupos não correspondeu às expectativas e usou a ferramenta somente para “colar” o texto final. Os mediadores observaram no histórico da ferramenta que muitos grupos usaram outro espaço para escrever: fizeram um plano de aula com algum recurso convencional de edição de texto e o copiaram e colaram no espaço em que devia ser escrito o texto colaborativo. Dessa forma, na avaliação dos mediadores, a maioria dos grupos não fez um wiki, como era a proposta inicial da atividade, mesmo reconhecendo que os conteúdos dos planos de aula traziam diversas propostas coerentes com as discussões realizadas durante o curso sobre as dimensões da mídia-educação. Numa visão mais precipitada, pode-se dizer que foi a falta de habilidade com a ferramenta, ou até mesmo que a ferramenta wiki do Moodle não contribuiu para a exploração da escrita colaborativa. De fato, essa ferramenta wiki é limitada, se comparada a outras de mesma finalidade, como, por exemplo, o Google Docs5. Essa pode ser considerada uma análise superficial, principalmente porque não se pode atribuir o fracasso de uma atividade apenas ao recurso 46
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educacional utilizado e sim à falta de conhecimento sobre ele e habilidade em seu manuseio. Na avaliação dos mediadores, a falta da construção de um wiki na atividade pode ter ocorrido, principalmente, pela dificuldade de trabalhar colaborativamente em espaços virtuais de aprendizagem. Diante dessa afirmação, pode-se fazer o seguinte questionamento: os trabalhos, ao longo da trajetória escolar de cada um dos participantes, muitos deles estudantes na Educação a Distância (EaD), não foram feitos de forma colaborativa, uma vez que existem muitas propostas de trabalhos em grupos? Fazer um texto colaborativo por meio de uma ferramenta wiki requer muito mais do que apenas a forma rotineira de elaborar um trabalho em grupo. Em um trabalho em grupo, na escola, geralmente, cada uma faz uma parte, escreve de forma linear e depois juntam-se as partes em um único trabalho. Já em wikis, a escrita deve ser simultânea e não linear. De acordo com Passarelli (2009, p. 329), wikis diferem da elaboração de um trabalho tradicional de grupo de sala de aula, “[...] pois a proposta é de que todos decidam, coletivamente, quais papéis terão ao longo da construção do trabalho, o que os leva a exercitar a alternância de papéis e de relações de poder”. Essa alternância de papéis, necessária à escrita de um texto colaborativo, é o que realmente parece causar estranhamento nessa forma simultânea e não linear de escrever. Essa característica inerente a um wiki não deveria ser um obstáculo, pois permite o exercício da aprendizagem colaborativa6. Pode-se afirmar que um dos fatores que torna o uso da ferramenta wiki um desafio tanto para professores quanto para alunos é o fato de impulsionar a necessidade de uma aprendizagem colaborativa de fato, ou seja, coloca os envolvidos diante de um espaço virtual em que nem tempo e nem o espaço (distância) são empecilhos para a elaboração conjunta de conhecimento. Em um wiki, o autor é obrigado 47
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a ceder lugar ao outro, no ato de escrever, ou seja, abdica de uma autoria textual exclusiva, permitindo uma relação mais horizontal e menos hierárquica no ato de escrever. O wiki desafia, portanto, a premissa da autoria pessoal em um texto escrito e permite elaborações textuais mais significativas, do ponto de vista didático-pedagógico, pois concede lugar a vários pontos de vista num mesmo material.
Considerações Finais Ao longo da atividade proposta no módulo III, Educação com e para a Mídia: Construindo Possibilidades de Atuação, reconheceu-se que, apesar da ferramenta wiki ser particularmente interessante para a promoção de uma educação participativa, ao permitir a elaboração coletiva de conhecimento (inteligência coletiva) por meio da construção de textos colaborativos escritos em ambientes virtuais, professores e alunos ainda precisam aprender a lidar com os desafios propostos por essa nova forma de escrever. Apesar dos planos de aula terem sido publicados na ferramenta proposta e apresentarem atividades coerentes com as discussões teóricas sobre mídia e educação realizadas ao longo do curso de extensão, não se pode afirmar que os objetivos da atividade foram plenamente atingidos, uma vez que o uso do wiki não tenha sido plenamente desenvolvido. O mecanismo Wiki pode ser considerado de uso relativamente simples e as barreiras que se impõem e que foram destacadas ao longo deste trabalho, estão para além do uso técnico da ferramenta. Essas barreiras surgem, principalmente, devido aos paradigmas que desafiam a educação nos dias de hoje, como é o caso da construção coletiva de conteúdo, da elaboração não linear de textos, da relação mais horizontal entre professor e aluno, entre outros. Podemos afirmar, portanto, que ainda
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há um abismo entre teoria e prática, quando discutimos a relação entre mídia e educação.
Referências BELLONI, M. L. Mídia-educação: a mediação escolar indispensável para a cidadania. In: ______. O que é mídia-educação. 3. ed. Campinas/SP: Autores Associados, 2009. LITTO, F.; FORMIGA, M. (Org.). Educação a distância: o estado da arte. 2.ª ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2012. v. 2. LÉVY, P. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 3.ª ed. São Paulo: Loyola, 1998. MAIA, C.; MATTAR, J. ABC da EAD: a educação a distância hoje. São Paulo: Prentice Hall Brasil, 2007. PASSARELLI, B. Aprendizagem on-line por meio de comunidades virtuais de aprendizagem. In: LITTO, F.; FORMIGA, M. (Org.). Educação a distância: o estado da arte. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2009. REMOTO CONTROLE: linguagem, conteúdo e participação nos programas de televisão para adolescentes. [Coordenação Veet Vivarta]. São Paulo: Cortez, 2004. Série Mídia e Mobilização social: 7. SARTORI, G. Homo videns: televisão e pós-pensamento. Trad. Antonio Angonese. Bauru: Edusc, 2002. SOARES, Ismar de Oliveira. Comunicação/educação: a emergência de um novo campo e o perfil de seus profissionais. Contato: Revista Brasileira de Comunicação, Arte e Educação. Ano 1, n. 2, jan./mar. 1999. TRIMER, R. Livros e apostila para a EaD. In: LITTO, F.; FORMIGA, M. (Org.). Educação a distância: o estado da arte. 2.ª ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, v.2, 2012.
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Notas 1 Licenciada em Ciências Sociais e mestre em Multimeios pela Universidade de Campinas (Unicamp). Professora substituta do curso de Pedagogia a Distância do Centro de Educação a Distância da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). E-mail: anactau@gmail.com
Pedagoga, mestre e doutora em Educação, pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professora efetiva no curso de Pedagogia a Distância do Centro de Educação a Distância da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). E-mail: roselaineripa@gmail.com 2
3 A Wikipédia é um exemplo de construção dessa inteligência coletiva. Essa enciclopédia on-line se tornou importante fonte de pesquisa na Internet, desbancando grande parte das enciclopédias tradicionais e de propriedade particular. Ganhou visibilidade não apenas por estar na Internet, trazendo informações sobre os mais variados assuntos, mas principalmente por permitir a participação dos usuários, que podem tanto alterar o conteúdo existente como propor novos verbetes, ou seja, criar textos colaborativos. 4 Como o próprio termo já indica, escrever colaborativamente significa escrever de forma conjunta e não individual. No contexto da Internet, essa forma de escrever ganha outra dimensão, devido à rapidez com que os envolvidos podem interagir e incluir informações. Os textos produzidos a partir da escrita colaborativa podem ser chamados de wiki. Um wiki, portanto, tem como suporte a língua escrita e permite tanto interações síncronas como assíncronas. 5 A wiki do Moodle não possibilita a digitação simultânea, como ocorre no Google Docs, o que deixa a impressão de que não se está fazendo uma escrita colaborativa.
De acordo com Kenski (2008), a aprendizagem colaborativa pressupõe uma ação colaborativa dos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem – o que significa definir que, para existir a colaboração em rede, precisa haver intensa circulação de informação. Nesse processo, é preciso que todos auxiliem na execução das tarefas, buscando superar os desafios, de forma a construir, conjuntamente, o próprio conhecimento. 6
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Uma proposta de extensão para a formação continuada de professores de Física atuantes em escolas da rede pública estadual de Santa Catarina André Ary Leonel1 José André Peres Angotti2
Conhecendo o Contexto
O
Estado de Santa Catarina3, menor estado da Região Sul do Brasil, em extensão territorial e população, de acordo com o último censo demográfico brasileiro (2010), tem 6.248.436 habitantes, distribuídos em 295 municípios, numa área territorial de 95.736,165 quilômetros quadrados, cuja densidade demográfica é de 65,27 hab/km2. O crescimento demográfico é de 1,57% ao ano e a maioria da população reside em áreas urbanas (84%). Faz divisa com o Paraná e o Rio Grande do Sul, tem fronteira com a Argentina e 450 quilômetros de costa oceânica no Atlântico. A rede educacional pública é composta por 36 Gerências de Educação (GEs), distribuídas em suas respectivas Secretarias de Desenvolvimento Regional (SDR), mais o Instituto Estadual de Educação (IEE). O mapa da Figura 1 apresenta a distribuição das GEs. Geograficamente, o IEE está localizado na Grande Florianópolis, na 18a GE, no mapa.
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Uma proposta de extensão para a formação continuada de professores de Física...
Figura 1 – Mapa das Gerências de Educação no estado de Santa Catarina
1ª São Miguel do Oeste 2ª Maravilha 3ª São Lourenço do Oeste 4ª Chapecó 5ª Xanxerê 6ª Concórdia 7ª Joaçaba 8ª Campos Novos 9ª Videira
10ª Caçador 11ª Curitibanos 12ª Rio do Sul 13ª Ituporanga 14ª Ibirama 15ª Blumenau 16ª Brusque 17ª Itajaí 18ª Grande Florianópolis
19ª Laguna 20ª Tubarão 21ª Criciúma 22ª Araranguá 23ª Joinville 24ª Jaraguá do Sul 25ª Mafra 26ª Canoinhas 27ª Lages
28ª São Joaquim 29ª Palmitos 30ª Dionísio Cerqueira 31ª Itapiranga 32ª Quilombo 33ª Seara 34ª Taió 35ª Timbó 36ª Braço do Norte
Fonte: Plano Estadual de Educação Permanente em Saúde, 2009
O Sistema Estadual de Educação, nos termos da Lei Complementar 170/1998, está organizado em níveis e modalidades de ensino. Os níveis dividem-se em Educação Básica e Superior. A Educação Básica é formada pela Educação Infantil, pelos Ensinos Fundamental e Médio e suas modalidades, entre elas: a Educação Profissional e Tecnológica, Educação de Jovens e 52
André Ary Leonel | José André Peres Angotti
Adultos (EJA), Educação Especial, Educação Escolar Indígena, Educação Escolar Quilombola e Educação Escolar do Campo. Dentro do Sistema Estadual de Educação, encontram-se os sujeitos desta pesquisa: os professores de Física. Atualmente, são 1.207 professores, distribuídos entre as 728 escolas que oferecem o Ensino Médio. Desse total, apenas 474 estão habilitados para o ensino da Física. Portanto, mesmo com todas as iniciativas criadas pelo governo federal, a partir dos estudos que alertavam para a carência nacional dessa área, com destaque para o estudo do Instituto Nacional de Estudo e Pesquisas Educacionais do Ministério da Educação (Inep/ MEC), realizado no ano de 2003, que apontava a necessidade de 23,5 mil professores de Física, apenas para o Ensino Médio, nos últimos 12 anos, houve apenas, 7,2 mil licenciados para a área. Estudo do Conselho Nacional de Educação (CNE/ MEC), de 2007, por sua vez, alertava para o “apagão” do Ensino Médio, estimando a necessidade de 55 mil professores de Física, mas as licenciaturas da área só formaram 7.216, entre 1990 e 2001; ainda registra-se um percentual de quase 61% de professores ensinando Física sem a devida habilitação. Esse dado, por si só bem alarmante, somado às mudanças sociais, reforçam a carência da área e estabelecem novas demandas no que tange às formações inicial e continuada para o ensino da Física. Nesse contexto, nasce a proposta de formação continuada aqui apresentada, motivada pela grande demanda de formação apresentada por esses professores; pelo interesse em pesquisar e contribuir com a formação continuada e o ensino de Física nesse estado, com foco no potencial das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC). As TDIC provocam mudanças nas maneiras de pensar, trabalhar e se comunicar (PRETTO, 2005; ALONSO, 2008; ALMEIDA & SILVA, 2011; MORAN, 2012), integrando-se às práticas sociais e criando nova cultura, entendida como cultura digital. Para Almeida e Silva (2011, p. 03): 53
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A disseminação e uso de tecnologias digitais, marcadamente dos computadores e da internet, favoreceu o desenvolvimento de uma cultura de uso das mídias e, por conseguinte, de uma configuração social pautada num modelo digital de pensar, criar, produzir, comunicar, aprender – viver. E as tecnologias móveis e a web 2.0, principalmente, são responsáveis por grande parte dessa nova configuração social do mundo que se entrelaça com o espaço digital.
A escola, principal espaço de formação e transformação, precisa problematizar o controle que as TDIC podem exercer sobre a vida das pessoas e promover uma apropriação crítica e criativa, não para aceitá-las ou negá-las, mas para seu uso consciente, tendo em vista que: [...] o exercício de pensar o tempo, de pensar a técnica, de pensar o conhecimento enquanto se conhece, de pensar o quê das coisas, o para quê, o como, o em favor de quê, de quem, o contra quê, o contra quem são exigências fundamentais de uma educação democrática à altura dos desafios do nosso tempo (FREIRE, 2000, p. 102).
A integração crítica das mídias no contexto escolar configura-se como um dos desafios desse tempo. Uma integração, nessa perspectiva, não significa simplesmente a inclusão de novos recursos tecnológicos, mas implica o desenvolvimento de estratégias didático-metodológicas que superem o uso instrumental, ou seja, práticas pedagógicas que instiguem novas leituras das mídias e favoreçam novas maneiras de aprender, pensar e agir. Nesse sentido, o universo virtual apresenta-se como um espaço propício a interações, à busca de informações e viabilidade para a construção coletiva do conhecimento, oferecendo possibili54
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dades para o processo de ensino e aprendizagem da Física. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM, 2000), as Ciências Naturais e a Física, em particular, enquanto áreas de conhecimento construídas, possuem uma história e uma estrutura que, uma vez apreendidas, permitem a compreensão da natureza e dos processos tecnológicos que permeiam a sociedade. Qualquer cidadão que detenha um mínimo de conhecimento científico pode ter condições de utilizá-lo para a interpretação de situações de relevância social, reais e concretas, bem como aplicá-lo nessas e em outras situações. No entanto, o ensino de Física, em muitas instituições e por muitos educadores, ainda é ministrado de forma linear e única, em que o conteúdo é apresentado como produto final, pronto, correto e confiável, não oportunizando ao educando a discussão, reflexão, o questionamento e, consequentemente, a construção do seu próprio conhecimento. Repensar a atuação do professor e a sua formação é fundamental para provocar as mudanças necessárias. Com essa perspectiva de mudança é que foi estruturada a proposta de extensão explorada neste trabalho e oferecida pelo Cead, da Udesc, como um curso de formação continuada aos professores de Física das escolas da rede pública estadual. A extensão4 na Udesc foi estabelecida pelo Estatuto (2006, p. 30), que a define, no artigo 92, como: “um processo educativo, cultural e científico que articula com o ensino e a pesquisa, de forma indissociável, e viabiliza a relação universidade e sociedade”. Segundo a direção de extensão, trata-se de uma ação instrumentalizadora de um processo dialético entre a teoria e a prática que possibilita o intercâmbio de saberes sistematizados, acadêmicos e populares; visando aos desenvolvimentos social, econômico e ambiental, por meio da inter-relação entre os aspectos científicos, culturais e tecnológicos, numa concepção sócio-transformadora e crítica. 55
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No Cead, a extensão visa a elaborar, divulgar e executar programas e projetos de extensão de forma articulada com o ensino e a pesquisa, cabendo à sua Direção de Extensão apoiar, acompanhar e assessorar a elaboração e execução dos programas e projetos, bem como administrar e acompanhar as atividades dos/das bolsistas e promover ações de saúde e bem-estar aos(às) acadêmicos(as) e aos(as) servidores(as) técnicos e docentes.
Fundamentos e Métodos Conforme apresentam Leonel e Angotti (2015), esta proposta de formação continuada apoia-se nas ideias do epistemólogo Ludwik Fleck (2010) e do saudoso Paulo Freire (2011a, 2011b), com vistas ao planejamento de atividades que, de modo geral, pudessem contribuir com melhorias no processo de ensino e aprendizagem da Física. Nesse sentido, busca-se suporte nas ideias de Fleck (2010) para planejar algumas atividades que promovam interações ao longo dessa formação, buscando a percepção e o enfrentamento de complicações, enquanto consciência de um problema que ainda não foi resolvido e/ou “associadas a limitações do estilo de pensamento para enfrentar determinado problema” (GONÇALVES; MARQUES e DELIZOICOV, 2007), com vistas à ampliação e/ou transformação de Estilos de Pensamento e à formação de uma rede que possibilite aos professores saírem do isolamento. Isolamento que, muitas vezes, impede as mudanças necessárias na atuação docente, quer porque atuam dentro de uma estrutura institucional em que as condições de mudança independem do indivíduo, quer ainda porque essa estrutura é tão mobilizadora que nem percebem a necessidade de mudança (LISITA et al., 2001). A Figura 2 apresenta uma síntese da Epistemologia de Fleck, em que o estilo de pensamento é caracterizado pelas 56
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condições sociais e culturais de uma época, enquanto o coletivo de pensamento seria constituído por um coletivo de cientistas, neste caso, professores, que compartilham o ideal de um estilo de pensamento. É o estilo de pensamento que mediatiza a relação cognoscitiva entre o cognoscente e o objeto a conhecer. Nessa relação, há conexões ativas e passivas, presentes uma na outra, engendrando-se e constituindo-se, enquanto que as conexões ativas são pressupostos históricos e socioculturais do sujeito, ou seja, suas concepções, seus pressupostos e suas crenças, que não são inatas, mas estilizadas pelo coletivo de pensamento. Já as conexões passivas são os resultados que caracterizam o que se percebe como realidade objetiva. Figura 2 - Representação sintética da Epistemologia de Ludwik Fleck
Fonte: O autor, 2015 57
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Quando se pensa na formação continuada de professores de Física no estado de Santa Catarina, é necessário perceber, no mínimo, quatro tipos de professores: os que já possuem a habilitação, no caso, licenciatura em Física ou outra licenciatura, mas com complementação em Física; os que estão em fase de formação, cursando licenciatura em Física; os que possuem formação inicial em outra área; e os que ainda não passaram por nenhuma formação inicial. São professores que, independentemente da formação, carregam suas experiências docentes fundamentadas em suas concepções, podendo haver entre eles diferentes estilos de pensamentos e, consequentemente, diferentes coletivos de pensamento. Os coletivos de pensamento dividem-se em círculos esotéricos e exotéricos. O primeiro é formado por especialistas que já dominam os códigos e procedimentos relacionados ao estilo de pensamento, e o círculo exotérico, em que se situa o que Fleck classifica como “leigos instruídos”. No entanto, esses círculos possuem significados relativos, uma vez que o cientista pode participar de mais de um coletivo de pensamento. Dessa forma, um membro do círculo esotérico de um coletivo pode integrar, concomitantemente, o círculo exotérico de outro coletivo. A interação entre os círculos se dá por meio da circulação intercoletiva e intracoletiva de ideias que, como consequência, pode estabelecer a instauração, extensão e transformação de um estilo de pensamento. Ressalta-se que, para que haja a transformação do Estilo de Pensamento, são necessárias duas condições: observação de uma complicação pelo coletivo – problema não resolvido por determinado coletivo; e circulação intercoletiva de ideias – interação entre distintos coletivos. Nesse sentido, promover um espaço de interações e compartilhamento de conhecimentos e trocas entre esses professores é fundamental para promover a extensão e transformações de estilos de pensamento. 58
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No que diz respeito às contribuições de Freire (2011a, 2011b), julga-se pertinente explorar, principalmente, as categorias dialogicidade e problematização. Percebe-se a dialogicidade como caminho para estruturar as possibilidades de apropriação e produção do conhecimento já que a prática do diálogo proporciona a partilha das realidades vivenciadas pelos interlocutores. A problematização seria a forma de aproximar as variadas leituras do mundo dos diferentes participantes do diálogo. Além disso, o diálogo com as pesquisas da área de ensino de Física, formação de professores e integração das TDIC pode integrar, em um mesmo processo, produção de teoria e prática docente (LISITA et al, 2001). Ainda no campo das contribuições freirianas, foi utilizada a proposta dos três momentos pedagógicos (ANGOTTI; DELIZOICOV,1990, 1992; DELIZOICOV et al, 2002; DELIZOICOV, 1982, 1983, 2001), para balizar a organização do curso de formação. Trata-se de uma proposta inspirada nas ideias de Paulo Freire e está estruturada em três momentos. No 1o momento – Problematização Inicial, segundo Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002), a finalidade é propiciar um distanciamento crítico do aluno; nesse caso, o professor, ao se defrontar com as interpretações das situações propostas para discussão e fazer com que ele reconheça a necessidade de obter novos conhecimentos, com os quais possa interpretar a situação mais adequadamente. Esse momento visa levantar as concepções prévias dos alunos a respeito do assunto a ser tratado em aula, assim, a função do professor é mais de questionar e lançar dúvidas sobre o tema estudado do que fornecer explicações (DELIZOICOV et al., 2002). No 2o momento – Organização do Conhecimento, os conhecimentos necessários à compreensão do assunto abordado e ao encaminhamento de soluções para as questões da Problematização Inicial devem ser sistematicamente estu59
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dados sob a mediação do professor. É a etapa do desenvolvimento de conhecimentos novos para o aluno. O conteúdo é programado e preparado em termos instrucionais para que o aluno o apreenda de forma a, de um lado, perceber a existência de outras visões e explicações para as situações e fenômenos problematizados, e, de outro, a comparar esse conhecimento com o seu, para usá-lo para melhor interpretar aqueles fenômenos e situações. Já o 3o Momento – Aplicação do Conhecimento, destinase à utilização dos conhecimentos construídos pelos alunos para interpretar as situações problematizadas inicialmente, delimitando o grau de compreensão conseguido. É a etapa da verificação da aprendizagem e, ao mesmo tempo, deve ser um espaço de exploração de novas situações, preferencialmente vinculadas à vivência cotidiana dos alunos, que possam ser compreendidas e explicadas utilizando-se o conjunto de conhecimentos, obtidos no segundo momento. Para embasar a dimensão tecnológica, adotamos a perspectiva da mídia educação e o referencial teórico do conhecimento tecnológico, pedagógico do conteúdo, mais conhecido pela sigla, em inglês: TPACK - Technological Pedagogical Content Knowledge, de Mishra e Khoeler (2006). A formação e a atuação do professor precisa considerar a necessidade de “construir novas formas de educação voltadas para a apropriação criativa das tecnologias, sem deixar de construir conhecimento novo que fundamente a reflexão sobre as relações entre tecnologia e sociedade e, especificamente, uma sociopolítica dos usos” (LAPA; BELLONI, 2012, p.180-181). Com o curso de formação continuada, almejamos promover uma apropriação crítica das mídias que contemple as três dimensões apontadas por Bévort e Belloni (2009, p. 1.098) [...] inclusão digital, ou seja, à apropriação dos modos de operar estas ‘máquinas maravilhosas’ que abrem as 60
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portas do mundo encantado da rede mundial de computadores, possibilitando a todos se tornarem produtores de mensagens midiáticas; e, de outro, às dimensões de objeto de estudo, antiga ‘leitura crítica’ de mensagens agora ampliada, e de ferramenta pedagógica, que diz respeito a seu uso em situações de aprendizagem, isto é, à integração aos processos educacionais.
Nessa perspectiva, o formato b-learning, ou híbrido, composto por momentos presenciais e a distância, pode potencializar essa apropriação, uma vez que as interações e aprendizagem não ficam restrita a um só contexto, espaço ou a um dado momento, mas o debate pode ser contínuo; a socialização é facilitada pelas ferramentas que permitem o registro das observações e reflexões; a interação é ampliada e encorajada pelas diversas possibilidades. Para Sampaio e Coutinho (2012, p. 40), A introdução de novas tecnologias no processo de ensino/aprendizagem provoca mais alterações do que apenas a alteração das ferramentas que são utilizadas, há uma interferência nos modos de pensar e agir do professor que está associada à mudança nos modos de aprender e de ensinar.
Nesse sentido, para encarar os desafios contemporâneos e aproveitar todo o potencial das TDIC no processo de ensino e aprendizagem de Física e também para promover as circulações almejadas, é fundamental que seja adicionado aos saberes do professor, além do conhecimento pedagógico e o de conteúdo, o conhecimento tecnológico. É nessa direção que Mishra e Koehler (2006) apresentaram o referencial teórico que denominaram de TPACK, assumindo como premissa fundamental que a combinação ideal da integração das TDIC no currículo resulta da mistura balan61
Uma proposta de extensão para a formação continuada de professores de Física...
ceada de conhecimentos científicos, ou dos conteúdos pedagógicos e também tecnológicos (ESPÍNDOLA, 2010; SAMPAIO; COUTINHO, 2012).
Proposta de Extensão para a Formação Continuada Essa proposta foi balizada a partir da experiência dos autores com o ensino de Física e formação de professores dessa disciplina, considerando as demandas percebidas na prática e apontadas por pesquisadores da área. Além disso, foi organizada com um olhar para a Sistemática de Capacitação para Educadores da Rede Estadual de Ensino5, tendo como meta o desenvolvimento de atitudes reflexivas e investigativas que auxiliem na percepção e no enfrentamento de complicações presentes no processo de ensino e aprendizagem de Física, com um olhar para o potencial das TDIC no que diz respeito ao enfrentamento dessas complicações. Com o título de Ensino de Física: Um Novo olhar sobre a Prática6, a proposta foi elaborada por um dos autores deste artigo e ofertado aos professores de Física da rede pública estadual de Santa Catarina, como extensão, pelo Cead, onde leciona atualmente. Tendo em vista o extenso território do estado, a elevada carga horária dos professores, bem como os objetivos almejados, estruturou-se a extensão no formato b-learning. A proposta foi aprovada pela Secretaria da Educação do estado de Santa Catarina, que enviou circular interna divulgando a formação aos professores de Física com a ficha de inscrição para as escolas da rede pública estadual. Houve grande interesse por parte dos professores, mas, por motivos diversos, apenas dez aderiram à formação, cujas principais características são apresentadas no Quadro 1.
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André Ary Leonel | José André Peres Angotti
Quadro 1 - Identificação e principais características dos professores Professores Nascimento
Início da Docência
Formação
Professor 1
25/2/1981
2001
Licenciatura em Ciências com habilitação em Física (Uema)
Professor 2
8/2/1984
2010
Licenciatura em Física (UFSC)
Professor 3
6/11/1946
1970
Professor 4
24/4/1968
1987
Professor 5
3/3/1968
1989
Professor 6
5/10/1974
1997
Professor 7
9/2/1966
2000
Professor 8
6/9/1964
1979
Professor 9
7/11/1958
1980
Professor 10 15/5/1959
1996
Licenciatura em Matemática (UFSC) Licenciatura em Matemática e Física (Furb) Licenciada em Matemática, concluindo licenciatura em Física (UFSC) Licenciatura em Física (Unicentro) Agronomia (UFSC), Licenciatura Química e Física (Unisul) Licenciatura em Física (UEPG) Licenciatura em Física (UFSC) Licenciatura em Física (UNISUL)
Disciplinas Lecionadas
Cidade/GE onde Leciona
Física, Química e Biologia
Matemática, Ciências e Florianópolis/18a Física
Florianópolis/18a
Matemática e Física
Angelina/18a
Matemática e Física
São Bento do Sul
Matemática, São Pedro de Ciências e Alcântara/18a Física Matemática e Física
Florianópolis/18a
Química e Física
Anitápolis/18a
Matemática e Física
Porto Belo/17a
Física
Palhoça/18a
Física e Química
Florianópolis/18a
Fonte: O autor, 2015
Por motivos de saúde e problemas na família, o professor 1 participou apenas do primeiro encontro e, por questões trabalhistas, o professor 9 só participou dos três primeiros. Objetivando desenvolver o pensamento crítico voltado para o planejamento e a realização de atividades diversas e promover o desenvolvimento de habilidades que auxiliam na organização e seleção de conteúdos, 63
Uma proposta de extensão para a formação continuada de professores de Física...
recursos e métodos a serem utilizados no processo de ensino e aprendizagem de Física, com o uso dos recursos tecnológicos disponíveis, promovendo a apropriação crítica das mídias, a partir da observação e reflexão da sua prática, com vistas a melhorias no trabalho docente, julgou-se pertinente estruturar o curso em consonância com a proposta dos três momentos pedagógicos. No primeiro momento, Problematização Inicial, foram apresentados alguns questionamentos com os objetivos de despertar os professores para as mudanças provocadas pelas TDIC na sociedade e na escola; ouvir suas concepções sobre as questões; fazer um levantamento dos problemas enfrentados na prática; e perceber suas expectativas e demandas. Além disso, esse momento tinha também a finalidade de instigá-los para o estudo das questões levantadas que, de modo geral, envolviam o uso das TDIC no ensino de Física, as novas metodologias de ensino e referências dessas áreas e, sobretudo, chamar a atenção para a necessidade de lançar um novo olhar sobre a prática. No segundo momento, Organização do Conhecimento, foram propostas algumas leituras, pesquisas, estudos e debates acerca da perspectiva da mídia-educação e, em seguida, em consonância com essa perspectiva, analisaramse algumas TDIC que pudessem contribuir com o enfrentamento dos problemas apontados pelos professores. Finalizou-se esse segundo momento com o estudo de algumas metodologias para o ensino da Física, pensando nos conteúdos específicos dessa ciência e na apropriação e integração dos recursos estudados, incluindo aí as TDIC. Já no terceiro momento, Aplicação do Conhecimento, os professores planejaram, a partir da realidade do contexto onde atuam e do conhecimento organizado no momento anterior, estratégias didático-metodológicas integrando diferentes recursos e metodologias para serem desenvolvidas com seus alunos. Esse planejamento 64
André Ary Leonel | José André Peres Angotti
foi desenvolvido e analisado a partir de suas experiências e literatura pesquisada. Desde o primeiro momento, os professores foram convidados a olhar para o seu contexto, a partir das questões problematizadas e com o intuito de praticar, ao longo de todo o curso, o exercício da espiral: observação, reflexão e ação, típica da investigação ação, necessária para o professor reflexivo. Foi com essa perspectiva que, ao longo do segundo momento, cada professor selecionou uma questão para estudar mais a fundo e ter como base para realizar o planejamento citado anteriormente. Isso após terem passado por momentos, coletivos e individuais, de observação e reflexão, a partir de questionamentos acerca do contexto de atuação de cada um, que incluiu atividade de observação na qual, a partir de alguns elementos, caracterizaram sua escola, seus alunos e a sua prática docente. Como atividade final do curso, cada professor, a partir do contexto da escola onde leciona, deveria focar em uma de suas turmas e elaborar uma sequência didática, aplicando-a e analisando-a a partir da sua prática e das pesquisas, na literatura da área, realizadas ao longo do curso. Para essa atividade, foi sugerido que utilizassem alguma(s) TDIC capazes de contribuir com os objetivos estabelecidos nos planos elaborados, e que optassem por uma das propostas metodológicas abordadas durante o curso. Como produto final, motivados por experiências anteriores, foi proposta a elaboração de um relatório incluindo: o plano de aula completo, contendo informações sobre a turma, o tema abordado na aula, a justificativa, os objetivos geral e específicos, os recursos utilizados, o procedimento metodológico, a forma de avaliação, os resultados esperados e as referências consultadas, além de um levantamento teórico de pesquisas que tratam da temática investigada e uma análise a partir da experiência prática e das leituras realizadas. 65
Uma proposta de extensão para a formação continuada de professores de Física...
Durante os encontros presenciais7, nas interações, nos recursos utilizados, ou nos momentos de reflexão8, as mediações sempre procuram contribuir com a percepção e o enfrentamento de complicações do cotidiano escolar, a fim de desenvolver o pensamento crítico acerca do uso de diferentes recursos, como os aparatos experimentais, as diferentes linguagens e TDIC. Tais ações promovem, gradativamente, apropriação consciente desses recursos, com vistas ao planejamento de estratégias didático-metodológicas que contribuam para o enfrentamento dos problemas levantados pelos professores no primeiro momento e nas interações que se seguem. As TDIC utilizadas foram selecionadas a partir da demanda apontada pelos professores, no primeiro momento presencial, a fim de que a meta do curso fosse alcançada, tendo, porém, como critério principal, a possibilidade de serem utilizadas pelos professores com seus alunos. Assim, à medida que aprendiam a utilizá-las, reflexões eram provocadas no sentido de contemplar a inclusão digital e um olhar para as TDIC como objeto de estudo e ferramenta pedagógica; as três dimensões apontadas por Bévort e Belloni (2009), como necessárias para uma formação na perspectiva da mídia-educação. Foram selecionados alguns aplicativos livres, bem como redes sociais que poderiam ser utilizados pelos professores em suas práticas. À proporção que conheciam e exploravam esses recursos (escrita colaborativa, blog, Laifi, YouTube, entre outros), interagiam no e por meio do próprio recurso, já pensando em possibilidades de integrá-los às atividades realizadas com seus alunos. As interações a distância ocorriam, sobretudo, na sala organizada no Moodle e por e-mail. No entanto, na medida em que os recursos supracitados eram apresentados, também serviam para promover as interações. No que diz respeito a esses recursos, quanto às interações a distância, os professores avaliam que: 66
André Ary Leonel | José André Peres Angotti
Na minha concepção, o meio mais útil ainda é o e-mail, ou rede social, pois no dia a dia, com diversos afazeres, fica complicado lembrar de todos os meios eletrônicos, senhas, etc. (Professor 2). São formidáveis. Pena que não consegui dominar totalmente. Faltou tempo para me dedicar mais intensamente. (Professor 3). Para mim, uma novidade. No início, participei com muita dificuldade, agora com um pouco mais de segurança. (Professor 4). Bastante importantes para os contatos a distância e da forma como foram utilizados durante o curso, acredito que contribuirão bastante nesse processo de formação e também no contato com os colegas e com o professor para a troca de informações a respeito de assuntos de interesse do grupo de formação e de outros que podem contribuir para o sucesso da caminha por uma educação de qualidade. (Professor 5). Estou encantada com todas essas formas de estarmos nos comunicando e nos aperfeiçoando. (Professor 6). Eficientes. (Professor 10).
Questionados quanto à maior contribuição da formação continuada, a maioria destacou o compartilhamento de conhecimentos e práticas, entre outros fatores, como pode ser visto nas falas seguintes: A oportunidade de saber a realidade escolar de outras escolas, e trocar conhecimentos e informações com outros professores. (Professor 2). A troca de experiências com outros colegas professores; Construção do layfi e conectar-se com os alunos; Utilizar vídeos em sala de aula. (Professor 3). Perder o medo da inovação. Inovar sempre e, assim, motivar nossos alunos. (Professor 4). A troca de experiências e informações com o professor orien67
Uma proposta de extensão para a formação continuada de professores de Física...
tador do curso e os demais colegas que participaram do curso descrevendo suas experiências na aplicação de alguns conteúdos e como podem ser trabalhados para facilidade de entendimento por parte dos educandos. (Professor 5). Oportunidade de aprender a lidar com as TDIC e poder estar em contato com outros professores da minha área de trabalho trocando experiências e aprendendo. (Professor 6). Trazer um novo olhar sobre a utilização da informática na minha prática educativa e pessoal. Sei do valor e da necessidade disto, porém sempre preferi ficar distante, o curso reduziu este distanciamento que criei. (Professor 7). Creio que a maior contribuição foi a abertura de novos horizontes. (Professor 8). A descoberta do site perfeito (Física Vivencial), para os meus objetivos e opção teórico-metodológica, bem como visão de mundo. Além da troca de conhecimentos. (Professor 10).
Todos os participantes consideraram os encontros presenciais indispensáveis e bem produtivos, seja para estreitar a interação e o compartilhamento de conhecimentos e práticas, seja para fazer uso da TDIC para nos comunicarmos a distância; para romper bloqueios com o uso das TDIC; para encorajar ao uso. Mesmo considerando a distância que a maioria precisava percorrer até o ponto de encontro. Cabe destaque as falas dos professores 7 e 8: A distância, o percurso (trânsito), foi ponto de estresse, reduzindo as energias, porém, os encontros foram proveitosos e enriquecedores. (Professor 7). Apesar de parecer que um curso como este poderia ser totalmente a distância por tratar de tecnologias, não creio que seja este o caso. Ainda que pareça natural para quem faz o uso delas, principalmente a Internet com redes sociais e similares, nada substitui o contato pessoal. Muitas experiências compartilhadas não o seriam pelos meios virtuais. A pessoalidade 68
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é o que nos distingue das máquinas e na escassez atual de oportunidades para encontros, existe um caráter de difícil explicação quando se trata de seres humanos e sua relação com as máquinas. Ou seja, nada substitui o falar, ouvir, tocar, interagir, etc. Não defendo que tudo deva ser presencial. Sou adepto declarado do sistema semipresencial. É necessário o tempo para estar a distância, mesmo porque isto nos torna mais prontos para a independência natural de livres pensadores, mas o contato direto também nos faz crescer como indivíduos na coletividade. (Professor 8).
Para os professores, as principais dificuldades encontradas para participar do curso foram a distância entre suas casas e o ponto de encontro e a falta de tempo para se dedicarem mais ao curso, devido à elevada carga horária nas escolas. Questionados se o curso teria o mesmo resultado sendo totalmente on-line, responderam que não, cabendo destaque as falas abaixo: Não, pois não teríamos acesso aos demais professores de forma direta, e a expressão verbal é totalmente diferente da expressão escrita. (Professor 2). Totalmente a distância, para mim seria bem menos produtivo. A mediação presencial do professor é insubstituível. (Professor 3). Não, os encontros presencias favorecem muito a troca de experiências. E, também, para recarregar as baterias, pois, percebemos que não estamos sozinhos na busca de novidades para motivar nossos alunos. (Professor 4). Acredito que não, pois tenho bastante dificuldade com as TDIC, e, para tirar dúvidas, às vezes só falar ou mostrar não é o suficiente, temos que ver como fazer, e nessa hora estar presente faz toda a diferença. Além disso, não temos tanto tempo assim para nos dedicarmos. (Professor 6). 69
Uma proposta de extensão para a formação continuada de professores de Física...
Creio que não, pois acho necessário para motivação o contato professor/aluno, de forma que aumenta o desempenho. (Professor 7).
Fazendo uma avaliação geral do curso, apontaram como pontos positivos a oportunidade de conhecer outras realidades escolares; trocar experiências com diferentes professores; conhecer novas estratégias didático-metodológicas; os debates ocorridos; o material didático apresentado pelo professor; a motivação para que a TDIC faça parte dos instrumentais didático-pedagógicos do professor; motivação do grupo; professor com rico conhecimento na área; ambiente agradável; muitas novidades; despertamento para tecnologias e suas aplicações no processo pedagógico; criação de um ambiente relacional entre professores de Física para tratativa de problemas comuns; momentos de reflexão, gerando um clima favorável à extensão das atividades para momentos extracurso. Como pontos negativos, apontaram: as tarefas a distância; poucos encontros presenciais; cansaço, acúmulos de tarefas; falta de domínio da tecnologia; dificuldade no deslocamento; falta de tempo para explorar mais os recursos utilizados; e falta de incentivo pelos órgãos governamentais.
Considerações A utilização da proposta dos três momentos pedagógicos foi bem-sucedida. As problematizações iniciais potencializaram uma ação dialógica que se manteve até o final do curso. O fato de partir de problemas levantados pelos próprios professores despertou interesse e motivação em participar da formação e, mais do que isso, fez com quisessem levar essa formação para o coletivo de professores da escola onde lecionam, tornandose possíveis multiplicadores da proposta.
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A extensa carga horária dos professores, no entanto, se configurou como a principal dificuldade para o desenvolvimento da proposta de formação. O tempo destinado à pesquisa, às leituras, à elaboração dos planejamentos e análise de dados ficou muito restrito, como se essas ações não fizessem parte do trabalho docente. Os momentos de reflexão foram imprescindíveis, pois reforçaram uma relação de confiança, potencializando as interações e viabilizando um canal de compartilhamento e acesso a novos conhecimentos e práticas, sem desrespeitar o conhecimento dos professores. As TDIC utilizadas contribuíram para que o professor saísse do isolamento e se integrasse em um coletivo de pensamento. Além disso, as interações entre os professores permitiram perceber a existência de outros coletivos e de diferentes estilos de pensamento, ao longo da história, encorajando as mudanças e renovações na prática docente, bem como instrumentalizando o olhar para perceber e enfrentar as complicações encontradas na prática cotidiana. Tendo em vista que a maioria dos professores não utilizava as TDIC no processo de ensino e aprendizagem e que alguns não faziam nem uso pessoal, ou seja, não estavam incluídos digitalmente, a integração delas no processo de ensino e aprendizagem de Física pelos professores participantes aconteceu mais rápido do que se esperava. Podemos inferir que o desenvolvimento das atividades e discussões sobre a prática pedagógica está resultando na compreensão do uso crítico e criativo das TDIC. No entanto, pesquisas futuras se encaminham para a investigação dessa integração, sua concepção e repercussão, bem como a gestão desses processos de integração, a partir das interações e das atividades desenvolvidas e analisadas pelos professores participantes.
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Notas Doutorando do programa de Pós-graduação em Educação Científica e Tecnológica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). É mestre em Educação Científica e Tecnológica pela UFSC. Especialista em Práticas Pedagógicas Interdisciplinares pela Portal Faculdades (2007) e licenciado em Física pela UFSC (2004). É professor colaborador do Centro de Educação a Distância (Cead) da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Participa do Grupo Mídia Educação e Comunicação Educacional (Comunic). Tem experiência na área de Ensino de Física, com ênfase em Física Moderna e Contemporânea, no uso de novas tecnologias e na formação de professores. E-mail: aryfsc@gmail.com
1
Pós-doutor em Educação Científica e Tecnológica - Ensino de Física, formação docente e TDIC no grupo Crecim da Universidad Autónoma de Barcelona (UAB), Barcelona/Espanha, iniciado em outubro de 2014. Graduado em Física/Licenciatura (1972), mestre (1981) e doutor em Ensino de Ciências/Física - Instituto de Física (Ifusp) e Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp) (1991). Professor titular de Metodologia e Prática de Ensino de Física e do Programa de PG em Educação Científica e Tecnológica, cursos de Mestrado e Doutorado Universidade Federal de Santa Catarina. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Científica e Tecnológica, atuando principalmente nos seguintes temas: formação inicial e continuada de professores; educação dialógica; epistemologia, interdisciplinaridade e ensino de física/ciências; novas tecnologias, ambientes virtuais e EaD. E-mail: zeangotti@gmail.com 2
3 As informações sobre o estado foram extraídas do portal do governo do estado de Santa Catarina. Disponível em: <http://www.sc.gov.br/index.php/conheca-sc>. Acesso em: 01 out. 2014. 4 Disponível em: <http://www.cead.udesc.br/?id=806>. Acesso em: 01 out. 2014. 5 Este documento contempla as orientações para planejamento e oferta de cursos de formação, bem como apresenta a política de formação continuada dos profissionais das redes públicas estaduais de ensino, instituída pelo Decreto 915, de 9 de abril de 2012.
A partir da meta e dos objetivos pretendidos, julgou-se coerente oferecer um curso de formação continuada com duração de 100 horas, b-learning ou híbrida, em que 48 horas são presenciais e 52 horas a distância. 6
Esses encontros, em um total de seis, com 8 horas cada, acontecem mensalmente, no Laboratório de Informática da Udesc, com a presença dos dez professores. 7
8 São momentos, presenciais e a distância, individuais e previamente agendados com cada professor que participa do curso, que têm como
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André Ary Leonel | José André Peres Angotti
objetivo: conhecer a realidade da escola onde atuam, refletir sobre questões originárias da interação no coletivo, esclarecer possíveis dúvidas quanto aos recursos utilizados, sistematizar as atividades propostas e sistematizar o planejamento a partir da observação, reflexão e ação.
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Base de conhecimento docente para educação a distância: Elementos para Pensar a Docência Virtual1 André Correa2 Daniel Mill3
E
ste texto apresenta dados coletados em pesquisa sobre a Base de Conhecimento Docente de professores de um curso de Educação Musical na modalidade de Educação a Distância (EaD). Mais especificamente, aborda dados de dois eixos da pesquisa: O perfil dos docentes e suas percepções sobre o processo de ensino e aprendizagem na EaD. O propósito aqui é traçar paralelos encontrados ao cruzar os dados dos dois eixos. Quais os perfis dos sujeitos pesquisados? E quais são suas percepções sobre a EaD? É possível notar paralelos entre o perfil dos sujeitos investigados e as percepções? Ou seja, ao olhar para os dois eixos, pode-se notar que as características dos diversos perfis dos sujeitos investigados influenciaram suas percepções sobre a modalidade EaD? Nesse sentido, um conceito chave para nossa análise é a Base de Conhecimento Docente, de Shulman (1987). Para o autor, essa base de conhecimento é caracterizada como elementos para que o professor propicie o processo de ensino e aprendizagem em diferentes áreas de conhecimento, níveis e modalidades. Ainda segundo o mesmo autor, é composta por um corpo de compreensões, conhe76
André Correa e Daniel Mill
cimentos, habilidades e disposições, envolvendo conhecimentos de diferentes naturezas, necessários para a atuação profissional. Segundo Mizukami (2004), a base de conhecimento não é imutável, implicando construção contínua. Isso significa contar, como parte da construção contínua da aprendizagem docente, com os processos de observação vivenciados enquanto ainda estudantes, num período prévio às suas atuações docentes (MIZUKAMI et al., 2008). A base de conhecimento docente é formada por saberes provenientes da formação inicial dos professores e suas experiências na prática. No exercício da docência, “o professor se depara com as diferenças entre os estudos/propostas aprendidos na sua formação inicial e as necessidades da prática em sala de aula, que exige mais do que aprendeu na formação inicial” (MIGLIORANÇA, 2010). Também por esse motivo, entendemos que a aprendizagem da docência é um processo contínuo, pois acontece em diversas etapas da carreira do professor, estendendo-se para além de sua formação inicial e sendo constantemente reconstruída por saberes adquiridos na prática ou mesmo antes do exercício da profissão, pelas observações do sujeito durante sua trajetória escolar. Portanto, nossa análise considera três categorias de saber que compõem a base de conhecimento docente (MIZUKAMI, 2004): Conhecimento de conteúdo específico – O conteúdo a ser ensinado pelo professor. São conceitos, fatos, processos e procedimentos da matéria a ser ensinada. Conhecimento pedagógico geral – Conhecimentos de teorias e princípios relacionados a processos de ensinar e aprender; conhecimentos dos alunos e conhecimento de contextos educacionais. Conhecimento pedagógico de conteúdo – Durante o exercício profissional, os professores acabam construindo um novo tipo de conhecimento, que é melho77
Base de conhecimento docente para educação a distância...
rado e enriquecido. Numa amálgama do conhecimento de conteúdo específico e o conhecimento de conteúdo pedagógico, esta terceira categoria é construída constantemente durante o exercício da prática docente. Antes de continuar, também é preciso delimitar o que compreendemos por percepção docente. Entendemos que a reflexão é essencial à aprendizagem da docência e à constituição da base de conhecimento do professor. Em síntese, a reflexão é basicamente um processo de atribuição de significados dada às experiências vividas pelos professores (REALI; REYES, 2009, p.28). Da mesma forma, entendemos que a Base de Conhecimento dos professores é formada por saberes múltiplos, vindos da formação, da prática da profissão e até de experiência quando ainda eram alunos (SHULMAN, 1987). A prática reflexiva necessita de métodos para observar, memorizar, escrever, analisar, após compreender e escolher opções novas (PERRENOUD, 1999, p.12). Portanto, a percepção docente é a capacidade de dar significado ao que se percebe. Não somente absorver sensorialmente informações do ambiente do docente. Quando dizemos percepção docente, descrevemos um processo pelo qual o docente observa, analisa e também toma decisões. O processo da percepção docente não envolve somente as informações absorvidas pelo professor, mas também todo o processo de decodificação, ressignificação e tomada de decisão que sucede a absorção dessas informações. Tendo como referência, principalmente, a Base de Conhecimento Docente de Shulman, nos debruçamos sobre os dados que encontramos relacionados aos dois eixos citados: os perfis e as percepções de docentes virtuais de um curso de Educação Musical. Com informações sobre os perfis desses docentes, mapeamos a construção de suas Bases de Conhecimento. Já as percepções podem ser enten78
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didas como as ressignificações dos docentes sobre o processo de ensino e aprendizagem na modalidade EaD. Em outras palavras, suas atualizações e seus novos saberes construídos para suas Bases de Conhecimento Docente.
A investigação Este artigo é fruto de investigação realizada no âmbito do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Inovação em Educação, Tecnologias e Linguagens (Grupo Horizonte), na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). A pesquisa caracterizou-se como qualitativa e de natureza descritiva, explorando, nos dados qualitativos, a riqueza em descrição do fenômeno investigado, dos seus sujeitos e dos significados que estes atribuem ao contexto em que estão inseridos. Com base em Bogdan e Biklen (1994, p.16), buscou-se compreender o fenômeno investigado em sua totalidade, analisando sua complexa rede de interações. Com base nos dados coletados dos perfis dos sujeitos investigados e suas percepções acerca do processo de ensino-aprendizagem na EaD, procuramos encontrar evidências se os diferentes perfis influenciam na percepção dos docentes sobre a modalidade a distância. Para tanto, dois instrumentos foram usados para a coleta de dados desta investigação: • Questionário: Disponibilizado on-line no LimeSurvey4, foi formado por questões objetivas e dissertativas. Pelas respostas, foram selecionados os sujeitos a serem entrevistados. • Entrevistas: Utilizada a modalidade semiestruturada para coletar dados mais aprofundados e preencher lacunas deixadas pelos questionários. Os sujeitos da pesquisa eram professores do curso de Licenciatura em Educação Musical da UFSCar. Foram 79
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considerados apenas os dados de professores que atuam em disciplinas com conteúdo prático musical (como prática de instrumentos, percepção musical, canto, etc.), resultando em nove sujeitos5. Entre esses, três foram entrevistados. A identidade dos investigados não é revelada, neste texto, apenas identificados como Sujeito A, Sujeito B, Sujeito C, etc. Os dados coletados foram analisados com base no referencial teórico das áreas de EaD, formação de professores e Educação Musical.
Perfil dos docentes do curso de Educação Musical Para caracterizar os docentes participantes da pesquisa, levantamos dados sobre sua subjetividade na relação com suas práticas de educadores. Mapeamos características que não fazem parte de sua formação profissional e de seu contexto de atuação, mas que influenciam sua prática docente. Como afirma Souza (2009, p.130), subjetividade é uma construção social: desde as interações familiares dos sujeitos até as influências do meio social mais próximo e amplo. É por meio dessas vivências, desses valores e papéis culturais que damos sentido às situações que vivemos (GALVÃO, 2005, p. 328). Assim, um dos aspectos investigados foi a faixa etária dos docentes investigados. Entendemos que a idade é um dado relevante, podendo evidenciar o nível de familiaridade com as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC). Observando dados concernentes à faixa etária, notamos que a maioria dos indivíduos (89%) tem mais de 30 anos (Figura 2), o que indica que são imigrantes digitais6. Prensky (2001) argumenta que o imigrante digital aprendeu a se adaptar ao mundo digital, mas, como um imigrante que aprende nova língua, retém um “sotaque”, isto é, hábitos do passado pré-digital. 80
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Figura 1 - Faixa etária dos professores participantes da pesquisa.
Fonte: Elaboração própria.
O Comentário 1, entre outros, traz pistas dessa condição de imigrantes digitais. Então, a... na época, as ferramentas eram muito assim, é... uso do corpo, de exemplos práticos, né? O uso de... é... da lousa, do giz, recursos de gravação, mas como a gente conhecia na época: fitas, discos, vinis, né? Exibição de filmes, vez por outra. Mas tudo era muito, assim, cru, no sentido de utilizar mais a... a... a inteligência sem muito apoio das tecnologias. Inteligência humana pura. Você dá uma aula expositiva, mas com, com muita verbalização, muitos exemplos escritos, analisados, mas sem muito apoio da... da... [tecnologia] (Sujeito A – Comentário 1).7
No Comentário 1, o Sujeito A refere-se à época em que fez sua formação inicial e deixa claro que os professores e também os alunos tinham poucas tecnologias digitais disponíveis para apoio em sala de aula. Outro professor participante da pesquisa, ao falar da época em que começou a 81
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utilizar as tecnologias digitais, não vislumbrava ainda o seu potencial educacional e de pesquisa (Comentário 2). Então, a Internet, pra mim, na época, era algo de e-mail. E era muito útil, porque eu tinha morado, tinha acabado de voltar dos Estados Unidos, tinha amigos lá, fiquei três anos fora e, quando eu saí daqui, ainda não tinha, eu não tinha um e-mail; quando eu voltei, eu já tinha um e-mail e podia manter contato com os meus amigos nos Estados Unidos, etc. Mas, pra mim, não tinha essa ideia, não existia ainda a ideia de que você podia usar o e-mail pra receber links e estudar e fazer, né?, uma combinação de cabeças pensantes, é... juntas pra um determinado objetivo de pesquisa, né? (Sujeito B – Comentário 2).
Caracterizar os sujeitos da investigação como imigrantes digitais implica dizer que precisaram construir esses conhecimentos. Geralmente, esses saberes estão ainda em construção, dependendo do tempo de experiência docente na EaD de cada indivíduo e das motivações pessoais para o letramento digital. Portanto, acreditamos que essa condição de imigrantes digitais dos sujeitos investigados afeta suas percepções do processo de ensino-aprendizagem na EaD.
A condição de imigrantes digitais e as percepções dos sujeitos sobre a EaD São diversos os fatores que diferenciam a modalidade de EaD do modelo de educação presencial. Dentre eles, há o fato que a EaD se dá, necessariamente, pela intensa mediação tecnológica, especialmente os meios digitais. (MOORE; KEARSLEY, 2010, p. 147). Entre os sujeitos investigados, ficou evidente em suas percepções que na EaD a demanda por atualização dos saberes em relação às tecnologias digitais é muito maior e constante. O domínio sobre os 82
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recursos tecnológicos mais recentes ganha maior destaque nos saberes docentes dos professores na EaD em relação à docência presencial. Os professores participantes da pesquisa também percebem que a Educação Musical a distância tem potencialidades e limitações quando comparada com a modalidade presencial. Um dos principais potenciais da EaD, na percepção desses professores, é o atendimento individual que os alunos podem receber, enquanto que, no presencial, o ensino coletivo é mais comum. Desta forma, a despeito do imaginário de uma educação de massa, os alunos podem receber atendimento personalizado quanto a suas dúvidas e dificuldades. Além do retorno dos alunos sobre a disciplina não ser imediato, outros exemplos de limitações da EaD são a maior ênfase no planejamento, as poucas oportunidades de mudanças da proposta de ensino ao longo da oferta da disciplina e as dificuldades relacionadas a aspectos técnicos do manejo das TDIC. Relacionada a essa aprendizagem de uso das TDIC e a maior ênfase no planejamento da disciplina, há também a noção de mais dedicação à oferta da disciplina e ao acompanhamento dos alunos. A percepção do Sujeito B (Comentário 3) é que muitos professores se dedicam ao planejamento com muita ênfase, mas não dedicam os mesmos esforços na oferta da disciplina. Isso pode, inclusive, acarretar a redução do desempenho do docente em relação à sua prática presencial. Então, aí tem uma coisa que eu acho essencial que acho que foi pouco discutido até hoje. Que é o professor de educação a distância PRECISA gastar tempo na frente do computador. E eu acho que tem gente aqui... que trabalha muito bem no presencial que poderia fazer um bom trabalho a distância, mas que pra conseguir fazer esse bom trabalho a distância teria que, realmente, colocar a [sentar na] cadeira em frente ao computador durante X horas, semanais, diárias e dar 83
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atenção pros alunos [bate na mesa com o punho]. Porque não adianta fazer um planejamento e abandonar, né? (Sujeito B - Comentário 3).
Assim, os professores compreendem que precisam aprender a lidar melhor com recursos tecnológicos e que necessitam planejar com cuidado suas disciplinas. Mas pode-se dizer que ainda não compreenderam a necessidade de mais esforço e energia no momento da oferta da disciplina. Na percepção do Sujeito B, os docentes virtuais de educação musical investigados ainda não entendem que seus esforços na oferta da disciplina são tão importantes quanto no planejamento. Acreditamos que essa característica é fruto de seus perfis de imigrantes digitais. A necessidade de construir novos conhecimentos acerca das TDIC faz com que os docentes gastem bastante tempo e energia com a etapa do planejamento, quando estão adequando o conteúdo e material para as mídias digitais, enquanto que, na oferta, esse esforço não é tão expressivo. Portanto, acreditamos que essas percepções sobre a EaD estão ligadas ao fato dos docentes serem imigrantes digitais. O Sujeito B é o único da investigação que já possuía experiência prévia com EaD, e tinha conhecimentos em sua base sobre a modalidade. Ao apresentar essa percepção diferenciada em relação aos outros sujeitos investigados, corrobora nosso entendimento de que os saberes dessa área influenciam a percepção dos docentes. Mesmo na condição de imigrante digital.
Gênero A relação entre a formação e o gênero dos docentes investigados mostra que todos os homens (três) são bacharéis; uma das mulheres apenas apresenta esse tipo de formação – todas as demais do grupo (cinco) são licenciadas. A amos84
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tragem é pequena, mas, no que diz respeito aos sujeitos da investigação, a formação dos homens volta-se para a performance musical, enquanto a das mulheres contempla mais a docência. São dados importantes, porque demonstram que, tendo formação voltada para a performance (que enfatiza mais o conhecimento de conteúdo específico), os homens não apresentam muitos conhecimentos pedagógicos formais. Portanto, a própria prática se torna a principal fonte de saberes relacionados ao exercício da docência, para esses sujeitos. Nossa amostragem não é muito grande e não podemos descartar a formação continuada dos docentes como fonte de conhecimentos, mas acreditamos que há uma relação entre o gênero e a formação dos sujeitos que acaba por influenciar a forma como são construídas suas Bases de Conhecimento Docente e, por consequência, a percepção dos sujeitos sobre a Educação Musical a distância. Uma pesquisa mais aprofundada sobre gênero e formação pode revelar como essas subjetividades podem afetar a percepção dos sujeitos sobre EaD e até mesmo a docência em qualquer modalidade. O que podemos inferir no momento é que os homens, dentro da amostragem, têm poucos conhecimentos formais sobre a docência, ao menos na formação inicial, o que pode acarretar dependência maior da prática para a aprendizagem da docência. As mulheres, por terem formações menos voltadas ao conteúdo específico, podem apresentar percepções diferentes, pois têm em suas Bases de Conhecimento maior quantidade de saberes formais acerca da aprendizagem da docência.
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Formação inicial e continuada dos sujeitos investigados García (2002, p.30) comenta que a formação profissional inicial é insuficiente para a construção dos conhecimentos necessários ao longo da vida profissional do educador. Pelo contrário, o avanço incessante dos conhecimentos exige que os profissionais docentes tenham uma postura de permanente aprendizagem. Se houve um tempo em que nos formávamos para a vida toda, hoje passamos toda a nossa vida em formação. Esse é um consenso entre autores da área de formação de professores. Todavia, todos compreendem a importância da formação inicial para a vida profissional do educador. Observamos que a formação inicial dos docentes investigados não contemplou a modalidade a distância e que, para muitos deles, deixou várias lacunas (não só com relação à EaD, mas à docência de forma geral) a serem preenchidas na formação continuada e na prática profissional. No entanto, a formação inicial ainda compõe parte de seus saberes docentes e exerce certa influência sobre seu campo de conhecimentos e competências como professores para qualquer modalidade. Dessa forma, não poderíamos descartar tais saberes na caracterização do perfil dos sujeitos da investigação. A Figura 2 mostra a formação inicial dos sujeitos da investigação, com uma divisão equilibrada entre bacharéis e licenciados, como comentamos acima. O Sujeito C não tem formação em Música no nível superior, pois é bacharel em Direito. Mesmo na condição de aluno, declara não ter acumulado experiências significativas nessa formação, pois já sabia que não seguiria profissionalmente a área do Direito: “Direito, eu só estudava pra passar. Eu estudava era Música. Ficava fazendo arranjo na aula, fui um péssimo aluno” (Sujeito C – Comentário 12).
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Figura 2 - Formação inicial dos professores
Fonte: Elaboração própria.
Para Gatti (2008, p.57), o conceito de formação continuada inclui ampla variedade de cursos: desde os de extensão até aqueles que outorgam diplomas profissionais de nível médio ou superior. Muitos cursos de formação continuada também são ofertados a distância, e alguns no formato totalmente virtual. Para nossa pesquisa, consideramos como formação continuada os títulos de mestrado, doutorado e especialização lato sensu. Também consideramos cursos para o uso de tecnologias e recursos em EaD com carga horária superior a 20 horas/aula. Não é possível esperar que a formação inicial contemple todos os saberes e competências docentes necessários aos professores. Os professores investigados não possuem formação inicial que abarque a modalidade a distância, e é na formação continuada em conjunto com os saberes experienciais adquiridos com a prática docente que o professor vai preencher as lacunas deixadas pela formação inicial – especialmente no que se refere aos saberes e às competências específicos da docência na modalidade a distância. Dos sujeitos da investigação, todos os professores têm 87
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algum tipo de pós-graduação, e pouco mais da metade é composta de doutores. Como indica o Quadro 1, encontramos trajetórias de formação voltadas, completamente, para a performance em todas as etapas – conservatório, bacharelado em Música, mestrado em Música (performance) –; formações mistas – conservatório, licenciatura em Música e mestrado em Educação –; e uma formação que inclui, além da performance, pesquisa na área da Educação Musical na modalidade a distância. A formação do Sujeito B destaca-se por não contemplar Música ou Educação Musical em nenhum momento, com bacharelado em Direito e pós-graduação em Engenharia de Produção. Contudo, um olhar mais atento revela que os temas de pós-graduação desse sujeito têm como objeto o educador musical. Os dados do Quadro 1 indicam que um indivíduo – o Sujeito G –, a princípio, não tinha formação voltada para a docência e construiu saberes na formação continuada que poderiam suprir esta lacuna. Já o Sujeito A teve uma formação inteiramente voltada para a performance. O Sujeito H, o Sujeito E e o Sujeito I são licenciados. O Sujeito B investigou a EaD na pós-graduação, possuindo saberes formais a seu respeito. As formações, de modo geral, são mistas e heterogêneas, indicando fontes de saberes diversas em qualquer etapa da formação: prévia, inicial e continuada. Segundo Schlemmer (2010), muitos professores não vivenciaram um processo de formação para atuação na EaD, nunca estiveram na posição de alunos e partem para a docência sem saber como é a sensação de aprender por meio dessa modalidade. Esse não é o caso dos sujeitos de nossa investigação, pois todos os professores fizeram ao menos um curso de formação para a modalidade de EaD.
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Quadro 1 - Formação inicial e continuada dos sujeitos investigados Formação inicial Bacharelado em Música
Sujeito
Conservatório
Instrumento
Sujeito A
Sim
Clarineta
Sujeito B
Não [Aulas particulares]
Bateria
Bacharelado em Música
Ciências da Comunicação [Tema EaD]
Trompete, violino e clarone
Outros [Direito]
Engenharia de Produção [Organização de orquestras] Educação
Sujeito C Não [Autodidata]
Mestrado
Doutorado
Música Ciências da Comunicação [Tema EaD] Engenharia de Produção [Atributos do educador musical]
Sujeito D
Não [Aulas particulares]
Flauta doce
Licenciatura em Música
Sujeito E
Sim
Piano
Licenciatura em Música
Sujeito F
Sim
Piano
Bacharelado em Música
Dois mestrados: Educação e Música [Não informado]
Sujeito G
Sim
Piano
Bacharelado em Música
[Não informado]
Música [Educação musical]
Sujeito H
Não [Aulas particulares]
Violino
Ciências
Ciências
Sujeito I
Não [Aulas particulares]
Violoncelo
Licenciatura em Música Licenciatura em Educação Artística/ Música
Musicologia
Educação [Metodologia de ensino]
Fonte: Elaboração própria.
Esses dados indicam que a formação continuada foi uma fonte de saberes docentes e até conhecimentos voltados para a EaD. Alguns dos sujeitos investigados, a formação continuada proporcionou alguns conhecimentos formais voltados para a docência que poderiam influenciar a percepção dos sujeitos com relação à Educação Musical na modalidade EaD. Ao levantarmos dados sobre a experiência docente na educação presencial dos sujeitos, essa relação da aprendizagem da docência na prática fica mais evidente. Em geral, os docentes da UAB-UFSCar têm vasta experiência na moda89
Base de conhecimento docente para educação a distância...
lidade presencial, mas estão, em sua maioria, nos primeiros contatos com a modalidade EaD (LIMA et al., 2010, p. 153). Esse também é o caso dos professores investigados. A respeito deles, nossos dados mostram que a maior parte possui mais de dez anos de experiência docente na modalidade presencial. Isso indica que essa experiência é uma fonte considerável de conhecimentos e saberes docentes, inclusive para a modalidade a distância, ficando claro, pelo relato do Sujeito A, que, mesmo antes de trabalhar na modalidade a distância, ele já havia incorporado o uso de ferramentas tecnológicas digitais, o que torna a transição para o contexto virtual um pouco mais confortável (Comentário 4). E, mesmo assim, na preparação das disciplinas [presenciais], eu tinha que usar os recursos: PowerPoint, pesquisas na Internet... Isso aí, de certa forma, já direcionou um pouco pra ideia da virtualidade. Como... eu, exercendo a prática docente usando essas ferramentas. E-mails, é... gravações, troca de arquivos, vários tipos de arquivo que, hoje, eu utilizo sem problemas com a EaD. (Sujeito A – Comentário 4).
Essa informação mostra que, apesar da condição de imigrantes digitais, pelo menos alguns professores já tinham alguns conhecimentos prévios de uso de tecnologias mesmo antes de trabalharem com EaD. É um dado que apresenta tanto informações sobre o perfil quanto às percepções dos docentes. Ao mesmo tempo em que se encontram na condição de imigrantes digitais, percebem que suas experiências na educação presencial com o uso de tecnologias para o exercício da docência são úteis na nova modalidade de ensino em que se encontram. Como os professores possuem tempo maior de experiência na modalidade presencial (Figura 3), acreditamos que tais saberes tenham papel importante na constituição de suas bases de conhecimento docente. 90
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Figura 3 - Dados sobre a experiência docente na educação presencial dos investigados
Fonte: Elaboração própria.
Experiência na modalidade EaD Investigar a experiência docente do educador musical a distância pode ser fonte de valiosos dados para a compreensão de seus saberes e competências, já que sua formação inicial e suas experiências prévias abarcaram, majoritariamente, atividades na educação presencial. Pelas diferenças entre as duas modalidades – presencial e a distância –, considerase que os docentes dos cursos a distância da UFSCar estão passando por formação em serviço; estão reaprendendo a prática docente enquanto educam (MILL, 2010, p. 54). No caso dos sujeitos investigados, quase todos mantiveram seu primeiro contato com a EaD no curso de Licenciatura em Educação Musical da UFSCar, a maioria com experiência entre 4 e 5 anos na modalidade, como aponta a Figura 4.
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Figura 4 - Experiência docente dos sujeitos investigados na EaD
Fonte: Autoria própria.
Exceto um dos professores, o Sujeito H, que já tivera contato com a modalidade a distância, por ter sido pesquisador da área no mestrado e no doutorado. Esse sujeito é o mesmo que faz ressalvas em seu comentário, dizendo que professores com bom desempenho na modalidade presencial não têm o mesmo rendimento na modalidade EaD por não se dedicarem com o mesmo afinco na oferta, em comparação com o planejamento de suas disciplinas. Esse comentário indica como a formação continuada influenciou a percepção desse docente. Um dos professores, o Sujeito C, relata que, pouco antes da implementação do curso de Educação Musical na modalidade EaD, não sabia nem ao menos o que significava a sigla EaD e acreditava ser um ensino de baixa qualidade. Em contraponto ao Sujeito B, o Sujeito C também teve suas percepções inicias sobre EaD afetadas justamente por não ter tido qualquer contato prévio com a modalidade (Comentário 5).
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Foi aí que eu ouvi falar desse negócio de educação a distância, que eu nem sabia o que era EaD, eu nem saiba o que era E-A-D [soletra a sigla]. Eu vi essa sigla “ah! O que esses caras ficam falando de EaD e acham que eu sei o que é EaD!”. Eu até reclamei, numa palestra que teve aqui, num seminário que teve na UFSCar, que eles vinham falando de EaD e eu nem sabia o que era EaD, e eles têm coragem de ficar falando em EaD. Eu achei que era a ideia que, então, olha, se não dá pra ensinar na educação a distância, ó, já que não dá pra ensinar tudo no presencial, que é o “certo”, não será na educação a distância que vai ensinar muito bem, mas é melhor do que nada (Sujeito C – Comentário 5).
Ao cruzar os dados do tempo de experiência na EaD com os do tempo de experiência na modalidade presencial, observa-se que as pessoas com mais experiência presencial não são as que têm mais experiência em EaD. Também as mais velhas não têm mais experiência na modalidade a distância. Outro indicativo de que a condição de imigrantes digitais tem forte influência sobre os sujeitos e que dependem bastante de suas experiências na modalidade presencial para a construção de saberes para a docência.
O papel do professor na EaD na percepção dos próprios docentes investigados Sabe-se que o estudante na EaD é o centro do processo de ensino e aprendizagem, mas o docente virtual também tem papel determinante em uma proposta pedagógica de qualidade (MILL, 2012, p. 77). Apesar das diferenças entre as modalidades de educação presencial e a distância, não há perda de importância no papel do professor. Também na EaD, o educador deixa de ser um transmissor e repetidor para ser um orientador de reflexões que gerarão novos saberes (CABRAL; TARCIA, 2011, p. 149). Como afirma 93
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Guimarães (2011, p. 130), um professor que se importa com o aprendente é mais apreciado na EaD do que um detentor notório de conhecimento, mas que não é capaz de se relacionar com o aluno. Extratos das entrevistas mostram que nossos sujeitos entendem o professor mais como coordenador do que mediador. Ele também interage com os alunos e tem o papel de mediador, mas quem é de fato o mediador entre o conteúdo e os alunos na percepção dos docentes entrevistados é o tutor virtual. Quando perguntamos ao Sujeito A qual seria o papel do professor de música na EaD, ele foi categórico em afirmar que o tutor é o professor verdadeiro da modalidade (Comentário 6). Vamos pensar que o professor é o tutor. Pois o professor é o coordenador da disciplina. Nessa função de professor-coordenador, ele não interage tanto com os alunos, então, você tem que se colocar na figura do tutor virtual, que é quem ouve todos os vídeos, dá os feedbacks... (Sujeito A- Comentário 6).
Em outro momento da entrevista, o mesmo Sujeito A acrescenta que percebe o professor como o conteudista e o coordenador, atribuindo o fato do professor não ser o mediador do conteúdo ao grande número de alunos para cada disciplina (Comentário 7). É porque você tem classificar quais são os papéis do professor conteudista. É o que faz o conteúdo e monta uma equipe de tutores. Os tutores acompanham esse processo. Porque o professor não tem condições de acompanhar. Porque, imagina, você pensa o formato da EaD: quatro cidades [os polos de apoio], cada cidade com média de trinta alunos [na sua disciplina]. É impossível! (Sujeito A - Comentário 7).
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O Sujeito B também descreve, no Comentário 8, o professor como um gerenciador do processo e criador de materiais didáticos, interagindo com os alunos na medida do possível. Também atribui aos tutores virtuais o papel de professor e responsável pela interação por excelência. Chega até a dizer que, para ser um bom tutor, o indivíduo precisa sentir “vontade” de ser professor. Bem, e o professor ele tem que tá lá gerenciando todo o processo, ver o que que deu errado na preparação dele, né? Intervindo, preparando materiais que ele possa ver e respondendo também, interagindo com os alunos na medida do possível para os alunos se sentirem, vamos dizer, acolhidos, né? Na disciplina […] E os tutores têm que tá sempre interagindo, com responsabilidade, né? Vendo se os alunos tão com dúvida, eu acho que o tutor tem que sentir vontade de ser professor, no sentido de, até mesmo, preparar material ou explicações sobre aquele assunto. Pra ver se... para, porque isso vai aproximar ele dos alunos também e os alunos dele. (Sujeito B - Comentário 8).
Assim, os Sujeitos A e B percebem o professor da EaD como um gerenciador do processo. Ele até chega a interagir com os alunos, mas essa função é do tutor virtual, que, por suas características, é o ator do processo que mais se assemelha a um professor presencial. O professor deve se preocupar com o conteúdo e com o gerenciamento da equipe de tutores. Quem faz o papel de mediação e orientação, na prática, é o tutor virtual. Os tutores atuam como docentes, de fato, durante a oferta, esclarecendo dúvidas, monitorando a interação, medindo a participação e avaliando as atividades (RIBEIRO et al., 2010, p. 90; GOHN, 2011, p. 87). Além dos relatos dos sujeitos A e B, que explicitam suas percepções sobre o papel do professor e do tutor virtual, também o Sujeito B comenta que a responsabilidade de interação é principalmente do tutor (Comentário 9). 95
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Porque eu aprendi que às vezes você precisa dar um passo pra trás. Por exemplo, agora tá acabando uma disciplina minha que eu participei demais. Porque eu tava trabalhando muito, sempre no computador, e o aluno mandava uma pergunta e depois de trinta segundos ele já tinha a resposta. Eu respondia muito. E o que acontecia? Daí eu vi que tutores “ah! Tudo bem! O professor responde...” Quer dizer, o tutor relaxou um pouco e não entendeu que ele precisa entrar no ambiente MESMO que eu tenha respondido. Porque às vezes tem mensagem que, sei lá, chega pelo e-mail interno que não chegou ao e-mail dele. Então, tem uma dúvida ali que ele não viu! Pode ter situações que ele tem que acessar. Ele precisa assumir e falar: “Não, a responsabilidade é minha! O professor respondeu aí, mas se você tiver alguma dúvida, pode falar comigo!”. (Sujeito B - Comentário 9).
No Comentário 9, há um indicativo de tensão no fazer docente da EaD. Mesmo que o professor se disponha a interagir com os alunos, o Sujeito C acredita que o tutor virtual, principalmente, é encarregado da interação. O profissional deve interagir com os alunos, apesar da presença do professor no ambiente. Caso contrário, o processo de ensino-aprendizagem pode ficar comprometido. Esse relato vem a corroborar a percepção dos sujeitos sobre seus próprios papéis como professores na EaD (coordenadores do processo) e do tutor virtual (mediadores do processo pedagógico). Quando confrontamos essa percepção com o perfil dos professores investigados, é possível notar a influência da significativa experiência dos docentes na modalidade presencial em contraponto com a pouca experiência com EaD. Os docentes percebem uma diferença no papel do professor, bem como limitações e potencialidades da EaD. Por estarem nos primeiros contatos com a EaD, os docentes investigados necessitam reconstruir seus conhecimentos e rever suas funções na nova modalidade. A percepção dos 96
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docentes investigados mostra certo choque com as realidades diferentes entre as duas modalidades.
Considerações finais Neste texto, apresentamos dois eixos de coleta de dados de uma pesquisa sobre docentes virtuais de Educação Musical. Cruzamos os dados coletados sobre o perfil dos sujeitos investigados e as percepções do ensino e aprendizagem na modalidade EaD. Nosso intuito foi mostrar como os perfis dos sujeitos influenciaram suas percepções. Ou seja, como determinadas características dos sujeitos investigados afetaram a forma como percebem a EaD. Um dado que se destaca é a condição dos docentes investigados de imigrantes digitais. Essa é uma importante informação, pois implica que os docentes precisam construir novos saberes para lidar com as TDIC. Acreditamos que esse fator influencia suas percepções sobre a EaD, pois dispendem muita energia para planejar o material e a disciplina, não dispendendo da mesma energia na oferta. Outro fator dos perfis determinante na percepção dos sujeitos sobre a EaD foi a formação inicial e continuada. Muitos docentes têm formações voltadas para o conteúdo específico. Ou seja, a performance musical. Essa característica determina que os saberes formais sobre docência e docência virtual não compõem grande parte da Base de Conhecimentos dos sujeitos da investigação. O aprendizado com a prática acaba por se tornar uma fonte de construção de conhecimentos, para a docência, para muitos dos sujeitos investigados. Ao mesmo tempo, esses sujeitos têm uma carga de experiência na modalidade presencial muito mais significativa do que na EaD, o que causa certos choques na percepção sobre a modalidade a distância. Todos os saberes construídos com a prática na modalidade presencial, agora, 97
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são confrontados com as novas realidades da EaD. Essa condição traz, inclusive, desdobramentos positivos, pois levou os docentes a refletirem sobre potenciais e limitações da EaD. As percepções dos docentes virtuais participantes da pesquisa não foram somente no sentido de como lidar com a nova modalidade, mas o que era vantajoso nela e o que deveria ser explorado. Os professores também foram levados a refletir sobre quais eram seus papeis na nova modalidade. Ao compararem suas experiências da educação presencial e da modalidade a distância, percebem que a EaD exige postura de coordenador de equipe e da disciplina. Ou seja, os docentes percebem que novos conhecimentos precisam ser construídos na EaD, não só para uso das TDIC, mas também sobre qual é o papel do docente na EaD e como ocorre a interação com os sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. Nossa amostragem foi pequena e muitos outros dados poderiam ser coletados, demandando pesquisas mais aprofundadas sobre o assunto. No entanto, acreditamos que esta análise preliminar seja suficiente para lançar luz sobre o tema e instigar novas investigações. Também são informações úteis para pensarmos em formações continuadas para a docência na EaD. Pensar no perfil dos professores que atuam na modalidade e suas percepções acerca do processo de ensino e aprendizagem ajuda a mapear suas necessidades e dificuldades. Assim é possível construir formações que ajudem a preencher essas lacunas voltadas para os docentes que iniciarão na modalidade EaD.
Referências BIKLEN, S. K.; BOGDAN, R. C. Investigação qualitativa em educação. Porto: Porto Editora, 1994. 336 p. CABRAL, A. L. T.; TARCIA, R. M. L. O novo papel do professor na EaD. In: FORMIGA, M; LITTO, F. M. Educação a Distância: o 98
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Notas Trabalho resultante de pesquisa realizada no âmbito do Grupo Horizonte (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Inovação em Educação, Tecnologias e Linguagens), com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). 1
2 Mestre em Educação. Professor do Instituto Federal de São Paulo (IFSP-Barretos). E-mail: andregcorrea@gmail.com 3 Doutor em Educação. Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). E-mail: mill.ufscar@gmail.com 4
Informações sobre o LimeSurvey disponíveis em: <www.limesurvey.org>.
Pelo foco da nossa investigação, decidimos desconsiderar respostas ao questionário fornecidas por docentes que não atuam em disciplinas com conteúdos prático musicais. Assim, foram descartados os dados de disciplinas “genéricas”.
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6 Conforme Prensky (2001), existem duas gerações distintas: a dos nativos digitais ― “falantes nativos” da linguagem digital de computadores, vídeo games e Internet, nascidos quando essas tecnologias já eram parte do cotidiano ― e a dos imigrantes digitais ― composta daqueles que não
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nasceram no mundo digital, mas que, em um certo momento da vida, adotaram as novas tecnologias de comunicação. 7 Os comentários extraídos das entrevistas serão apresentados no formato de citações diretas e numerados sequencialmente, ao longo do artigo.
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A Pesquisa como Eixo Estruturador no Ensino da Estatística na Formação Docente Carla Peres Souza1 Jorge de Oliveira Musse 2 Jussara Brigo 3
Introdução
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entre os diversos campos da Matemática a serem abordados no ambiente escolar, tem-se o da Estatística, que possui conhecimentos imprescindíveis à compreensão de diversas formas de organização, expressão e representação de informações, além de auxiliar em seu estudo e sua interpretação. Isso demanda que a formação inicial contemporânea de educadores, no caso pedagogos, propicie vivências e oportunidades de aprendizagem dos conteúdos estatísticos básicos, de forma a desenvolver habilidades e competências para uma exploração adequada. Assim, têm-se dois focos fundamentais durante essa formação. O primeiro é voltado para a apropriação de termos e conceitos pertencentes a esse campo da Matemática, relacionado a métodos de coleta, organização, apresentação, análise e compreensão de dados quantitativos, além da compreensão das possibilidades de utilização dessas ferramentas para auxiliar na tomada de decisões no campo educacional e em outros. 102
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Já o segundo foco está nas possibilidades metodológicas e nos conteúdos a serem trabalhados e utilizados na Educação Básica, especificamente nos campos de atuação do pedagogo, ou seja, Educação Infantil, anos iniciais do Ensino Fundamental, gestão escolar, entre outros. Pensando em como oferecer esta formação durante o curso de Pedagogia do Centro de Educação a Distância da Universidade do Estado de Santa Catarina (Cead-Udesc), no ano de 2014, a disciplina Conteúdos e Metodologias do Ensino de Matemática II (CMEM II), que tem como foco a Estatística, oferecida na terceira fase do curso, foi estruturada com uma arquitetura pedagógica que teve como eixo norteador promover a postura investigativa nos acadêmicos e a correlação com as diversas áreas do conhecimento. Na composição da disciplina foram utilizadas metodologias que promoveram a participação ativa dos estudantes do curso na apropriação dos conhecimentos de forma articulada, optando-se pelo desenvolvimento de atividades relacionadas a Pedagogia de Projetos, em que emergem conhecimentos das diversas áreas. Essa opção justifica-se principalmente por proporcionar uma vivência possível de ser adotada como prática pedagógica futura no ensino da Estatística. Batanero e Díaz apresentam os seguintes pontos positivos de um trabalho nessa perspectiva na escola: – A contextualização da estatística, tornando-a mais relevante, pois os dados surgem de um problema, tendo que ser interpretados. – Os projetos aguçam o interesse, sobretudo se são os alunos que definem o tema. O aluno quer resolver o problema, não sendo imposto pelo professor. – Se aprende melhor com dados reais, introduzindo conhecimentos que não aparecem em “dados inventados pelo professor”: precisão, variabilidade, confiabilidade, possibilidade de medição, tendência. 103
A Pesquisa como Eixo Estruturador no Ensino da Estatística na Formação Docente
– Revela que a estatística não se reduz a conteúdos matemáticos. (BATANERO; DÍAZ, 2005, p. 9, apud HOLMES, 1997, tradução nossa). A disciplina de CMEM II teve como objetivos o uso dos conceitos estatísticos em pesquisas educacionais, auxiliando na compreensão e análise de dados e nas discussões acerca de possibilidades para o trabalho com estudantes da Educação Básica no que tange ao eixo Tratamento da Informação, previsto nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) em vigor. Além de abordar questões relacionadas ao desenvolvimento de projetos, solicitou-se a elaboração de um trabalho que os colocasse em contato com essa vivência, materializando as discussões levantadas, visto que, para muitos acadêmicos, a Estatística era um tabu. Para superar essa visão predominante, em relação aos conhecimentos estatísticos, entre os mais de 500 acadêmicos que cursaram a disciplina em 2014.2, foram disponibilizados diversos materiais de apoio, tanto no ambiente virtual como em mídia impressa. Os materiais foram pensados para auxiliar no desenvolvimento das atividades e nos estudos propostos, a fim de promover a aprendizagem e a desmistificação dos conteúdos. A disciplina teve como base um Caderno Pedagógico (SOUZA; LUIZ, 2012), o qual apresenta introdução com reflexões acerca da utilização da Estatística em outras áreas do conhecimento e as definições de seus conceitos básicos. Em seguida, discute algumas possibilidades para estruturação de pesquisas educacionais e práticas pedagógicas, por meio de projetos, definindo elementos de sua composição. Na continuidade, explora um contexto educacional, de onde emergem dados quantitativos fictícios, possibilitando vislumbrar como pode ocorrer o tratamento estatístico de dados do cenário escolar. Além disso, no ambiente virtual, foram disponibilizados videoaulas e artigos para esclare104
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cimento de dúvidas e aprofundamento de estudos, oferecendo exemplificações acerca dos conceitos e atividades por projetos. Ao final da disciplina, muitos resultados positivos foram vislumbrados. As discussões e vivências, com o desenvolvimento de projetos e pesquisas que utilizassem os conhecimentos estatísticos como ferramenta para a compreensão de dados; e conclusões acerca de situações em contextos reais; oferecendo aos acadêmicos condições para desenvolver propostas de intervenção pedagógica em suas práticas futuras. Além disso, os acadêmicos puderam perceber a relação possível entre as várias áreas do conhecimento nesse tipo de abordagem.
A Pedagogia de Projetos Adotar uma proposta metodológica, pautada em projetos, para desenhar a disciplina de CMEM II, surgiu da necessidade de promover nos acadêmicos reflexões acerca dos conceitos e aplicações no ensino da Estatística, onde ocorre apenas a aplicação mecânica de etapas e construções pré-determinadas. Os encaminhamentos dados às discussões e atividades, tendo como base a Pedagogia de Projetos, possibilitaram revelar aos estudantes a Matemática como algo integrado a situações diárias, e que pode ser utilizada como ferramenta útil em tomadas de decisões. “A função principal do Projeto é possibilitar aos alunos o desenvolvimento de estratégias globalizadoras de organização dos conhecimentos escolares, mediante o tratamento da informação”. (HERNÁNDEZ; VENTURA, 1998, p. 89). O trabalho pedagógico por projetos propõe levar os alunos a olhar para alguma situação na busca por informações pertinentes e, a partir do estudo dessas informações e suas relações, compreender a situação proposta. Os conheci105
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mentos estatísticos colaboram com esse processo, tornandose ferramenta importante quando se conta com dados quantitativos. Para efetivar as propostas da disciplina, os acadêmicos tiveram que assumir postura ativa e investigativa, interagindo com o objeto de conhecimento fazer escolhas; definir caminhos; desenvolver instrumentos; buscar novos conhecimentos; solicitar auxílio; refletir acerca do que foi desenvolvido; trabalhar cooperativamente. Assim, na construção e no desenvolvimento dos projetos, os acadêmicos vivenciaram experiências de busca e produção de conhecimento, individual e coletiva. O que defende Nogueira (2007, p. 31) vem ao encontro dessa proposta quando aponta que Não será mantendo nossos alunos passivos diante do pedestal do senhor do conhecimento que conseguiremos detectar as carências, as limitações, assim como os pontos positivos, para encararmos cada aprendiz como um sujeito ímpar, que aprende de forma singular e possui necessidades específicas. Há de se imaginar formas alternativas de propiciar situações em que cada aluno se exponha ao máximo, pois somente desta forma conseguiremos conhecê-lo e nos programar para mediar e facilitar os caminhos de seu desenvolvimento.
Os projetos propiciam essa exposição, uma vez que é possível perceber os caminhos percorridos pelos acadêmicos, suas discussões, dúvidas e reflexões. Dessa forma, os mediadores do processo podem intervir de forma efetiva, disponibilizando ferramentas educacionais que promovam a aprendizagem. Propor o desenvolvimento e a execução de projetos que envolvam as etapas do método estatístico, ou seja, pesquisar determinado tema, compreender as possibilidades de dados 106
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quantitativos a serem coletados e efetivar todo o processo até a compreensão do fenômeno e construção de conclusões a partir de situações reais, tornou-se interessante em fase tão precoce do curso, pois colocou os acadêmicos em contato com essa possibilidade metodológica. A vivência revelou aos estudantes de Pedagogia as possíveis práticas didático-pedagógicas que podem ser adotadas em sua futura atuação docente, tanto na Educação Infantil quanto nos anos iniciais. Não seria possível apresentar essas possibilidades apenas teoricamente, em aulas expositivas ou por meio de exemplos, pois só é possível compreender todas as variáveis envolvidas no processo de um projeto quando se vivencia. Hernández e Ventura (1998, p. 93) expressam essa realidade quando apresentam que é difícil detalhar, para quem nunca fez um projeto, como tudo aconteceu, como explicar pontos importantes que ocorrem no dia a dia do projeto em sala de aula, “o processo de tomada de decisões, o que foi acontecendo na classe, como refletiu e atuou cada um, e como os alunos foram trabalhando”.
Conteúdos adequados para a Educação Estatística Para ensinar os conteúdos relacionados à Estatística e utilizá-los como suporte na tomada de decisões e em pesquisas educacionais, o educador precisa dominar tais conteúdos, sejam conceituais, procedimentais ou atitudinais, relacionados aos conhecimentos estatísticos. Tomam-se como fundamentais: a história e aplicação da Estatística; as definições básicas (Estatística Descritiva e Inferência Estatística, população e amostra, tipos de variáveis); fases do método estatístico (definição do problema; planejamento; formas de coleta dos dados e instrumentos; como se realiza a apuração dos dados; possibilidades de apresentação dos dados em tabelas e gráficos; instrumentos de análise dos dados, como média, moda, mediana, desvio 107
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padrão e separatrizes; além da interpretação dos dados com conclusões). Além dos pontos positivos citados, de como trabalhar a Estatística utilizando a metodologia de Pedagogia de Projetos, faz-se necessário verificar quais são os conteúdos da área para a Educação Infantil e para os anos iniciais do Ensino Fundamental propostos nos documentos normativos para o ensino da Matemática para esses níveis de escolarização. Até os anos 1980 os conteúdos relacionados à Estatística eram propostos somente para os estágios finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. No entanto, devido ao seu uso social e aos estudos da área da Psicologia que enfatizam a possibilidade de serem trabalhados com crianças menores, é que se propõe a inserção da Educação Estatística desde a Educação Infantil, tomando o cuidado de respeitar a capacidade cognitiva dos sujeitos de aprendizagem. (GITIRANA, 2014). As discussões acerca da abordagem de conhecimentos relacionados já na Educação Infantil são tratadas por Souza e Lopes (2007, p. 1), que defendem que as habilidades ligadas à Educação Estatística, como “ler; estabelecer relações; levantar e verificar hipóteses; interpretar; e argumentar”, devem ser trabalhadas o mais cedo possível. Os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil indicam que a Matemática é uma área de conhecimento importante para a “formação de cidadãos autônomos, capazes de pensar por conta própria, sabendo resolver problemas” (BRASIL, 2010). Compreende-se que para alcançar esse objetivo é preciso colocar as crianças em situações de reflexão, e, para isso, a Estatística pode auxiliar, principalmente se for associada à Pedagogia de Projetos. Para os anos iniciais do Ensino Fundamental, os conteúdos conceituais e procedimentais apontados pelos PCN acerca da Estatística são elencados no item Tratamento da Informação: 108
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Coleta, organização e descrição de dados. Leitura e interpretação de dados apresentados de maneira organizada (por meio de listas, tabelas, diagramas e gráficos) e construção dessas representações. Interpretação de dados apresentados por meio de tabelas e gráficos, para identificação de características previsíveis ou aleatórias de acontecimentos. Produção de textos escritos, a partir da interpretação de gráficos e tabelas, construção de gráficos e tabelas com base em informações contidas em textos jornalísticos, científicos ou outros. Obtenção e interpretação de média aritmética. Exploração da ideia de probabilidade em situações-problema simples, identificando sucessos possíveis, sucessos seguros e as situações de “sorte”. Utilização de informações dadas para avaliar probabilidades. Identificação das possíveis maneiras de combinar elementos de uma coleção e de contabilizá-las usando estratégias pessoais. (BRASIL, 1998, p. 61-62).
O mesmo documento apresenta um rol de conteúdos atitudinais relacionados a essa área: “interesse na leitura de tabelas e gráficos como forma de obter informações. Hábito em analisar todos os elementos significativos presentes em uma representação gráfica, evitando interpretações parciais e precipitadas”. (BRASIL, 1998, p. 62). Para dar sentido aos conteúdos propostos pelos documentos normativos e para que sejam compreendidos pelos estudantes, faz-se necessário adotar práticas pedagógicas significativas que motivem e despertem o interesse pela busca de soluções para problemáticas reais. Como apontado nos PCN, o que se busca é a formação de um sujeito integral, que considere não somente o domínio dos conteúdos conceituais, no caso os relacionados ao Tratamento da Informação, mas também as “capacidades de ordem cognitiva, física, afetiva, de relação interpessoal e 109
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inserção social, ética e estética, apontando desta forma uma formação ampla”. (BRASIL, 1997, p. 52). O contexto dos conhecimentos estatísticos trabalhados deve ser carregado de significado para que atenda a essa proposta, favorecendo tais capacidades nas crianças. O trabalho por projetos pode ser uma opção metodológica adequada, visto que os dados coletados e estudados pelos estudantes pertencem a contextos reais do cotidiano. Souza e Lopes (2007, p. 3) apontam que o trabalho em sala de aula inicialmente deve estar restrito à construção de gráficos e tabelas de dados prontos, fornecidos pelos professores. Esse tipo de trabalho, que parece ser ligado à Estatística, não oferece aos estudantes a real dimensão de seu significado, por isso, muitas vezes, é artificial e sem sentido; mera execução. A proposta das autoras é trabalhar por projetos, envolvendo pesquisa já nos primeiros anos de escolarização, o que [...] implica na participação dos alunos em todo o processo de tratamento de dados, partindo pela definição do problema; passando pela instrumentação; coleta de dados; tabulação; pela representação dos dados, sua interpretação e conclusão, até chegar à comunicação.
Nessa proposta, defendem que as crianças elaboram um questionário, instrumento de coleta de dados, e o professor faz as intervenções para mediar o processo. Assim, para a formação inicial em Pedagogia, sugerese o trabalho com os conceitos e procedimentos ligados ao campo da Estatística, além de desenvolver postura positiva quanto ao uso de seus recursos em sala de aula e com as crianças. Para um trabalho nesse sentido, é indicado adotar uma abordagem contextualizada e articulada a outras áreas, em que o estudante pode refletir sobre o que está realizando, 110
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visualizar possibilidades e tomar decisões baseadas no que for encontrando no decorrer dos estudos.
Arquitetura adotada na disciplina do Cead-Udesc As experiências com essa disciplina, em semestres anteriores, evidenciaram que a aprendizagem dos conceitos da Estatística precisavam tornar-se mais significativas, explorando de maneira enfática a relação teoria-prática necessária à formação do futuro educador, possibilitando adequada atuação docente. Vários estudos relacionados ao ensino de conceitos estatísticos nos primeiros anos de escolarização demonstram as dificuldades dos pedagogos em relação aos conteúdos e às possibilidades metodológicas. As pesquisas realizadas, como as de Guimarães et al. (2009) e Colodel e Brandalise (2010), evidenciam a necessidade de construções teóricas de aporte e programas de formação que abordem metodologias para o trato com essa área da Matemática na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Pensando em como atender a essa demanda, a equipe de formadores da disciplina CMEM II do Cead-Udesc retomou e incorporou experiências docentes anteriores no Ensino Fundamental, as quais favoreciam o que se pretendia realizar, e definiu-se que a Pedagogia de Projetos, ou seja, a pesquisa, seria o eixo metodológico norteador das propostas a serem construídas pelos acadêmicos na disciplina. Cabe destacar que no estado de Santa Catarina existe, pelo menos há 30 anos, um movimento, chamado Feiras de Matemática, que tem como cerne o ensino de Matemática por projetos, com a participação de centenas de escolas catarinenses (ZERMIANI, 2004; SOUZA, 2009; BIEMBENGUT; ZERMIANI, 2014). Formadores da equipe já haviam vivenciado tal proposta e como nem todos os acadêmicos do curso tiveram a mesma oportunidade, quando eram estudantes 111
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da Educação Básica, essa seria uma oportunidade preciosa. A importância de sua adoção veio do fato de acreditarse que somente oferecendo essa vivência na prática é que os futuros pedagogos terão a segurança e o conhecimento necessários para adotá-la, e aplicá-la com seus alunos. Além da escolha metodológica, a disciplina dispõe de Caderno Pedagógico impresso que é enviado aos polos de apoio presencial para cada acadêmico. Foi também organizado um Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) na plataforma Moodle. Nessa sala de aula virtual, foram disponibilizados vários materiais sobre a organização da disciplina, além de conteúdos de apoio às atividades propostas e suas orientações e ferramentas de comunicação entre acadêmicos, professores e tutores. Criou-se um fórum intitulado Composição do Grupo, com postagem dos nomes dos estudantes integrantes dos vários grupos formados nos polos, em momento mediado pelos tutores a distância e presencial. A organização e comunicação iniciais foram essenciais para encaminhar as avaliações obrigatórias da disciplina: a Atividade de Aprendizagem e o Trabalho Final. A primeira obrigatória da disciplina, a Atividade de Aprendizagem, possibilitou aos acadêmicos a realização de leituras, reflexões e pesquisas sobre a aplicabilidade e a importância da Estatística em outras áreas do conhecimento como, por exemplo, na Economia, Administração, Ciências Humanas e Exatas, extrapolando as abordadas no Caderno Pedagógico. No fórum criado, cada grupo recebeu uma área de aplicação diferente a ser pesquisada, além de um artigo para analisar de que modo a Estatística é empregada como ferramenta de tomada de decisão na referida área. Além disso, essa atividade apresentava uma questão em que os acadêmicos fizeram o tratamento estatístico para a análise dos 112
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resultados alcançados nos municípios catarinenses na última avaliação do ... (Ideb), de forma a perceberem a importância da Estatística para o encaminhamento de ações. Essa atividade teve como objetivo de aprendizagem entender como a Estatística é utilizada pelas demais áreas para a tomada de decisão e explicação de determinados fenômenos, mostrando como podem ser aplicados conceitos estatísticos em uma situação-problema. A segunda atividade obrigatória da disciplina, o Trabalho Final, apresentou para cada grupo, via fórum, um tema para o desenvolvimento de propostas de intervenção pedagógica, pautada na Pedagogia de Projetos, envolvendo os conceitos estatísticos básicos a serem abordados nos possíveis campos de atuação do pedagogo. Foram distribuídos os seguintes temas: Alimentação Saudável; Matemática Financeira; Saúde Pública; Escolaridade do Brasileiro; Eleições 2014; Copa do Mundo 2014; Consumismo Infantil; e Astronomia. Posteriormente, para melhor compreensão e desenvolvimento do Trabalho Final, foi disponibilizada no AVA uma webaula que explicava e exemplificava cada item da estrutura solicitada para o projeto: problemática; título; objetivos; instrumento e dados coletados; tabulação; gráfico; possibilidade pedagógica; análise dos dados; relato da exposição do trabalho; registro da socialização no polo. A proposta permitia vivenciar e refletir como ensinar os conceitos da estatística pertinentes ao eixo Tratamento da Informação, como a compreensão de dados e informações representadas em gráficos e tabelas e a construção dessas possibilidades de organização de dados quantitativos. Para tanto, cada grupo teve que pesquisar sobre o tema recebido, escolher um tópico para levantar dados; elaborar questionamentos e objetivos para responder à problemática proposta; desenvolver um instrumento de coleta de dados passível de quantificação coletar os dados na sua turma do 113
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polo; organizar e representar os dados por meio de gráficos e tabelas; analisar e construir conclusões que respondessem à problemática inicial e, por fim, socializar seu trabalho e construções de forma presencial na turma, realizando algum tipo de registro do momento. Para essa socialização, os estudantes tiveram que utilizar ou desenvolver recursos alternativos para a construção das tabelas e dos gráficos empregados, como sucatas, figuras, entre outros, o que pretendia gerar reflexões sobre as possibilidades para o trabalho com as crianças da Educação Básica. Além disso, objetivou-se revelar que o papel do educador nessa metodologia passa a ser um mediador/orientador, para incentivar os próprios educandos da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental a manusear os recursos alternativos e construir os materiais.
Resultados alcançados Ao se depararem com a proposta da disciplina, tendo a Pedagogia de Projetos como eixo norteador, os estudantes tiveram que assumir um papel ativo no processo de ensino e aprendizagem, e surgiram questionamentos e dúvidas acerca do melhor caminho a tomar e de como utilizar os objetos estatísticos para organizar e analisar os dados. A seguir, é possível observar que algumas dúvidas postadas pelos acadêmicos no fórum de dúvidas do ambiente virtual revelam como ocorreu o processo de mediação, reflexão e de tomada de decisões no decorrer da disciplina. Durante a delimitação inicial do projeto, definir a problemática e elaborar os objetivos foi um desafio para muitos acadêmicos. Foi possível notar a inexperiência de muitos estudantes, no entanto, perceberam que trabalhar por projetos articula as diferentes áreas, como expresso na dúvida apresentada pelo acadêmico: 114
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Prezado professor, nos surgiu mais uma dúvida na elaboração do trabalho final. No 3o item se pede para indicar a importância do conhecimento do tema e os conceitos matemáticos que podem ser trabalhados, certo? Precisamos saber se os objetivos devem ser separados, pois a temática nos da muitas possibilidades para trabalhar várias disciplinas. Aguardo seu retorno. Obrigada. (Acadêmico A - Fórum de dúvidas).
Outra dúvida que emergiu logo no início do trabalho relaciona-se à população e definição da amostra da pesquisa, como se verifica a seguir. Bom Dia professora, gostaria de saber se para a entrevista na turma, no caso a turma possui 26 alunos, tiramos nós quatro da equipe e realizamos com os 22 alunos restantes? Obrigada. (Acadêmico B - Fórum de dúvidas).
No momento de realizar a coleta de dados e a construção de instrumentos de coleta, a criatividade e a dificuldade movimentaram o fórum de dúvidas. A seguir, algumas das mensagens e produções dos acadêmicos. Olá!! Nosso tema é Eleições 2014, podemos usar os nomes dos candidatos que estão concorrendo às eleições ou usar nomes fictícios, e se precisamos usar todos os candidatos? Pois pretendemos pesquisar sobre intenção de votos. (Acadêmico C - Fórum de dúvidas). Devemos fazer no Trabalho Final uma Proposta Pedagógica em cima do Tema Gerador que no nosso caso é Eleições 2014, sabemos que a coleta de dados tem que ser feita com os nossos colegas de aula, aí é que não entendi como trazer isso pras séries iniciais sabendo que os mesmos ainda não votam. Aguardo resposta. (Acadêmico D - Fórum de dúvidas).
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Para que os estudantes pudessem explorar maior diversidade de conceitos estatísticos, um dos itens solicitava que elaborassem questões envolvendo variáveis quantitativas. Esse critério demandou dos estudantes pensar nas características de cada variável e criatividade na elaboração dos questionamentos. Então, com base nessa demanda, surgiram dúvidas que envolviam a especificidade de cada variável em relação à problemática escolhida e ao tema gerador trabalhado. Professores, encontramos dificuldades em realizar um questionamento com variáveis quantitativas. Todos os possíveis questionamentos levantados são com variáveis qualitativas. O exemplo sugerido pela professora na webconferência já está sendo utilizado por outro grupo com o mesmo tema. Gostaríamos de um auxílio quanto a essa questão. Nosso tema gerador é astronomia. Grata. (Acadêmico E - Fórum de dúvidas).
Foi possível perceber a criatividade e habilidade de nossos acadêmicos no momento da escolha dos recursos para a coleta dos dados. Utilizaram questionários orais, escritos, via fórum da disciplina, bem como os questionários on-line (Figs. 1 a 3). Figura 1 - Questionário on-line da disciplina CMEM II
Fonte: Acadêmicos da 3a fase de Pedagogia (CEAD-UDESC, 2014.2). Disponível em: <https:\\onlinepesquisa.com\s\69c430b>
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Figura 2 - Questionário on-line da disciplina CMEM II
Fonte: Acadêmicos da 3a fase de Pedagogia (CEAD-UDESC, 2014.2)
Figura 3 - Questionário no Fórum de Dúvidas da plataforma Moodle no ambiente da disciplina CMEM II
Fonte: Acadêmicos da 3a fase de Pedagogia (CEAD-UDESC, 2014.2)
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No item referente aos dados, os estudantes precisaram construir o rol com os resultados coletados por meio do instrumento elaborado. No decorrer dessa elaboração, surgiram algumas dúvidas, como a do Acadêmico F. Boa tarde professor nosso tema era Matemática Financeira, então elaboramos perguntas cujas respostas eram: de R$ 0 a 100 de R$ 200 a R$ 300, e assim por diante. Para todas as perguntas elaboradas as respostas que o pesquisado tinha por opção era estes na mesma sequência onde classificamos a, b, c, d , e No ROL, como poderíamos apresentar a frequência de resultados? Exemplo: a, a, a, a, b, b,b, b, c, c, ............... ou: R$ 0 a 100; 0 a 100; 0 a 100; R$ 200 a R$ 300; etc...... aguardo. (Acadêmico F - Fórum de dúvidas).
A dúvida revelou à equipe docente que o grupo não compreendeu como era para elaborar um rol e que os dados apontados em intervalos não poderiam compor um rol. Então, a mediação desenvolveu-se na tentativa de fazer com que o grupo compreendesse e reestruturasse esse rol. Sobre os itens do trabalho que previam a organização dos dados coletados e a construção de gráficos e tabelas, os estudantes apresentaram dúvidas, como exposto nas mensagens a seguir. Professores, SOCORRO, não sei como fazer os gráficos e as tabelas pedidas no trabalho com os dados que coletei. Nosso tema gerador é Eleições 2014, fizemos 5 perguntas pra nossas colegas responderem em sala de aula, ais quais tinha sim e não, talvez e nome de candidatos pra elas escolherem e tb a idade que começaram a votar, não sei como passar estes dados pras tabelas e gráficos, tô apavorada e o trabalho se encerra 118
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na próxima segunda, me ajudem por favor. (Acadêmico G Fórum de dúvidas). Profº a quantificação dos dados, por exemplo, se nossa pesquisa for de níveis de instrução da escolaridade de pessoas, não posso usar por exemplo “sem instrução”, “ensino fundamental incompleto”, etc... tenho que transformá-los em números é isso? posso então classificar os níveis por números de 1 a 9, não sei se fui clara na minha pergunta. mas acho que da para entender. (Acadêmico H - Fórum de dúvidas). Olá professor para construir a tabela precisamos utilizar intervalo ou não? Dúvida em relação a construção dos gráficos dos dados coletados. (Acadêmico I - Fórum de dúvidas). Boa tarde profº, estou fazendo os gráficos do trabalho e surgiu uma dúvida, para fazer gráfico sobre idade da turma entrevistada, coloco como frequência ou variável dos dados. Por exemplo tenho 30% masculino e 70% feminino, isso representa um variável quantitativa ou frequência de sexo dos entrevistados? (Acadêmico J - Fórum de dúvidas).
Surgiram dúvidas em relação à amplitude de classe para organizar os dados coletados em tabelas, como a seguinte: Boa noite!! Tenho uma dúvida, por favor poderiam nos orientar? Quando se calcula a amplitude de classe, usando a fórmula, dando resultado quebrado, ex.: 316,6. Neste resultado não conseguimos entender como fazer, pois deveria fazer a tabela de distribuição de frequências com intervalos de classes, com as variáveis continuas. Poderiam nos orientar. (Acadêmico L - Fórum de dúvidas).
Diante das dúvidas explicitadas pelos acadêmicos, perceber que se não estivessem ativos no processo, refletindo sobre o que deveriam fazer e como fariam, certamente essas dúvidas não seriam evidenciadas. Os recursos do gráfico e da tabela são fortemente propa119
A Pesquisa como Eixo Estruturador no Ensino da Estatística na Formação Docente
gados nos meios de comunicação e nos livros didáticos, no entanto muitos acadêmicos passaram a dominá-los a partir da experiência vivenciada. Durante o processo, muitos alunos perceberam que essa metodologia promove a articulação com as demais áreas do conhecimento. Essa constatação é ilustrada em uma postagem no Fórum de Dúvidas, apresentada a seguir, que evidencia a reflexão sobre o recorte a ser feito na elaboração e execução do projeto. Essa reflexão torna-se importante uma vez que oferece ao pedagogo a possibilidade de trabalhar com suas crianças articulando as diversas áreas do conhecimento, o que pode ser explorado por meio da Pedagogia de Projetos. Boa tarde!! O tema gerador leva-nos a trabalhar em outras disciplinas, além da matemática, mas precisamos dar ênfase as outras disciplinas ou o projeto que elaboraremos devemos focar mas na matemática (problemática, objetivos, conceitos matemáticos)? Se nos aprofundar em outras disciplinas não ficará um projeto muito extenso e trabalhoso para formular? (Acadêmico M - Fórum de dúvidas).
Constata-se que os objetivos práticos com o trabalho final foram alcançados, sobretudo acerca da possibilidade para o trabalho com as crianças da Educação Básica. Os estudantes utilizaram recursos alternativos, para a construção das tabelas e dos gráficos empregados, como sucatas, figuras, entre outros, o que gerou reflexões e experimentações. É possível observar nas Fotos 1 a 4 algumas imagens dessas produções.
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Fotos 1 a 4 - Socialização dos recursos construídos na disciplina CMEM II
Fonte: Acadêmicos da 3a fase de Pedagogia (CEAD-UDESC, 2014.2)
Esse momento de socialização dos trabalhos foi rico para a aprendizagem, em que os acadêmicos expuseram suas ideias e constatações, remetendo os grupos de cada polo à reflexão sobre essas atividades com as crianças. Ilustra-se com o relato a seguir: Cada um, ao planejar o trabalho que seria aplicado em sala de aula, de forma original, trouxe sua visão sobre como o educando poderia fazer a ligação entre o que aprendeu em sala de aula e seu contexto social, familiar, escolar e futuramente profissional. Ficou evidenciado nesta exposição o quanto o trabalho pedagógico planejado, com atividades criativas, contribui para tornar o educando cidadão do mundo, na medida em que 121
A Pesquisa como Eixo Estruturador no Ensino da Estatística na Formação Docente
este consegue vislumbrar o porquê de aprender conteúdos matemáticos, como gráficos, tabelas e estatística, entendendo que a aplicação desses conhecimentos fará diferença em sua vida cotidiana como cidadãos. [...] Foi fácil de apresentar o trabalho, pois tínhamos todas as informações necessárias, portanto a turma conseguiu entendê-los. Estima-se que ao trabalhar estatística com as séries iniciais, será muito produtivo, pois envolve toda a turma, podendo ser trabalhado dentro e fora da sala de aula. (Acadêmico N - Relato da exposição do trabalho).
Percebe-se que a socialização também serviu como instrumento autoavaliativo dos acadêmicos, como se observa no que é apontado a seguir. Em nosso grupo sentimos falta de sermos mais criativas na apresentação do stand demonstrando as atividades que seriam desenvolvidas com educandos, mas foi possível manter um diálogo com a turma bem produtivo. (Acadêmico O Relato da exposição do trabalho).
Os extratos das produções dos acadêmicos aqui apresentados expressam como transcorreu a disciplina de CMEM II em 2014.2. Os resultados alcançados superaram as expectativas, elevando a participação dos alunos e revelando entendimento dos conceitos, além da postura ativa. O índice de aprovação nesse semestre foi próximo a 90%.
Considerações Finais Os resultados alcançados e as vivências relatadas pelos acadêmicos revelaram a importância de desenvolver planejamentos que possibilitem a prática de atividades de pesquisa nos cursos de formação inicial, de forma a se caracterizarem como possibilidades didático-pedagógicas para a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental. 122
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Acredita-se que os estudantes de todos os níveis de escolarização devam ser colocados em atuação ativa nas situações desafiadoras em que o professor assume papel de mediador/orientador. Em cursos na modalidade a distância, constata-se que, para possibilitar propostas como essas, no ensino da Estatística, é preciso explorar as ferramentas tecnológicas disponíveis para a comunicação, adotando dinâmicas de trabalho que coloquem os alunos em posição de autoria e não apenas como meros executores de tarefas, apostando na pesquisa como possibilidade didática. Dessa forma, foi possível promover o processo de tomada de decisões dos estudantes e observar como os grupos foram trabalhando, atendendo aos requisitos do trabalho por projetos, conforme mencionado por Hernández e Ventura (1998) e Nogueira (2007). A estrutura proposta na disciplina, com foco na Pedagogia de Projetos, possibilitou a participação dos acadêmicos em todas as etapas do processo, partindo da definição da problemática; passando pela instrumentação; coleta de dados; tabulação; representação gráfica dos dados; sua interpretação e construção de conclusões; além da comunicação pública dos resultados na socialização no polo. Tão importante quanto o desenvolvimento dessas habilidades foi o fato de os acadêmicos perceberem a possibilidade de articular as várias áreas do conhecimento que compõem os currículos escolares. Quem sabe com essa constatação, por parte desses futuros profissionais, se rompa a prática desarticulada das disciplinas que há décadas perpassa as salas de aulas brasileiras também nos primeiros anos de escolarização, etapa em que os pedagogos, que teoricamente possuem formação interdisciplinar, atuam.
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A Pesquisa como Eixo Estruturador no Ensino da Estatística na Formação Docente
Referências BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC-SEB, 1997. ______. Parâmetros curriculares nacionais: matemática. Brasília: MEC-SEB, 1998. ______. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil. Brasília: MEC-SEB, 2010. BATANERO, Carmen; DÍAZ, Carmen. El papel de los proyectos en la enseñanza y aprendizaje de la Estadística. I CONGRESSO DE ESTATÍSTICA E INVESTIGAÇÃO OPERACIONAL DA GALIZA E NORTE DE PORTUGAL e VII CONGRESO GALEGO DE ESTATÍSTICA E INVESTIGACIÓN DE OPERACIÓNS. Anais... Guimarães: Universidade do Minho, 2005 BIEMBENGUT, Maria Salett; ZERMIANI, Vilmar José. Feiras de matemática: história das ideias e ideias da história. Blumenau: Legere/Nova Letra, 2014. COLODEL, Debora Laranjeira; BRANDALISE, Mary Ângela Teixeira. Tratamento da Informação nos anos iniciais do ensino fundamental: entre concepções e práticas. XVI EREMATSUL. Anais... Porto Alegre: PUC, 2010. GITIRANA, Verônica. A pesquisa como eixo estruturador da educação estatística. In: BRASIL. Pacto nacional pela alfabetização na idade certa: educação estatística. Brasília: MEC-SEB-Dage, 2014. GUIMARÃES, Gilda et al. A Educação estatística na educação infantil e nos anos iniciais. Zetetiké. v. 17, n. 32, jul./dez. Campinas: Unicamp, 2009. HERNÁNDEZ, Fernando; VENTURA, Montserrat. A organização do currículo por projetos de trabalho: o conhecimento é um caleidoscópio. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. NOGUEIRA, Nilbo Ribeiro. Pedagogia dos projetos: uma jornada interdisciplinar rumo ao desenvolvimento das múltiplas inteligências. 7. ed. São Paulo: Érica, 2007. SOUZA, Antonio Carlos de; LOPES, Celi Espasandin. A construção de ideias estatísticas na educação infantil. XVI COLE. Anais... Campinas: Unicamp, 2007. SOUZA, Carla Peres. Feiras catarinenses de matemática:
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Notas Professora do Centro de Ciências da Educação. Mestre em Educação Matemática pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). E-mail: cperessouza@yahoo.com.br 1
Professor do Centro de Educação a Distância. Doutor em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). E-mail: pjorgemusse@gmail.com 2
Professora do Centro de Educação a Distância. Mestre em Educação Matemática pela Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). E-mail: brigojussara@gmail.com 3
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Acessibilidade na Modalidade EaD: Ações de Empoderamento para a Pessoa com Deficiência Débora Conforto1
Introdução
A
s tecnologias digitais podem operar como recursos de empoderamento, ampliando as possibilidades de integração social. O empoderamento, conceito inserido nas agendas empresariais, foi trazido para o cenário educacional por Paulo Freire (1992), entre tantas outras expressões, como “Educação Bancária”, “Cultura do Silêncio”, sempre para afirmar a capacidade de transformação humana. Empoderar é a ação pela qual o indivíduo, as comunidades e as organizações obtêm recursos que lhes permitam ter voz, visibilidade, influência, competência de ação e de tomada de decisão. A importância que esse conceito assume quando o viés da análise passa a ser a perspectiva da diversidade humana foi ratificada por Irina Bokova, diretora-geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), ao afirmar que empoderar pessoas com deficiência significa empoderar a sociedade como um todo (UNESCO. Relatório geral, 2014). O acesso aos instrumentos que proporcionam práticas de empoderamento não ocorre de forma automática, em particular para os sujeitos que se encontram em desvantagem física, sensorial, cognitiva, como também em vulnerabilidades social e econômica. Os governos, ao estruturar e gerenciar sistemas externos aos indivíduos e às organi126
Débora Conforto
zações, devem planejar estratégias para que as práticas de apropriação de recursos de empoderamento sejam dadas também às pessoas com deficiência. O escopo do Relatório Geral da Unesco (2014, p.19) serve de inspiração para referendar a imbricação e a complementaridade de três elementos centrais, representados na Figura 1, como garantia de acesso aos benefícios educacionais. Figura 1 - Organograma do plano investigativo
Fonte: UNESCO. Relatório Geral (2014, adaptado)
As políticas públicas inclusivas operam para a afirmação da diferença, pois se colocam como meios fundamentais para criar contextos socioculturais e econômicos estruturados pela lógica da equidade. Por meio de ações governamentais e institucionais, um conjunto de estratégias para a configuração de contextos legislativos, regulatórios e inclusivos passa a ser desenhado em prol do reconhecimento e da valorização da pessoa com deficiência (Quadro 1). 127
Acessibilidade na Modalidade EaD...
Quadro1 – Diferentes contextos em ação para a construção da sociedade inclusiva Contexto Legislativo Contexto Regulatório
Contexto Inclusivo
Políticas públicas que oficialmente passam a reconhecer a existência da diversidade humana. Ex.: Política Brasileira de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2007). Ações governamentais projetam estratégias inovadoras para a promoção de uma sociedade com equidade social. Ex.: Modelo de Acessibilidade estabelecido pelo e-MAG. (BRASIL, 2011a); Políticas de cotas de acesso ao ensino superior. Ações locais que permitem comprovar o grau de compromisso de setores públicos e privados, mas que conquistam maior significado quando não são pontuais ou restritas a tempos e a espaços específicos. Ex.: Núcleos de Inclusão em Instituto de Ensino Superior (IES); Sistemas Web acessíveis.
Fonte: Adaptado do Relatório Geral da Unesco (2014)
Ao apontar para a importância de ações governamentais e institucionais com vistas à afirmação da diversidade humana, faz-se necessário diferenciar as expressões igualdade e equidade. Igualdade, em latim æquālĭtās, e representada pelo sinal aritmético de igual, remete à promoção de situações idênticas, uniformes e equivalentes para todas as pessoas. A palavra equidade, originalmente da expressão latina æquĭtās, faz referência à capacidade de apreciar e julgar com retidão e justiça diferentes ações e contextos sociais, produtos e processos de ações humanas. A equidade prima por analisar imparcialmente cada caso para que não surjam desigualdades e injustiças. Ações governamentais e institucionais que não afirmam o conceito de equidade produzirão processos educacionais impassíveis às diferenças, tratando igualmente os desiguais. Como alerta Bourdieu (1999, p. 53), “a igualdade formal que pauta a prática pedagógica serve como máscara e como justificativa para a indiferença no que diz respeito às desigualdades reais [...]”. O princípio constitucional brasileiro, que garantiu a universalidade de acesso, assegurado contem128
Débora Conforto
poraneamente também ao estudante com deficiência, não deve ser fragilizado pela busca da homogeneidade que tradicionalmente tem sustentado as práticas educativas que tratam igualmente os desiguais. Este artigo problematiza um conjunto de estratégias propostas para potencializar o acesso e a permanência de professores, com e sem limitações físicas e sensoriais, em um contexto de formação na modalidade de Educação a Distância (EaD). Os dados apresentados fazem referência ao Curso de Formação de Professores em Tecnologias da Informação e Comunicação Acessíveis, realizado sob a responsabilidade da equipe do Núcleo de Pesquisa em Informática na Educação Especial da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (NIEE-UFRGS) e, ao serem discutidos a partir do referencial teórico dos conceitos de acessibilidade e usabilidade, além dos pressupostos da Educação Inclusiva, ilustram ações de adaptação dos materiais e recursos didáticos, bem como estratégias de flexibilização curricular.
Políticas Inclusivas: Ações de Afirmação da Diferença Historicamente, obstáculos têm sido impostos a pessoas com deficiência, dificultando, e até mesmo impossibilitando, o acesso a benefícios sociais. A heterogeneidade existente nos diferentes espaços socioculturais tem projetado políticas públicas de atenção à diversidade humana sob o tripé Educação, Saúde e Assistência Social. Castellano e Montoya (2011) analisam a produção histórica do modelo da pessoa com deficiência, apontando para o deslocamento de paradigmas a partir de saberes produzidos por grandes áreas do conhecimento humano - Medicina, Psicologia, Pedagogia e Sociologia (Figura 2): do paradigma deficitário, influenciado pelos saberes médico e psicológico, para o paradigma da diversidade, quando a diferença passa a ser reconhecida como valor, e não mais como enfermi129
Acessibilidade na Modalidade EaD...
dade. Os saberes dessas quatro grandes áreas do conhecimento vêm produzindo diferentes formas de perceber a diversidade humana e, de forma paralela, direcionando estratégias de mediação tecnológica para a interação com o homem em suas dimensões social e cognitiva. Figura 2 - Deslocamentos: do paradigma deficitário para o da inclusão
Fonte: Castellano e Montoya, 2011 (Adaptado)
A partir dessa perspectiva, uma forma muito particularizada de abordar a deficiência orgânica ou a fragilidade psicológica foi instituída - o aluno para a Educação Especial, o paciente para a Saúde, o beneficiário para a Assistência Social -, produzindo ações isoladas e projetos desarticulados que dificultam o reconhecimento das múltiplas dimensões da vida humana. Essa particularização do humano, como discute Touraine (2009, p. 84), foi incitada pela análise dos movimentos sociais a partir das matrizes econômica e política, responsável pelo afloramento de movimentos de ajuda social, expressos por meio de ações oficiais e não oficiais, que “por muito tempo ficaram justapostos numa semiobscuridade, como se cada indivíduo fosse constituído por um determinado número de compartimentos isolados uns dos outros”. Ações internacionais, como a Convenção de Salamanca, e nacionais, como o Plano Viver sem Limites, exempli130
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ficam importantes deslocamentos na configuração da sociedade no final do século XX e início do século XXI, pois, conforme Touraine (2009, p.14), “somos instruídos a reconhecer as diferenças e a proteger minorias”. Como nos faz pensar esse sociólogo francês, vivenciamos um discurso em uma direção absolutamente oposta àquela que vitimizava a pessoa com deficiência, uma vez que, “por toda parte, e nas mais variadas formas, o que se deseja é a identificação do indivíduo e de grupos como portadores do direito de serem reconhecidos e respeitados” (TOURAINE, 2009, p.14). A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2007) imprimiu marcos teórico e organizacional no sistema educacional brasileiro, com princípios definidos e ratificados pela Conferência Nacional de Educação (Conae, 2010) e Conferência Nacional da Educação Básica (Coneb, 2008): Na perspectiva da Educação Inclusiva, cabe destacar que a Educação Especial tem como objetivo assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas turmas comuns do ensino regular, orientando os sistemas de ensino para garantir o acesso ao ensino comum, à participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados de ensino; à transversalidade da Educação Especial desde a Educação Infantil até a Educação Superior; à oferta do atendimento educacional especializado; à formação de professores para o atendimento educacional especializado e aos demais profissionais da Educação para a inclusão; à participação da família e da comunidade; à acessibilidade arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e informações; e à articulação intersetorial na implementação das políticas públicas. (BRASIL, 2007).
O cenário educacional brasileiro afirmava a escola como instituição de acolhimento da diferença e de ruptura 131
Acessibilidade na Modalidade EaD...
com as ações educativas cerceadas pela rígida demarcação de tempos e espaços para o aprender. A perspectiva da Educação Inclusiva, ao mesmo tempo em que afirmava o conceito da diferença na Educação Básica, concretizava o princípio da transversalidade – da Educação Infantil ao Ensino Superior –, ilustrado pela ampliação significativa do número de pessoas com deficiência matriculadas em Instituições de Ensino Superior (IES), um aumento de 933,6%, no período de 2000-2010. A presença de estudantes com deficiência no Ensino Superior exigiu a adequação dos espaços arquitetônicos, currículos, recursos educacionais, como o que aconteceu com as Tecnologias Digitais de Informação e de Comunicação (TDIC). Por exigência do Ministério da Educação (MEC), as IES passaram a concretizar ações governamentais de respeito e garantia da equidade de direitos para a pessoa com deficiência, entre elas, o Programa Incluir. Conforme orienta o MEC, o Programa Incluir (BRASIL, 2011b) tem o objetivo de promover ações para eliminar barreiras físicas, pedagógicas e de comunicação, a fim de assegurar o acesso e a permanência de pessoas com deficiência nas IES públicas. Desde 2012, os recursos tecnológicos e financeiros são repassados diretamente para os núcleos de acessibilidade das IES. A sociedade, em sua configuração inclusiva, exige que as escolhas tecnológicas tenham como principal critério o respeito e a valorização da diversidade humana. É importante frisar que o ser humano está à frente de qualquer dispositivo tecnológico, pois a tecnologia é provisória, uma vez que cristaliza e representa um estágio de desenvolvimento sociocultural da humanidade. Se a tecnologia é sempre provisória, a plataforma EaD, o conteúdo e os recursos digitais propostos para mediar processos de formação também devem ser redesenhados para projetar interfaces técnico-pedagógicas que explicitem, como 132
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nomeados por Rodrigues (2009), processos de inclusão essencial e eletiva. A inclusão essencial afirma-se como a dimensão que assegura a todos os cidadãos o acesso e a participação, sem discriminação, em todos os seus níveis e serviços sociais. Essa dimensão relaciona-se diretamente com os direitos humanos e com uma acepção básica de equidade social. Por outro lado, o âmbito eletivo da inclusão assegura que, independentemente de qualquer condição, a pessoa tem o direito de se relacionar e de interagir, com autonomia e equidade, com diferentes grupos sociais, em função dos seus interesses. Castellano e Montoya (2011), ao investigar a interação entre pessoas com deficiência e recursos computacionais, atestaram a necessidade de romper com a lógica do software ou do sistema Web exclusivo para o público-alvo da Educação Especial. Programas e dispositivos centrados no déficit, ainda que apresentem vantagens, uma vez que são fáceis de usar e que, aparentemente, pareçam solucionar o problema colocado pela limitação física, ou sensorial, evidenciam sua fragilidade ao não acompanhar o desenvolvimento do usuário e ao não potencializar a interação com os demais participantes. No movimento histórico de desenvolvimento de tecnologias para pessoas com deficiência, passa-se a vivenciar a ruptura com o caráter de exclusividade, ou seja, abandonase a modelagem restritiva, centrada nas fragilidades sensorial, física e cognitiva, uma vez que essa forma de concepção tecnológica pode contribuir com o processo de segregação de pessoas com deficiência. As dificuldades relacionadas ao acesso e à interação com as ferramentas disponibilizadas pelas tradicionais plataformas EaD sinalizaram a impossibilidade de habilitar professores com deficiência, e em exercício nas redes públicas de ensino, para atuar nas Salas de Recursos com o Atendimento Educacional Especializado (AEE). 133
Acessibilidade na Modalidade EaD...
Contudo, os processos de formação de professores revelaram-se como uma estratégia central para a concretização da política nacional, passando a reestruturar a Educação brasileira sob a lógica da inclusão (INEP, 2013). O frágil sentido de pertencimento vivenciado por esses docentes que se afastavam dos padrões de normalidade, imposta pela sociedade, demonstrou a manifestação de uma discussão efetiva sobre o modelo e as interfaces eleitas para mediar processos de formação na modalidade a distância e motivou a equipe do NIEE-UFRGS a responder ao desafio de promover um conjunto de adaptações – de acesso e de currículo – para explicar uma prática de equidade e de empoderamento para educadores, com e sem deficiência, das redes públicas de ensino brasileiras.
Processos de Formação na Modalidade EaD: Discurso e a Prática Inclusiva Ações governamentais de formação docente, nas dimensões inicial e continuada, nas modalidades presencial e a distância, vêm sendo ofertadas sob a responsabilidade das IES. Esses programas de qualificação para o educador brasileiro não podem desconsiderar a configuração da escola tecnológica e inclusiva. A UFRGS, sob a coordenação pedagógica do NIEE, participa do Programa de Formação Inicial e Continuada, Presencial e a Distância, de Professores para a Educação Básica (Parfor) e, entre tantas confluências traçadas no decorrer de quase 15 anos de capacitação, na modalidade a distância (EaD), um destaque foi dado pela presença de professores com deficiência. As configurações metodológica e tecnológica de cursos de formação na modalidade a distância exemplifica a fragilidade da dimensão da inclusão essencial discutida por Rodrigues (2009). A todos os educadores, com e sem deficiência,
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foi dado o direito de matrícula em cursos de formação docente, mas as pesquisas sobre a acessibilidade à Web têm revelado que os recursos de informação e de comunicação ofertados para a modalidade EaD não possibilitam a todos os seus participantes as condições para o importante sentido de pertencimento. A homogeneidade tecnológica e a rigidez da estrutura curricular que caracteriza os cursos na modalidade EaD têm colocado professores cursistas com deficiência fora das possibilidades de aprendizagem e de desenvolvimento, fazendo com que muitos vivenciem processos de exclusão. As diferentes edições do Curso de Formação de Professores em Tecnologia da Informação e Comunicação Acessíveis, ao valorizar e desejar professores com deficiência foi paulatinamente, e de acordo com as possibilidades ofertadas pelo desenvolvimento tecnológico, construindo estratégias de adaptação dos recursos digitais e da metodologia para que a inclusão essencial provocasse também a inclusão eletiva. Diante do desafio de promover a formação inclusiva, a equipe do NIEE-UFRGS vem promovendo um conjunto de adaptações para que tanto a inclusão essencial como a efetiva se concretizem. Para o contexto da formação de educadores na modalidade EaD, no âmbito das TIC Acessíveis, foram realizadas adaptações: (1) nas páginas de conteúdo (HTML); (2) nos materiais e conteúdos; (3) na estrutura curricular. As plataformas de EAD geralmente operam como repositório de conteúdo digital, exigindo que aspectos de acessibilidade e de usabilidade sejam observados na elaboração dos materiais didáticos ofertados pelo curso. As adaptações relacionadas às páginas em HTML e de materiais de apoio (Figura 3) objetivam garantir o acesso com autonomia para participantes de processos de formação com limitações físicas e sensoriais. As ações relacionadas à adaptação curricular assumem como principal objetivo a permanência e a 135
Acessibilidade na Modalidade EaD...
qualificação do processo de formação para todos os participantes, educadores com e sem deficiência. Figura 3 - Estrutura dos materiais e recursos didáticos em programas de formação EaD
Fonte: Fonte: NIEE/UFRGS
Adaptações de acesso O layout e os recursos das páginas em HTML projetadas pela equipe do NIEE-UFRGS foram desenvolvidos em sintonia com as heurísticas de usabilidade discutidas por Nielsen (1993) e as recomendações de acessibilidade da World Wide Web Consortium (W3C, 2009) para potencializar sua compreensão e seu reconhecimento. A estrutura do material didático baseou-se no design minimalista, garantindo melhor visibilidade e baixa densidade informacional. Para proporcionar melhor qualidade de uso para a informação disponibilizada no curso, cada material proposto foi analisado, para garantir a facilidade de interação por parte do usuário. Nielsen (1993) sugere cinco componentes básicos para a usabilidade – facilidade de aprender, facilidade de lembrar, facilidade em evitar e lidar com erros, eficiência e 136
Débora Conforto
satisfação de uso – que afetam todos os usuários, a despeito de suas limitações e seus dispositivos de acesso. Quatro princípios de acessibilidade estabelecidos pela W3C orientaram a equipe de desenvolvimento do curso no processo de acessibilização do conteúdo publicado na Web: perceptível, a informação e os componentes da interface devem ser reconhecidos pelos usuários; operável, os componentes de interface e a navegação devem permitir a interação, respeitando as especificidades físicas e sensórias do usuário; compreensível, a informação e a operação da interface devem ser compreendidas pelo usuário; e robusto, ao disponibilizar conteúdo em sistemas Web suficientemente bem elaborados, para que possam ser interpretados de forma concisa por diversos agentes do usuário, incluindo tecnologias assistivas. Figura 4 – Configuração padrão para as páginas no formato HTML
Fonte: Santarosa et al. (2015)
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Todas as páginas no formato HTML foram estruturadas em uma configuração padrão, representada na Figura 4. O Quadro 2 apresenta o resumo das recomendações de acessibilidade e de usabilidade aplicadas no conjunto das páginas de conteúdo e nos materiais de apoio para potencializar a qualidade na interação com os conteúdos e as funcionalidades, assim como a ampliação do acesso e da permanência para professores com e sem deficiência. Quadro 2 - Adaptações de acessibilidade e usabilidade implementadas nas páginas de conteúdo e material de apoio Equivalente textual para todo o conteúdo não textual. (Figura 2, B) Folhas de estilo para separação do conteúdo dos elementos de estilização Uso exclusivo de tabelas para apresentação de dados tabulares, permitindo sua linearização Conteúdos e funcionalidades integralmente acessíveis por teclado Navegação linear otimizada pela inserção de links âncora para o conteúdo principal. (Figura 2, A) Retorno claramente identificado por links contextuais de “voltar” no final de cada página. (Figura 2, F) Repetição e ordenação de elementos significativos para propiciar navegação consistente Escolha de cores pautada em recomendações rígidas de contraste, testadas por validadores automáticos Esquemas de cores aplicados para auxiliar usuários surdos a reconhecer blocos de atividades Conteúdo externo ao material do curso incorporado às páginas, minimizando possíveis problemas de acessibilidade e evitando que o aluno tenha suas atenção e concentração reduzidas Links internos seguem o padrão Web (texto azul sublinhado) para facilitar o reconhecimento de elementos clicáveis. (Figura 2 – A, C, D e F)
Fonte: Santarosa, et al. (2015)
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3.2 Adaptações de materiais e conteúdos O conceito da diferença foi assumido na construção das estratégias organizacionais e gerenciais, pela equipe do Curso de Formação de Professores em Tecnologia da Informação e Comunicação Acessíveis. Nada mais coerente que um curso de formação de educadores na perspectiva da Educação Inclusiva potencializasse a dimensão eletiva da inclusão na organização curricular, na seleção do material didático e no processo de avaliação. A presença de professores cursistas surdos, cegos, com baixa visão e com limitações físicas, fez com que a equipe de coordenação do curso programasse ações na esfera da inclusão eletiva: • Composição de um sistema de tutoria no qual formadores e tutores dominam a Língua Brasileira de Sinais (Libras), possibilitando mediação mais pontual para educadores com limitação auditiva; • Uso de tecnologias específicas para resolver problemas de acessibilidade particulares a cada deficiência, como, por exemplo, vídeo-aulas em Libras, com o detalhamento das orientações de cada atividade proposta para professores cursistas com restrições auditivas (Figura 5) e a descrição em áudio para os participantes com limitações visuais.
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Figura 5 – Vídeos com versão em Libras para o conteúdo disponibilizado no curso
Fonte: NIEE/UFRGS
•
Organização do material disponibilizado na plataforma do curso segundo as recomendações do design universal: textos com vocabulário simples e frases curtas; uso de marcadores; descrição de imagens; uso de glossários e estímulo à consulta de dicionários virtuais em Libras; tutorias em diferentes formatos dinâmicos – texto, áudio, vídeo – para facilitar a apropriação técnico-metodológica de professores cursistas com deficiências físicas e sensoriais.
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Para educadores cegos ou com baixa visão foram implementadas estratégias de adequação do material, principalmente dos recursos com formato em imagem e/ou vídeo. O material didático oferecido pelo curso encontra-se afinado com as normativas de acessibilidade estabelecidas pela equipe de pesquisadores nacionais e internacionais; diretrizes registradas na W3C (2009); etiquetagem e descrição das imagens; validação do conteúdo por leitores de tela: • uso de recurso de comunicação alternativos, com a ferramenta de comunicação síncrona (chat), acessível a usuários cegos da Rede Saci, e recursos de comunicação instantânea como Google Talk e o Skype; • leituras disponibilizadas no formato .doc ou .txt, com acesso às informações pelo leitor de tela; • atividades reorganizadas quando a tecnologia foco de discussão se mostra inacessível ao educador cego. A construção do material do curso, seja ele impresso ou digital, contempla em sua modelagem os princípios de usabilidade por: • usar linguagem simples, apresentando de forma clara e objetiva a informação de que o educador necessita; • falar a “língua” do professor cursista, traduzindo os saberes da Informática para o campo de comunicação do educador da Educação Básica, possibilitando, assim, a apropriação conceitual; • minimizar a sobrecarga cognitiva por meio de forte ambientação à plataforma virtual do curso, familiarizando o educador com as funcionalidades de cada ferramenta utilizada no processo de aprendizagem; • estabelecer rede de apoio por meio de tutoriais em diferentes formatos e pela abertura de fóruns de discussão para solucionar dúvidas quanto à instalação e utilização de recursos digitais.
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Adaptações curriculares: a proposta de flexibilização A equipe de coordenação do Curso de Formação de Professores em Tecnologia da Informação e Comunicação Acessíveis afirma sua convicção de que, somente por meio do escutar e do diálogo, as estratégias de formação poderão culminar em práticas pedagógicas alicerçadas nos princípios da equidade escolar, social e cultural. Por isso, o processo de implementação de cada edição do Curso de Formação de Professores em Tecnologia da Informação e Comunicação Acessíveis representa o resultado do processo/produto de movimentos de escuta e de interlocução tecidos entre seus atores - professores cursistas, formadores e tutores - uma produção dialogada que possibilitou acompanhar o desenvolvimento das estratégias inclusivas de seus educadores em formação, ao mesmo tempo que provocou a atualização e qualificação de cada nova edição da formação. Como consequência dessa produção dialógica, um projeto pedagógico atento às mudanças tecnológicas e aos movimentos de inclusão escolar e sociodigital foi estruturado, em consonância com os princípios da Educação Inclusiva. Aproximar professores cursistas e tecnologias acessíveis tem sido o desafio assumido de forma permanente pela equipe de coordenação pedagógica do curso. Aplicativos para dispositivos móveis, os contemporâneos sistema de informação e comunicação na Web, especialmente os que operam sob a lógica da Computação nas Nuvens, são alguns dos muitos campos de conhecimentos trazidos para o curso, antecipando muitas vezes a inserção desses paradigmas tecnológicos no contexto das redes públicas de ensino.
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Débora Conforto
Figura 6 – Estrutura curricular: as disciplinas e os blocos temáticos
Fonte: NIEE-UFRGS
Da mesma forma que os conteúdos, a dinâmica do curso vem sendo permanentemente atualizada. A estrutura curricular desse tempo e espaço de formação foi organizada em blocos temáticos (Figura 6), cada um estruturado sob um conceito-chave. Essa perspectiva organizacional concretiza um princípio central para a Educação Inclusiva, a flexibilização curricular em duas dimensões: primeiro, ao dar a cada professor a possibilidade de escolha da temática de estudo; segundo, ao aproximar o “conteúdo” do processo de formação das demandas colocadas para o educador pela instituição educativa na qual cada participante exerce sua docência. A estruturação curricular por blocos temáticos, ao mesmo tempo em que amplia o sentido e o significado da formação para o educador, explicita a prática freireana 143
Acessibilidade na Modalidade EaD...
do inédito-viável (FREIRE, 1992), ao propormos uma dinâmica de curso que projeta a ruptura com os currículos estabelecidos a priori, muitos alicerçados na classificação e automatização do conhecimento. O elenco de saberes ofertados ao educador em cada bloco temático permite a construção de um percurso de aprendizagem personalizado, em que é possível perceber e valorizar diferentes trajetórias de docência. A flexibilização curricular (Figura 7), em especial no que tange à formação de docente, tem, nas palavras de Valente (1997, p. 19) um dos elementos impulsionadores: “os assuntos desenvolvidos durante um curso devem ser escolhidos pelos professores, de acordo com o currículo e a abordagem pedagógica adotada pela escola”. O jogo da totalidade e da especialidade torna-se uma prática da formação, dando ao professor cursista o poder de escolhar quais recursos e estratégias técnico-pedagógicas inclusivas deseja explorar em seu processo de aprendizagem, focalizando seu estudo na área da deficiência que, no momento, se coloca como desafio de docência. Figura 7 - Construção curricular explorada no módulo com o foco nas Tecnologias Assistivas
Fonte: NIEE-UFRGS
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Débora Conforto
A possibilidade de interferir no currículo faz com que os educadores se tornem protagonistas do processo de capacitação, o que influencia diretamente na imagem que constroem de si mesmos, cunhando no professor cursista a marca da confiança em sua identidade profissional e na pessoal. Em contextos de formação de professores, práticas pedagógicas inovadoras acontecem quando as instituições educativas repensam a rigidez da escola da Sociedade Industrial para instituir uma configuração curricular mais flexível, dinâmica e articulada à lógica da Sociedade do Conhecimento.
Considerações O contemporâneo pensamento do século XXI tem sido dominado por nova reflexão sobre a vida e a ação social, apontando para um contínuo afastamento da ideologia do progresso e de seus critérios quantitativos para afirmar que as diferenças qualitativas superam as desigualdades mensuráveis. Touraine (2009, p.16-17) ajuda a problematizar esse deslocamento ao apontar para duas importantes constatações: (1) as diferenças não têm mais limites, não se encontram aprisionadas; (2) as condutas sociais não são mais imposições socioculturais, porém são tecidas pela construção de cada indivíduo como sujeito, como ser de direitos universais e simultaneamente particulares. As questões apresentadas no decorrer deste texto buscaram, em primeiro lugar, construir uma linha de discussão que se afastasse do discurso interpretativo dominante que naturaliza o processo de inclusão. As estratégias de adaptação de acesso e de flexibilização curricular explicitaram práticas de empoderamento para pessoas com deficiência, ações essas impulsionadas pelo desejo de reconhecimento de grupos minoritários como indivíduos com direitos, como sujeitos sociais. 145
Acessibilidade na Modalidade EaD...
Cada movimento/ato de acessibilização viabilizado na estrutura e no gerenciamento do Curso de Formação de Professores em Tecnologias de Informação e de Comunicação Acessíveis concretiza as metas assumidas pelo NIEE-UFRGS que adquirem crescente significado por conduzir à conquista de novos elementos para edificar a sociedade inclusiva: (1) por forjar um novo modo de ser professor, isto é, desenhar um profissional que assume e defende os valores da diversidade em sua interface multi e intercultural, um educador perspicaz e problematizador para a construção de uma docência coletiva e cooperativa, sintonizada com a Cultura da Diversidade; (2) por instituir um processo de conquista da fluência digital, não para resolver as especificidades de alunos com deficiência, mas para impulsionar movimentos de transformação no tempo e no espaço, na modalidade a distância, no sentido de construir a cultura da participação também para a diversidade humana; (3) por priorizar a elaboração de um modelo gerencial para a modalidade a distância, para pessoas com e sem deficiência, que rompa com a intervenção terapêutica, priorizando ações educativas de caráter preventivo e também formativo.
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Nota 1 Doutora em Educação, na linha de Pesquisa de Informática na Educação, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2006). Especialista em Informática na Educação (1995) e em Modelagem de Software Educacional (1997) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Graduada em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1984). Atua como pesquisadora da RedEspecial Brasil e do NIIE/UFRGS. Áreas de pesquisa: Informática na Educação, Ambientes Virtuais de Aprendizagem, Inclusão Digital e Acessibilidade à Web. E-mail: deboraconforto@gmail.com
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Autorias em Redes: Uma Experiência de Pesquisa-Formação na Cibercultura Edméa Santos1 Mirian Maia do Amaral2
Introdução
O
desenvolvimento das tecnologias digitais faz surgir diferentes formas de se comunicar, interagir e se relacionar, e emergir uma diversidade de modelos autorais, que acentuam o caráter interativo, aberto, cooperativo e fragmentário dessas produções. Essas transformações impactam o processo de ensino e aprendizagem, e, em especial, a formação de educadores que precisam se alinhar aos novos tempos, incorporando essas tecnologias e práticas pedagógicas inovadoras, com vistas à tessitura dos conhecimentos em rede. Hoje, a maioria das fontes de informação pode ser encontrada na Internet - o que aumenta, significativamente, o acesso ao que nela é produzido, como pesquisas, artigos, imagens, vídeos, entre outros. Com a mesma intensidade, copiam-se textos de outrem, em partes ou integralmente, sem que seus autores sejam referenciados; o que tem inquietado, sobremaneira, aqueles que se preocupam com a formação profissional e, em particular, com a formação docente. Na tentativa de melhor compreender as razões que levam a esse tipo de comportamento, constatamos que, de forma geral, o processo de ensino e aprendizagem alimenta essa 149
Autorias em Redes: Uma Experiência de Pesquisa-Formação na Cibercultura
prática, na medida em que dá pouca ênfase ao exercício da escrita; privilegia a aquisição de conteúdos, em detrimento de outros saberes práticos e comportamentais; concede um espaço reduzido para discussões, reflexões e críticas acerca de fatos, eventos e fenômenos inerentes à sociedade contemporânea; tende a associar ‘pesquisa ou investigação científica’ a procedimentos que não favorecem a construção do conhecimento e o aprendizado; e não leva em conta a interdisciplinaridade, com sérias implicações para o processo de criação. Outro aspecto a considerar refere-se à subutilização de tecnologias digitais, que acaba por privilegiar o paradigma do ensino tradicional, dado que, mesmo na tela do computador on-line, a educação continua a se alicerçar na repetição burocrática ou na transmissão de conteúdos empacotados, afirma Silva (2003). O uso limitado de trabalhos interativos que favoreçam a criação coletiva contribui, ainda, para a emersão de sentimentos de insegurança e ansiedade nos alunos, quando desafiados a produzirem textos com esforço autoral. Nessa perspectiva, Lima (2004, p. 11) afirma que o aluno: “[...]. Desprovido de intrumentos que o capacitem a agir como sujeito nos processos de ensino e aprendizagem, acomoda-se na atitude de reproduzir fragmentos desarticulados do conhecimento consagrado”. Não há como ignorar esse fenômeno que se alastra a passos largos, dado que o processo educativo é, antes de tudo, “formativo”, devendo se pautar na interação, na ética e na estética; o que demanda participação ativa de todos os envolvidos, para irem além do já sabido e aprendido e exercitarem suas autorias. Como, então, inibir essas práticas e ajudar nossos alunos a produzirem seus próprios textos? De que forma autorias docentes e discentes, ao mesmo tempo coletivas e singularizantes, e comprometidas com a produção de sentidos, 150
Edméa Santos | Mirian Maia do Amaral
materializam-se na produção digital e imagética nas redes educativas? Para responder a essas questões, as autoras refletem sobre a emergência da educação on-line na cibercultura; as relações entre currículo e cotidiano escolar, e a formação de professores. Por fim, apresentam algumas manifestações autorais, que emergiram das narrativas dos participantes, durante a pesquisa de campo realizada no contexto formativo da disciplina Cotidianos e Currículos - Uma Prática Social em Formação, integrante do curso de Graduação em Educação, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no período de 2013-2014.
Educar na cibercultura em tempos de mobilidade e ubiquidade: educação on-line agregando valor à formação de professores Mediada pelas tecnologias digitais em rede, a cibercultura inventa novos modos e meios de produção, comunicação, sociabilidade e interação entre indivíduos e grupos, misturando técnicas, conhecimentos, práticas, pensamentos, atitudes, crenças e valores, acentua Santos (2006). Novas lógicas instauram-se, novas conexões emergem e novos atores entram em ação, deixando suas marcas, produzindo efeitos na rede, modificando a sociedade e sendo por ela modificados, numa relação dialógica. Nessa perspectiva, impõe novas exigências à qualidade da educação e, consequentemente, atenção especial à formação de professores, para que esses possam se apropriar, de forma adequada, dos dispositivos tecnológicos e intelectuais, despertando nos alunos o gosto pelo conhecimento, a curiosidade, o espírito lúdico para criar, inventar e reinventar tarefas, individualmente, ou no coletivo. Esses professores, por sua vez, precisam experimentar essa construção coletiva, estimulados não apenas por uma formação 151
Autorias em Redes: Uma Experiência de Pesquisa-Formação na Cibercultura
inicial mais instigante, mas por meio da educação continuada, a partir de programas que contenham uma proposta coautoral, que lhes possibilitem vivenciar o fazer “fazendose”; vale dizer, refletir sobre sua própria aprendizagem, com vistas a reforçar sua prática docente. Nesse sentido, cabe à universidade, espaço de produção do conhecimento e, portanto, lugar de pesquisa, o compromisso efetivo com a formação acadêmica de alto nível do estudante como profissional e cidadão. A ideia de conceber a prática docente como prática de pesquisa possibilita a vivência de experiências formativas na cibercultura, e potencializa autorias-cidadãs, na medida em que o professor-pesquisador, além da intencionalidade de formar o outro, reflete sobre seus percursos pessoais e profissionais, formando a si próprio. Moran (2002) afirma que propostas educativas que utilizam o meio digital, como a teleconferência, videoconferência e Internet constituem a educação on-line, cujo processo de comunicação se dá na relação um para um, um para todos e todos para todos. No entanto, concordamos com Santos (2003; 2006) e Silva (2003; 2012), quando afirmam que a Educação On-line (EOL) não constitui evolução das práticas de educação a distância convencionais, pois exige metodologia própria, que pode inspirar mudanças profundas no modelo de transmissão, tão comum na sala de aula presencial. Apesar de os cursos de formação de professores, em geral, fornecerem conhecimentos científicos específicos sobre a área de atuação e oportunizarem reflexões sobre a prática pedagógica, Alves (1998) enfatiza que a formação docente se dá, em múltiplas esferas, e os conhecimentos teóricos e prático-políticos, epistemológicos, pedagógicos, curriculares, didáticos e outros – necessários ao exercício docente, são tecidos em redes. Pensar a formação docente, nessa perspectiva, exige 152
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trabalho reflexivo e reconstrução permanente de nossas identidades, dado que só é possível mudar o meio e nossas práticas, quando nos deixamos “tocar” pelas mudanças, pois é esse novo jeito de olhar e viver as coisas do mundo que nos impulsiona e abre espaço à transformação profissional. Estudos recentes sobre essa formação têm direcionado seu foco para os cotidianos escolares e para a ação pedagógica, no pressuposto de que o professor deve desenvolver a capacidade de refletir na prática, e sobre ela, tendo em vista explicitar os saberes tácitos provenientes de sua experiência. No entanto, quando tomamos como referência esses cotidianos, verificamos que, ao centralizar as estratégias de aprendizagem na transmissão, memorização e na repetição de conteúdos, o processo educacional tem negado, ao aluno, o direito à criação e ao exercício autoral. Daí a necessidade de pensarmos na possibilidade de docentes e discentes se assumirem como atores e a(u)tores desse processo. Isso exige que o professor promova, de forma efetiva, novos aprendizados, estimulando a curiosidade dos alunos para que possam buscar o conhecimento nos livros e nas redes de computador, sublinha Silva (2003). Sob esse prisma, torna-se, como mediador da aprendizagem, responsável pela formação de um indivíduo capaz de pensar com independência e coerência. Santos (2006) afirma que a educação on-line, como campo de pesquisa-formação multirreferencial, concepção epistemometodológica desenvolvida por Ardoino (1998), possibilita a emersão de sujeitos que aprendem, ao mesmo tempo em que ensinam e pesquisam, e pesquisam e ensinam, enquanto aprendem, além da articulação e vivência dos saberes numa perspectiva multidimensional, de forma crítica e construtiva; o que demanda priorizar as relações, a heterogeneidade, o diálogo, a bricolagem, plasticidade, complexidade e negatricidade, entre outros. 153
Autorias em Redes: Uma Experiência de Pesquisa-Formação na Cibercultura
Compreendendo o sentido de autoria na contemporaneidade Dado o deslocamento das noções de autor e autoria, ao longo do tempo, e os avanços do digital em rede, assistimos, hoje, ao renascimento do autor, numa nova configuração. Lévy (1999) aponta a interatividade da navegação por meio do hipertexto como uma forma de escrita, ou de autoria, argumentando que aquele que atualiza um percurso, ou manifesta este ou aquele aspecto da reserva documental, conclui momentaneamente uma escrita interminável, autorizando-se. Nessa perspectiva, os processos de leitura e escrita sofrem hibriditização, na qual leitor e autor tornamse uma só persona3 . O sujeito pós-moderno, enfatiza Maffesoli (2006, apud PRIMO, 2008), identifica-se com o coletivo, e a noção de rede constitui a metáfora predominante, dada a sua capacidade de interconectar pessoas, espaços e tecnologias, que fraciona o papel do autor. Esse enfraquecimento da autoria individual estimula práticas pedagógicas inovadoras, mediante projetos que incorporam o uso de blogs, wikis e redes sociais, favorecendo a interatividade e a integração de funcionalidades e conteúdos. Nessa ambiência, a autoria assume nuances diferenciadas, seja sob a forma de produção coletiva; ou compartilhada. Desse modo, ao destacar e tornar mais explícitas as contribuições e apropriações de pensamentos de outros, essas redes redimensionam a concepção de autoria. Lemos (2005) afirma que, potencializados pelas interfaces digitais e pela dinâmica da sociedade contemporânea, novos critérios de criação tomam corpo, consolidando a cultura remix - conjunto de práticas sociais e comunicacionais de combinações, colagens, cut-up de informação, a que denomina “ciber-cultura-remix”, com vistas à apropriação, desvios e criação livre, a partir de outros formatos, modalidades ou tecnologias. 154
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A cultura hacker e o “ jeito hacker” de ser professor, são defendidos por Pretto (2010) como estratégias para uma educação libertadora, enfatizando a necessidade de que os docentes adotem uma atitude mais crítica e ativista, capaz de planejar e oferecer uma educação plural, sintonizada com as diferenças. Nessa ótica, o autor contemporâneo assume um caráter multifacetado, ao disponibilizar e fazer circular informações, no meio digital, tornando quase imperceptível a fronteira entre o criador e público. A autoria, portanto, efetiva-se na relação com o Outro, dado que o autor não se produz sozinho, mas na inter-relação autor-obra-Outro. A autoria, portanto, concretiza-se em função da operatividade reflexiva que ocorre num certo domínio coletivo de ações, que pode ser um diferencial nas diversas redes constituídas. Diante dessa diversidade de práticas e interpretações sobre a questão da autoria, assumimos como autoral toda criação intelectual, expressão do pensamento, que se manifesta na obra, seja por meio de um texto escrito (palavra), imagens e formas, escrita cênica, performance, entre outros. Nesse sentido, o sujeito deixa-se atravessar pelas diversas vozes que ecoam na cultura em que se insere, sem que se perca em meio a elas. Atribui, dessa forma, a cada uma dessas vozes o que lhes cabe por direito, enquanto legado cultural, consciente de que nenhuma delas é absoluta, criando o seu próprio espaço do dizer.
A emersão de autorias docentes e discentes no âmbito da pesquisa-formação multirreferencial Ao adotarmos, em nosso estudo, os princípios da pesquisa-formação multirreferencial, concebemos o currículo como obra aberta. Desse modo, o processo formativo foi sendo instituído a partir dos atos de currículo que criamos, fundamentados em nossa experiência e implicação 155
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com o campo de pesquisa. Nossa mediação foi se fazendo para além da dialogicidade, em orientação e reorientação dialética, em escuta e em narrativas compartilhadas. Nesse contexto, a formação emergiu como experiência única de um ser em aprendizagem, a partir de modelos propositivos e explicativos disponibilizados, que estimularam a cooperação, a tessitura do conhecimento, de forma coletiva, a participação em debates e o desenvolvimento da autonomia e de processos autorais. Tínhamos clareza quanto a nossa intenção de formar o Outro e nos formarmos no processo. O uso intensivo de diferentes dispositivos materiais e intelectuais, como livros, celulares, fotografias, jornais, filmes, vídeos, entre tantos outros disponíveis, dentrofora da escola e a criação de estratégias pedagógicas diversas potencializaram a emersão de pré-autorias, autorias transformadoras e autorias criativas (BACKES, 2012), a partir das narrativas dos praticantes, apresentadas de forma oral, textual e imagética. Como formadores de formadores, não analisamos essas produções numa perspectiva biunívoca de causa e efeito; mas, buscamos, nos detalhes normalmente negligenciados, aquilo que se nos escapa, e que constitui um traço condutor de; ou seja, seus referenciais-chave – sinalizadores/indicadores, que nos permitiram refletir, coletivamente, sobre o planejamento das atividades educativas, das estratégias e recursos de aprendizagem, e dos processos de avaliação docente e discente. Alinhados ao pensamento de Ginzburg (1989), quando afirma que por detrás de um “paradigma indiciário ou divinatório, entrevê-se o gesto talvez mais antigo da história intelectual do gênero humano: o do caçador agachado na lama, que escruta as pistas da presa” (p. 154), assumimos que as diversas estratégias pedagógicas utilizadas nessas redes educativas, objetivando desenvolver autorias docente e discente constituíram “pistas” essenciais para o planeja156
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mento e controle do processo ensinoaprendizagem, na medida em que nos deram condições de nele intervir, tendo em vista melhorias contínuas, segundo critérios e prioridades estabelecidos. Desse modo, identificamos três elementos fundamentais, aos quais denominamos dimensões, considerados ao longo da pesquisa. Na primeira – a dimensão integrativa, levamos em conta as transformações sociotécnicas contemporâneas que aproximam diversos espaçostempos escolares, e a aprendizagem significativa, além de um olhar plural, alinhando teoria e empiria, no movimento prática-teoria-prática. Na segunda – a dimensão formativa, enfatizamos experiências formativas e agenciamentos comunicacionais, como a interatividade, a negociação de sentidos, a colaboração, a dialogicidade, as itinerâncias e as errâncias; entre outras. Finalmente, na terceira – a dimensão tecnológica, ressaltamos as transformações dos tradicionais processos de comunicação, sociabilidade e, de uma forma geral, da educação e da aprendizagem, com a entrada do digital em rede. No âmbito dessas dimensões, agrupamos um conjunto de “indicadores, que favoreceram a materialização dessas autorias, expressas a partir da análise das conversas e narrativas dos praticantes culturais, nessas redes educativas, que nos permitiram “decifrar a realidade”, não obstante sua opacidade. Dessa forma, pudemos identificar algumas manifestações de autorias que emergiram no processo. Entre outras, as apresentadas a seguir: • A autoria fundamentada na interatividade (participação colaborativa, bidirecionalidade, dialógica e conexão em teias abertas). Na composição de um enunciado, conhecimentos, experiências de vida, crenças e valores socioculturais de cada indivíduo emergem e se entrecruzam com o discurso do Outro, sugerindo uma relação entre o individual e o coletivo. Os interlocutores de um processo comunicativo 157
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vistos como sujeitos ativos e interativos -, com base na dialogicidade, propiciam o desenvolvimento de um ambiente sócio-histórico, tornando a língua viva em suas interações verbais, como apresentado no texto da Figura 1, que ilustra nossa proposta pedagógica. Figura 1 – Cotidianos por professores e praticantes culturais
Cotidianos por professores e praticantes culturais: outras vozes para dialogarmos Semana de 13 a 27 de maio de 2013-1
Compartilhamos em rede nossos sentidos prévios sobre os temas da nossa disciplina. Pensamos com e sobre as imagens e narrativas que selecionamos para iniciarmos nosso debate. Vamos agora dialogar com outros parceiros intelectuais? Convido todos e todas para assistiremos 3 entrevistas com professoras e pesquisadoras da área. Como as argumentações das autoras dialogam com o que já discutimos? Que novidades foram apresentadas? O que aprendemos de novo? Vamos convidar mais uma pessoa para o debate? Que tal uma estudante de 6 anos de idade que já vive o cotidiano escolar? Clique aqui para acessar a narrativa da criança! Como esta narrativa dialoga com as pesquisadoras? Vamos continuar nossa conversa no fórum de discussão ;)... • O que dizem as professoras-pesquisadoras?URL • Nina Sofia em Storytelling “narrativa de um cotidiano escolar”URL
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Fórum de conversas Cotidianos: vamos convidar outras pessoas para o debate? Clique aqui para participar do fórum! Turma 2013-1.
Fonte: Disponível em: http://docenciaon-line.pro.br/moodle/ course/view.php?id=72
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Como podemos constatar, a autoria docente se expressou na disponibilização de conexões para experimentações e recorrências em parceria com os alunos, favorecendo o aprendizado. Ao mobilizar, como mediadora, articulações entre os diversos campos do conhecimento tomados como rede (currículos escolares e conteúdos programáticos, conectados entre si), a participação criativa dos alunos foi estimulada, levando em conta “suas disposições sensoriais, motoras, afetivas, cognitivas, culturais e intuitivas” (SILVA, 2007, p. 87). Essa interação dialógica, na qual o aluno não é mais um agente passivo e receptivo, mas um sujeito que age e, pelo seu discurso, faz-se ouvir, recriando-se no seio de outras vozes, permite-lhe que se posicione, expresse seu pensamento e dê asas a sua imaginação, dado que “a ação compartilhada, permeando o espaço pedagógico, humaniza o processo educacional” (Silva, 2007, p. 307), como podemos observar no diálogo, docentediscente (Figura 2), adiante, acerca de imagens postadas por Renata, aluna da turma 2013.1, sobre cotidianos escolares. As imagens, por ela apresentadas, suscitam uma inquietação por parte da professora, que estabelece, imediatamente, uma relação dialógica com a aluna, não deixando, porém, de convidar a turma para entrar no debate.
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Figura 2 – Diálogo docentediscente O que sabemos sobre os temas da nossa disciplina? Turma 2013-1 por Edméa Santos - terça, 7 maio 2013, 01:14
Olá turma! Olá Renata! Suas imagens são ótimas! Principalmente porque nos provocam. 1. A primeira, por exemplo, inquieta-me muito. Será que os cotidianos cabem nestas rotinas? E as emergências? E as ações que não podem prever e nem controlar? http://pedagogiccos.blogspot.com.br/2008/09/rotina-escolar. html A segunda é o que acontece nas redes sociais da Internet? Será que na rede, ou no facebook, por exemplo, temos sempre alguém na audiência? Este modelo não é mais para representarmos uma sala de aula unidirecional, na qual o professor quer sempre a audiência, como uma espécie de sacerdote ou apresentador de TV? http://www.cepdap.com.br/noticias/noticia.asp A terceira remete à ideia de comunidade. Temos um grupo interessado por temas similares, projetos coletivos, ideias em grupo... http://www.grupoescolar.com/pesquisa/planejamento-de-ensinono-cotidiano-escolar.html Como os cotidianos escolares dialogam com todas estas imagens? Turma, vamos pensar juntos? O que você acha, Renata? [ ]s
Fonte: Disponível em: http://docenciaon-line.pro.br/moodle/course/ view.php?id=72
Esses questionamentos acabam por encorajar a participação e a colaboração de outros envolvidos, possibilitandolhes apresentar, defender e/ou reformular seus pontos de vista. Isso nos leva ao pensamento de Bakhtin (2011, p. 271), quando sublinha que “toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva [...] é prenhe de respostas [...] o ouvinte se torna falante”. É o que vemos, a seguir: um posicionar-se, uma resposta da aluna à intervenção da professora, situada no contexto do movimento de interlocução (Figura 3). Essa atitude responsiva, inerente ao processo dialógico, reflete o comporta160
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mento dos coautores/leitores. No entanto, ressaltamos que, no caso ilustrado, a praticante vai muito além: exerce sua autoria, mediante uma série de questionamentos. Como se percebe, “não são as respostas que movem o mundo; são as PERGUNTAS”, slogan de recente campanha publicitária; o que acentua o caráter de abertura e de incompletude do texto, possibilitando que outras autorias se instalem. Figura 3 - Resposta da aluna à intervenção da professora no contexto da interlocução O que sabemos sobre os temas da nossa disciplina? Turma 2013por Renata - quarta, 8 maio 2013, 11:11 Acredito que a primeira imagem não aborda os casos isolados passando a impressão de que é sempre a mesma coisa que acontece na escola. A criança entra, pinta, lancha, lê, etc.. Mas as emergências não estão presentes no planejamento, cabendo a professora nestas situações adaptar seus horários, encaixando suas atividades de acordo com a disponibilidade da aula. A segunda imagem me traz diferentes possibilidades, uma voltada para a utilização das redes sociais em sala de aula, partindo do interesse dos alunos (suas experiências de vida, suas rotinas pessoais) onde o professor pode mostrar as diversas formas de utilização da rede social (entretenimento, comunicação profissional, organização de grupos com interesses em comum etc.). Desse modo os alunos terão um leque de possibilidades de utilização das redes sociais e não ficarão somente com aquele uso funcional onde os indivíduos são meros espectadores sem aproveitar as diversas ferramentas existentes. Há também outra possibilidade onde o professor usa a rede social para "chamar a atenção" dos alunos, sem fazer o uso apropriado. Olho para esta imagem e penso como o professor estaria utilizando a rede social com os alunos sem que estes estejam conectados? Como os alunos irão interagir por meio das redes sociais se não estão naquele momento participando do assunto da aula? Essa aula não renderia mais resultados se fosse realizada em laboratório? Se sim porque esses alunos não estão em laboratório? A escola teria esse suporte? Se não porque? Como inserir essas novas formas de comunicação no cotidiano da escola? Como fazer com que esta escola ou direção abra espaço para a utilização das redes sociais em sala de aula? A terceira imagem me traz um pouco da formação de ideias em grupo onde por meio da discussão entre eu e o outro chegamos a um conceito em comum. É um pouco do que acontece quando ocorre trabalhos em grupo, onde para responder determinada questão os alunos debatem sobre o tema, expondo suas ideias chegando a uma resposta final. Beijos!
Fonte: Disponível em: http://docenciaon-line.pro.br/moodle/course/ view.php?id=72 161
Autorias em Redes: Uma Experiência de Pesquisa-Formação na Cibercultura
Figura 4 – Trocas mediadas pela linguagem, de forma colaborativa e democrática O que sabemos sobre os temas da nossa disciplina? Turma 2013-1 por Edméa Santos - sexta, 10 maio 2013, 00:39
Olá Renata! Olá turma! Muito bem! Vamos lá..Vou usar cores diferentes para responder e provocar mais os debates. Todos e todas estão convidados! Provocações da Renata! “Olho para esta imagem e penso como o professor estaria utilizando a rede social com os alunos sem que estes estejam conectados?” O que entendemos por rede social? Será que as redes sociais são só as da internet? Sobre a rede social na internet, suas dinâmicas podem ser trabalhadas em sala de aula, mesmo sem conexão à internet. Podemos trabalhar as redes como metáforas e desenvolver atividades incríveis. Uma amiga, professora de história, fez em sala de aula um “facebook” com seus alunos sem internet. Os alunos criaram perfis de personagens da Revolução Francesa e trabalharam com troca de mensagens compartilhando envelopes com cartas e os perfis desenhados com material concreto. Obviamente se os alunos estivessem conectados a rede, os resultados seriam outros. Mas a professora não deixou de investir em comunicação e criatividade! Cibercultura é ação comunicacional antes de qualquer coisa! “Como os alunos irão interagir por meio das redes sociais se não estão naquele momento participando do assunto da aula?” Em alguns momentos será que podemos articular os conteúdos do currículo escolar, com os temas da sociedade em geral, utilizando as redes sociais para ampliar e contextualizar o currículo? “Essa aula não renderia mais resultados se fosse realizada em laboratório? Se sim porque esses alunos não estão em laboratório? “ Os laboratórios são sala de aula com computadores e conexão a internet. Mas nem sempre funcionam bem. Muitas vezes contamos com os laboratórios, mas os professores e gestores não utilizam. Obviamente, temos que pensar em múltiplas realidades. Os cotidianos não são os mesmos em todos os lugares. Muitos professores utilizam muito bem os recursos e artefatos culturais de suas escolas. São estas experiências que nos interessam! Mas os laboratórios só tinham sentido antes dos dispositivos móveis. Hoje com os celulares, laptops e tablets podemos acessar a rede, usar outras funções do digital e da rede em qualquer lugar das escolas e das cidades. Se a escola tem dispositivos móveis e Internert sem fio, para que laboratórios de informática? “A escola teria esse suporte? Se não, porquê? Como inserir essas novas formas de comunicação no cotidiano da escola? Como fazer com que esta escola ou direção abra espaço para a utilização das redes sociais em sala de aula?
”
Deixo as respostas para toda turma construir junta! Vamos ao debate pessoal? Muita gente ainda não participou. Aproveitem esta boa oportunidade! [s]Méa Mostrar principal | Editar | Excluir
Fonte: Disponível em: http://docenciaon-line.pro.br/moodle/course/ view.php?id=72
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Essas trocas, mediadas pela linguagem, aproximam docentes e discentes, de forma singular, permitindo que ambos se conheçam, aprendam juntos e se transformem, promovendo contextos e sentidos, de forma colaborativa e democrática (Figura 4). • No planejamento de relações ou sintaxe discursiva Procedimento, por si só, autoral, concretizou-se no processo de criação do desenho didático no ambiente virtual de aprendizagem (AVA) da plataforma Moodle, no qual interagimos, de forma assíncrona com os praticantes, como “mediadoras” das intermediações partilhadas em rede (Figura 5). Criar essa ambiência nos exigiu duas ações distintas: “arquitetar a informação”, e “arquitetar a navegação”, associando as páginas que estabeleceriam a rede de hiperlinks. Na arquitetura da informação, levamos em conta o tema central da disciplina, o “cotidiano escolar”, e reunimos os conteúdos a serem desenvolvidos, por aproximações semânticas (tecnologias digitais, redes educativas, currículos formais e atos de currículo, artefatos culturais, formação docente, estratégias pedagógicas). Na arquitetura da navegação, pensamos o desenho didático, propriamente dito: a relação entre os conteúdos e a hierarquia dessas relações no AVA como um todo; o que incluiu boas-vindas, perfil dos participantes, informes da disciplina, atividades, fóruns, wikis, oficinas, repositórios de textos, fotos, vídeos, e-mail, entre outras seções. E mais: o ambiente precisava conter proposta clara de interação, com conteúdos bem definidos e intimamente relacionados ao tema central; possibilitar ao usuário navegar pelas diferentes páginas, com facilidade; e um cuidado contínuo com a redação dos textos e edição de imagens e sons, de maneira a promover a comunicação entre todos os usuários. Os procedimentos, em referência, demonstram como a 163
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autoria nesses espaços educativos está fundada em sua arquitetura multimídia, da qual depende a unidade e coerência do discurso. Por outro lado, ao navegar pelas informações de modo circular ou constelar, o usuário exercita outra sintaxe não linear. Na escrita virtual, assume a origem do texto e se responsabiliza por aquilo que escreve, dado que, por pressuposto, tem a liberdade de expressão. A ilusão de poder expor suas ideias e não ser regulado por esse dizer, é que o torna autor, até porque há muitos indícios de singularidade nessa escrita. Figura 5 – Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) na plataforma Moodle (Turma 2014.1)
Fonte: Disponível em: http://www.ead.uerj.br/ava/course/view. php?id= 68
• Na produção coletiva de vídeos Como resultado de uma oficina de produção de vídeos de curta duração, marcada pela colaboração participativa e pela dialogicidade, essa prática possibilitou que a aprendizagem se tornasse significativa, na medida em que os prati-
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cantes aprenderam a aprender, a fazer, a conviver e a ser, em todas as fases de produção do vídeo e de textos coletivos, com autorias conscientes, dinâmicas e criativas. No entanto, essa produção não se limitou às filmagens. Considerou, também, as atividades concernentes às fases de (a) pré-produção, que consiste na elaboração do planejamento e projeto do vídeo a ser produzido, envolvendo todas as demais atividades que serão realizadas, desde a concepção da ideia inicial até a filmagem, propriamente dita, como: sinopse – trata-se do resumo geral do que vai ser apresentado no vídeo –; argumento: descrição, sucinta, de como se desenvolverá a ação; roteiro: divisão do vídeo em cenas, com o objetivo de informar, textualmente, ao leitor, o conteúdo do vídeo e storyboard: é a representação das cenas do roteiro sob a forma de desenhos sequenciais, tal qual uma história em quadrinhos; o que facilita a visualização das cenas, pela equipe de produção, antes que sejam gravadas; (b) produção, etapa em que se realizam gravações das cenas. As imagens captadas formam um conjunto de cenas que, reunidas, compõem o vídeo; e (c) pós-produção, etapa final, definida pela edição e organização das tomadas gravadas para composição das cenas e do vídeo como um todo. A título de ilustração, mostramos, a seguir, a fase de pré-produção desse artefato cultural (Tabela 1).
Pré- produção 1. Sinopse: Reconhecimento de que a matemática é uma ciência universal e que serve de suporte e ferramenta (lógico-matemática-filosófica) para outras tantas ciências como as que serão apresentadas. O documentário destaca como a matemática influencia outras áreas do conhecimento humano e científico.
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2. Argumento: A Matemática é uma ciência universal, segundo o matemático e pensador René Descartes. A partir dela é possível, como ferramenta, desenvolver e aprimorar outras ciências tanto em teorias e concepções novas ou existentes quanto em seus cotidianos em geral. 3. Roteiro: • Num 1o momento (introdução e referências históricas) reconhecer através do documentário que a matemática é uma ciência universal e que serve de ferramenta para tantas outras ciências, utilizando-se de referências e dados históricos; • Num 2o momento, destacar em quais pontos as ciências (filosofia - biologia - ed. física) foram e são enriquecidas pela matemática em suas teorias e cotidianos em geral; • Num 3o momento, dividir as tarefas e escolher as cenas e personagens a serem filmados. 4. Layout e desenvolvimento: A montagem deverá ser colaborativa e cada um dos integrantes deve enviar seus vídeos, em duração a ser determinada; apresentar argumento e discurso. Neste documentário, produzido por Marcos Paulo, Marina, e Marcelo e seus alunos, foi postado no Youtube, sob a Licença Creative Commons. Nele, para destacar a importância da Matemática para outras áreas do conhecimento, os praticantes recorrem a estudiosos, como René Descartes e Évariste Galois, para fortalecerem seus argumentos. Em seguida, em depoimento de Marcelo - professor de artes marciais em uma academia particular, estabelecem a relação dessa disciplina com a Educação Física. Finalmente, com a colaboração de seus alunos, Marcelo faz uma demonstração prática desse uso em suas aulas (Figura 6).
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Figura 6 - Documentário e QR Code sobre a importância da Matemática
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=4ddUsYboKVw
Conclusão Os resultados apresentados permitem concluir que, no contexto contemporâneo e, em especial, no meio digital, a noção de autor foi implodida, dando lugar às criações colaborativas em rede. Isso trouxe implicações para a demarcação das fronteiras entre “o que é nosso” e “o que pertence ao Outro”. Agora, a interação agrega esses estilhaços e possibilita que autorias coletivas emerjam. Nesse sentido, é preciso compreender que, em tempos de cibercultura, dividir é necessariamente multiplicar; é apropriar-se de um olhar múltiplo sobre a cultura de criação e compartilhamento de conteúdos, gerando novos protagonistas, percursos e linguagens. Desse modo, somos todos autores em potencial, na medida em que ancoramos nossos dizeres em nossas memórias e nos dizeres alheios, assumindo uma posição responsiva e responsável pelo que expressamos; não nos limitamos, portanto, a reproduzir, linearmente, ideias e pensamentos já vistos e aprendidos. Autoria pressupõe, 167
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portanto, recriar, lançar um novo olhar sobre o objeto do conhecimento, atualizando-o. Ao mobilizarmos habilidades narrativas nesses espaçostempos em que saberes e componentes, como imaginação, memórias, projetos, representações e significados se misturam, e apoiados por dispositivos diversos, criamos a ambiência favorável à emersão de autorias docentesdiscentes, na reprodução textual, no planejamento da sintaxe discursiva, na produção coletiva de vídeos, na transposição de gêneros do discurso e em recursos argumentativos e linguísticos, contribuindo para a formação de alunos capazes de refletir e transformar a sociedade que os cerca, estimulando o poder de criação de cada um deles, além dos nossos.
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Edméa Santos | Mirian Maia do Amaral
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Notas 1 Professora do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); líder do Grupo de Pesquisa Docência e Cibercultura (GPDOC). E-mail: edmeabaiana@gmail.com. Site: www.docenciaonline.pro.br 2 Professora do Programa MBA da Fundação Getulio Vargas (FGV-RJ); doutora em Educação pela Universidade Estácio de Sá (UNESA); membro do Grupo de Pesquisa Docência e Cibercultura (GPDOC). E-mail: amaral3378@gmail.com. Site: www.docenciaon-line.pro.br 3 “É um complexo funcional que permite ao ego apresentar-se e adaptarse a situações externas ligadas à convivência. Somos, ao mesmo tempo, seres individuais e coletivos, pois temos uma natureza singular como também temos atitudes que nos confundem com a coletividade” (NOVAES, 2005, p. 253).
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Introdução
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m tempos de convergência e participação, professores e alunos são desafiados a vivenciar processos de ensino-aprendizagem que instigam a colaboração, inovação, o compartilhamento e a coletividade. Nesse cenário, os docentes precisam estar preparados para trabalhar com as tecnologias digitais de rede e lidar com as transformações sociais e atitudinais que estas imprimem à dinâmica escolar. Ao se apropriar dessas tecnologias, podem vir a encontrar importantes aliadas, em suas práticas pedagógicas, além de obter condições de aprendizagem significativas e do exercício da criatividade. As tecnologias digitais encontram-se em constante transformação, não somente com relação ao hardware – que, em pouco tempo, evoluiu de forma significativa – mas, também, pela concepção de conectividade e mobilidade, características que hoje marcam a revolução tecnológica e a cultura da convergência. Essa transformação ocasionada pela convergência midiática influencia todos os setores sociais, inclusive as práticas educativas e os agentes envolvidos nesses processos. Jenkins 171
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(2009, p. 257) considera que “a escola ainda está presa num modelo de aprendizagem autônoma que contrasta nitidamente com a aprendizagem necessária aos estudantes à medida que eles entram nas novas culturas do conhecimento”. Ao pensar nos métodos de educação tradicional, considera-se que realmente pouco contribuem para o exercício da coletividade, da participação e do compartilhamento, necessidades inerentes à convergência midiática. O autor argumenta: Até agora, nossas escolas ainda se concentram em gerar aprendizes autônomos; buscar informação com outras pessoas ainda é classificado como “cola”. No entanto, na vida adulta, estamos dependendo cada vez mais dos outros para nos fornecer informações que não conseguimos processar sozinhos. Nosso local de trabalho tornouse mais cooperativo; nosso processo político tornou-se mais descentralizado; estamos vivendo cada vez mais no interior de culturas baseadas na inteligência coletiva. (JENKINS, 2009, p. 184).
Por mais que conheçamos algumas escolas com projetos que diferem das colocações do autor, a realidade ainda aponta que o formato tradicional de educação prevalece nos espaços escolares. Isso pode ser presumido por vários fatores, entre eles, a própria disposição física das salas e carteiras; a prática pedagógica transmissiva de alguns professores; o engessamento da grade curricular; o fracionamento das aulas em períodos; além dos sistemas de avaliação fragmentados e descontextualizados. Os autores Palfrey e Gasser (2011, p. 268-269) corroboram com essa perspectiva trazida por Jenkins: Para as escolas se adaptarem aos hábitos dos nativos digitais e à maneira como eles estão processando informações, os educadores precisam aceitar que a 172
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maneira de aprender está mudando rapidamente. Antes de responder a perguntas sobre com que precisão usar as tecnologias nas escolas, é importante entender as mudanças. Para isso, é necessário expandir a estrutura para toda a aprendizagem, não apenas para o tipo que acontece na sala de aula.
As crianças chegam à sala de aula com uma vivência tecnológica muitas vezes além das experimentadas por seus professores. Computadores, smartphones e tablets fazem parte do seu contexto diário e elas não têm medo de conhecer um novo aplicativo ou software, elas simplesmente o fazem. Participam de redes sociais, acessam sites, blogs, constroem textos e participam de comunidades virtuais, colaborando com seu grupo, enfim, são comprometidas com causas muitas vezes ignoradas e temidas pelos próprios docentes. Com base nisso, questiona-se: Que transformações essas questões provocam nas práticas educativas? Como potencializar processos educativos considerando esse contexto comunicacional e dialógico vivenciado por crianças e jovens? Os professores estão sendo formados para atuar nesse cenário? Os docentes, mais do que reconhecer o potencial educativo dessas tecnologias, terão que fomentar espaços de aprendizagem para que as crianças vivenciem as habilidades consideradas basilares para o exercício dos seus direitos na cultura emergente. Entende-se que essas ações não podem mais ficar longe da escola e dissociadas da formação inicial docente. A formação inicial de professores precisa assegurar a reflexão sobre o contexto social contemporâneo, assim como a vivência de processos de aprendizagem condizentes com esse espaço e tempo em que se vive. Preparar um docente para atuar na presença das tecnologias e com as tecnologias é uma necessidade imperativa da nossa sociedade, discussão sobre a qual nos inclinamos, neste trabalho. 173
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Formação Inicial de Educadores no Contexto Social Contemporâneo Em função das características próprias da sociedade contemporânea, como a convergência tecnológica e a cultura participativa delineada por Jenkins (2009), educar, nessa era digital, é educar para as mudanças e transformações. De acordo com Silva (2011, p. 33), “o exercício da profissão docente assume, na atualidade, toda a pressão das transformações do mundo social”. Ao professor, é atribuída a necessidade de integrar-se e responder às demandas da sociedade contemporânea, e “a solidariedade e a convergência entre [...] a classe, a escola e o contexto social são, assim, fatores muito importantes para o trabalho docente” (TARDIF; LESSARD, 2012, p. 65). Tardif e Lessard (2012, p. 8-9) entendem que a docência é compreendida como uma forma particular de trabalho sobre o humano, ou seja, uma atividade em que o trabalhador se dedica ao seu “objeto” de trabalho, que é justamente um outro ser humano, no modo fundamental da interação humana. Podemos chamar de interativo esse trabalho sobre e com outrem. (Grifos dos autores).
Para os autores, “ensinar é trabalhar com seres humanos, sobre seres humanos, para seres humanos” (TARDIF; LESSARD, 2012, p. 31). A docência é um tema que move nosso fazer científico e o acadêmico, pois refletir sobre a profissão docente é pensar a formação de crianças e jovens, a vida pulsante da escola, o futuro. Por trabalhar com seres humanos, sobre seres humanos e para seres humanos, “ao contrário de outros profissionais, o trabalho do docente depende da ‘colaboração’ do aluno [...]. Ninguém ensina a quem não quer aprender” (NÓVOA, 2011, p. 229). Em outras palavras, docência é uma profissão interativa, dependente da troca entre sujeitos, alunos, colegas, família. 174
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Ora, a escolarização repousa basicamente sobre interações cotidianas entre os professores e os alunos. Sem essas interações a escola não é nada mais que uma imensa concha vazia. Mas essas interações não acontecem de qualquer forma: ao contrário, elas formam raízes e se estruturam no âmbito do processo de trabalho escolar e, principalmente, do trabalho dos professores sobre e com os alunos. (TARDIF; LESSARD, 2012, p. 23).
A docência exige uma sensibilização sobre o outro, principalmente considerando as complexidades que envolvem os sujeitos do processo educativo. Ser professor é trabalhar com subjetividade, diversidade, histórias, classes, diferenças que são ubíquas a toda e qualquer prática pedagógica desenvolvida pelo educador. As atividades docentes são planejadas e definidas de acordo com designações didáticas, metodológicas e epistemológicas, ou seja, não é uma atuação simples e natural (MARCON; HAHN, 2014). Ensinar, de certa maneira, é sempre fazer algo diferente daquilo que estava previsto pelos regulamentos, pelo programa, pelo planejamento, pela lição, etc. Enfim, é agir dentro de um ambiente complexo e, por isso, impossível de controlar inteiramente, pois, simultaneamente, são várias as coisas que se produzem em diferentes níveis de realidade: físico, biológico, psicológico, simbólico, individual, social, etc. (TARDIF; LESSARD, 2012, p. 43).
O trabalho docente acontece em um contexto heterogêneo e multifacetado, que não pode ser controlado, por mais planejado e organizado que seja. A escola é um local de encontro, ensino, aprendizagem e descobertas entre sujeitos atuantes, produtores de conhecimento, cultura e história. Em meio a tanta complexidade e conflito, entende Dutercq 175
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(2011, p. 170) que “para bem avaliar os motivos das incompreensões e dos enfrentamentos que aparecem entre alunos e professores, é preciso investigar as próprias modalidades da aprendizagem no seio das classes”. Na percepção do autor, é preciso “[...] ressaltar a interação essencial [...], entre mundos de fora e mundo de dentro” (DUTERCQ, 2011, p. 170). O que se percebe é que, muitas vezes, os processos educativos escolares não atendem às expectativas de crianças e jovens, que em casa, na rua e na cidade estão acostumados com um mundo de linguagens, comunicação, coletividade, enquanto a sala de aula ainda é um espaço individual de aprendizado de conteúdos até mesmo descontextualizados dessas realidades. Compreendemos, assim como Hopkins (apud HARGREAVES, 2004, p. 14), que “existe uma inadequação fundamental entre o que sabemos que estimula o interesse dos jovens e a forma como ensinamos”. Ao reconhecermos isso, “se não inflamarmos a imaginação dos jovens e lhes proporcionarmos alegria de aprender, não apenas deixaremos de elevar os padrões de desempenho como também estaremos violando os objetivos da educação”. Assim como ressaltou Dutercq (2011), é preciso estabelecer relações entre o interior da escola (práticas pedagógicas, atuação docente, gestão) com o mundo externo (brincadeiras, linguagens, comunicação, jogos, mídias). O modelo de escola secular não dá mais conta das demandas dessas crianças e jovens proativos. As pesquisas de Tardif e Lessard corroboram essa reflexão: [...] Num estudo notável sobre a evolução do ensino de 1890 a 1990 os Estados Unidos, Larry Cuban (1993), historiador americano da educação, mostrou que a grande maioria dos professores ensinam hoje mais ou menos como seus predecessores faziam há um século. [...] Para certos pesquisadores da educação (HARGREAVES, 176
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1994), o sistema escolar parece um verdadeiro dinossauro. Erigido na época da sociedade industrial moderna, continua o seu caminho como se nada estivesse acontecendo e parece ter muita dificuldade em integrar as mudanças em curso. Em resumo, mostra-se como uma estrutura congelada uma vez por todas, uma organização fossilizada (TARDIF; LESSARD, 2011, p. 12).
Por mais que se avance no tempo e no desenvolvimento de tecnologias, ainda nos deparamos com práticas pedagógicas escolares que continuam reproduzindo um ensino centrado no papel do professor, em que período após período o aluno precisa copiar, resolver, entregar. Esse formato de educação não desenvolve competências essenciais para a vida em sociedade, que hoje exige autonomia, colaboração, participação. Charlot (2005, p. 66) elucida essa questão: Muitas vezes encontramos adolescentes que dizem: “a escola é sempre a mesma coisa, é sempre igual, não se aprende nada, se fala sempre a mesma coisa”. Eles estão reclamando porque não existe uma aventura intelectual. Quando se entra na escola de manhã, já se sabe tudo o que vai acontecer naquele dia. É chato! É aborrecido!
Na mesma perspectiva, acreditam Tardif e Lessard (2012, p. 67-68) que “os alunos vão à escola porque são obrigados: uma das tarefas mais difíceis e constantes dos docentes é transformar essa obrigação social em interesse subjetivo”. Como conduzir práticas pedagógicas que motivem e despertem o desejo e interesse dos estudantes? Como estabelecer relações entre o mundo de fora e o mundo de dentro da escola? Para Charlot (2005, p. 23), a problemática da questão pedagógica é muito simples:
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Esse aluno estudou ou não estudou? Se ele não estudou, é claro que ele não vai saber. De imediato, vem outra questão: Por que ele vai estudar, por que ele vai ter o desejo de estudar? Seguem-se outras questões: Que sentido ele vê em ir à escola? Qual o sentido de ter de estudar? E, depois, evidentemente, a outra questão: é suficiente estudar para ser bem-sucedido? Para ser bemsucedido tem de estudar/trabalhar?
O processo de aprendizagem não acontece dissociado do desejo. Ele é singular porque é inerente ao sujeito, às suas perspectivas, necessidades, curiosidades, aspirações. Em uma sala de aula multifacetada e repleta de paradoxos, o papel do professor é o de mediador das diferentes volições com os objetos de aprendizagem. Charlot (2005, p. 54) classifica esse processo de mobilização como: “preferimos falar de mobilização, e não de motivação. A ideia de motivação remete a uma ação exterior: procura-se alguma coisa que motive o aluno. A ideia de mobilização remete a uma dinâmica interna, à ideia de motor (portanto, de desejo): é o aluno que se mobiliza”. Quanto mais mobilização em busca de um conhecimento, melhor o resultado no processo de aprendizagem. Charlot (2005, p. 45) ainda explica como compreende o processo de construção do conhecimento: [...] É o sujeito que aprende (ninguém pode fazê-lo em seu lugar), mas ele só pode aprender pela mediação do outro (frente a frente ou indiretamente) e participando de uma atividade. Essa atividade e objetivo sobre a qual ela diz respeito, apresentam especificidades que devem ser levadas em conta para compreender a relação com o saber e ainda mais para compreender as relações com os saberes.
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Tardif e Lessard (2012, p. 67) compartilham da mesma opinião: Se é verdade que se pode manter fisicamente alunos dentro de salas de aula, não se pode obrigá-los a aprender porque o aprendizado necessita de sua colaboração e participação. Ninguém pode forçar alguém a aprender (embora se possa forçá-lo a fazer de conta que aprende ou submetê-lo aos símbolos exteriores da aprendizagem).
É possível perceber a importância do professor nesse processo de construção do conhecimento pela criança, como um mediador que promove estratégias didáticas que vão impulsionar a mobilização do sujeito. Os processos de ensino-aprendizagem precisam potencializar essas mobilizações internas, entretanto, para isso, é preciso entender que os sujeitos possuem estilos de aprendizagem diferentes. Assim, “[...] reconhecer a necessidade de adaptar o ensino à criança, e não o inverso, obrigará a uma reorientação decisiva da escola [...]” (ORDOÑEZ, 2005, p. 157). Salvo em modelos pedagógicos isolados, é visível essa desarticulação da escola com a experiência, cultura e vivência de crianças e jovens. Karsenti (2011, p. 181) corrobora com essa percepção: “as novas gerações, ao contrário das antigas, têm assim expectativas e necessidades novas, que parecem especialmente presentes nos meios do ensino [...]”. Mais do que preparar o sujeito para o vestibular ou para o mercado de trabalho, é preciso preparar o estudante para uma sociedade convergente, complexa, conectada, ou, como propõe Charlot (2005), uma sociedade do saber. No entendimento do autor, é imperativo educar o aluno para “viver em ‘uma sociedade do saber’, que supõe o domínio das novas tecnologias de informação e da comunicação. Esse domínio é socialmente importante e essas 179
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tecnologias são instrumentos preciosos para se ter acesso a um patrimônio de informações ampliado [...]” (CHARLOT, 2005, p. 85). Papadopoulos (2005, p. 21) também partilha da mesma percepção: Essa superabundância de informações nas sociedades modernas, nas quais as mídias são onipresentes, coloca novos problemas para a escola, que não é mais a principal fonte de informação. Ela teria de aprender a destacar o interesse pedagógico desse novo ambiente e ajudar os alunos a terem discernimento diante da massa de informações que recebem todos os dias.
Entende-se que não há mais como optar por um mundo tecnológico, ou não, isso já é uma realidade compulsória na sociedade contemporânea. A escola assume papel fundamental nessa conjuntura, pois, assim como aponta o autor, é uma instituição corresponsável, que deve auxiliar crianças e jovens a terem uma leitura crítica desse universo informacional que vivenciam. A percepção de Tedesco (2005, p. 60) legitima os apontamentos de Charlot (2005) e Papadopoulos (2005): [...] As modificações tecnológicas estruturais nos locais de trabalho, assim como a ampliação da democracia política, exigem do cidadão um comportamento fundado no desenvolvimento de certas capacidades que os sistemas educacionais tradicionais não vinculam de maneira sistemática: domínio dos códigos de circulação da informação, capacidade de tratar essa última, de resolver os problemas, de trabalhar em equipe, de expressar necessidades.
Superados os desafios iniciais de acesso às tecnologias nas escolas, urgem mudanças nos paradigmas educacionais, 180
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que muitas vezes encontram-se aquém das transformações sociais procedentes da cibercultura. Na concepção de Silva (2011), os alunos cotidianamente interagem com produtos elaborados pela ciência, arte e as tecnologias, e a partir dessa inter-relação estabelecem e reinterpretam os significados desses produtos; fazem análises, construção e reconstrução do pensamento, além de uma reflexão crítica e a intervenção no mundo em que estão inseridos. A autora entende que não adianta integrar as tecnologias digitais na escola “[...] se o uso destas ferramentas nas práticas pedagógicas for para produzir uma educação e um currículo descontextualizado da realidade social dos alunos e dos sentidos e das transformações que a escola necessita criar coletivamente” (SILVA, 2011, p. 56). Não tem mais sentido uma educação dissociada desse cenário social. A inserção das tecnologias no âmbito educativo precisa compor uma prática pedagógica aberta, flexível e que estimule a apropriação participativa e produtiva desses recursos. Hargreaves (2004, p. 39) constata que [...] os computadores tem sido geralmente instalados não nas salas de aula, mas em laboratórios de informática separados. Por quê? Porque dessa forma, a gramática tradicional do ensino escolar, como seu sujeito único, professor único, sistema de aula única, permanece intacta. A utilização de computadores por alunos é limitada a sessões especiais durante a semana, em que determinadas turmas são agendadas conjuntamente no laboratório de informática, e as tarefas, desenvolvidas individualmente pelos alunos, após a escola, em seu próprio tempo. No resto do tempo, o ensino e a aprendizagem continua da forma que têm sido durante décadas. O computador ausente, trancado em segurança em seu laboratório, não lhes coloca qualquer desafio.
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A presença desses recursos em sala de aula rompe com o modelo educacional tradicional vigente, no qual, muitas vezes, o potencial criativo dos alunos fica limitado e condicionado às propostas do professor, o nó central do processo de ensino-aprendizagem. Há que se pensar em uma mudança não só nas ações dos professores, mas da concepção de ensino secular que abarca nossas instituições de ensino. Entendemos, assim como Hargreaves (2004, p. 40), que “novas abordagens à aprendizagem demandam novas abordagens ao ensino” (2004, p. 40). Se essas questões provocam mudanças estruturais na forma como pensamos e agimos em sociedade, seguramente suscitam transformações nos espaços educativos. Assim como pensa Hancock (2005, p. 227), entendemos que as tecnologias em si não são soluções milagrosas, mas devem ser utilizadas “[...] no contexto de um sistema de multimídias, em ligação com as abordagens e as infraestruturas tradicionais e não como um elemento tradicional e espetacular [...]”. As tecnologias não substituem a interação e mediação docente, força motriz dos processos de ensino-aprendizagem. Entretanto, essas práticas precisam ser repensadas e ressignificadas. Tardif e Lessard (2011, p. 8) apontam uma evolução geral no ensino, que responde, manifestamente, [...] às transformações da própria sociedade, pois esta se tornou mais complexa em todos os pontos de vista, de cinquenta anos até hoje. Ela exige das novas gerações uma formação cada vez mais longa, tanto no plano das normas que regem a organização da vida social quanto o exercício da cidadania, quanto no plano dos saberes e competências necessários para a renovação das funções socioeconômicas.
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Essas perspectivas associam-se igualmente à formação inicial de educadores, que precisa oportunizar a esses estudantes o desenvolvimento de saberes e competências intrínsecos ao momento contemporâneo. Sob o efeito das tecnologias da informação e da comunicação, as bases tecnopedagógicas do ensino começam a se transformar. Durante muito tempo considerado como ofício da palavra, sob a autoridade do escrito e do livro, o ensino passou por cima da falsa revolução audiovisual sem ser afetado por ela de modo duradouro, mas tudo leva a crer que as tecnologias da comunicação terão um impacto muito mais profundo e permanente, pois elas podem realmente modificar em profundidade as formas da comunicação pedagógica, assim como os modos de ensino e de aprendizagem em uso nas escolas há quatro séculos. Elas também podem transformar – o que é completamente novo em relação à pseudo-revolução audiovisual – a própria organização do ensino e do trabalho docente. Em diferentes países tentam-se atualmente experiências de ensino que não são mais baseadas na copresença dos professores e dos alunos no seio de classes tradicionais. Atualmente é difícil vislumbrar exatamente as formas e a amplitude que tomarão, num futuro próximo, essas experiências. Mas, desde já, pode-se formular a hipótese plausível de que elas vão ocupar um lugar cada vez mais importante. (TARDIF; LESSARD, 2011, p. 11).
A formação inicial de professores não pode e não tem mais como deixar as tecnologias afastadas do currículo, como se fossem recursos extraclasses. O professor precisa estar preparado para trabalhar na presença das tecnologias e, principalmente, com as tecnologias. Os apontamentos trazidos por Tardif e Lessard questionam justamente as 183
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decorrências da inerência desses recursos na formação de professores e, para os autores, essa dinâmica pode impactar, transformar e desempenhar função importante no trabalho docente. A percepção de Karsenti (2011, p. 182) é equivalente às nossas colocações: Postulamos assim que as novas tecnologias não podem mais ser consideradas, como eram até agora, como aperfeiçoamentos extrínsecos e instrumentais, cursos destacados da prática profissional diária. Pelo contrário, afirmamos que elas são capazes de trazer uma mudança profunda à formação no meio prático, assim como no futuro perfil de prática dos docentes em formação.
Os autores Tardif e Lessard (2011, p. 20-21) refletem sobre o posicionamento de Karsenti: [...] Depois de definir certos conceitos fundamentais (motivação, atitude, prática pedagógica, etc.), insiste na ideia de que a integração das TIC exige, por parte dos futuros professores, uma modificação da relação com o saber e acarreta uma maior inflexão no plano das práticas pedagógicas. Essa ideia o leva a criticar visões estritamente instrumentalistas das relações entre as TIC e a formação dos professores, em que as TIC são consideradas como ferramentas técnicas e supletivas, que deveriam ser objeto de uma aprendizagem especializada por parte dos futuros professores. Ao contrário dessas visões, Karsenti defende uma integração sistemática e vivida das TIC em todos os cursos de formação para o ensino, pois, segundo ele, a aprendizagem das TIC passa pela aquisição de competências transversais que englobam a totalidade da formação. Nesse percurso, ele situa o futuro professor no centro da aprendizagem das 184
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TIC, levando em conta, ao mesmo tempo, o contexto que lhe permite construir a sua própria competência.
Assim como Karsenti (2011), compreendemos que essa integração das tecnologias precisa ser sistemática e experienciada na formação desses docentes. Sobre essa questão, Souza (2011) atenta para o fato de que, buscando superar a lacuna da integração das tecnologias na formação inicial de professores, o Conselho Nacional de Educação publicou o Parecer CNE/CP 09/2001, determinando que seja integrado, na organização curricular de cursos de formação de docentes, o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e de metodologias, estratégias e materiais de apoio inovadores. Apesar disso, salienta o autor, os estudos na área têm demonstrado que os cursos direcionados para a formação de professores ainda não trazem em sua essência a preocupação com esse imbricamento das tecnologias em suas composições, ficando reduzidas a disciplinas isoladas e com cargas horárias limitadas (SOUZA, 2011, p. 16). Para fomentar esses aspectos em sala de aula, o professor precisa estar preparado e, nesse sentido, a formação inicial assume papel importante na trajetória pedagógica desses estudantes, pois acreditamos, assim como Bélanger (2005, p. 193), que “[...] quanto mais as pessoas se formam, mais tendem a prosseguir na formação. Cria-se então uma espiral: a participação na educação dos adultos é fortemente influenciada pela qualidade e pela intensidade da formação inicial”. Isto é, a qualidade dos cursos de licenciatura desempenha papel fundamental na constituição de adultos que continuarão se aperfeiçoando, mesmo após a conclusão do seu curso, característica importante, que deve ser preconizada em uma sociedade da informação, dos saberes ou do conhecimento. Para Hargreaves (2004, p. 71), os professores precisam estar preparados para desenvolver “não somente o capital 185
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intelectual de seus alunos, mas também seu capital social, ou seja, a capacidade de estabelecer redes, forjar relacionamentos e contribuir fazendo uso dos recursos humanos da comunidade e da sociedade como um todo”. Por isso, o autor enfatiza a formação docente, ao doutrinar que “o desenvolvimento profissional de alta qualidade para professores é indispensável à geração de mudanças profundas e duradouras na aquisição dos alunos” (HARGREAVES, 2004, p. 172). Hargreaves (2004, p. 44) ainda entende que “[...] os professores da sociedade do conhecimento devem desenvolver e ser ajudados a desenvolver as capacidades de correr riscos, lidar com a mudança e desenvolver investigações quando novas demandas e problemas diferentes os confrontarem repetidamente”. Assim como pensa o autor, em uma sociedade do conhecimento, da aprendizagem, das mudanças, o professor precisa assumir riscos ao buscar a inovação em sua prática pedagógica. Precisam ser criativos e flexíveis para trabalhar com a incerteza. Entretanto, como aponta o autor, Não existe criatividade sem risco – o risco de experimentar uma nova ideia, testar uma prática desconhecida, estar preparado para errar ou parecer bobo ao tentar algo novo, aceitar os reveses como algo passageiro, ter capacidade de resposta em vez de uma sensibilidade exagerada à avaliação crítica, trabalhar conjuntamente e buscar o aconselhamento de colegas com visões diferentes, bem como daqueles que compartilham de suas próprias convicções, e assim por diante. Se quisermos estimular os alunos a ter disposição para correr riscos, os professores também devem tê-la. (HARGREAVES, 2004, p. 44).
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Nenhum profissional sente-se confortável na incerteza e com os riscos, porém, educar para a era digital, implica a vivência desses processos, a busca pela superação dos seus limites e receios. A experiência docente é adquirida após inúmeras tentativas e erros, mas, quando os professores compartilham seus resultados e auxiliam-se mutuamente, podem vir a encontrar alternativas conjuntas para atingir objetivos comuns. Nossa prosperidade futura depende de nossa inventividade, nossa capacidade de aproveitar e desenvolver nossa inteligência coletiva para os atributos centrais da economia do conhecimento, isto é, a inventividade, a criatividade, a solução de problemas, a cooperação, a flexibilidade, a capacidade de desenvolver redes e de lidar com a mudança, e o compromisso com a aprendizagem para toda a vida. (HARGREAVES, 2004, p. 215).
As tecnologias digitais de rede e a Web 2.0 potencializam essa dinâmica intrínseca aos movimentos da rede, como a interatividade, coletividade e cooperação, e é nesse sentido que, além de fomentar processos de ensino-aprendizagem, considerando o contexto social contemporâneo, é preciso reconhecer o papel desempenhado pelas tecnologias digitais de rede nesse cenário, bem como o inerente potencial pedagógico. Lepeltak e Verlinden (2005, p. 216) destacam que Diversas pesquisas mostraram que os professores desempenhavam um papel decisivo na aplicação de novas tecnologias. Esse papel é determinado, em larga medida, pela organização da escola, pela concepção que os professores têm do ensino e dos métodos de ensino, por seu conhecimento da tecnologia da informação e de suas aplicações pedagógicas, pela disponibilidade do 187
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hardware de informática e de softwares, pelas vantagens que a aplicação das novas tecnologias permitiu obter.
Para conseguir lidar com a integração das tecnologias digitais de rede nas práticas pedagógicas e trabalhar na perspectiva da inclusão digital com os estudantes, primeiramente, o professor deve ter fluência tecnológica. Entretanto, por mais que seja atribuída ao professor a responsabilidade na promoção de processos de inclusão digital dos estudantes, é preciso considerar outras questões, que se referem principalmente ao posicionamento da gestão escolar e à disponibilização dos recursos tecnológicos nas escolas. Lepeltak e Verlinden (2005, p. 218) ressaltam esses desafios impostos à docência: Os professores podem ver nisso um enorme desafio ou, ao contrário, uma nova fonte de grandes frustrações, sobretudo quando lhe pedem que faça coisas impossíveis na conjuntura atual (conhecimento insuficiente das tecnologias da informação, organização escolar rígida, falta de equipamento, integração insuficiente dessas tecnologias no programa de estudos, poucas perspectivas de progresso ou de especialização, etc.). Em outras palavras, toda pressão resultante da inadequação entre a demanda da sociedade e dos alunos e a oferta de ensino recai sobre o professor.
O professor desempenha, sim, papel fundamental, entretanto não pode ser considerado o único responsável pelas inadequações sobre as quais já arguimos. Em nossa opinião, o docente é o agente central, porém trata-se de um processo muito complexo, que precisa ser considerado em sua totalidade, e não fragmentado e descontextualizado. Por fim, sabemos que o trabalho docente
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[...] representa uma atividade profissional complexa e de alto nível, que exige conhecimentos e competências em vários campos: cultura geral e conhecimentos disciplinares, psicopedagogia e didática, conhecimento dos alunos, de seu ambiente familiar e sociocultural; conhecimento das dificuldades de aprendizagem, do sistema escolar e de suas finalidades; conhecimento das diversas matérias do programa, das novas tecnologias da comunicação e da informação; habilidade na gestão de classe e nas relações humanas, etc. (TARDIF; LESSARD, 2011, p. 9).
Há como ser criativo, inventivo e inovador. É possível ser um docente flexível e preparado para a mudança e para a solução de problemas. Porém, insistimos: não podemos exigir do professor algo que por ele não foi vivenciado, que foi teoria e nunca sua prática. Se queremos professores criativos, é preciso estimular sua criatividade. Se almejamos professores pesquisadores, devemos investir na pesquisa. Se aspiramos ter professores conectados, on-line e ativos na cibercultura, necessitamos investir em formações que estimulem a vivência das características inerentes da rede.
Algumas Considerações Como verificado nas palavras de Tardif e Lessard (2011), a apropriação dos recursos tecnológicos digitais é apenas uma das tantas dimensões que precisam ser incorporadas na formação de educadores. Destarte, para que os docentes em formação tenham apropriação social das tecnologias e que efetivamente vivenciem as características da rede, é preciso pensar em processos de ensino-aprendizagem que promovam interação, colaboração, autonomia, envolvimento e participação do sujeito nos ambientes de ensino. Em nosso raciocínio, propor um curso nessas dimensões requer pensar em inclusão digital. 189
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Nesse sentido, destacamos nossa posição quanto à necessidade de pressupor práticas de inclusão digital na formação inicial de educadores. Essas formações devem primar pela vivência dos atributos intrínsecos à rede, cultura da convergência e cultura da participação: interatividade, cooperação e inteligência coletiva. Para que isso aconteça, é imprescindível a existência de uma concepção de inclusão digital nas formações iniciais, para possibilitar aos docentes o exercício do diálogo e a apropriação tecnológica que lhes permita o traquejo com as novas tecnologias e, principalmente, o reconhecimento do potencial pedagógico que carregam. Considerando as contribuições de Jenkins (2009, p. 52), pensamos que é preciso superar a simples busca do acesso do sujeito às tecnologias, pois “enquanto o foco permanecer no acesso, a reforma permanecerá concentrada nas tecnologias; assim que começarmos a falar em participação, a ênfase se deslocará para os protocolos e práticas culturais”. Mais importante do que proporcionar o ingresso do sujeito no mundo tecnológico, o que está em pauta é a construção de novas formas de pensamento, conhecimento e cultura.
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o século XXI. Porto Alegre: Artmed, 2005. p. 222-238. HARGREAVES, Andy. O ensino na sociedade do conhecimento: educação na era da insegurança. Porto Alegre: Artmed, 2004. JENKINS, Henry. Cultura da convergência. Tradução de Susana Alexandria. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2009. KARSENTI, Thierry. Impacto das TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação) sobre a atitude, a motivação e a mudança nas práticas pedagógicas dos futuros professores. In: TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O ofício de professor: história, perspectivas e desafios internacionais. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. pp. 181-199. LEPELTAK, Jan; VERLINDEN, Claire. Ensinar na era da informação: problemas e novas perspectivas. In: DELORS, Jacques. Educação para o século XXI. Porto Alegre: Artmed, 2005. p. 206-221. MARCON, Karina; HAHN, Raquel U. A formação de professores em contextos educativos on-line. Revista Educação, Cultura e Sociedade, v. 4, p. 8-19, Sinop/MT: Unemat, 2014. NÓVOA, António. Os professores e o “novo” espaço público da educação. In: TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O ofício de professor: história, perspectivas e desafios internacionais. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. pp. 217-233. ORDOÑEZ, Victor M. A educação fundamental no século XXI. In: DELORS, Jacques. Educação para o século XXI. Porto Alegre: Artmed, 2005. p. 155-159. PALFREY, John; GASSER, Urs. Nascidos na era digital: entendendo a primeira geração de nativos digitais. Porto Alegre: Artmed, 2011. SILVA, Albina Pereira de Pinho. Práticas de formação continuada vivenciadas no contexto da implantação da modalidade “um computador por aluno” nas narrativas de professores. 2011. Projeto de Tese (Doutorado em Educação)- Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011. SOUZA, Joseilda Sampaio de. Cultura digital e formação de professores: articulação entre os projetos Irecê e tabuleiro digital. Dissertação (Mestrado em Educação); Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011. Disponível em: <http://www.uece.br/ppge/images/dissertacoes/
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turma2010/disser tacao_dennys.pdf>. Acesso em: 15 set. 2012. TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. Introdução. In: ______. O ofício de professor: história, perspectivas e desafios internacionais. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. pp 7-22. ______. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. 7. ed. Petropólis: Vozes, 2012. TEDESCO, Juan Carlos. Tendências atuais das reformas educacionais. In: DELORS, Jacques. Educação para o século XXI. Porto Alegre: Artmed, 2005. p. 59-65.
Notas Professora do Centro de Educação a Distância da Universidade do Estado de Santa Catarina (Cead-Udesc). Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail karina.marcon@ udesc.br 1
2 Professora do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEDU-UFRGS). E-mail: marie. jane@ufrgs.br
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Ensino de História e Museus no Contexto de Santa Catarina Lucésia Pereira1
Introdução
O
trabalho intitulado Ensino de História e Museus: Um Panorama de Santa Catarina envolveu professorandos(as) de diversas regiões de Santa Catarina2 e consistiu de duas etapas. Na primeira, foi solicitado que, em grupos, e a partir de uma visita prévia, os(as) alunos(as) elaborassem relatório sobre um museu existente na sua cidade, que poderia ser uma instituição oficial ou mantida por particulares, de grande ou pequeno porte.3 Na segunda etapa, deveria ser produzido um texto, respondendo às seguintes questões: Qual a possibilidade de trabalhar a História local a partir do museu escolhido? Qual tema a equipe abordaria e como articularia essa atividade? O desenvolvimento da atividade foi precedido de sugestões de leituras e discussões realizadas por meio de webconferências, mensagens e pelos fóruns do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) da plataforma Moodle. É preciso salientar que Santa Catarina oferece cenário propício a uma pesquisa desse tipo, tendo em vista possuir expressivo número de museus, que, por sua vez, estão distribuídos capilarmente pelas regiões catarinenses4. Esses museus são repositórios de inúmeros vestígios da cultura e memória dos grupos sociais e, como tal, são profícuos à produção de conhecimento histórico:
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Ensino de História e Museus no Contexto de Santa Catarina
Museus ricos e pobres, grandes e pequenos, bons e ruins... sempre são o reflexo da sociedade e sua estruturação. Sua função social mais premente é ser esse espaço de comunicação direta com a comunidade. Esta dinâmica faz do museu um espaço de diversidade sem, no entanto, jogar fora o velho, ou guardá-lo bolorento – mas debruçando-se criticamente sobre ele, fornecendo instrumentos para o diálogo permanente. (LEITE, 2006, p. 2).
Do ponto de vista da formação dos(as) futuros(as) professores (as), a pesquisa procurou enfrentar desafios que recaem sobre a disciplina de História a partir das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008. Embora alvo de polêmicas, que não serão aqui discutidas, no que concerne à disciplina, as referidas leis trouxeram a obrigatoriedade de incluir nos currículos o estudo da História indígena e dos descendentes de africanos. A notada carência de materiais relacionados a esses temas ilustra uma realidade bem pouco inspiradora - o silenciamento a que esses grupos foram relegados em nossa historiografia. Como o ensino de História, nos primeiros anos, é voltado para o estudo da história local, com foco nas organizações populacionais, julgamos propício realizar uma abordagem crítica dos museus catarinenses. O objetivo foi avaliar em que medida as instituições possibilitam tanto a produção de novos conhecimentos, quanto a desconstrução dos discursos, ambos imprescindíveis à mudança do mencionado quadro de exclusão histórica. Com relação à História local, a atividade procurou se alinhar às prerrogativas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que indicam essa abordagem como essencial no ensino de História, nos primeiros anos. Segundo Schmidt (2005) entre as vantagens do estudo da história local, destaca-se que contribui para a criação da própria identidade do aluno, por meio da inserção na comunidade 194
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em que vive. A história local resulta em atitudes investigativas e promove a reflexão sobre a realidade social. Ainda segundo a pesquisadora, o trabalho em contextos menores pode proporcionar adequada compreensão dos sentidos de mudança, continuidade e permanência, além de ser uma perspectiva inclusiva, pois dá vez e voz aos diferentes sujeitos da História. Pelas suas características, a história local estreita o contato dos alunos e professores com o meio social em que vivem e, consequentemente, amplifica a própria noção de escola, que passa a ser compreendida como espaço onde ocorre a relação com o conhecimento. Isso inclui o papel da história na opinião pública e as representações nos meios de comunicação de massa; ela considera as possibilidades e limites das representações históricas visuais em museus e explora diversos campos onde os historiadores equipados com essa visão podem trabalhar. (RUSEN, 2006, p. 6).
A área demanda, portanto, que os professores desenvolvam reflexões sobre a didática da História em espaços não formais, para aprimorar e desenvolver estratégias direcionadas às interações educacionais que acontecem fora da escola. Em termos de relevância, destacamos que a proposta, ao analisar materiais produzidos pelos(as) alunos(as) do curso, possibilita explorar os usos, seus anseios, limites e as expectativas, no que diz respeito à potencialidade do museu como recurso didático/pedagógico no ensino de história para a infância. Trata-se, portanto, de oportunidade rara, pois acessa diretamente uma fonte viva e latente, diferentemente, por exemplo, de análise de currículos, planos de aula, leis educacionais, entre outros.
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Perspectivas teóricas e resultados Os 68 trabalhos analisados neste texto foram enviados em abril de 20145. Embora os dados apontados no Quadro 1 quantifiquem os trabalhos e não propriamente a quantidade de instituições, já que algumas equipes analisaram o mesmo espaço, ainda assim os números ilustram que a maioria das pesquisas aconteceu em museus históricos6. Quadro 1 - Relação dos trabalhos por espaço pesquisado Museu Histórico Museu com coleções ligadas à natureza e/ou história natural Museu de Arte (inclui museus de artistas) Museu Arqueológico/Sambaqui/Parque ambiental Museu temático da produção agrícola e alimentícia Casa de cultura Casa de memória Prédio histórico tombado Igreja Capela Hino municipal Não apresentou
40 4 4 4 2 2 1 2 2 5 1 1
Fonte: Elaboração própria.
Com foco nas histórias locais e no estudo das organizações populacionais, durante o desdobramento da disciplina, debatemos com os alunos os mecanismos de articulação da sociedade brasileira após o advento da República. A expectativa era que na atividade, eles (as) se posicionassem criticamente quanto à ideia ainda predominante de que Santa Catarina é um “pedacinho da Europa no Brasil”. Essa noção circula desde os anos de 1970 e foi se tornando um “posicionamento oficial” das autoridades estaduais quando as políticas para a área da cultura começavam a sofrer influência das questões mercadológicas. Com o objetivo de fomentar o mercado turístico, o discurso de promoção do Estado passou a incorporar os 196
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atrativos culturais das principais regiões, além do já consagrado litoral. Na época, aparece então um novo tom, relativo à composição étnica da região. O discurso anterior de uma única matriz cultural – a açoriana7, foi cedendo lugar a outro que procurava mostrar Santa Catarina como um mosaico de culturas que povoavam em harmonia os seus territórios. Santa Catarina não é somente a faixa litorânea, nem principalmente a capital. O Estado é composto, bem sabemos, das mais variadas regiões geográficas nas quais se estabeleceram considerável quantidade de imigrantes gaúchos, alemães, italianos, portugueses, russos, holandeses e poloneses além de outros formando uma colcha de retalhos culturais estendida sobre uma superfície completamente acidentada e variada. São alemães na planície, no vale e no planalto; italianos em regiões montanhosas e no litoral, por exemplo, colorindo espetacularmente o solo cultural catarinense. (MAIS UM..., 1971, n.p.).
Esse projeto, reforçado pelas administrações seguintes, resultou na valorização das culturas de matriz europeia, gerando uma série de ações comemorativas e investimentos materiais e simbólicos, entre os quais constou o aparecimento de diversos museus históricos e da imigração. Embora alguns desses museus seja fruto de empenho privado, parte deles é ligada e mantida por estruturas públicas municipais, dado que pode ser confirmado pelos relatórios apresentados pelos(as) alunos (as). A despeito das discussões realizadas, nem todos os resultados mostraram visões críticas sobre a composição populacional do estado. Em alguns casos, os alunos mantiveram-se na mera repetição do discurso museal, sobretudo dos históricos. Esse tipo de análise colocou em evidência o papel das etnias europeias, principalmente as alemã, italiana e portu197
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guesa, mantendo a questão dentro dos recortes tradicionais, que, como mencionamos, circulam em Santa Catarina desde a segunda metade do século passado. Nesse sentido, as relações entre ensino de História e acervo reafirmaram uma noção de origem que se localiza na chegada dos colonos europeus ao território. As narrativas provenientes dessa percepção enaltecem valores da população imigrante, como a bravura, perseverança, operosidade e também chamam a atenção para a contribuição cultural, destacando tipologias arquitetônicas, religiosidade, alimentação, entre outros aspectos. [...] faz-se necessário entender como ocorreu o processo de colonização de nossa cidade, e as influências na educação e cultura dos cidadãos de uma cidade. Na Região Oeste de Santa Catarina, há cidades pequenas, mas que possuem uma grande bagagem cultural trazida pelos seus colonizadores, pois a maioria das cidades foi colonizada por imigrantes europeus. Culturas, experiências, fotos, comidas, danças, ferramentas de trabalho, utensílios e até mesmo dificuldades marcam essa etapa vivida por cada colonizador que veio enriquecer a nossa cultura. (Equipe 1).
É importante destacar que a abordagem parece não considerar que a atual configuração geopolítica de Santa Catarina é um fato recente e que a própria região oeste, território ocupado há diversos séculos por grupos indígenas, foi incorporada ao estado somente em 19168. Em outra direção, alguns trabalhos apresentam a organização populacional do estado sob um viés crítico, destacando a diversidade cultural como um caminho alternativo às histórias monoculturais. Tal posicionamento foi observado nos trabalhos desenvolvidos nos museus arqueológicos, no Sambaqui9 e no Parque ambiental (que, por sua vez, possuía uma coleção arqueológica). Os(as) acadêmi198
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cos(as) destacaram que a visita ao museu se constituiu numa oportunidade de vivenciar, discutir, refletir e reconstruir a ideia de povoamento de determinada região. Identificamos, ainda, que, a partir do contato com esses espaços, foram apresentadas pertinentes discussões, cujos(as) alunos(as) partiram do pressuposto de que existiam sociedades organizadas muito antes da chegada dos europeus: [...] sendo o tema escolhido a narrativa histórica dos indígenas como primeiros habitantes de nossa região. Desta forma, buscase possibilitar aos alunos o reconhecimento da cultura indígena como formadora da população catarinense. (Equipe 2).
Os trabalhos nesses museus apontaram a importância da coleta de vestígios, entre os quais os fragmentos dos sambaquis, como evidências dos costumes e modos de vida dos grupos indígenas. Mostrando que esse movimento pode representar um passo no enfrentamento da obscuridade historiográfica, que antes mencionamos, ao mesmo tempo em que sensibiliza para a diversidade cultural. No âmbito escolar deparamos com situações e posturas que expressam uma padronização cultural homogeneizada em detrimento das tradições e culturas indígenas. (Equipe 3).
Além do reconhecimento da cultura indígena, foi mencionado, em um dos trabalhos, que a colonização não causou a extinção dos índios, mas que eles se mantêm vivos e atuantes em várias partes do território. Desconstruindo assim, a concepção linear da história de povoamento e colonização, dando lugar à discussão sobre a presença, hoje, do índio na sociedade, sua influência na língua, cultura, economia e os Movimentos Indígenas que reivindicam políticas de inclusão mais autônomas. (Equipe 4). 199
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A percepção de que os indígenas não fazem parte do momento atual foi, por muito tempo, veiculada pelos livros didáticos, que os mencionavam apenas na pré-história ou na época da “conquista”. Segundo Silva (2005), de acordo com boa parte desses livros utilizados no século XX, em determinado momento da sociedade colonial, os indígenas somem do cenário da História e não reaparecem nos séculos seguintes. Esse dado merece destaque por reforçar a importância da pesquisa efetuada nos museus arqueológicos, já que operou no sentido de mostrar a presença dessa população na atualidade e não como um quesito do passado. Com relação aos grupos de origem africana, identificamos um cenário de maior invisibilidade. Conquanto, observamos que a pesquisa realizada no Museu histórico Cruz e Sousa, em Florianópolis (cujo nome homenageia o poeta Cruz e Sousa), levou os(as) acadêmicos(as) a refletirem sobre a História e produção cultural dos afrodescendentes. Entre as quatro pesquisas realizadas nesse espaço, duas focalizaram a produção literária de Cruz e Sousa, propondo atividades específicas, pois É classificado como um ícone do Simbolismo e trabalhando em uma companhia de teatro conheceu quase todo país. Foi também diretor de um jornal, onde publicava artigos abolicionistas, porém, a discriminação e o preconceito o impediam de participar de círculos literários da época. (Equipe 5).
Nessa perspectiva, o fato do poeta Cruz e Sousa ser negro e pobre, torna mais significativos sua trajetória e seu papel para a cultura local e de Santa Catarina. De acordo com este estudo, destacar a complexidade dos papéis sociais desempenhados pelos diversos sujeitos históricos é uma forma de tornar a visita ao museu mais inclusiva, pois mostra que não somente as elites letradas e camadas dirigentes podem contribuir para a construção da História de uma cidade. 200
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O que pretendíamos com isso era trabalhar a cultura local e também o preconceito, pois Cruz e Sousa era negro, filho de pedreiro e de uma lavadeira, e viveu na casa de um coronel como seu filho de criação. Desta maneira, fazer com que percebam a trajetória de Cruz e Sousa, sua importância para a cultura local de Santa Catarina, e percebam que para fazer parte de uma história não são somente pessoas de posse, que pessoas humildes como Cruz e Sousa podem contribuir para construir a história de uma cidade. (Equipe 6).
Muito embora a pesquisa no Museu histórico Cruz e Sousa tenha resultado numa abordagem crítica, uma vez que reconhece a presença dos descendentes de africanos, de modo geral, os resultados obtidos nos museus mostraram um cenário de entraves aos objetivos das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008. É evidente que muitas das instituições museais catarinenses, contêm em seu acervo peças que referenciam a cultura e história indígenas e de origem africana, dado que pode ser verificado em alguns trabalhos. Porém, é preciso lembrar que tal como aconteceu com boa parte dos livros didáticos produzidos no século XX, essa “aparição” se dá sob a condição de subjugados, ou por visões preconceituosas e estereotipadas. Nesse contexto, identificamos abordagens dos acervos em que se sobrepõem apenas os valores e interesses do colonizador europeu: Quem foram os primeiros colonizadores? Porque vieram para essa região? Como era o colono imigrante italiano, sua cultura religiosa e gastronômica? Quais as ferramentas de trabalho utilizadas por estes imigrantes? Os rifles eram realmente utilizados para afugentar ou até mesmo matar os animais e os índios Xoklengs que ocasionalmente aparecessem no caminho dos colonos? (Equipe 7).
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Foi possível observar, em nossa pesquisa, que há uma relação direta entre a tipologia do museu, seu discurso, e o conteúdo das propostas pedagógicas desenvolvidas. Como, em Santa Catarina, predominam os museus históricos – cuja maior parte foi criada para respaldar a colonização europeia – verifica-se que o sistema de museus do Estado perpetua a defasagem do legado das populações indígenas e de descendência africana: O antigo sobrado com a típica arquitetura do interior da Itália do século XIX homenageia as cinco etnias formadoras do povo criciumense; Italiana, Árabe, Polonês, Português e Alemã, por isso a importância de vincular a visita das crianças a este ambiente que é parte histórica da nossa cidade. (Equipe 8).
Para que tal contexto seja superado, além de democratizar os lugares de memória, deve-se desnaturalizar esses espaços, fazendo uma arqueologia dessas instituições, tal como proposto por Michel Foucault. É preciso reconhecer que as narrativas emanadas dos museus não correspondem a uma verdade a priori e que sua construção atende às necessidades existentes em determinados tempo e campo de interesses. Nesse sentido, a preocupação da disciplina História deve estar dirigida aos processos de formação desses discursos, conforme propõe Michel Foucault (2012), em Arqueologia do Saber. No livro, Foucault discute o funcionamento dos discursos, defendendo que não são como elementos significantes de certos conteúdos, mas sim um conjunto de práticas discursivas que instauram os objetos que enunciam, delimitando os conceitos e dando legitimidade aos sujeitos enunciadores. Desse modo, sugere que “estas formas de continuidade, todas essas sínteses que não problematizamos e que deixamos valer de pleno direito, é preciso, pois, mantê-las em suspenso” (FOUCAULT, 2012, p. 31). Isso demanda uma leitura crítica e não apenas a mera reprodução das narrativas sobre o passado. 202
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Do ponto de vista de sua materialidade, como os acervos mantêm relação com a memória e com o esquecimento, é preciso considerar também a existência de uma questão ética e política, na escolha do indício que ficou retido no acervo, e deve acontecer sobre o que será encoberto e esquecido “pois o arquivo, assim como o processo de musealização, é uma construção voluntária de caráter seletivo e político, vinculado a um esquema de atribuição de valores: culturais, ideológicos, religiosos, econômicos, etc.” (CHAGAS, 2002, p. 60). No que se refere à relação museus/ensino, não basta ter museus, pois, embora reconhecidos como instituição educativa, vêm sendo questionados por várias áreas do conhecimento quanto à sua eficiência em cumprir esse papel10. Assim como aconteceu com a História, essas críticas têm conquistado espaço desde os anos 70. Segundo a proposta analítica de Aras e Teixeira (2002), a revisão que perpassou, nessa época, a Museologia, pode ser equiparada à História: Ao analisarmos as trajetórias do museu e da Museologia, observamos que elas têm seguido seu caminho paralelo ao da História. Quando a História se preocupava apenas com o factual, com um único recorte da sociedade, o museu e a Museologia enveredavam nesta mesma moldura (ARAS; TEIXEIRA, 2002, p.1).
Se, no caso da História, a “mudança” procurou superar a matriz tradicional, fundamentada sob uma concepção linear de tempo e no enaltecimento de determinados personagens e fatos, no caso da Museologia, a questão estava em promover nova relação entre os museus e as comunidades onde se inserem, superando a ideia de que o museu é receptáculo de coisas velhas destinadas à contemplação desinteressada. A considerar que a base do papel social dos museus reside na sua potencialidade educativa, segundo as autoras, o contato entre museus e história deve pressupor 203
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uma metodologia que não focalize o objeto em si, mas como um suporte de memória e mediador das relações em sociedade (ARAS; TEIXEIRA, 2002). (Fig. 1). Figura 1- Museu Municipal Dr. Felippe Maria Wolff, em São Bento do Sul/SC
Fonte: Disponível em: <http://www.sctur.com.br/saobentodosul/ museu_municipal.asp>
Estamos, portanto, diante de um desafio epistemológico, que é o de permitir o uso crítico dos museus, pois o processo educativo nesses espaços não acontece isolado de uma proposta, seja ela emanada de dentro ou fora da instituição. Cabe à disciplina História aprofundar as discussões sobre o potencial didático e as alternativas de pesquisa com os museus, desenvolvendo um trabalho em parceria; contribuindo para aproximar as pautas científicas e demandas sociais ao campo museológico; estimulando a reflexão sobre a função social dos museus. Nesse sentido, esperamos que o trabalho aqui proposto – a análise crítica dos museus como
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espaço para pensar o ensino de História– pode contribuir com o atendimento dessa demanda social.
Referências BRANDÃO, Lina Maria Brandão. ARAS, Maria das Graças de Souza Teixeira. Os museus e o ensino de história. IV SEMINÁRIO PERSPECTIVAS DO ENSINO DE HISTÓRIA. Anais... Disponível em: <www.ichs.ufop.br/perspectivas/anais>. Acesso em: 7 out. 2014. CHAGAS, Mário. Museus: antropofagia da memória e do patrimônio. In: ______ (Org.). Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 31, Iphan, 2005. FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012. LEITE, Maria Isabel. Crianças, velhos e museus: memória e descoberta. Cad. Cedes, Campinas, v. 26, n. 68, p. 74-85, jan./abr. 2006. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br>. Acesso em: 7 out. 2014. MAIS UM veículo de integração cultual no Estado. Revista Catarinense, Florianópolis, n. 20, [n.p.]. 1971. Arquivo Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina. MUSEUS DE Florianópolis terão comissões fixas para a escolha das mostras e políticas de acervo. Jornal Diário Catarinense. Disponível em: < http://diar iocatar inense.clicrbs.com.br/sc/var iedades/ noticia/2013/01/museus-de-florianopolis-terao-comissoes-fixaspara-a-escolha-das-mostras-e-politicas-de-acervo-4026926.html>. Acesso em: 30 jan. 2013. NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Tradução de Yarn Aun Khoury. São Paulo, 1993. OLIVEIRA, Rafael Pereira; SILVA, Rosimeri Carvalho da. Instituições e conflitos no campo dos museus de Santa Catarina. Cadernos Ebape. BR, v. 6, n. 3, set. 2008. Disponível em: <http://www. fcc.sc.gov.br/patrimoniocultural//arquivosSGC/2008101355Artigo_-_Campo_Museal_SC.pdf>. Acesso em: 23 jul. 2014. RAMOS, Francisco Régis Lopes. A danação do objeto. O museu no
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ensino de História. Chapecó: Argus, 2004. RÜSEN, Jörn. Didática da história: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão. Práxis Educativa, v. 1, n. 2, 2006. SILVA, Giovani José da. Ensino de história indígena. In: WITTMANN, Luisa Tombini (Org.). Curso história dos índios no Brasil, 2014, Florianópolis: Udesc. Não publicado. SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar história. São Paulo: Scipione, 2005.
Notas Doutora em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) com a tese Discursos Emoldurados: Reflexões sobre a História do Museu de Arte de Santa Catarina. Tem artigos publicados nas áreas de História da arte, museus e acervos. É professora colaboradora na UFSC onde desenvolve pesquisas relacionadas ao ensino de História e museus. E-mail: lucesia.pereira@gmail.com 1
As seis regiões e 14 cidades contempladas na atividade foram: Região Sul - Araranguá, Laguna, Braço do Norte e Criciúma; Litoral - Florianópolis, Palhoça, Itapema e São José; Norte - Joinville e São Bento do Sul; Vale do Itajaí - Blumenau; Meio Oeste – Concórdia; Oeste - São Miguel do Oeste e Chapecó. 2
A atividade deveria ser desenvolvida em grupos de, no mínimo, três e, no máximo, cinco integrantes. Preferencialmente, deveria acontecer em museus e somente seriam aceitos outros espaços caso não houvesse nenhum museu na cidade/região. Neste caso, as equipes puderam investigar in loco espaços como praças, monumentos, associações, institutos, hinos, festas regionais, etc. Na pesquisa, deveriam ser realizadas entrevistas com funcionários, responsáveis e/ou frequentadores, levantamento do acervo e da documentação (catálogos, fôlderes, registros, notícias de jornais locais), montagem de documentação fotográfica. Com base nos dados obtidos, os grupos deveriam apresentar um relatório com os resultados da pesquisa, e (no máximo) três imagens. 3
4 Sobre o aparecimento de museus em Santa Catarina, sabe-se que o quadro sofreu ampliação nas últimas décadas, já que, em 1974, existiam 33 museus e, em 2006, esse número chega a 181 instituições (IPHAN, 2006).
Na presente análise, todas as citações serão identificadas com nome genérico para preservar a identidade dos(as) alunos(as), também não serão mencionadas as cidades de origem das falas. 5
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6 Dentro deste agrupamento, incluímos museus voltados à imigração, ao imigrante, à família colonial, portanto, não se referem apenas às instituições que assim se denominam.
Até 1970, predominava o açorianismo, segundo o qual a população oriunda dos Açores era considerada elemento principal na composição étnica do estado. Essa perspectiva foi fortalecida num congresso de açoraneidade realizado em Florianópolis (SC), em 1948.
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8 No censo de 2010, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que a população indígena, em Santa Catarina, somava 16.041 pessoas. Para saber mais sobre o assunto, ver: BRIGUENTI, Clovis Antonio. Povos indígenas em Santa Catarina. Disponível em: <http:// leiaufsc.files.wordpress.com/2013/08/povos-indc3adgenas-em-santa-catarina.pdf>. Acesso em: 28 out. 2014. 9 Os sambaquis são amontoados de moluscos marinhos, fluviais ou terrestres, ossos humanos, objetos de pedra, chifre e cerâmica. Erguidos por comunidades litorâneas pré-históricas, serviam para demarcar território, como base para moradias e cemitério. Dependendo de sua localização e altura, serviam também para facilitar o controle do território e obter alimentos por meio da observação a distância. 10 Desde seu surgimento na modernidade, o museu teve na educação um dos seus propósitos, processo que foi sendo realizado a partir de diversas modalidades e segundo os ditames de cada época.
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Fundamentos da Avaliação da Aprendizagem: da Sala de Aula Presencial à Plataforma de E-Learning Marco Silva1
A
crítica à avaliação da aprendizagem que se realiza na sala de aula presencial pode inspirar o tratamento da avaliação da aprendizagem em cursos na modalidade on-line. Este texto coloca em pauta essa convicção e, a partir dela, pretende contribuir para a construção de soluções direcionadas à prática avaliativa em cursos oferecidos na web. Como avaliar a aprendizagem quando se prescinde da presença física e do olho no olho determinantes na educação presencial? As perguntas: Como proceder?; Que instrumentos empregar?; Quais critérios adotar?; Em quais fundamentos apoiar? são recorrentes, quando se discute a avaliação, um dos mais complexos componentes do processo educacional formal, alvo constante de estudos e polêmicas, em face do caráter ideológico e político que assume. Esse desafio, na sala de aula presencial, torna-se ainda maior, na educação on-line, pela ausência das relações presenciais e pelas especificidades da educação na web. Este texto leva em conta peculiaridades que demandam atenção aprofundada, uma vez que a modalidade educacional na Internet ganha forte adesão mundial com o crescimento do acesso aos inúmeros recursos proporcionados pela evolução da web e das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC), sem uma proporcional inquietação com a qualidade da sua oferta. 208
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É compreensível que cursos on-line incorporem alguns princípios existentes na educação presencial, inclusive no que diz respeito ao processo de avaliação da aprendizagem. Todavia, é necessário contar com uma base teórico-prática específica e consistente, de modo a se evitar na web a reprodução cristalizada do modelo presencial. Aquilo que todos conhecem como “prova” ou “exame”, em que as atenções se voltam mais para o resultado final e menos para o processo da aprendizagem e da formação. Ou o que Hoffmann (2004a, p. 25) define como “ato penoso de julgamento de resultados”; uma prática de “registro de resultados acerca do desempenho do aluno em um determinado período”; ou uma “uma prática de provas finais e atribuição de graus classificatórios”. Uma concepção de avaliação sedimentou-se numa prática coletiva angustiante, baseada em históricas exigências burocráticas e enraizada em feição autoritária. Seu modus operandi tradicional está marcado por procedimentos arbitrários vinculados à medida cumulativa de resultados obtidos em testes pontuais definida pelo docente sobre o trabalho e as atitudes do discente. Mede-se a atuação do discente como se medem extensão, quantidade e volume, em escalas, atribuindo-lhe graus numéricos. Essa concepção de avaliação não ocorre descolada da mediação docente que a sustenta. Ela se coaduna com a sala de aula conteudista e unidirecional à espera de um aluno receptor de “conhecimentos” e submisso a comandos para execução e prestação de contas pontuais. E, por força do hábito ou por falta de formação específica, se estende também para a sala de aula on-line, onde prevalece o modelo informacional centrado na récita do mestre ou do desenho de conteúdos e de atividades dispostos na plataforma de e-learning. Algo incompatível com a dinâmica comunicacional da web em sua fase denominada “2.0” (JONES, 2009): onde os 209
Fundamentos da Avaliação da Aprendizagem...
internautas podem operar com “interfaces” (JOHNSON, 2001) que permitem ir além do assistir, navegar, executar tarefas e prestar contas pontuais; onde os cursistas podem experimentar efetivamente a interatividade entendida como interlocução da emissão e da recepção na cocriação da comunicação, da colaboração e do conhecimento, no sistema groupware e nas redes sociais.
Interatividade: a ambiência comunicacional da avaliação da aprendizagem As mudanças no cenário midiático têm provocado inegáveis e irreversíveis alterações na gestão da informação e da comunicação. Essas mudanças ocorrem quando indivíduos e sociedades usufruem e alimentam a ambiência cultural e tecnológica denominada “cibercultura” (LEMOS; LÉVY, 2010; LÉVY, 1999; SILVA, 2008). Nesse contexto, a cultura da transmissão, própria da mídia audiovisual, sustentada pelos tradicionais meios de massa (impresso, rádio e TV) e pelos sistemas de ensino, perde terreno com crescimento da demanda e da oferta de interatividade (SILVA, 2005; 2014) própria das mídias digitais enredadas na web. Pode-se dizer que o cenário sociotécnico da web 2.0 acelera modificações paradigmáticas nos processos de informação e de comunicação: ao mesmo tempo, o enfraquecimento da modalidade unidirecional e o fortalecimento da modalidade interativa (Quadro 1).
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Quadro 1 – Informação e comunicação: modalidade unidirecional e modalidade interativa Modalidade unidirecional
Modalidade interativa
Mensagem
Fechada, imutável, linear, sequencial; de autoria do emissor que tem o controle do conteúdo e da emissão
“Viva”, modificável, em mutação, na medida em que responde às solicitações do interator que opera com ela
Emissor
Narrador que atrai o receptor (de maneira mais ou menos sedutora e/ou por imposição) para o seu universo mental, seu imaginário, sua récita; contenta-se com a transmissão e com a repetição da mensagem de sua autoria
Receptor
Assimilador, ainda que não passivo; não dispõe de autoria física (somente imaginal) para intervir e modificar a mensagem
Proponente que disponibiliza uma rede (não uma rota) e define um conjunto de territórios a explorar; não oferece uma história a ouvir, mas um conjunto intrincado de percursos abertos a navegações e dispostos a modificações Interator, participador; dispõe de recursos para intervenção física na mensagem como autor, coautor, cocriador, verdadeiro conceptor
Fonte: SILVA (2014, 87)
Os gestores das mídias de massa mais atentos ao espírito do tempo vêm se dando conta de que é preciso encontrar alternativas à modalidade unidirecional. Eles procuram agregar valor à distribuição de informação, incluindo disposições da web que permitem alguma reciprocidade com o público. Os professores, por sua vez, não têm a mesma inquietação e raramente se dão conta de que também precisam atentar para a dinâmica comunicacional emergente e com ela modificar a ambiência de aprendizagem da sua sala de aula e, inclusive, a avaliação. Em tese, muitos professores sabem que é preciso investir em relações de reciprocidade para a construção do conhecimento. Aprenderam isso pelo menos com o construtivismo e com o sociointeracionismo, que ganharam forte adesão em escolas e cursos de formação docente em todo o mundo, destacando o papel central das interações como fundamento da aprendizagem. Perceberam que a aprendizagem é um
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processo de construção do discente que elabora os saberes graças e através das interações com outrem, entretanto, não construíram em sua prática docente a necessária mudança paradigmática para além da modalidade unidirecional. E, para isso, precisarão colocar em questão a prevalência do falarditar e promover a morte do mestre narcisicamente investido de poder. Ao mesmo tempo, deverão se aculturar na cibercultura, onde o social e o tecnológico se apresentam imbricados e com perfis irreversivelmente distanciados do espectador forjado na cultura do audiovisual (SILVA, 2005; 2014). • Social. Há um novo espectador, menos passivo diante da mensagem mais aberta à sua intervenção, que migra do controle remoto da TV para a tela tátil, imersiva e em rede conversacional, que lhe permite adentramento, autoria, colaboração e o gesto instaurador que cria e alimenta a sua experiência comunicacional. • Tecnológico. A tela digital do tablet, laptop e celular não é somente espaço de transmissão e recepção. É ambiente de imersão, manipulação e interlocução, com janelas, ícones e aplicativos móveis, abertos a múltiplas conexões off e on-line, que permitem intervenções e modificações, autorais e colaborativas, nos conteúdos e na comunicação. Aculturar-se na cibercultura a ponto de modificar a docência e a avaliação da aprendizagem, requer mais do que a apropriação teórica do construtivismo e do sociointeracionismo. Requer modificação radical no esquema clássico da informação baseado na ligação unilateral emissor-mensagem-receptor. A educação ganha com essa mudança. Sua função social de sociabilizar o cidadão ganha com o impulso do novo cenário sociotécnico, no qual o professor (emissor) muda de papel, o conteúdo de aprendizagem (mensagem) muda de natureza, e o aluno (receptor) muda de status (SILVA, 2005; 2014). • O professor não emite mais o que se entende habitual212
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mente como mensagem fechada. Ele oferece um leque de elementos e possibilidades para manipulação e operatividade criativa do aprendiz. • A mensagem não é mais “emitida”, não é mais um mundo fechado, paralisado, imutável, intocável, sagrado, a ser reproduzido. É um mundo aberto, modificável, na medida em que responde às solicitações daquele que opera com ela. • O aluno não está mais em posição de recepção clássica. Ele é o novo espectador convidado à livre criação. A mensagem do professor ganha sentido sob sua intervenção autoral e colaborativa. Essa mudança de papel, natureza e status resulta na ambiência comunicacional capaz de sustentar a sala de aula interativa, presencial e on-line. Docência, aprendizagem e avaliação estarão aí baseadas na disponibilização consciente de um plus comunicacional, de modo expressamente complexo, presente no conteúdo de aprendizagem e previsto pelo docente, que abre ao aprendiz possibilidades de responder ao sistema de expressão e de dialogar com ele. Em síntese, os fundamentos da interatividade (SILVA, 2005; 2014) podem ser assim sintetizados: • Participação. O emissor pressupõe a participação-intervenção do receptor: participar é muito mais do que responder “sim” ou “não”, é muito mais do que escolher uma opção dada; participar é modificar, é interferir na mensagem. • Bidirecionalidade. Comunicar pressupõe interlocução da emissão e recepção. A comunicação é produção conjunta da emissão e da recepção. O emissor é receptor em potencial e o receptor é emissor em potencial; os dois polos codificam e decodificam. • Multiplicidade. O emissor disponibiliza a possibilidade de múltiplas redes articulatórias; não propõe uma 213
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mensagem fechada. Ao contrário, oferece informações em redes de conexões, permitindo ao receptor ampla liberdade de associações e significações. Nessa ambiência comunicacional, a avaliação pode estar sintonizada com a mediação docente construcionista, que opera com relações horizontais abertas à coautoria. Na dinâmica todos-todos das interfaces da plataforma de e-learning – fórum, chat, wiki, blog e redes sociais –, o docente é um proponente da formação e, com os cursistas, promove a cocriação da comunicação, da aprendizagem e da avaliação.
Avaliação na sala de aula presencial: a abordagem de Jussara Hoffmann Inicialmente, tratou-se da interatividade como disposição à participação, bidirecionalidade e multiplicidade, favorecidas pelo cenário sociotécnico da cultura digital em sua fase web 2.0, caracterizada, por sua vez, pela interlocução da emissão e da recepção na cocriação da comunicação nas interfaces chat, fórum, wiki, blog e redes sociais da internet. Nesta seção, a “avaliação mediadora” de Hoffmann é adotada porque, coerentemente com sua crítica aos procedimentos autoritários e arbitrários da avaliação que prevalecem na sala de aula presencial, acolhe o termo “interatividade”. Ainda que não situado como conceito de comunicação no cenário da cultura digital, mas como cognato de interação, esse termo é enfatizado pela autora para situar o ambiente comunicacional do processo avaliativo, imerso na prática construtiva e democrática em educação, em que a relação dialógica, a troca, as autorias e as coautorias dos alunos e professor possibilitam o processo da aprendizagem e da formação (SILVA, 2011; SANTOS, 2014).
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O Quadro 2 coteja os fundamentos da interatividade e os cuidados práticos que Hoffmann2 destaca como ambiência comunicacional da avaliação mediadora. Quadro 2 – Fundamentos da interatividade e avaliação mediadora Fundamentos da interatividade Participação. O emissor pressupõe a participação-intervenção do receptor. Participar é muito mais do que responder “sim” ou “não”, é muito mais que escolher uma opção dada. Participar é modificar, interferir na mensagem. O emissor não emite mais uma mensagem fechada, mas oferece um leque de elementos e possibilidades à manipulação e operatividade criativa do receptor Bidirecionalidade. Comunicar pressupõe recursão da emissão e recepção. A comunicação é produção conjunta da emissão e da recepção. O emissor é receptor em potencial e o receptor é emissor em potencial; os dois polos codificam e decodificam. A mensagem não é mais “emitida”, não é mais um mundo fechado, paralisado, imutável, intocável, sagrado a ser reproduzido. É um mundo aberto e modificável na medida em que responde às solicitações do emissor e do receptor que operam com ela Multiplicidade. O emissor disponibiliza a possibilidade de múltiplas redes articulatórias. Ele não propõe uma mensagem fechada. Ao contrário, oferece informações em redes de conexões permitindo ao receptor ampla liberdade de associações e de significações. O aluno não está mais em posição de recepção clássica. Ele é o novo espectador convidado à livre criação. A mensagem do professor ganha sentido sob sua intervenção autoral e colaborativa
Práticas da avaliação mediadora Liberdade de expressão garantida. “Uma avaliação contínua exige muitas tarefas com oportunidades de expressão do aluno. A primeira sugestão é que o aluno tenha várias oportunidades de expressar os seus conhecimentos a respeito de um estudo ou noção, e que essas várias expressões sejam observadas pelo professor, durante a sua evolução. Essa é uma questão básica” Mediação interativa. “O conhecimento que o aluno desenvolve é construído na relação consigo, com os outros e com o objeto do conhecimento – tudo ao mesmo tempo. O aluno nunca aprende sozinho. Em primeiro lugar, a interpretação de muitas tarefas de aprendizagem, orais e escritas, fruto da interação dos alunos. Em segundo, a mediação por meio de atividades interativas, questionadoras e desafiadoras, e não apenas por meio de uma nova explicação do professor ou de um estudo individual do aluno” Heterogeneidade. “Lançar em um grupo as questões que ele considera pertinentes para que, na heterogeneidade da sala de aula, na diversidade de pensamentos, de fazeres e de saberes, seus alunos possam discutir essas questões, refazer exercícios, trocar ideias uns com os outros e, de fato, formar um grupo com a possibilidade de ampliar suas ideias. Essas tarefas são observadas e interpretadas, e se transformam em estratégias pedagógicas interativas”
Fonte: elaborado pelo autor.
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Participação colaborativa, liberdade de expressão e redes de conexões capazes de contemplar multiplicidade e heterogeneidade são os elementos essenciais que aproximam o tratamento da interatividade no cenário sociotécnico da web 2.0 e a avaliação mediadora. Esta seção do texto sintetiza a abordagem de Hoffmann, tendo em vista sua atenção para com a ambiência comunicacional da avaliação. Ao fazê-lo, prepara terreno para propor, na próxima seção deste texto, alguns encaminhamentos para o tratamento da mediação técnica e pedagógica da avaliação nas interfaces de comunicação e colaboração da plataforma de e-learning. Para Hoffmann (2005), avaliar supõe uma ambiência comunicacional baseada na livre expressão dos alunos, na construção colaborativa do conhecimento e na percepção da sala de aula, como heterogeneidade, diversidade de pensamentos, fazeres e saberes. Para defender essa convicção, critica duramente as práticas avaliativas comumente encontradas nas escolas, baseadas em resultados quase sempre numéricos, que “atestam” a capacidade ou não do aluno solitário de progredir no processo formativo. Desenvolveu sua abordagem a partir da convicção de que a ação avaliadora deve estar a serviço da construção do conhecimento do aluno. O aluno é considerado sujeito de seu próprio desenvolvimento, inserido nos contextos social e político. Esse entendimento está baseado na distinção de dois modelos de avaliação (Quadro 3). De um lado, o modelo “liberal”; do outro, a avaliação “libertadora” que inspira a sua avaliação mediadora (HOFFMANN, 2004a, p. 91).
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Quadro 3 – Aspectos distintivos de dois modelos de avaliação Avaliação liberal • • • • • •
ação individual e competitiva concepção classificatória intenção de reprodução das classes sociais postura centralizadora e diretiva do professor valorização da memorização exigência burocrática pontual e periódica
Avaliação libertadora • • • • • •
ação coletiva e dialógica concepção investigativa, reflexiva proposição de conscientização das desigualdades sociais professor e aluno cooperam valorização da compreensão consciência crítica de todos sobre o processo
Fonte: elaborado pelo autor.
A autora engaja-se na superação da postura autoritária da avaliação tradicional, em favor de uma prática avaliativa que se inspira no processo interativo, isto é, dialógico e cooperativo, que proporciona autonomia e participação aos atores da aprendizagem. Em oposição a esse entendimento inspirado em Paulo Freire, critica a influência do teórico americano da avaliação “liberal” de Ralph Tyler. Esse autor desenvolveu uma abordagem conhecida como “avaliação por objetivos”, amplamente adotada em cursos de formação de professores e nas práticas avaliativas em escolas e universidades. Restringe-se à correção de testes pontuais ou tarefas diárias dos alunos e ao registro dos resultados. Prevalecem aí os instrumentos de verificação e os critérios de análise de desempenho final. Para contrapor-se a esse legado, Hoffmann (2004a, p. 61) sustenta que [...] uma ação avaliativa mediadora envolveria um complexo de processos educativos (que se desenvolveriam a partir da análise das hipóteses formuladas pelo educando, de suas ações e manifestações) visando essencialmente ao entendimento. Tais processos mediadores objetivariam encorajar e orientar os alunos à produção de um saber qualitativamente superior, pelo aprofundamento às questões propostas, pela oportunização de 217
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novas vivências, leituras ou quaisquer procedimentos enriquecedores ao tema em estudo.
Conhecer não é assimilar e repetir, mas construir em interlocução ou interação com o mundo, organizando a experiência de modo a tornar-se compreensível para o ator do conhecimento. Assim, a “avaliação mediadora” requer o acompanhamento crítico do processo de participação do aprendiz, a oportunização de novos e diversos desafios que permitam sua expressão livre e o registro de sua atuação e das suas descobertas como diálogo frequente entre os participantes. Todos, em interação, são sujeitos do seu conhecimento e partícipes da sua própria avaliação (HOFFMANN, 2004b; 2005). Avaliar, na perspectiva da construção do conhecimento, requer a confiança na possibilidade de os educandos construírem suas próprias verdades e a valorização de suas manifestações e interesses. Para isso, é necessário o acompanhamento permanente do professor, que incitará o aluno a formular novas questões a partir de suas respostas. Ao docente caberá, então, a iniciativa de dinamizar oportunidades de autorreflexão, tendo claro que nesse processo os erros e as dúvidas dos alunos são considerados como episódios altamente significativos, que impulsionam a ação educativa. Para realizar a avaliação mediadora, o professor precisa estar atento aos seguintes aspectos: a) sociocultural do aluno: quem é o aluno, de onde vem e como vive; b) saberes significativos: Que saberes estão sendo desenvolvidos?; Que sabor têm os saberes que estão sendo propostos a esses alunos?; Buscam a formação de um aluno pesquisador, autor de suas próprias ideias?; Os temas propostos são adequados ao seu contexto sociocultural?; c) epistemológico: Como se aprende?; Em que idade, tempo e momento?; O que é possível um aluno aprender?; Como articular a gênese do 218
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conhecimento e as teorias de aprendizagem?; Quais são as questões epistemológicas envolvidas no processo?; O professor conhece profundamente a sua disciplina?; d) educativo/avaliativo: não há um cenário educativo e outro cenário avaliativo, uma vez que o cenário avaliativo se constitui no próprio cenário educativo; se o professor quer que seu aluno seja pesquisador, esse cenário avaliativo precisa envolver muitos livros, autores e várias fontes de informação. A atenção da autora para com esses aspectos revela a fundamentação de sua crítica ao modelo tradicional de avaliação. Entretanto, há mais um aspecto específico que este texto coloca em destaque: as interações ou o cenário comunicacional da sala de aula. O professor precisa engendrar uma ambiência de interações para aí situar o processo de aprendizagem e avaliação. Especificamente sobre o cuidado com a ambiência das interações, Hoffmann (2004a, p. 56) elenca cinco iniciativas da responsabilidade do mediador docente: • Primeira iniciativa: “oportunizar aos alunos muitos momentos de expressar suas ideias”. Essa iniciativa destaca a importância de se valorizar a participação do aluno em situações variadas, em que tenha condições de expressar-se, lançando mão de diferentes linguagens (textual, oral, gráfica, sensorial, entre outras), de modo espontâneo. Com isso, tem-se a oportunidade de estimular, observar e registrar as formas de comunicação com as quais obteve êxito, bem como detectar aquelas em que apresentou dificuldade. Os registros dessa trajetória não têm por finalidade apenas diagnosticar a situação e sim, a partir deles, reestruturar o planejamento, direcionando o trabalho pedagógico para a promoção de tarefas que possam incentivar o aluno a desenvolver estratégias pessoais de superação da dificuldade apresentada.
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• Segunda iniciativa: “oportunizar discussão entre os alunos a partir de situações desencadeadoras”. Por “situações desencadeadoras”, entendam-se as provocações provenientes do professor, a partir de sua observação atenta e do acompanhamento constante sobre os grupos de trabalho da turma. Nessa iniciativa, a autora defende a necessidade de realizar trabalhos em grupo, pois, segundo ela, os alunos se sentem mais à vontade para discutir e argumentar entre seus pares do que com a professora. Ainda que esta se isente de uma prática autoritária, é comum que os alunos se constranjam com sua presença, mantendo-se calados, por vezes. As situações desencadeadoras emergem dessas discussões internas dos grupos, nas quais o professor, ao constatar a oportunidade de intervir com novos questionamentos, acirra o debate. Dessa forma, é possível observar e registrar: a) a maneira como os alunos defendem seus pontos de vista, como constroem e apresentam a argumentação para essa defesa; b) como respeitam a opinião alheia e como acolhem ou não uma opinião; c) se estão preparados para ouvir, para fazer e receber críticas; d) como a sala de aula pode constituir-se em arena de discussão, troca, compartilhamento, colaboração, estruturação do pensamento; e) como esse processo resulta em aprendizagem e formação. • Terceira iniciativa: “realizar várias tarefas individuais, menores e sucessivas, investigando teoricamente, procurando entender razões para as respostas apresentadas pelos estudantes”. A avaliação não deveria ocorrer por eventos estanques, com datas determinadas, ao final de um período de tempo ou unidade de trabalho. A autora chama a atenção para a importância de estabelecer pequenas e sucessivas tarefas, a fim de investigar o modo como o aluno construiu e demonstrou o conhecimento. Nessa iniciativa, também há que se destacar 220
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que a autora se refere às ações individuais, primando pelo acompanhamento e pela análise dos processos mentais elaborados pelo aluno. Ainda que seja favorecida pelo estabelecimento de trocas, a aprendizagem se constrói individualmente e por decorrência precisa dessa atenção individual, de modo a contribuir para novas aprendizagens. • Quarta iniciativa: “ao invés de certo/errado e da atribuição de pontos, fazer comentários sobre as tarefas dos alunos, auxiliando-os a localizar as dificuldades, oferecendo-lhes oportunidades de descobrirem melhores soluções”. Entender o processo de avaliação a serviço da aprendizagem, como dito anteriormente, compreende ir muito além de estabelecer correções que se limitam à indicação do estar certo ou errado, ou, ainda, da atribuição de notas. Um professor que acompanha o desenvolvimento do aluno, atento e competente para proceder a comentários sobre as tarefas realizadas, tem condições de oferecer ajuda ao aluno na identificação das suas dificuldades, bem como de problematizar e incentivar a elaboração de estratégias pessoais e/ou coletivas, permitindo-lhe encontrar caminhos que o levem a pensar e a vencer as dificuldades. • Quinta iniciativa: “transformar os registros de avaliação em anotações significativas sobre o acompanhamento dos alunos em seu processo de construção de conhecimento”. Avaliar vai além de registrar o desenvolvimento do aprendiz. Ampliando o que foi destacado na primeira iniciativa, é necessário transformar os registros em anotações significativas que permitam o acompanhamento dos alunos em seu processo de construção de conhecimento. Hoffmann sugere, inclusive, que tal prática substitua os registros numéricos ou a atribuição de conceitos. Com isso, a avaliação assume um caráter formativo, uma vez que sua intenção é contribuir para a detecção das 221
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conquistas e dificuldades do percurso, para que, a partir delas, professor e aluno tenham oportunidade de pensar sobre novas metas de aprendizagem e sobre o que se precisa investir para efetivá-las (HOFFMANN, 2005). As práticas da avaliação mediadora ocorrem nas relações professor-aluno e aluno-aluno, sustentadas pelo diálogo e por práticas pedagógicas que privilegiam o pensamento autônomo. Assim, expressar-se, comunicar-se, demonstrar o que foi aprendido, em diferentes formas e variadas oportunidades, geram comentários sobre o progresso e as dificuldades apresentadas. Essas manifestações devem ser compreendidas como parte integrante e construtiva do processo de aprendizagem. Elas dispensam aquela costumeira e conhecida energia desperdiçada por ocasião de testes e exames, quando estes representam as poucas oportunidades de demonstração do que foi aprendido, como uma prestação de contas. Em tempo, nessas ocasiões, o erro costuma ser punido, uma vez que a prestação de contas não confere com o oferecido, sendo comum o desconto de pontos ou a atribuição de zero no instrumento utilizado para aferir o que foi aprendido. Nesse caso, a interpretação costumeiramente feita é o não aprendizado, reforçando o caráter classificatório. Hoffmann (2005) enfatiza que o erro precisa ser analisado/refletido/investigado, de modo a identificar quais “caminhos mentais” foram percorridos até chegar a determinada resposta ou solução. Porém, também lembra que nem todo erro gerará descoberta, portanto, nem sempre será construtivo. Tal proposição requer do professor um olhar epistemológico possível, quando apoiado em teorias da aprendizagem e associado à compreensão dos contextos sociocultural e político do aluno. Dessa forma, é possível encontrar a origem do erro, para então reformular o percurso do aluno e promover outra possível construção. 222
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Especificamente sobre a autoavaliação, Hoffmann (2004b) a considera procedimento que leva o aluno a refletir sobre sua maneira de aprender, pensar ou resolver uma dada situação, solicitando que descreva, de modo natural e espontâneo, as estratégias utilizadas. A autoavaliação, por conseguinte, está a serviço da autorreflexão que pode ocorrer a qualquer momento do processo. O professor precisa estar preparado para o que vai encontrar nesse processo. A autora sugere o exercício da ação-reflexão-ação sobre seu trabalho, de modo a não se omitir diante da realidade e, ao contrário, potencializar a sua mediação e reflexão do aluno. Por último, mais uma ênfase de Hoffmann: em processo avaliativo, o professor precisa caminhar com o aprendiz. O professor não pode se postar no final do caminho e dizer se ele chegou lá ou não. É preciso acompanhá-lo durante todo o caminho. Essa ênfase encontra na plataforma de e-learning as condições técnicas e a ambiência comunicacional favoráveis. O aprendiz expressa-se de diferentes maneiras e sua autoria fica registrada nas interfaces, permitindo o acompanhamento tanto do professor, quanto dos colegas cursistas e dele próprio. Em suma, pode-se verificar que esse e outros procedimentos da avaliação mediadora encontram, na modalidade on-line, a ambiência quiçá mais favorável do que na sala de aula presencial.
A avaliação mediadora na educação on-line As seções anteriores deste texto mostraram que a ambiência comunicacional capaz de garantir liberdade de expressão, participação autoral e colaborativa, e redes de conexões que contemplam multiplicidade e heterogeneidade, é o denominador comum que aproxima o tratamento da interatividade no cenário sociotécnico da web 2.0 e a avaliação mediadora de Hoffmann. Dessa proximidade fecunda, podem-se desenvolver alguns encaminhamentos 223
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para o tratamento das mediações técnica e pedagógica da avaliação nas interfaces de comunicação e colaboração da plataforma de e-learning. O primeiro encaminhamento diz respeito ao desenho didático – arquitetura de conteúdos e atividades – capaz de contemplar a avaliação formativa e contínua nas interfaces fórum, chat, wiki, etc. O desenho didático precisa operar como hipertexto que, em sua forma não sequencial, permite: a) articular nas interfaces conteúdos e atividades de aprendizagem em hipermídia, isto é, em convergência de vários suportes midiáticos abertos a novos links e agregações, e de várias linguagens – som, texto, imagens, vídeo, mapas; e b) transformar a leitura em escritura por meio de conexões autorais em rede. O desenho didático estruturado como hipertexto permite que o aluno teça sua autoria operando em vários percursos e leituras plurais. A disponibilidade do diálogo com vários autores/leitores facilita o acesso e a negociação de sentidos, ressignificando a noção de autoria. O suporte digital permite que, através dos links, o leitor adentre espaços e conteúdos e construa seus próprios caminhos de leitura, não mais presos à linearidade das páginas e do documento, com início, meio e fim, dos limites das margens, nas notas de rodapés. O fim, no hipertexto, é sempre um novo começo caleidoscópico, no qual, simultaneamente, podemos ler vários textos, cortar, colar e criar intertextos (SANTOS; SILVA, 2009; SILVA, 2010). O segundo encaminhamento aciona o papel preponderante da mediação docente. Para contemplar a interatividade e a avaliação defendida por Hoffmann, é preciso ter claro que mediar a aprendizagem e sua avaliação não é meramente distribuir conteúdos e atividades de aprendizagem, tirar dúvidas e cobrar o feedback dos cursistas. Para além disso, o docente deverá potencializar suas autorias colaborativas nas interfaces, seja formulando problemas, provocando inter224
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rogações, coordenando grupos de trabalho, seja sistematizando experiências e conhecimentos construídos com base no diálogo entre interlocutores. O docente deverá superar a avaliação da aprendizagem baseada no exame pontual solitário, em favor da avaliação formativa e contínua, que opera nas interfaces de comunicação e colaboração com base em critérios, indicadores e instrumentos previamente negociados coletivamente como competentes para resultar em salto qualitativo na comunicação todos-todos, na aprendizagem e na formação (SILVA, 2012a; 2012b). Em síntese, a mediação docente precisará operar como colaboração e interatividade e, assim, superar a interação sem articulação, que prevalece nas modalidades presencial e on-line (Figura 1). Figura 1 - Modelos de interação no presencial e no e-learning Interação sem articulação
Colaboração, interatividade
Fonte: elaborado pelo autor.
Para superar a ambiência de interações sem articulação, no e-learning, o professor deverá: • Provocar situações de inquietação criadora. • Promover ocasiões que despertem a coragem do enfrentamento on-line em situações que provoquem reações individuais e grupais. 225
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• Encorajar esforços no sentido da troca entre todos os envolvidos, com a definição conjunta de atitudes de respeito à diversidade e solidariedade. • Incentivar a participação dos cursistas na resolução de problemas apresentados, de formas autônoma e cooperativa. • Elaborar problemas que convoquem os cursistas a apresentar, defender e, se necessário, reformular seus pontos de vista constantemente. • Formular problemas voltados para o desenvolvimento de competências que possibilitem ao aprendiz ressignificar ideias, conceitos e procedimentos. • Implementar situações de aprendizagem que considerem as experiências, os conhecimentos e as expectativas que os estudantes já trazem consigo. • Desenvolver atividades que não só propiciem a livre expressão, o confronto de ideias e a colaboração entre os estudantes, mas que permitam, também, o aguçamento da observação e da interpretação das atitudes dos atores envolvidos. • Responder às postagens dos cursistas em até 24 horas, não mais. Para implementar esses procedimentos na plataforma de e-learning, o professor deverá distinguir dois modus operandi (Quadro 4), a fim de superar a força do hábito que veio da sala de aula presencial, perdurou na clássica educação a distância – via meios unidirecionais impressos, rádio e TV – e permanece presente na modalidade online, subutilizando as potencialidades interativas do cenário sociotécnico cibercultural.
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Quadro 4 - Mediação docente nas interfaces da plataforma de e-learning Interação sem articulação Instrucionista, transmissiva e tarefista. A aprendizagem é centrada na atuação solitária do cursista e nas relações assimétricas, verticais: autor/emissor separado de aprendiz/receptor. Cursista pouco interage com cursista. Vinculação um-todos separados pela distância físico-geográfica
Colaboração e interatividade Construcionista, interacionista e colaborativa. Relações horizontais abertas à colaboração e coautoria. O docente é um proponente da formação. Com os cursistas, promove a cocriação da comunicação e do conhecimento. Vinculação todos-todos em presença “virtual” nas interfaces
Fonte: elaborado pelo autor.
O terceiro encaminhamento para tratar a avaliação da aprendizagem na modalidade on-line é a modalidade formativa e contínua, com o desenho didático hipertextual e a mediação docente interativa. A partir de Hoffmann, verifica-se que é preciso superar o modelo de avaliação da aprendizagem baseada no exame pontual solitário, em favor da avaliação mediadora da aprendizagem baseada nos pressupostos: a) não há um cenário educativo e outro cenário avaliativo, uma vez que o cenário avaliativo se constitui no próprio cenário educativo; b) uma ambiência de interações que inclui situações variadas em que o aluno tenha condições de expressar-se, lançando mão de diferentes linguagens (textual, oral, gráfica, sensorial, entre outras), de modo espontâneo, com participação colaborativa, liberdade de expressão e redes de conexões capazes de contemplar multiplicidade e heterogeneidade; c) relações professor-aluno e aluno-aluno, sustentadas pelo diálogo e por práticas pedagógicas que privilegiem o pensamento autônomo capaz de expressar, comunicar, demonstrar o que foi aprendido, em diferentes formas e variadas oportunidades, gerando comentários sobre o progresso e as dificuldades apresentadas; d) o acompanhamento permanente do professor incitará o aluno a formular novas questões a partir de suas respostas e que dinamizará oportunidades de autorreflexão, tendo claro que, nesse processo, os erros e as 227
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dúvidas dos alunos são elementos propulsores da aprendizagem, da sua avaliação e da formação propriamente dita; e) em vez de meramente julgar como certo ou errado e atribuir pontos, o professor faz comentários sobre as tarefas dos alunos, auxilia-os a localizar as dificuldades, oferece-lhes oportunidades de descobrirem melhores soluções, oportuniza mais discussão com novas situações desencadeadoras de expressão de ideias; e f) a necessidade de realizar trabalhos em grupo, uma vez que aí os alunos sentem-se mais à vontade para discutir e argumentar. Todos esses pressupostos, construídos para a avaliação na sala de aula presencial, podem ser trazidos, ipsis litteris, para as interfaces da plataforma de e-learning e aí cumprirem sua finalidade, se devidamente acomodados em desenho didático hipertextual e mobilizados por mediação docente interativa. A avaliação da aprendizagem formativa e contínua, na plataforma de e-learning, requer critérios que a mediação docente interativa promove, acionando, para isso, todos os cursistas em participação colaborativa. É preciso definir como atuar de forma excelente, satisfatória, ou fraca, no fórum, chat e wiki. É preciso definir também os critérios da autoavaliação. Tudo isso pode ser realizado com a participação on-line dos alunos. E, uma vez definidos no início do curso, os critérios deverão ser expostos na plataforma do curso, de modo a permitir consulta em qualquer momento, por todos os participantes, e, inclusive, abertos a modificações no processo. Especificamente para os fóruns e chats, os critérios podem ser formulados em perguntas, por exemplo: Alimentou a interlocução à maneira da colaboração e interatividade, superando a interação sem articulação?; Atendeu à construção do conhecimento proposto?; Agregou valor ao tema estudado, trazendo novos conteúdos pertinentes, em textos, áudios, vídeos, imagens, gráficos etc., fruto de pesquisa pessoal? 228
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E também como perguntas, podem ser formulados os critérios para a avaliação da participação na produção de texto coletivo (wiki). Exemplos: Negociou coletivamente a construção do texto?; Com base em pesquisa pessoal, atuou efetivamente no desenvolvimento das ideias e da redação?; Desenvolveu um texto com hiperlinks interno e externo?; Explorou recursos hipermídia, isto é, a convergência de mídias abertas a novos links, em som, texto, imagens, vídeo, mapas, gráficos etc.? Há ainda os critérios de autoavaliação, que também podem ser assim cocriados e propostos a cada cursista. Exemplos: Atendi aos objetivos de aprendizagem propostos?; Colaborei com a mediação docente na gestão da aula, disciplina?; Contribuí com ajustes no desenho didático, se necessário?; Participei ativamente das atividades individuais e coletivas propostas?; Resgatei colegas ausentes ou dispersos e os motivei à participação e colaboração nas atividades propostas?; Respeitei a diversidade de pontos de vista sem deixar de defender os meus? Com base em critérios como esses, professor e alunos observam, registram, acompanham e compreendem a evolução das aprendizagens individual e coletiva com a utilização de variadas e sucessivas atividades. A análise e síntese dos dados registrados determinam decisões e ações posteriores. As conclusões que emergem do trabalho realizado com base na verificação dos critérios passam a operar como diagnósticos que permitem ao professor, em particular, a reestruturação do planejamento, de modo a oferecer estratégias que possam estimular o aluno a superar suas dificuldades. Ao aluno, permitirá repensar sua autoria ou seu engajamento na aprendizagem proposta. Para ambos, a verificação ou aferição do aproveitamento serve como ponto de partida para a compreensão do estágio de aprendizagem em que se encontra o aprendiz, visando à tomada de decisões que promovam sua progressão. 229
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A mediação docente também precisa ser discutida, uma vez que opera articulada com a aprendizagem, através da avaliação participativa. Para um e para outro, o erro é indicador de que ainda não se chegou à solução necessária. Deve funcionar como “trampolim” para novo salto. Especificamente do professor, o erro requer o olhar epistemológico, a fim de encontrar sua origem para estabelecer outro percurso. Em suma, a ênfase recorrente de Hoffmann: a avaliação está a serviço da construção do conhecimento do aluno, subsidia a construção e reconstrução do processo de comunicação, aprendizagem e formação dos cursistas.
Considerações finais A avaliação mediadora, por sustentar-se em um processo dialógico, interativo, revela-se competente para constituir-se em importante referência para a construção da avaliação da aprendizagem na educação on-line, sintonizada com o cenário sociotécnico da cultura digital em sua fase web 2.0. A dinâmica dessa modalidade de avaliação pode ser potencializada pelos recursos da plataforma de e-learning, desde que haja mediação docente competente, sintonizada com o espírito do tempo e com a educação que tem como meio e fim as expressões livre e plural da autoria, compartilhamento, conectividade, colaboração, autonomia, diversidade, dialógica e democracia. A comunicação, a aprendizagem e sua avaliação podem usufruir da infraestrutura favorável da plataforma de e-learning, todavia, o professor será sempre o responsável número um pelo processo bem-sucedido. Necessitará de formação competente e contínua para levar à frente o desafio da formação discente na modalidade on-line. Na sala de aula presencial, está acostumado ao baixo nível de participação oral dos alunos, à ênfase em atividades solitárias, à aprendizagem mecânica de conhecimento factual, à distribuição 230
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em massa das informações ditas “conhecimento”, como principal objetivo do ensino. O modus operandi da avaliação que aí implementa, certamente, reflete esse cenário avesso à formação cidadã. A formação competente para a docência e avaliação deverá, inicialmente, acolher seus vícios herdados da cultura do audiovisual que separa emissão, que tem o controle sobre a mensagem, da recepção. Terá de ter paciência com sua convicção comodamente baseada na manutenção de barreiras intransponíveis entre a produção e a recepção do “conhecimento”. Respeitando seu saber docente historicamente construído, a formação competente precisará construir com ele o entendimento de que precisa se desvencilhar da cômoda oratória do mestre e da crença de que o aluno se submete ao constrangimento do espectador que apenas assiste, ouve, copia e presta contas pontuais. Em formação competente, ele se dará conta de que precisa preparar-se para atuar na sala de aula on-line e nela avaliar, sem temer a falta da presença física que sedimentou o modus operandi do vigiar e punir. Terá de superar sua exclusão digital, sabendo que tem pela frente a adesão inarredável da presença virtual ao ambiente de aprendizagem e de avaliação aberto à interconexão dos computadores em rede. Cada aprendiz, a partir de qualquer lugar, utiliza seu computador, tablet ou celular conectado à Internet para comunicar e aprender. Exatamente aí, no ciberespaço, ele deverá saber construir a materialidade da ação comunicativa capaz de contemplar a docência, a aprendizagem e a avaliação.
Referências HOFFMANN, Jussara. Avaliação mediadora: uma prática em construção da pré-escola à universidade. 23. ed. Porto Alegre: Mediação, 2004a. 231
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Notas Sociólogo, doutor em educação e professor associado da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: mparangole@gmail.com. 1
Disponível em: <http://pautascgceducacao.blogspot.pt/2014/06/avaliacao-sob-otica-da-especialista.html>. Acesso em: 10 jun. 2014.
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Modelos Pedagógicos de EaD em Ifes Brasileiras: Processos de Reconfiguração do Tradicional para o On-line Selma dos Santos Rosa1
Introdução
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uma época em que a aprendizagem e o conhecimento se configuram cada vez mais como realidades em permanente desenvolvimento, a Educação a Distância (EaD) acomodase como modalidade educacional fortemente ancorada nas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) que, progressivamente, integram os sistemas educacionais. Experiências nacionais e internacionais relatam o potencial da EaD, nomeadamente da sua parcela on-line, e das intencionalidades e dificuldades de as Instituições de Ensino Superior (IES) se distanciarem dos modelos da primeira e da segunda geração da EaD, já discutidas amplamente por pesquisadores nacionais e internacionais, e se aproximarem das gerações em que as TDIC imperam. Ao longo da nossa trajetória profissional e acadêmica nessa modalidade de ensino, temos constatado que modelos teóricos são fundamentais, mas concretizá-los no anônimo dia a dia da prática de quem a consolida é uma ação com alto grau de dificuldade, que exige a concretização de estratégias específicas para os diversos campos de conhecimento. Assim, o desafio emergente que as IES têm a enfrentar é adaptar seus projetos de curso a distância às características peculiares a essa modalidade de ensino. Como consequência, aspectos epistemológicos, organizacionais, pedagógicos, 234
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metodológicos e tecnológicos, já estabelecidos, requerem atenção e, se necessário, se submeter a readaptações na perspectiva de manter uma oferta de cursos com qualidade, uma vez que o resultado incidirá na formação das pessoas envolvidas e poderá interferir no sistema educacional, tanto no presencial quanto no a distância. Nesse contexto, no presente artigo, priorizamos a reflexão e divulgação de práticas de EaD, com destaque ao uso das TDIC. Com a proposição de identificar processos de reconfiguração da EaD tradicional para a on-line em modelos pedagógicos de cursos de nível superior ofertados em Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) brasileiras. Para isso, reunimos quatro pesquisas realizadas em três Ifes, as quais desenvolvem cursos na modalidade semipresencial, cuja estrutura é composta por EaD, aliada a eventos presenciais, ou seja, desenvolve-se blended learning. Partimos do pressuposto de que uns dos desafios postos a esses modelos é transcender o discurso da educação on-line, potencializada pela interação e colaboração virtual, para a prática de operacionalizá-la na realidade das Universidades públicas brasileiras. Nesse sentido, enfatizamos a participação dos docentes na constituição dos modelos pedagógicos de EaD, a partir das suas práticas pedagógicas, cotidianas, aliadas às diretivas das suas IES. Nossas conjecturas são de que a EaD tradicional reconfigura-se para a educação on-line na medida em que a maioria do tempo de ensino e aprendizagem se realize on-line; os recursos didáticos digitais (on-line) substituam ou predominem sobre o uso dos materiais impressos; a interação e a colaboração virtual pedagógica prevaleçam sobre a presencial, seguramente, em termos de quantidade e, potencialmente, em termos de qualidade; ocorra a proeminência da combinação da comunicação virtual síncrona e assíncrona, associando a aprendizagem individual com a colaborativa. Passamos à apresentação de contribuições teóricas sobre 235
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modelos pedagógicos de EaD e, sem seguida, apresentamos a pesquisa empírica, supramencionada, com a metodologia de pesquisa utilizada.
Conceitos de Modelo A noção de “modelo” tem sido apresentada pela comunidade científica a partir de sua concepção filosófica encontrada, por exemplo, em Kuhn (1996), sobre paradigma ou modelo, corroboradas por outras pesquisas com adaptações a contextos específicos, como, por exemplo, estudos de Biembengut (1999), na Modelagem Matemática, e de Behar (2009) e Gaspar et al. (2006), os quais apresentam pesquisas sobre a compreensão desses termos e sua concepção e aplicação na EaD. Kuhn (1996) notou que a concepção de ciência tradicional não se ajustava ao modo pelo qual a ciência real nasce e se desenvolve, ao longo do tempo. Essa percepção da inadequação histórica das ideias usuais sobre a natureza da ciência o conduziu à filosofia da ciência. Uma disciplina torna-se uma ciência quando adquire um paradigma (que significa fundamento, exemplo, padrão, modelo, ou diversas maneiras de ver o mundo). Uma mudança de paradigma na EaD, por exemplo, pode significar que padrões ou modelos dessa modalidade foram substituídos por novos. A categoria paradigma foi construída a partir das ciências duras (hard science), principalmente a Física. Para Kuhn (1996), as ciências sociais e humanas (soft science) foram consideradas pré-paradigmáticas, embora mais tarde muitos autores se apropriaram do termo, em particular, na Educação. Em Biembengut (1999, p.1), encontramos o termo modelo definido como projeto oriundo de uma representação que permita sua produção, reprodução, ou execução. Para essa autora, esses projetos podem “ser modificados, combinados ou alterados gerando, assim, outros Modelos, por sua vez, outros objetos, outros métodos, outras técnicas”. Em outras 236
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palavras, um modelo pode servir de base para outros. Biembengut (1999, p.1) salienta que “um Modelo é um conjunto de símbolos os quais interagem entre si representando alguma coisa. Esta representação pode se dar por meio de um desenho ou imagem, um projeto, um esquema, um gráfico, uma lei matemática, dentre outras formas”. A autora acrescenta que “o valor do Modelo vai além dos motivos de quem o Modelou, mas essencialmente dos motivos daqueles que dele se servirão” (BIEMBENGUT, [s/d], p.1). Behar (2009, p.21) define modelo como “um sistema figurativo que reproduz a realidade de forma mais abstrata, quase esquemática e que serve de referência”. Segundo ela, um modelo pedagógico possui elementos que constituem sua estrutura, alicerçada sobre determinado paradigma, norteado por uma ou mais teorias educacionais. O conjunto desses elementos é denominado, pela autora, de Arquitetura Pedagógica (AP), que, por sua vez, possui quatro componentes relacionados à organização; ao conteúdo: “materiais instrucionais e/ou recursos informáticos utilizados, objetos de aprendizagem, software e outras ferramentas de aprendizagem”; à metodologia: “atividades, formas de interação/ comunicação, procedimentos de avaliação e a organização de todos esses elementos em uma sequência didática para a aprendizagem”; e à tecnologia: inclui Ambiente Virtual de Ensino e de Aprendizagem (Avea), suas funcionalidades, e outras ferramentas de comunicação. Notamos que os elementos constituintes da AP têm sido encontrados nas concepções de Sistema de EaD (MOORE; KEARSLEY, 2007). Nessas concepções, assim como na da AP, evidenciamos que tais elementos, apesar de apresentados em partes, constituem o todo de um sistema de EaD e, portanto, são indissociáveis na sua constituição. Nas Universidades públicas brasileiras, constatamos que não é comum a adoção ou a elaboração de um modelo pedagógico de EaD institucionalizado, visto que as diretivas 237
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organizacionais, tecnológicas e pedagógicas são descritas nos Projetos Político-Pedagógicos (PPP) de seus cursos, os quais passam a nortear diferentes modelos pedagógicos, não formalizados com essa nomenclatura, mas implícitos nos panejamentos dos docentes, com outros profissionais envolvidos em suas respectivas disciplinas. Para isso, são seguidas as diretivas preestabelecidas nos PPP dos cursos, enquanto algumas devem ser cumpridas em todas as disciplinas, como, por exemplo, as avaliações presenciais, preconizadas pela legislação brasileira. Para Pereira et al. (2007), a Universidade Aberta de Portugal (UAb), por exemplo, adota a denominação Modelo Pedagógico Virtual, na qual o termo modelo é considerado “uma construção que procura representar situações educativas”. Nele, é apresentado um quadro geral de referência das atividades educativas, com o objetivo de ser um instrumento que forneça subsídios para a organização e o desenvolvimento das práticas de ensino e aprendizagem. Já a virtualidade, expressada na denominação do modelo da Uab, retrata a proposição de enfatizar o uso das TDIC nos processos de ensino e aprendizagem, com ênfase na flexibilidade que esses recursos podem prover com relação a questões espaciais e temporais. Nesse sentido, o uso de ferramentas assíncronas é destacado. Pelo exposto, neste artigo, no sentido kuhniano na educação, destacamos mudanças paradigmáticas provocadas pelas TDIC, cuja introdução tem conduzido (e pressionado) as instituições de ensino à adoção de novos perfis, bem como à reformulação das funções dos docentes, alunos e gestores educacionais. Consideramos que um modelo pedagógico de EaD para o ensino superior requer a adoção de um ou mais pressupostos teóricos, fundamentados em uma epistemologia, com adaptações nas suas diversas partes – que se encontrem interligadas e que possam ter dependência entre si, de acordo com os pressupostos epistemológicos do professor, ou 238
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do conteúdo. Também consideramos que essas partes, apesar disso, podem sofrer mudanças/rupturas em suas estruturas, mantendo, porém, aspectos organizacionais e pedagógicos necessários para preservar a identidade do modelo na totalidade. Parte-se de uma organização inicial (por exemplo, o PPP) que poderá sofrer alterações identificadas por um processo de avaliação contínua, evidenciadas nas necessidades imprevisíveis (perfil do professor e do aluno, condições estruturais) que podem surgir durante sua execução. Tais alterações proporcionam flexibilidade ao modelo (no sentido de estar aberto a mudanças), que visam mantê-lo dinâmico, sendo adaptado quando necessário, a cada nova situação, culminando com sua evolução/manutenção e com o alcance dos seus objetivos. De modo geral, um modelo pressupõe estruturas com elementos norteados por contribuições teóricas, “ideias”, de acordo com as proposições de quem o cria. Entretanto, geralmente, não é alinhado, como deveria ser, à sua “prática”. Fato que conduz a dificuldades de concretizá-lo, tendo em vista condições e contextos que se estabelecem no exercício das práticas pedagógicas.
Modelos pedagógicos de EaD tradicional e de educação on-line Característica comum disposta nas definições ou nos conceitos da EaD é a flexibilidade temporal e a não presencialidade, implicando autonomia do aluno, definida como a capacidade de se governar por si mesmo, pressupondo-se que ele organize seu tempo e seus estudos, bem como tome decisões e execute ações. Essas características, juntas, favorecem o atendimento a alunos dispersos geograficamente e possibilitam um alcance maior, em diversos territórios não atendidos presencialmente e onde alguns cursos presenciais não chegam. 239
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Há os que defendem que se o tempo a distância for maior do que o tempo de estudos presenciais, pode-se considerá-los como EaD. Esse parâmetro pode contribuir para a definição da semipresencialidade, ou blended learning, e também para os que preveem a comunicação bilateral entre os envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem. Keegan (2004) apresentou conceitos de EaD que enquadram cenários semipresenciais, esporádicos, os quais favorecem o encontro presencial entre aluno e professor, para propósitos didáticos ou de socialização. Alguns anos depois, esse autor acrescentou a essa definição a possibilidade de esses eventos acontecerem também por meios eletrônicos. Nessa época, ele já não mencionava, em sua definição, características da “industrialização”. Além disso, em sua redefinição sobre EaD, enfatizou o uso das TDIC, tendo em vista sua evolução na sociedade contemporânea. No sentido explicitado, passou-se a acrescentar, às definições de EaD, aspectos relacionados à comunicação dos alunos entre si (grupo de alunos) e entre esses alunos e os professores, por meios de comunicação bidirecionais. Sob esse enfoque, as características da interação do aluno são ultrapassadas apenas com os recursos didáticos, e essa interação o aproxima do professor, da mesma forma que aproxima o professor do papel de mediador. Por outro lado, há autores que enfatizam que os textos impressos, muitas vezes, podem simular ou substituir a conversação entre professor e aluno. Kearsley (2011) considera a importância de diferenciar a EaD tradicional da educação on-line. Esta última, para o autor, representa o futuro da aprendizagem e do ensino. Sob essa perspectiva, apresenta temas que ilustram aspectos que a potencializam. Embora considere que algumas características aparecem em ambos os contextos (tradicional e on-line), pondera que a educação on-line pressupõe: − a colaboração e conectividade favorecidas pelas TDIC; − o foco no aluno, que recebe orientações do professor, 240
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mas que determina e direciona, seguindo diretivas, sua participação nas atividades; a eliminação de fronteiras que favorecem o acesso à informação a qualquer hora, em qualquer lugar do mundo, por meio da Internet, e possibilita o acesso de pessoas que vivem em lugares remotos, das que têm deficiência física, e dos que não dispõem de tempo para se deslocar aos centros de estudo; a criação de comunidade que pode unir qualquer pessoa com interesses comuns, por meio de website, rede social ou blog, e proporcionar mais acessibilidade e conectividade; a exploração, relacionada à possibilidade de acessar conteúdos e informações, como, por exemplo, para elaborar projetos, resolver situações-problema, tendo em vista a importância do acesso a recursos de pesquisa nesses tipos de atividade; o conhecimento compartilhado, possibilitado pelas redes de computadores em tempo real, de forma imediata quando conectado à Internet; as experiências multissensoriais, possibilitadas pelo vídeo, áudio, propiciando interação aproximada ao contato pessoal; a autenticidade, no sentido de ter acesso aos especialistas e potencializar as atividades pedagógicas; e o acesso direto a repositórios de dados de pesquisas científicas, documentos diversos e atas de conferências também conduzem à autenticidade.
Características do modelo de EaD tradicional, no que tange à instituição, ao professor e aluno, aos conhecimentos e conteúdos, indicam que a instituição é tida como um centro de conhecimento e fornecimento de fatos, conceitos e princípios; o professor é um transmissor de conhecimento, o centro de informações, e considerado possuidor absoluto 241
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dos conteúdos curriculares; o aluno é um memorizador de conhecimento transmitido pelo professor, consumidor passivo de informações, condescendente com as verdades do mundo real, que lhes são transmitidas; o conhecimento é transmitido pelo professor e memorizado pelo aluno e, com isso, o ritmo do conhecimento é controlado pelo professor; os objetivos educacionais centram-se na quantidade da informação e qualidade de instrução; os conteúdos curriculares são padronizados, estáveis e disponibilizados em livros; as informações são limitadas ao professor, que as transmite aos alunos; e as pesquisas limitam-se às bibliotecas locais. Aferimos, de acordo com os apontamentos anteriores, que a EaD tradicional, tal como exposta, considera um modelo fundamentado no ensino transmissivo e instrucional, com poucas, ou nenhuma, interação e cooperação entre alunos e docentes. Enfatizamos a atenção dada às TDIC, especialmente às disponíveis nos Avea, como, por exemplo, na plataforma Moodle, enquanto recursos de apoio à EaD nos processos de mediação e interação pedagógica. Da mesma forma, destacamos que as TDIC não agregarão qualidade aos processos de ensino e aprendizagem, caso sejam estabelecidas numa relação de muitos alunos para um docente (professor ou tutor). No sentido exposto, comumente, encontramos destacados, na literatura, dois tipos de interação que podem ser inseridos em contextos de ensino e aprendizagem a distância. São eles: a relação aluno e professor e a relação aluno e material. O primeiro é considerado essencial, em cursos que valorizam a interação. Já o segundo se aplica a turmas com número excessivo de alunos, o que torna necessário, nesse caso, reduzir a interação e aumentar a parte tecnológica e a midiatização. Para isso, consideramos que os alunos precisam ter ao seu dispor materiais com alto grau de qualidade e de dialogicidade, que lhes permitam fazer a autogestão da sua aprendizagem, com ênfase em sua auto242
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nomia e independência. Essa vertente, porém, pode incutir características do atendimento massificado originado por essa concepção de autonomia do aluno. Assim, se for dada mais ênfase ao material impresso ou a outros materiais concebidos para a EaD de massa, maior será o número de alunos e menores serão a interação e a colaboração direta e indireta entre alunos e docentes. A EaD pressupõe um grau de participação do docente altamente interativo e assíduo e, para que isso seja possível, é imperativo atentar para a importância da carga horária que terá disponível para realizar suas atividades como docente on-line. Quanto maior for o nível de interatividade, mais trabalho o professor terá que despender, pois a organização da estrutura das atividades, o planejamento, os processos avaliativos, a organização dos conteúdos e moderação do curso implicam muito trabalho ao docente. Kearsley (2011, p. 86), por exemplo, calcula que, “se uma classe tiver trinta alunos e o professor gastar em média vinte minutos por aluno avaliando seu trabalho e oferecendo o devido retorno a cada semana, isso resulta em dez horas por semana para uma classe”. Essa estimativa considera apenas as interações com os alunos e não inclui o tempo que envolve todos os preparativos de um curso. Kearsley (2011) complementa seu argumento afirmando que, quando há classes (ou turmas) com mais de 30 alunos, os professores devem contar com tutores que tenham experiências com recursos on-line e que, preferencialmente, já tenham tido a experiência de ser aluno nessa modalidade. A seguir, apresenta-se uma pesquisa empírica, cuja proposição foi identificar componentes de modelos pedagógicos de EaD brasileiros que os aproximam ou os afastam da educação on-line.
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Estudo de Caso Coletivo - Modelos Pedagógicos de EaD em Ipes Brasileiras: Processos de Reconfiguração da EaD Tradicional para a On-line Nesta seção, apresentamos a metodologia da pesquisa e os resultados obtidos por meio de um estudo de caso coletivo. Cabe lembrar que, neste artigo, tivemos a proposição de apresentar contribuições para modelos pedagógicos de EaD para o ensino superior brasileiro, no que tange ao uso de TDIC. Enfatizamos a participação do docente na constituição desses modelos, a partir das suas práticas pedagógicas, cotidianas, aliadas às diretivas da sua Ifes, o que inclui aspectos organizacionais, de infraestrutura e pedagógico.
Metodologia Esta pesquisa, de natureza qualitativa, baseia-se no estudo de um problema, com a finalidade de interpretar fenômenos, a partir da exploração de informações e diálogos aferidos por pessoas que, de alguma maneira, deles participam, ou com eles estão envolvidos (COUTINHO, 2011). A investigação relatada constituiu-se de um estudo de caso coletivo. Nesse tipo de abordagem, predomina o estudo de vários casos conjuntamente, para obter melhor contextualização e compreensão de um fenômeno, uma população ou uma condição geral (STAKE, 2005). Assim, o processo de investigação partiu dessa necessidade de conhecer a realidade do contexto em que o fenômeno (educacional) em estudo está inserido. Para isso, selecionamos três Ifes e dois cursos: Licenciatura em Física, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); e Licenciatura em Matemática, na UFSC e na Universidade Federal Fluminense (UFF). Ressaltamos que, na UFF, a Licenciatura em Matemática é executada por meio 244
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da parceria estabelecida por essa instituição com o Centro de EaD do Estado do Rio de Janeiro (Cederj) e com a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). A ênfase deste estudo de caso não se deslocou para as Ifes ou para uma licenciatura específica, mas para o que docentes revelaram sobre modelos de EaD brasileiros. Evidenciamos pontos comuns entre esses casos e elucidamos os pontos particulares de cada um. Os instrumentos de coleta de dados constituíram-se de entrevista oral semiestruturada, composta por questões abertas. Contamos com a participação de 29 docentes. A coleta de dados foi realizada nos anos de 2012 e 2013. Após a coleta, passamos à organização, ao tratamento e à análise dos dados empíricos, constituídos das entrevistas, em três fases: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados (COUTINHO, 2011). As categorias de análise e o guia de entrevista, constituíram-se dos temas: – Literacia digital, no qual indicamos as competências julgadas necessárias para consolidar o uso eficaz de TDIC no contexto profissional do aluno. São elas: competências instrumentais: domínio de requisitos de manipulação de softwares e hardwares e de navegação; e competências cognitivas: avaliar, criticar, selecionar assimilar e usar, com enriquecimento cultural próprio e/ou coletivo: – Componente presencial, fortemente inserida nos Modelos de EaD brasileiros, se torna importante para a realização de atividades que envolvam o ensino e aprendizagem de campos de conhecimentos específicos, ou por aspectos relacionados à falta de infraestrutura tecnológica para a comunicação síncrona virtual; – Recursos midiáticos, com a identificação de quais recursos são utilizados nos processos de ensino e aprendizagem; – Interação pedagógica, considerada a base para a cons245
Modelos Pedagógicos de EaD em Ifes Brasileiras...
trução do conhecimento e, por isso, defendemos que ocupe papel fundamental no processo de ensino e aprendizagem na EaD; – Aprendizagem colaborativa, que envolve a construção de significado a partir da interação com outras pessoas que comungam proposições. Nela, a ênfase se desloca para compartilhar conhecimento e atribuir valor e atenção às manifestações e argumentações dos outros. Potencializada em comunidades de aprendizagem, constitui-se o veículo pelo qual se objetiva construir conhecimento por meio da colaboração. Para a análise, utilizamos duas fontes de dados: a) PPPs dos quatro cursos das três Ifes brasileiras; e b) Pesquisa de Campo, constituída pelo estudo de caso coletivo. Passamos à apresentação da síntese dos resultados obtidos a partir desse processo de análise, cuja pesquisa completa encontra-se disponível na tese de doutorado da autora (SANTOS ROSA, 2014).
Resultados Nos PPP dos cursos investigados, evidenciamos a ênfase dada à abordagem sociointeracionista, à dialogicidade no processo de ensino e aprendizagem, e ao uso das TDIC como meios de interação e comunicação. A natureza teórica dos PPP corrobora as expectativas expressas na literatura relacionada a esse tema. Da análise das dificuldades cotidianas na prática de um modelo de EaD emergem reflexões sobre como evitá-las, tratá-las, ou, até mesmo, superá-las nos modelos que se encontram em fase de transição do tradicional para o on-line, como o modelo brasileiro. Dentre as componentes do modelo brasileiro, apresentado nesta pesquisa, que o afasta do modelo de educação on-line, destacam-se: a ênfase na presencialidade; o uso 246
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de recursos que sobrecarregam atividades dos docentes, como a tutoria por telefone; a quantidade de alunos versus docente; as condições contratuais dos docentes, bem como a sobrecarga de trabalho acumulada com atividades da educação presencial; a falta de infraestrutura tecnológica; e devido a problemas relacionados a limitações instrumentais e cognitivas dos docentes e dos alunos, em conduzirem o processo de ensino e aprendizagem, por meio de TDIC. Por outro lado, há expectativas e esforços dos docentes brasileiros em promover EaD de qualidade, e para isso, consideram que a interação e a colaboração pedagógicas são fatores fundamentais para essa finalidade. Encontram, porém, obstáculos para promovê-las em meios virtuais, devido às limitações supramencionadas, aliadas às dificuldades pedagógicas e epistemológicas que caracterizam atividades realizadas com TDIC. Conforme identificamos nas Ifes participantes desta pesquisa, não há abordagem única para o uso das TDIC na EaD e existem vários métodos híbridos (on-line e off-line) ou puros (on-line). Combina-se, em alguns casos, o que se considera adequado e, noutros, o melhor do on-line e do off-line possível de ser realizado nas condições de trabalho do docente, das suas limitações advindas de sua formação inicial, dos recursos tecnológicos, e da disponibilidade do aluno. A partir dessas constatações, aferimos que o desenvolvimento com fluência e crítica tecnológica dos docentes e também dos alunos e o acesso garantido às tecnologias, que possibilitam conexão de qualidade, constituem um dos desafios para a construção do conhecimento na educação atual e futura. No início deste artigo, apresentamos os pressupostos que conduzem à reconfiguração de modelos de EaD tradicionais para on-line: a maioria do tempo de ensino e de aprendizagem se realiza on-line; os recursos midiáticos digitais (on-line) substituem os materiais impressos; a interação e a 247
Modelos Pedagógicos de EaD em Ifes Brasileiras...
colaboração virtual pedagógica prevalecem sobre a presencial, seguramente, em termos de quantidade, e, potencialmente, em termos de qualidade; e a proeminência da combinação da comunicação virtual síncrona e assíncrona, associando a aprendizagem individual com a colaborativa. Com base nesses pressupostos, elencamos componentes de processos de modelos de EaD tradicionais e de modelos de EaD on-line: − Componentes de um modelo pedagógico de EaD tradicional: a) componente pedagógica presencial relevante; b) predomínio de uso de recurso midiático impresso; c) interação aluno-material impresso (aprendizagem individual), e interação presencial aluno-aluno e/ou aluno-docente; d) colaboração em grupos nos polos presenciais; e) literacia digital moderada. − Componentes de um modelo pedagógico de EaD on-line: a) componente pedagógica presencial irrelevante; b) predomínio de uso de recurso midiático digital (on-line e off-line); c) interação virtual aluno-aluno; aluno-docente; aluno-material (aprendizagem individual); d) colaboração em redes/grupos sociais ou Avea; e) literacia digital relevante. Na Figura 1, está esquematizada a distribuição dos componentes supracitados, os quais correspondem a modelos de EaD tradicional e modelos de educação on-line praticados em Ifes brasileiras, de acordo com nossa pesquisa empírica.
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Figura 1 – Componentes de modelos de EaD tradicional e on-line de Ifes brasileiras
Fonte: Elaborado pela autora.
Conforme as legendas ilustradas na Figura 1, os elementos dispostos nos retângulos representam componentes que predominam em modelos brasileiros (componente presencial relevante; recurso midiático impresso; interação presencial: aluno-aluno, aluno-docente e aluno-conteúdo; colaboração em grupos nos polos presenciais; e literacia digital moderada). Os que se encontram dispostos em círculos representam os eventos que ocorrem esporadicamente em modelos brasileiros (recurso midiático digital (on-line e off-line); interação virtual: aluno-aluno, aluno-docente e aluno-conteúdo; e colaboração em redes/grupos sociais ou Avea). Já os eventos inseridos em triângulos indicam componentes não enfatizados nos modelos brasileiros (componente presencial irrelevante e literacia digital relevante). Revelamos que predominam as componentes do modelo tradicional, com eventos esporádicos do modelo on-line. Não obstante, a pesquisa ora apresentada sinaliza para mudanças epistemológicas e pedagógicas e também para a 249
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criação de novas oportunidades, mesmo que em pequena escala, para envolver os alunos em ambientes mais acessíveis e que potencializem a interação e a colaboração virtual pedagógica, seguramente em termos de frequência e qualidade. No entanto, é relevante salientar que os modelos de EaD manifestam-se distintamente nas diversas fases de um curso. No início, com grande quantidade de alunos; no meio, com significativa redução; e, no final, se aproximando de quantidade de aluno versus professor ideais, segundo perspectivas teóricas já discutidas. Assim, modelos de EaD brasileiros podem, ora se aproximar da EaD tradicional e do predomínio da EaD industrial, de massa; ora, podem se aproximar da EaD on-line, com ênfase no uso das TDIC e na colaboração e interação pedagógica, em períodos finais. Docentes apontaram diferentes situações pedagógicas que podem integrar as diversas TDIC e, com isso, caminham para a educação on-line. Notamos, também, tendência à adesão de recursos extras aos disponíveis no Avea institucional, principalmente para ações de interação e colaboração pedagógica. Assim, algumas implementações estão sendo incorporadas aos cursos, as quais conduzem ao uso de TDIC, provocando mudanças significativas nas concepções pedagógicas e epistemológicas dos docentes, relacionadas à docência on-line, bem como interferindo no processo de aquisição ou aperfeiçoamento da literacia digital do aluno. A distribuição de materiais off-line (impressos ou digitais), como, por exemplo, de vídeos, é bem recebida nessas Ifes para a apresentação de determinados conteúdos. Alertamos que, nos casos em que materiais dessa natureza constituem solução adequada, a capacidade de conexão à Internet pode representar obstáculo para o acesso do aluno. No entanto, destacamos que esse tipo de distribuição conduz ao distanciamento da educação on-line e, consequentemente, da efetivação da aprendizagem colaborativa e da interação pedagógica on-line. 250
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Ao interagir com docentes, notamos que os modelos de EaD dos quais participam estão em permanente processo de reconfiguração, em cada uma das Ifes envolvidas, e que os pontos mais significativos se ligam às estratégias, aos espaços e meios de interação e comunicação pedagógicos entre aluno e aluno, aluno e professor, e aluno e material didático. O desenvolvimento com fluência e crítica tecnológica dos docentes e também dos alunos e o acesso garantido às tecnologias que possibilitam conexão de qualidade constituem desafios para a construção do conhecimento na educação atual e futura. Consideramos que essa será cada vez mais potencializada pelo “on-line”, tendo em vista a adesão, cada vez mais ampla, a essas tecnologias, pela sociedade e, sobretudo, ao estímulo a novas abordagens de ensino e aprendizagem em que se transcendem obstáculos espaciais ou temporais. No âmbito da formação de professores, destacamos os cursos das instituições brasileiras, incluídos nesta investigação (Física e Matemática), cujo tema tem sido problematizado em diversas pesquisas, além de ser alvo de ações do governo federal, para atender a demandas da educação básica, que é emergencial e culmina com proposições relacionadas ao desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil. Entretanto, no que tange a modelos de EaD, consideramos que conteúdos e metodologia são indissociáveis e que áreas como a Física e Matemática, devido a suas características epistemológicas, pedagógicas e metodológicas, requerem processos e métodos específicos e, muitas vezes, necessitam de implementações diferenciadas das demais áreas de conhecimento. Nesse sentido, os profissionais envolvidos com a EaD, nessas áreas de conhecimento, assim como os alunos que dela se beneficiam, deparam-se com dificuldades e com novas competências necessárias para nela atuarem e que, consequentemente, influenciam ou influenciarão suas 251
Modelos Pedagógicos de EaD em Ifes Brasileiras...
práticas profissionais. Entendemos que o uso proeminente das TDIC na formação dos professores conduz a outras necessidades também emergenciais, com destaque à apropriação dessas tecnologias, que ainda é precária e se manifesta com mais evidência no nível instrumental, pelos professores-formadores das licenciaturas e dos futuros professores da educação básica. Julgamos fundamental avançar para o aperfeiçoamento no nível cognitivo do uso dessas tecnologias.
Considerações finais Salientamos que esta amostra de modelos de EaD Brasileiro está imersa, atualmente, num contexto de, aproximadamente, 454 cursos de bacharelado, licenciatura e tecnólogo, distribuídos em 96 Ipes (CAPES, [s.d.]). No entanto, em virtude de todas essas instituições serem alicerçadas por um mesmo fomentador de recursos financeiros (atualmente, o sistema UAB), pela mesma legislação e mesmas diretivas para prover EaD de nível superior, possuem similaridades e aproximações entre si. Não obstante, reconhecemos que a replicação desta pesquisa em todas as Ipes brasileiras públicas e em todos os cursos, ou até mesmo nos cursos envolvidos nesta pesquisa, porém com outros docentes, poderia encontrar distintas constatações das apresentadas na Figura 1, com maiores ou menores indicadores de afastamento ou de aproximações de um modelo de educação on-line.
Agradecimentos Aos coordenadores, professores e tutores dos cursos envolvidos nesta pesquisa pela disponibilidade, apoio e partilha das suas experiências. 252
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Referências BEHAR, P. A. Modelos pedagógicos em Educação a Distância. In: BEHAR, P.A.; Cols. (Org.). Modelos pedagógicos em educação a distância. Porto Alegre: Artmed. 2009. p. 15-32. BIEMBENGUT, M. S. Modelagem & etnomatemática: pontos (in)comuns. [2000?]. Disponível em: <http://www2.fe.usp. br/~etnomat/site-antigo/anais/MariaSalettBiembengut.html>. Acesso em: 16 jan. 2015. ______. Modelagem matemática & implicações no ensino-aprendizagem de matemática. Blumenau/SC: Furb. 1999. CAPES. Portal Ministério da Educação e Cultura. Universidade aberta do Brasil. Brasília/DF. 2012. Disponível em: < http:// portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=articl e&id=12265:universidade-aberta-do-brasil-uab&catid=248:uabuniversidade-aberta-do-brasil&Itemid=510>. Acesso em: 2 nov. 2014. COUTINHO, C. Metodologias de investigação em ciências humanas. Coimbra: Almedina. 2011. GASPAR, M. I.; PEREIRA, A.; TEIXEIRA, A.; OLIVEIRA. I. O paradigma como instância organizadora do modelo de ensino. In: 1ª Jornadas Do Centro De Estudos Em Educação E Inovação: Paradigmas Educacionais Em Mudança. Universidade Aberta, Lisboa/ Portugal. 2006. KEARSLEY, G. Educação on-line. Aprendendo e ensinando. Trad. Mauro de Campos Silva. Revisão técnica: Renata Ribeiro. São Paulo: Cengage Learning. 2011. KEEGAN, D. Foundations of distance education. 3. ed. 2004. KUHN, T.S. The structure of scientific revolutions. 3. ed. Chicago: University of Chicago. 1996. MOORE, M.; KEARSLEY, G. Educação a distância: uma visão integrada.Trad. Roberto Galman. São Paulo: Thomson Learning. 2007. PEREIRA, A.; QUINTAS-MENDES, A.; MORGADO, L.; AMANTE, L.; BIDARRA, J. Modelo pedagógico virtual da universidade aberta: para uma universidade do futuro. Lisboa: Universidade Aberta. 2007. p. 1-112. Disponível em: <https:// repositorioaberto.uab.pt/handle/10400.2/1295>. Acesso em: 23 jan. 2014. 253
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Nota 1 Professora de Informática e Educação na Universidade Federal do Paraná; Doutora em Educação Cientifica e Tecnológica – Mídia-educação, pela Universidade Federal de Santa Catarina; Mestre em Educação – Processos e métodos didáticos pedagógicos, pela Universidade Regional de Blumenau; Especialista em Desenvolvimento para Web; e Bacharel em Ciências da Computação pela Universidade Paranaense. Atua nas áreas de: Mídia Educação, Educação a Distância, Interação Humano Computador e Inclusão Digital. E-mail: selmadossantosrosa@gmail.com
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Docência Compartilhada: Uma Experiência de Estágio Curricular Supervisionado em EaD do Cead-Udesc Tania Regina da Rocha Unglaub1 Lidnei Ventura2 Maria Helena Tomaz3
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o contexto atual, com o avanço das tecnologias digitais, no Brasil, a educação a distância torna-se uma das vias para formar professores. Diante da possibilidade de ministrar aulas, proporcionar interação e a construção de conhecimentos sobre o saber pedagógico, o Centro de Educação a Distância da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) oferece o Curso de Pedagogia na modalidade a distância, para atender ao compromisso social de democratizar o processo de ensino e aprendizagem, que chega a todas as regiões de Santa Catarina e contribui para a profissionalização dos docentes e auxilia no redimensionamento dos quadros de profissionais das instituições públicas. Assim, o projeto de formação do Curso de Pedagogia a Distância, do Centro de Educação da Distância (Cead), da Udesc atua no sentido de formar um educador inserido em um contexto social amplo, na perspectiva crítico-social de desenvolver ações transfor255
Docência Compartilhada...
madoras, com vistas à melhoria da qualidade do ensino nos diversos locais de atuação. Prioriza conteúdos que auxiliam na análise e reflexão sobre o processo educativo, tendo em vista a diversidade do contexto sócio-político-econômico e étnico-cultural brasileiro, bem como o uso crítico das tecnologias de informação. O perfil do pedagogo a ser formado é o de um profissional capaz de desenvolver a prática docente reflexiva, para uma gestão democrática dos processos educativos em espaços escolares e não escolares presenciais e/ou a distância. Sua atuação deve envolver habilidades para a observação, análise, o planejamento, a coordenação e avaliação dos diversos sistemas educativos e dos processos de ensino com o uso de diferentes tecnologias e abordagens. Esse profissional deverá estar apto para a produção e difusão dos conhecimentos científicos, tecnológicos e culturais, bem como para assumir atividades de gestão e ensino em áreas emergentes do campo educacional. O estágio curricular supervisionado envolve saberes pedagógicos práticos, reflexivos, fundamentados e construídos nos parâmetros de pesquisa pedagógica que contribuem para a formação do docente. Para que esse processo se desenvolva na modalidade a distância, é necessário utilizar tecnologias digitais, com metodologia interativa e significativa, no sentido que Silva (2009) propõe, tornando, assim, a educação como possibilidade para todos. A docência compartilhada é uma das especificidades para que o Curso de Pedagogia a Distância do Cead-Udesc se concretize. Portanto, este artigo apresenta, em três partes, a forma como ocorre a docência compartilhada no Estágio Curricular Supervisionado. No primeiro momento, constam os procedimentos operacionais do Estágio Curricular de Ensino que compõem a estrutura do processo de estágio, bem como os agentes envolvidos. Em seguida, é abordada a forma como se articula a mediação pedagógica 256
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através das tecnologias digitais, com o objetivo de democratizar o aprendizado para a construção de uma prática pedagógica reflexiva e articuladora da teoria e prática. Na última parte, discorre-se sobre a formação continuada dos profissionais referência, de estágio na educação a distância, para fazer o acompanhamento dos estudantes do Curso de Pedagogia do Cead-Udesc.
Estrutura do Processo de Estágio e Agentes Envolvidos O Estágio Curricular Supervisionado de Ensino, no Curso de Pedagogia a Distância, do programa UAB, está inserido no contexto do exercício profissional e é realizado em quatro disciplinas, que podem ser chamadas de etapas. A carga horária das quatro disciplinas totaliza 324 horas, divididas em: Estágio Supervisionado I - 72 horas (4a fase); Estágio Supervisionado II – 72 horas (5a fase); Estágio Supervisionado III – 90 horas (7a fase); Estágio Supervisionado IV – 90 horas (8a fase). A carga horária do estágio prevê dedicação na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, porém, parte das horas é ocupada em outros espaços educativos alternativos. O processo propõe uma investigação preliminar sobre o contexto educacional, por meio da pesquisa-ação, e oferece subsídios para a elaboração de um projeto de intervenção no espaço educativo. O estágio supervisionado é um componente obrigatório do eixo do exercício profissional do curso e atividade intrinsecamente vinculada às demais atividades acadêmicas e à Prática como Componente Curricular (PCC) que resultará em um trabalho acadêmico integrado. Em 2014, no Curso de Pedagogia a Distância do Cead-Udesc, 340 alunos acessaram a segunda etapa do estágio supervisionado (5a fase), e 855 concluíram a terceira etapa (7a fase). Esses alunos residem em diferentes 257
Docência Compartilhada...
municípios de todas as regiões de Santa Catarina, e fazem parte dos 32 polos localizados no estado. Graças à organização da estrutura, muito bem articulada e sistêmica, foi possível atender às exigências e necessidades de um estágio curricular supervisionado apropriado para a formação de professores. A proposta do estágio é a docência compartilhada, com o suporte de um sistema tutorial, organizado por equipe multidisciplinar, acompanhada por gestores, professores da disciplina, professores formadores e profissionais referência, que acompanham in loco o exercício da prática pedagógica dos estudantes. Segue Na Figura 1, consta o organograma da estrutura do estágio do Curso de Pedagogia a Distância do Cead-Udesc. Figura 1 - Estrutura do processo de estágio e agentes
Fonte: Manual do Estágio, 2013, p.19.
Ao examinar a Figura 1 percebe-se a importância de cada instituição e o pessoal envolvido. Cabe a toda a equipe trabalhar de forma articulada e dialogada em prol da formação docente dos acadêmicos do curso. Na instituição formadora, o coordenador de Estágio de Centro tem como responsabilidade a administração e super258
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visão geral do estágio pelo Centro e pela Presidência do Comitê de Avaliação do Estágio Curricular. Esse profissional deve providenciar os convênios com os respectivos sistemas de ensino para oficializar a parceria entre as partes envolvidas; realizar o contato com o campo de estágio, que é a instituição educativa acolhedora; entre outras atividades. O coordenador de Estágio de Curso é responsável por coordenar, administrar e pelo funcionamento dos estágios por curso e atua em auxílio às atividades da Coordenação de Estágio de Centro. O professor da disciplina, outro agente da docência compartilhada, responsabiliza-se pela ministração de aula na(s) disciplina(s) de estágio; também é responsável pelo planejamento, pela orientação, pelo acompanhamento e pela avaliação do estágio e do estagiário. O supervisor docente, outro agente, também conhecido como professor formador, é o profissional que atua no local de desenvolvimento das atividades de estágio, bem como no exercício simultâneo da função de orientador de estágio. O tutor on-line, mediante orientação do professor, auxilia nas atividades e leituras on-line. No Polo de Apoio Presencial encontra-se o tutor presencial, que auxilia o estagiário na definição do campo de estágio e mapeia os locais, informando o professor orientador de estágio; orienta o estagiário na organização dos documentos necessários ao desenvolvimento do estágio; organiza encontros com os alunos, seminários parciais e a socialização final de Avaliação do Estágio Curricular Supervisionado, conforme cronograma previsto no Plano de Ação. Na Instituição Acolhedora estão os profissionais referência. Esse profissional é um educador devidamente habilitado e responsável pelo acompanhamento, pela supervisão e avaliação do estagiário no local de desenvolvimento nas atividades de estágio. Para que esse profissional se articule de acordo com o PPP do curso, é oferecido um curso on-line de formação continuada para que compreenda o seu papel e a dinâmica da modalidade a distância. 259
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Tal estrutura de processos e agentes envolvidos no Estágio Curricular Supervisionado favorece o exercício da docência para formar um educador reflexivo, pesquisador e crítico que contribua com a formação de cidadãos éticos e comprometidos com a sociedade.
Proposta Pedagógica do Estágio: O Estágio como Práxis Contextualizada numa estrutura que privilegia a docência compartilhada, o Estágio Curricular Supervisionado no Curso de Pedagogia a Distância é concebido como uma das instâncias articuladoras entre a teoria e a prática no processo de formação de professores. Dessa forma, a proposta pedagógica do estágio fundamenta a construção da práxis pedagógica a partir da compreensão e ressignificação das relações dialéticas e dialógicas existentes no contexto educativo, considerando o movimento de todos os seus atores. Esse processo de reflexão crítica da realidade em que o graduando está inserido no momento do estágio também potencializa a reflexão sobre suas próprias práticas; a reconstrução contínua de sua formação como pedagogo e de sua identidade como docente. A compreensão do estágio como campo aglutinador de diferentes saberes aponta, portanto, possível problematização na intervenção docente e a construção de uma práxis inserida na própria escola, que se transforma em um espaço de formação no qual a reflexão sobre as práticas desenvolvidas fundamenta outras novas práticas dos sujeitos envolvidos. Dessa forma, o estágio apresenta-se como um dos momentos em que o confronto e as relações estabelecidas entre a teoria e a prática possibilitam a proposição de outras ações e a produção de novos saberes, a partir da reflexão crítica sobre a realidade e as práticas sociais existentes no contexto educativo.
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Nesse contexto, o estágio constitui-se como eixo integrador dos saberes pedagógicos que estão sendo construídos a partir da experiência e do conhecimento fundamentados no estudo e na pesquisa. Considerando que o professor em formação é também sujeito do conhecimento e, portanto, teórico nesse fazer, o estágio é concebido como espaço de observação e intervenção da realidade mediada pelo olhar desse professor pesquisador. Essa perspectiva de formação de professores pesquisadores configura-se pelo reconhecimento da importância da pesquisa na constituição do trabalho docente, considerando o papel do professor como sujeito investigador. Tal proposta fundamenta-se na formação “[...] de professores que produzam conhecimentos sobre o pensar e fazer docentes, de modo que o desenvolvimento dessas atitudes e capacidades permita-lhes reconstruir saberes, articular conhecimentos teóricos e práticos e produzir mudanças no trabalho docente” (LISITA; ROSA; LIPOVETSKY, 2004, p. 109-110). Assim, a ressignificação do trabalho desse professor investigador perpassa a concepção de que o trabalho pedagógico é um instrumento da construção de autonomia do professor, de mudança da prática docente, de produção e reconstrução de saberes, quando mediada pela pesquisa. Para tanto, é necessário que ocorram articulações e intervenções entre as dimensões teórico-epistemológicas, prático-metodológicas e político-educacionais, ao longo de todo o processo formativo. A partir dessa premissa, os estudantes de Pedagogia a distância do Cead-Udesc, são desafiados, conforme orienta a Parecer CNE/CP 5/2005, a tecer conhecimentos do campo educacional com práticas profissionais e de pesquisa, compreendendo tanto o exercício da docência como o de diferentes funções do trabalho pedagógico em escolas. Essa articulação proporciona-lhes possibilidades de investigação, reflexão crítica e experiência no planejamento, na execução, 261
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avaliação de atividades educativas, a aplicação de contribuições de campos de conhecimentos, como o filosófico, histórico, antropológico, ambiental-ecológico, psicológico, linguístico, sociológico, político, econômico, cultural. O propósito dos estudos desses campos, seguindo as diretrizes, é nortear a observação, análise, execução e avaliação do ato docente e de suas repercussões ou não em aprendizagens, bem como orientar práticas de gestão de processos educativos escolares e não escolares, além da organização, do funcionamento e da avaliação de sistemas e estabelecimentos de ensino, sem prescindir da formação contínua. Nesse sentido, o projeto pretende não só favorecer para que os docentes se atualizem em consonância com as linguagens midiáticas, que é onde reside o maior dos desafios aos professores no século XXI, mas construir competências (MELLO, 2001) para mobilizar conhecimentos e valores em face de uma diversidade que é cultural e étnica, às necessidades especiais de aprendizagem, às diferenças entre homens e mulheres, de modo a ser capaz não só de acolher as diferenças como de utilizá-las para enriquecer as situações de ensino e aprendizagem em classe. Para atender às exigências legais relativas à formação profissional do aluno do Curso de Pedagogia a Distância do CEAD-UDESC foi elaborado um PPP como Componente Curricular e Estágio Curricular para ser desenvolvido durante o curso. As atividades de cada uma das disciplinas metodológicas, que tem carga horária prevista para as atividades práticas, visando a articular a teoria estudada na prática pedagógica, organizados de acordo com os objetivos e programas de ensino de cada disciplina. Considerando que o estágio não pode ser visto como apêndice e os alunos em sua maioria atuam em escolas, as atividades das diversas disciplinas do currículo foram articuladas à docência e pesquisa e/ou às dimensões ligadas à educação não formal, e 30% da carga horária foi dedicada à educação 262
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não escolar, conforme denominação do MEC. Nesse sentido, as disciplinas ofereceram subsídio para a formação integral, voltada às necessidades próprias do ambiente formativo, sem perder de vista o desenvolvimento das competências e habilidades básicas do professor nos diversos espaços educativos e com diferentes estratégias didático-pedagógicas. Podem ser destacados quatro componentes essenciais, na política de formação dos professores, para atuação na prática educativa, no projeto de Pedagogia do Cead-Udesc: 1) A gestão pedagógica: a ênfase passa do ensinar para o ato de aprender, em função do novo perfil dos alunos e dos acessos à informação. 2) Acesso e gestão da informação: selecionar as informações e trabalhá-las adequadamente, utilizando eficientes ferramentas e canais de comunicação. 3) A capacidade de formar redes: para trocar experiências, conhecimentos, em várias áreas de conhecimento, considerando diferentes culturas, com capacidade de análise crítica numa perspectiva de inclusão social. 4) Autonomia e liderança: com capacidades para mediar situações complexas e compreender as diversas formas de expressão, tendo como perfil o professor líder e comunicador.
Formação de Profissionais Referência de Estágio na Educação a Distância A educação brasileira tem como tradição, na formação acadêmica, uma dicotomia entre teoria e prática, ora vendo o estágio como reprodução de modelos, ora como instrumentalização técnica (PIMENTA; LUCENA, 2006). Resulta, assim, a formação de um educador que reproduz a mesma ruptura no seu fazer pedagógico, em diversas etapas e níveis da educação brasileira. Em contrapartida a esse modus operandi, no estágio curricular do Curso de Pedagogia do Cead-Udesc, tem-se como princípio a unidade dialética entre teoria e prática. Como já afirmamos antes, 263
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[...] a conjunção que interliga as duas dimensões é aditiva e não adversativa. O estágio não é teoria ou prática. Mas essa concepção tem implicações, não é mero discurso retórico. Ser teoria e prática ao mesmo tempo requer um olhar histórico-cultural para a condição humana e suas possibilidades de atuação na realidade. (VENTURA, 2013, p.6)
Historicamente, a formação inicial dos educadores brasileiros vem secundarizando a preparação pedagógica do profissional da educação, na medida em que apresenta a ação teórico-prática do estágio como mera aplicação de técnicas de ensinar, ao final do terceiro ano de estudos acadêmicos, como vem se dando desde o modelo de formação 3+1, originário da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4.024/1961). Wolski (2007, p. 25) nos ajuda a entender essa questão, dizendo que: Essa é a origem do modelo de formação de professores conhecido como 3 +1: três anos de conteúdos comuns ao Bacharelado e um ano de conteúdo específico pedagógico (CANDAU, 1987). Esse modelo, característico da racionalidade técnica, baseia-se no pressuposto de que conhecendo a parte teórica (conteúdos da ciência de referência), o indivíduo tem mais condições de apreender a técnica (a que se restringia na época o conteúdo das Ciências da Educação). Por isso, a ordem 3 + 1. Acreditava-se que, desse modo, os professores estariam suficientemente ‘instrumentalizados’ para resolver os problemas que enfrentariam no exercício da docência.
Essa realidade vem mudando, lenta e gradativamente, desde 2001, quando o Conselho Nacional de Educação baixou a Resolução CNE/CP 001/2001, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de 264
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Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. No documento, o legislador aponta para a necessidade de articulação entre teoria e prática, cujo objetivo é superar a clássica fragmentação do ensino no âmbito das licenciaturas, aproximando os futuros educadores do seu campo profissional desde o início do processo formativo. O artigo 12 da Resolução 001/2001 deixa claro que a proposta é recuperar a integração entre as dimensões teórica e prática, no âmbito do estágio curricular supervisionado. Segue, ipsis literis: Art. 12. Os cursos de formação de professores em nível superior terão a sua duração definida pelo Conselho Pleno, em parecer e resolução específica sobre sua carga horária. § 1o A prática, na matriz curricular, não poderá ficar reduzida a um espaço isolado, que a restrinja ao estágio, desarticulado do restante do curso. § 2o A prática deverá estar presente desde o início do curso e permear toda a formação do professor. § 3o No interior das áreas ou das disciplinas que constituírem os componentes curriculares de formação, e não apenas nas disciplinas pedagógicas, todas terão a sua dimensão prática. (BRASIL, 2001)
Para atender a esse dispositivo legal, no Curso de Pedagogia do Cead-Udesc, a proposta de estágio parte da premissa de que a pesquisa deve ser o princípio educativo orientador do processo formativo, e permitir que se alcance e articule, durante toda a licenciatura, três dimensões inseparáveis da práxis educativa: a dimensão compreensiva da realidade educacional e as dimensões de intervenção e transformação da educação; seja a partir da ação formativa do estágio ou, posteriormente, na ação profissional 265
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dos egressos do Curso de Pedagogia. Mas, para que as três dimensões apontadas anteriormente sejam atingidas, tem-se a clareza de que a transformação na educação não é tarefa individual (PIMENTA, 2006), mas obra coletiva e, por isso, é preciso que os profissionais que atuam nas escolas possam dialogar com a universidade num processo de retroalimentação de experiências e de (res)significação da práxis educacional, em ambos os espaços formativos. Nesse contexto, com o objetivo de orientar os profissionais referências que acompanham o processo de estágio do estudante de Pedagogia a distância, in loco, foi organizado o projeto Curso de Formação Continuada para Profissionais Referência de Estágio. O curso surgiu como elemento mediador e catalisador das preocupações e problemáticas enfrentadas pelos profissionais das instituições acolhedoras dos estagiários do Curso de Pedagogia, na realidade educacional contemporânea. Assim, o exercício do estágio soma-se às ações de Prática como Componente Curricular para que, desde cedo, o acadêmico da Pedagogia conheça a realidade educacional e o dia a dia das instituições em que se realizam a prática docente e a prática pedagógica. Entretanto, não se pode cambiar práticas dos campos de estágio e do universo acadêmico, senão a partir do diálogo com os profissionais que lá atuam, ou seja, chamando para conversar os profissionais referências de estágio. Então, a forma/estratégia encontrada para aproximar o CeadUdesc dos profissionais que atuam nas instituições campo de estágio foi a proposição de um curso de formação continuada no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), na plataforma Moodle, da instituição, cuja função principal é estabelecer a mediação entre universidade e escolas. A relevância do curso está na possibilidade de refletir acerca das práticas existentes nas escolas, que demandam temáticas nem sempre contempladas na formação inicial dos educadores ou em processos de capacitação profissional. 266
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Neste sentido, o curso proposto se apresenta como alternativa de formação continuada e também como contrapartida do Cead-Udesc às instituições campo de estágio que, gentilmente, recebem os graduandos do Curso de Pedagogia a Distância. Desta forma, os profissionais das escolas que atendem aos acadêmicos, no campo de estágio, conhecem de antemão a proposta de estágio da instituição e seus desdobramentos teóricos e metodológicos, subsidiando-os no processo de orientação e supervisão dos alunos/estagiários ao longo do processo de pesquisa, observação e intervenção docente. Essa iniciativa certamente contribui para a aproximação entre os saberes e fazeres da universidade e os provenientes dos profissionais referência, abrangidos por “instituições acolhedoras” como consta no Manual de Estágio do curso (Figura 2). Figura 2 - Banner do Curso de Formação Continuada para Profissional Referência de Estágio
Fonte: Disponível em: www.moodle.udesc.br
Além do objetivo estampado no banner do curso, a perspectiva é que as interações humana e tecnológica geradas no AVA do curso promovam mais e melhores processos de inclusão digital dos educadores profissionais referências de estágio, nem sempre subsidiados com suportes digitais em suas unidades educativas. 267
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Quantitativamente, na primeira oferta do curso (2013.2/2014.1), foram atendidos 152 cursistas, divididos em tutores do Cead-Udesc, coordenadores de Polo UAB e profissionais referências de Estágio de diversos municípios catarinenses. Já na segunda oferta (2014.2/2015.1), o projeto está atendendo 170 cursistas, divididos em tutores e profissionais referência de Estágio. A Tabela 1 mostra a constituição dos módulos de ensino trabalhados durante a formação, bem como a carga horária destinada. Tabela 1 - Módulos do Curso de Formação de profissionais referência Módulos
Conteúdos
I - Fundamentos da Educação a Distância II - Fundamentos teóricos e metodológicos do Estágio Curricular Supervisionado no CEAD III - Elementos de Gestão Educacional
IV - Estrutura e Organização da Educação Básica
• Conceito, características e histórico da EaD • Ferramentas de informação, comunicação e interação na EaD • Características e usabilidade do AVA • O estágio curricular supervisionado e a construção da práxis educativa • A pesquisa como princípio educativo: o olhar do pesquisador sobre a realidade educacional • A prática como componente curricular (PCC) • Características da gestão educacional • Princípios de gestão democrática da educação • Ferramentas de gestão democrática da educação • A educação básica no Brasil a partir da Lei 9.394/1996 • Diretrizes curriculares da Educação Infantil • Diretrizes curriculares do Ensino Fundamental • Educação inclusiva e acessibilidade
Fonte: Elaborada por Lidnei Ventura.
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Carga Horária 40h
40h
40h
40h
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A dinâmica ensejada pelo curso, além de problematizar questões afetas à educação, tem ainda como meta servir de base para a coleta de dados de pesquisas na área da Educação a Distância, exercitando a indissociabilidade do tripé universitário: ensino, pesquisa e extensão.
Considerações finais A formação pertence ao próprio sujeito e se inscreve em um processo de ser (vida e experiências, o passado, etc.) e em um processo de ir sendo (projetos, ideia de futuro, teorias e práticas). O professor em formação precisa ser preparado para construir as competências necessárias para ser professor. Ter, ou fazer, uma experiência, significa ser transformado pelo que realizamos. (LAROSSA, 2002). Não havendo um modelo único ou certo a ser seguido, nem perfil ou estereótipo profissional ideal, a referência para a formação inicial, e na pesquisa em educação, é o exercício profissional. Vale destacar que a atuação de uma equipe multidisciplinar que participa da docência compartilhada muito contribuiu para a formação desse pedagogo, que estuda a distância. O sistema tutorial, organizado por uma equipe multidisciplinar, gestores, coordenadores de estágio, professores da área, tutores on-line, tutores presenciais, professor formador, que atua como supervisor do estágio no local, e os professores formadores, que acompanham o dia a dia do estagiário, têm como foco o exercício da docência como processo de educação contínua, em que a pesquisa, indagação, incerteza e o compromisso social são os ingredientes do ato de ser professor.
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Referências BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP n. 001. Institui diretrizes curriculares nacionais para o curso de graduação em Pedagogia, licenciatura. Brasília, 2006. ______. Parecer n. 5. Conselho Nacional de Educação, de 13 de dezembro de 2005. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/ cne/arquivos/pdf/pcp05_05.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2011. ______. Resolução CNE n. 1, do Conselho Nacional de Educação, de 15 de maio de 2006. In: Resoluções do CNE. Conselho Pleno (CP 2006). Brasília, 2006. Disponível em: <http://www.in.gov. br/imprensa/pesquisa/ pesquisaresultado.jsp>. Acesso em: 18 jul. 2011. LAROSSA, Jorge. Nota sobre a experiência e o saber da experiência. Revista Brasileira de Educação (Anped), n. 19, ano 2002, Campinas, SP: Autores Associados. pp.20-28. LISITA, V.; ROSA, D.; LIPOVETSKY, N. Formação de professores e pesquisa: uma relação possível? In: ANDRÉ, M. O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. 3. ed. Campinas: Papirus, 2004. p. 107-115. MELLO, G. N. de. Formação inicial de professores para educação básica: uma (re) visão radical. São Paulo em Perspectiva, jan./mar. 2001, v.14, n. 1. p. 98-110 SILVA, M.; SANTOS, E. (Orgs.). Avaliação da aprendizagem em educação on-line: fundamentos interfaces e dispositivos relatos de experiências. São Paulo: Edições Loyola, 2009. PANDINI, Carmen. (Org.) Manual do estágio do curso de pedagogia a distância. Florianópolis: DIOESC, 2013. PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e docência: diferentes concepções. Revista POIÉSIS, v.3, n.3, 2006. VENTURA, L. O estágio curricular obrigatório e as dimensões da prática educativa e da prática de ensino. Texto digital. Florianópolis: Udesc, 2013. WOLSKI, Denise T. R. Marques. O movimento das reformas curriculares da licenciatura em matemática na universidade federal do Paraná: algumas referências ao conhecimento pedagógico do conteúdo. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Paraná, Curitiba: UFP, 2007. 270
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Notas 1 Doutora em História. Mestre em Educação. Especialista em EaD. Pedagoga. Professora adjunta no Centro de Educação a Distância da Udesc para a área de Metodologia de Educação a Distância e Estágio Curricular Supervisionado. E-mail: taniaunglaub@gmail.com 2 Doutorando em Educação. Mestre em Educação. Pedagogo. Professor assistente no Centro de Educação a Distância da Udesc para a área de Estágio Curricular Supervisionado. Pesquisador sobre profissionais referências de Estágio Curricular Supervisionado na EaD. E-mail: lidnei. ventura@udesc.br 3 Mestre em Educação. Pedagoga. Técnica em assuntos educacionais do Centro de Educação a Distância da Udesc. Professora formadora pela UAB-Udesc para a área de Estágio Curricular Supervisionado. E-mail: helenadpad@gmail.com
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Leitura antropológico-filosófica da EaD: interatividade entre educação, tecnologia e pessoas, pelas vias de mediações pedagógicas on-line e off-line Dom Robson Medeiros Alves OSB1
Introdução
P
ensar a sala de aula apenas como o lugar físico para o aprendizado ainda é um perfil automático, fruto do costume de compreendê-la como local de aprisionamento do saber, reducionismo da circunscrição física intramuros. Todavia, enquanto realidade mais comum, ainda é a forma de acesso mais praticada e usual para a instituição de ensino escolar. Colabora para essa interpretação estanque, a condicionalidade social da acessibilidade às Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC), visto que, infelizmente, grande quantidade de pessoas ainda não tem acesso à Internet, que lhes facilite o acesso a outras formas de aprender mais, que na Educação a Distância (EaD) tem formatação muito específica e facilitadora. Aliás, essa é a realidade socioeducacional global, acentuada, inclusive, por enorme disparidade geofísica, em que coexistem países mais desenvolvidos nesse campo, outros em desenvolvimento, e ainda outros com sequer perspectivas de tais acessos. Se considerarmos que o direito à educação deveria ser máxima universal, constatamos o quanto estamos dese272
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ducados em relação aos direitos universais para todas as pessoas, fato que, talvez, devesse nos inquietar, e, por que não destacar, nos indignar, por tal realidade socioeducacional que distancia a compreensão filosófica de acesso à educação que aproxima homem e sociedade. Assim, muitos elementos tornam-se desafios para o educador, no sentido de tornar a educação cada vez mais acessível às pessoas, possibilitando-lhes compartilhar de uma sociedade melhorada, como marca e ação de uma nova cultura educacional, que se serve da técnica e, especificamente, do universo digital como mediação pedagógica. A cultura digital, marca característica do homem pós-moderno, é um desses elementos que tem força e abrangência, e com o processo que gera, de docência e aprendizagem virtual, apresenta aspectos plausíveis da força da educação, que salta por sobre os muros prisionais das escolas, lançando nas ondas da virtualidade novas formas de acesso, isto é, os muros da escola caem, não fisicamente, mas porque a conectividade os atravessa, gerando novas ações didáticas. Na verdade, o acesso às tecnologias digitais como instrumentais que favorecem novas mediações pedagógicas e consequentes ações didáticas, possibilitará às escolas e universidades uma educação mais democrática, porque ampliada por participação abrangente, partilhada, com intercomunicação, acessibilidade, mobilidade e encurtamento de distâncias. Tal como enriquecerá a didática do ensinar e aprender, através de formas culturais em amplo diálogo com o tempo em que acontecem. Eis que novos paradigmas se apresentam à educação contemporânea, inspirados no que se ficcionou do amanhã enquanto novos desafios socioeducacionais para ampliar a compreensão antropofilosófica do ato de educar. Eis as ondas transformadoras do patrimônio educacional, até hoje alcançado por formas, metodologias, 273
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formatos e didáticas, e que, na EaD se reafirma como marca de novos tempos e novas perspectivas culturais, que se abrem para exercer a nobre missão de educar e viver a grande virtude de aprender, ressaltando que, entre uma e outra, há apenas a viabilidade do acesso e clique, ou seja, a educação é uma ponte que liga o tempo existencial das gerações e torna o ontem, o hoje e o amanhã campos da ação histórica da humanidade.
Educação, sociedade, tempo, presença/semipresença e cultura, imbricadas pela mediação tecnológica A contextualização das dificuldades do acesso ampliado à educação não é determinante para a prática educacional; mas uma nova perspectivação, sobretudo, pelo fato de que esta sempre estabeleceu livre diálogo e trânsito no tempo histórico, em seu caminho cultural, que sempre foi permeado por enormes dificuldades, e em que apenas o desejo e a vontade humanas conseguiram alcançar vitórias. Isso nos remete para o fato de que os processos educacionais estão em contínua transformação, ao alimentar-se das experiências e enriquecer-se com cada ação, nesse sentido, de modo que se pode constatar que o tempo da educação é um tempo que se complementa. Assim, a constatação crítica em relação ao movimento transformador da educação, pode nos aproximar do que os estudiosos da educação ressaltam como um fato, de que a novidade da EaD pode significar pistas importantes, como o mapa dos caminhos da educação: Escolas e universidades sempre estiveram ligadas a locais determinados, a cidades, regiões. Com as mudanças sociais e tecnológicas, as universidades se expandem para muitos territórios, principalmente para o virtual. Atingem os alunos que estão perto e também os dis274
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tantes que estão conectados. As instituições educacionais se virtualizam cada vez mais, aumentam seu raio de ação, flexibilizam seus projetos pedagógicos. Essas mudanças são progressivas e irreversíveis, mas ainda tendem a repetir alguns modelos disciplinares e focados no conteúdo (MORAN, 2008, p. 17).
O texto pode parecer leitura histórico-filosófica cruzada com dimensão utópica do que pretendemos para o amanhã da educação, entretanto, reflete os caminhos pelos quais já começamos a “engatinhar”, hoje, como bebês em busca de vencer os desafios de manter-se de pé e caminhar com segurança e independência, conquistando o mundo ao redor. Fato é que esse bebê crescerá por força do curso de sua história existencial e terá que dialogar com o seu tempo, muito mais do que com o de seus pais. Ou seja, é um bebê que nasce num tempo que ainda está em construção e assim está o percurso da educação com as novas tecnologias. Ainda que se constate atraso social no acesso aos recursos tecnológicos que tanto podem incrementar a educação, não se pode concluir que a cultura de novos tempos não vá ter força operante para transformar tal condicionalidade. Por isso: O aluno formado por internet e multimídia e que está sempre conectado está pronto para aprender com os colegas a desenvolver atividades significativas, a contribuir em cada etapa de um projeto. O currículo precisa ser pensado para que se torne importante para o aluno, para que este se sinta protagonista, sujeito, personagem principal. A escola tem de se adaptar ao aluno e não o contrário (MORAN, 2008, p. 23).
Essa constatação nos impele a prospectar a sala de aula, pensada como do amanhã, para o hoje, quando pretendemos concretizar mais acesso ou, melhor, pleno acesso 275
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ao universo virtual para todas as pessoas, onde quer que estejam, de quaisquer condições econômicas e de todas as culturas. Temos, por conseguinte, que dar ligeireza ao curso do tempo. Nesse sentido, o caminho da educação deve seguir por meio de relações de busca de aprendizagens, para além da apenas presença na escola, mas pelas vias de uma educação mais atuante, de caminhos físicos mais encurtados, de acessos também em casa, no trabalho ou em outros lugares. Para José Manuel Moran, a via da semipresencialidade é um caminho muito promissor, que agrega valores, ao gerar novas relações interespaciais e institucionais, sobretudo, em função do avanço da cultura digital como elemento comportamental de forte expressão social, ou seja, cada vez mais as pessoas carregam seus dispositivos móveis, como notebooks, smartphones e tablets. Esses são os instrumentais que se apresentam como os “atuais cadernos para escrita”, isto é, a web, com seus sites de busca, como livros de consulta; e a interatividade como forma de partilhar conhecimentos, por meio dos blocos de notas virtuais, armazenamentos nas nuvens, dentre tantas modalidades e recursos disponibilizados. Todos eles refletem a presença cultural do tempo sobre a vida educacional, tanto presencial como semipresencial. Aliás, com relação à segunda modalidade, verifica-se que: O semipresencial tende a avançar, porque se adapta melhor à nova sociedade aprendente, conectada; porque as crianças e os jovens já têm uma relação com a internet, redes, celular e multimídia muito mais familiar do que os adultos. Eles já vivem o semipresencial em muitas outras situações, a escola é que não está acompanhando. O semipresencial avançará também, porque, para os mantenedores das escolas, reduzirá custos de utilização de infraestrutura, de ocupação de espaço, de horas-aula de professores (MORAN, 2008, p. 129). 276
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A propósito, essa nova forma de educar, usando o universo off-line e on-line, pelas vias das mediações tecnológicas, sugere que as instituições educacionais, em seus modelos organizacionais e gerenciais, atentem para a elaboração de novas definições do contrato de trabalho do docente virtual. É o que adverte o estudioso no campo de pesquisa em educação e docência virtual, Daniel Mill (2012, p. 265-266): Além das disposições previstas para a docência convencional, o trabalho na EaD precisa ser regido por condições especiais, pois trata-se de um trabalho docente bastante complexo do ponto de vista trabalhista, tanto para os docente-autores (conteudistas) como para os docentes-formadores (coordenador da disciplina e tutores). Essa complexidade reside na definição dos elementos constitutivos do trabalho, especialmente quanto ao número de alunos a ser atendido, ao volume de trabalho, aos proventos recebidos, à participação na elaboração de materiais didáticos, à disponibilidade ou carga horária dedicada, ao lugar e horário de trabalho, aos custos dos serviços de internet, à energia elétrica e aos equipamentos utilizados como meio para a realização do trabalho. Esses elementos mudam de acordo com a fase do planejamento/oferta de uma disciplina e são influenciados por vários aspectos peculiares à modalidade de EaD.
Pelo que se vê, a nova compreensão da educação com meios e métodos, significa mudança nas relações sociais, não apenas trabalhistas, mas de profunda intersecção com a vida, visto que, nesse viés da existência histórica, o homo digitales educacionales incidirá sobre o homo socialis.
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A educação e o homo digitales Ao se pensar na cultura digital, que avança cada vez mais sobre a vida prática, deixando lastro sobre a dimensão cultural das pessoas, interferindo na vida social e traçando parâmetros relacionais para diversas pessoas e instituições, pode-se conceber uma forma de identificar o homem atual como ser intensamente digital, o que permite adjetivá-lo como homo digitales, pelo fato de trazer, em suas descrições comportamentais, relações de contínua interação com as tecnologias, a ponto de tornar-se identidade do seu ser relacional, como se observa nas relações sociais de crianças e adolescentes e, cada vez mais, dos adultos e também anciãos. A dimensão que o uso da tecnologia alcançou alcança uma propagação viral de comportamento humano, que tem ditado o padrão social, e se efetivado como fato social. Também é um fato não só daqueles que estão em idade escolar, como também de pessoas cujas razões históricas, financeiras e sociais, não permitiram continuar seus estudos na idade adequada e agora procuram recuperar o tempo perdido. Basta verificar quantas pessoas acima dos 40 anos, cada vez mais, tem se matriculado na educação universitária. Esse recorte etário serve para perceber que, para essas pessoas, também o universo da cultura digital e a EaD, se configuram como ajuda no que tange a fatores que se interpunham ao seu desejo de estudar, se formar, ter uma faculdade, de acordo com seus relatados sonhos de vida. Ou seja, a EaD pode encurtar as consequências da discriminação e dos preconceitos, que os distanciavam da realização desse sonho. Assim, é preciso começar o trabalho com os educadores, já agora conjugando sala de aula com a realidade de expansibilidade e acessibilidade, dentro dos espaços próprios das pessoas, porque estão cada vez mais se enclausurando em seus recantos. Por isso, para além de uma crítica ao estilo em voga, melhor aproveitá-lo, ou seja, positivá-lo. 278
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O foco deixa de ser o lugar amplo, que reunia muitas pessoas, como são exemplo as unidades escolares, e passa a ocupar lugares menores, mais restritos e íntimos: desktops, nas residências; tablets e smartphones, usados nos mais variados lugares; lan houses; computadores no trabalho (devidamente autorizados, será partir de uma política de incentivo das empresas para melhor qualificar seus profissionais). Assim, o perfil comunicativo do homem pós-moderno responde aos apelos de sua vida cultural. Trata-se da era da compactação das formas, como num arquivo digital zipado, que ocupe espaço virtual capaz de facilitar o encurtamento das distâncias, associado à qualidade de conteúdos. É uma tendência do mundo hodierno, que se desenvolve em meio ao conceito de globalização cultural das TDIC. Com isso, o homem pós-moderno reafirma sua caracterização cultural, enquanto traço identitário, para reafirmar a nova identidade da educação. As novas tecnologias de comunicação tornam-se recursividade para a ação pedagógica e buscam, nas muitas formas da ação didática, seu caminho nas vias do futuro da educação. Frisando, eis um lugar privilegiado para a EaD. Todavia, esse meio de comunicação, ou melhor, de intercomunicação formativa, ainda não é uma realidade acessível e concreta. Muitas pessoas que gostariam de estudar e ampliar suas aprendizagens, infelizmente, não têm acesso aos recursos tecnológicos. Por isso, a distância física do equipamento ainda não amplia as distâncias. Afora o trocadilhar das palavras, é preciso que se considere, acerca da riqueza crescente, o que as tecnologias representam para o presente da educação e quanto a educação com uso das tecnologias ainda requisita de formação para os docentes e aprimoramento para todos. Não basta um ter a tecnologia em mãos se não tiver a tecnè do saber usá-las com tudo que oferecem. Em si, o tempo futuro já se efetivou no tempo presente, 279
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de modo que o educador presencial e o virtual se interconectam em nome do favorecimento da aprendizagem e interagem com didáticas diversificadas e mediações pedagógicas profundamente enriquecedoras, no sentido de mesclar o ato de educar com a ação de aprender. Em suma, uma perspectiva de interação da tecnologia com a pessoa e da pessoa com a tecnologia. O estudioso de Educação Edgar Moran (2008, p. 35-36), no processo interativo gerado com o uso das tecnologias, atribui ao professor missão profundamente pedagógica, para si, para sua ação didática, e para a realidade na qual está imerso. Ele destaca: O professor precisa aprender a trabalhar com tecnologias sofisticadas e tecnologias simples; com internet de banda larga e com conexão lenta; com videoconferência multiponto e teleconferência; com softwares de gerenciamento de cursos comerciais e com softwares livres. Ele não pode se acomodar, porque, a todo momento, surgem soluções novas para facilitar o trabalho pedagógico, soluções que não podem ser aplicadas da mesma forma par cursos diferentes.
Portanto, no contexto de plena dinâmica do desenvolvimento das tecnologias na educação, os distantes estudantes tem que se aproximar do destino comum e receber educação como subsídio para o desenvolvimento da sociedade. Nesse contexto, o caminho mais estrito para a realização da utopia do pleno acesso educacional, que há séculos acompanha a história da humanidade e, consequentemente, a história da educação, está no fato de o professor também encurtar seu distanciamento tecnológico. Dessa forma, busca-se, aqui, compreender quais devem ser as novas perspectivas para a educação que privilegie o homo digitales como aquele que aproxima suas expressões 280
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educativas dos recursos que o tempo disponibiliza, demonstrando que o tempo facilita a conexão do ser humano com a história de suas instituições, o que aqui privilegia a educação. Por isso esse homo digitales, como um ser constantemente aprendente, que encontra na proximidade com as mediações da digitalidade o caminho do educar a distância, o caminho do tempo a serviço da educação.
A gênese antropo-filosófica da EaD na relação presença/distância Estudos sobre a EaD têm demonstrado o aumento destes cursos, de modo que se pensados como fato para o futuro, devem ser reinterpretados como realidade do presente. Nesse sentido, a educação do futuro já é prática do presente, muito além da mera questão de cultura de nossos tempos, mas de caminhos pedagógicos para diversas instituições educacionais e de perspectivas a serem alcançadas por muitas outras, de modo a expandir o acesso à educação. Isso projeta para a EaD ininterrupta dinâmica de análise e reanálise de seus caminhos didáticos, como rotas de condução do saber, para que todas trilhem as vias da presencialidade para a virtualidade, como já mencionado. Eis, então, a dimensão da inserção do ser humano enquanto caracterização filosófica dos caminhos da educação pósmoderna. A gênese da educação a distância se dá dentro da contextualização das transformações na sociedade, que, desde a revolução industrial, com o modelo predominante fordista de produção, cada vez mais trancava as pessoas nas paredes das fábricas, avessa ao aprimoramento do saber e tão somente direcionada a executar mecanicamente os processos repetitivos do fazer sequencial das mesmas coisas, decorando os movimentos físicos.
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Esse movimento histórico, da maciça industrialização e intensa utilização da mão de obra humana, permite-nos recordar também aspectos sociais, que resultaram na construção de escolas para colocar as crianças enquanto seus pais trabalhavam nas indústrias, o que refreava um pouco mais a entrada de crianças tão novas no mercado de trabalho. Todavia, essas novas escolas não foram suficientes para evitar que, prematuramente, as crianças começassem a trabalhar e abandonassem sua formação escolar; o que hoje se tenta garantir por meio de leis, como, por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente: Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz (BRASIL, 2010, p. 31- 32).
Assim, a sociedade e o mundo do trabalho precisam caminhar lado a lado com a educação, servindo-se de todos os benefícios que o saber e a aprendizagem abrangente têm a oferecer como aprimoramentos. A propósito, a sociedade, cada vez mais ávida por saber e aperfeiçoamentos, inclusive da produção industrial, tem, na necessidade de melhor qualificação dos colaborados, um caminho técnico a percorrer, e para tal, tem que se servir de novas formas de ensinar, como a imprensa escrita, o rádio e a televisão, que vão encurtando as distâncias entre condição social e necessidade de ampliar aprendizagens. Algo que já vem desde os telecursos, em diversas emissoras de televisão, nos programas de educação radiofônica ou, então, 282
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nos cursos com uso de material impresso enviados por meio do serviço dos correios. Assim, depois desse percurso histórico, o processo educacional vai se expandindo, ganhando vias de possibilidades de aprender e ensinar a distância, inclusive se aprimorando tecnologicamente com os computadores e a digitalidade, com práticas características da comunicação do tempo hodierno. Os trechos a seguir apresentam muito bem esse processo histórico: Os cursos a distância, aliás, a educação a distância tiveram grande impulso com o surgimento do rádio, do telégrafo e do telefone. Estes equipamentos caracterizaram o início da era dos meios modernos de comunicação. O desenvolvimento das telecomunicações com meios interativos, a relativa popularização do computador e da internet, proporcionaram novas perspectivas se constituindo em ferramentas importantes para a contínua evolução da EAD, sobretudo após na segunda metade do século XX (MUGNOL, 2009, p. 337). A década de 1960 é um período de transição, em vários aspectos, que refletem diretamente no estudo a distância [...] novos modelos de produção industrial, visando a incrementação de maior eficiência com base no uso intensivo das possibilidades criadas pelas novas formas de organização de trabalho, geradas pelo avanço tecnológico. [...] Por isso, diante deste contexto trata-se este período (entre 1960 a 1990) como a segunda geração da EaD, fase esta que se caracterizou principalmente pela integração dos meios de comunicação audiovisuais [...] como o rádio e a televisão - apesar de se ter registros anteriores de iniciativas com esses modelos, por exemplo no Brasil, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 1923, que transmitia programas educacionais. Porém, 283
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foi nos anos 60, que se efetivaram as maiores experiências como esses novos modelos (FARIA; SALVADORI, 2010, p. 18).
Verifica-se, assim, o alcance qualitativo para o possível acesso à formação de inúmeras pessoas que não poderiam frequentar campus universitários, com frequência diária, por terem apenas algum tempo disponível para estudar em casa ou no ambiente de trabalho, além de muita boa vontade e determinação. Por isso, as empresas deveriam se sensibilizar e disponibilizar, cada vez mais, condições para facilitar o alcance de melhores resultados na qualificação de seus profissionais. Trata-se de valorização da pessoa, profissional e educacionalmente. Nesse sentido, a EaD facilita os caminhos da profissionalização e realização humana, o que pode se efetivar em aulas facilitadas, disponibilizadas e incentivadas pelas empresas, que forneceriam condições de acesso, resolvendo assim um impedimento que, para muitos funcionários, individualmente, talvez fosse intransponível, mas que, para a estrutura empresarial, pode tornar-se um mecanismo para beneficiar seus colaboradores e um investimento mais humanizado dos meios de trabalho. Ao contrário do que se pensa, a educação a distância tem exigências práticas de estudo semelhantes aos similares cursos presenciais, afora a casuística de interpretação comportamental da maturidade do estudante universitário, ou seja, distração e dispersão de tempo. Tudo se trata de maturidade para aprender. Como os traços psicológicos, o desejo de aprender tem que amadurecer para viabilizar a auto-realização do ser humano, nesse universo cultural. Ao escrever, muito oportuna e sugestivamente, dando título a um capítulo de seu livro sobre ensino presencial, a distância e tecnologias, a educadora Vani Moreira Kenski aborda, de forma descritiva, antropologicamente falando, a 284
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condição da dinâmica do processo educacional relacionado à transformação cultural, que tecnologicamente demonstra a evolução da operação (aquisição e formatação) do saber no homo digitales. Ela identifica duas escolas, ou seja, a presencial e a virtual, respectivamente: A escola presencial é polifônica. Os sons se espalham pelos ambientes e dão sentido ao espaço educativo. Vozes se mesclam nos corredores e nas calçadas próximas. Ecos que provocam lembranças de imagens, cores e cheiros: uniformes, sorrisos, suor. Movimentos de corpos em um vaivém permanente: concentração e dispersão. Músicas. As vozes ora cantam raps ora cantam hinos cívicos. Misturam-se aos barulhos dos pés em marcha e aos gritos das torcidas nos jogos e competições. Às brigas. Mobilidades entre palavras e palavrões. Linguagens diferenciadas entre as gerações. Recuperações. Festas. Formaturas e férias (KENSKI, 2012, p. 53). Local em que se partilham fluxos e mensagens para a difusão dos saberes, o ambiente virtual de aprendizagem se constrói com base no estímulo à realização de atividades colaborativas, em que o aluno não se sinta só, isolado, dialogando apenas com a máquina ou com um instrutor, também virtual. Ao contrário, construindo novas formas de comunicação, o espaço da escola virtual se apresenta pela estruturação de comunidades on-line em que alunos e professores dialogam permanentemente, mediados pelos conhecimentos (KENSKI, 2012, p. 55).
A realidade da EaD tem seu lugar central na escola, em sua comunicabilidade com a vida prática. Conecta-se aos caminhos que o tempo, em seu processo de evolução, traça para a transformação das coisas, ou seja, todos os processos 285
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existenciais, sejam eles relacionados às questões específicas das individualidades e subjetividades da vida de um ser humano, seja de suas instituições, sempre são permeados por modificações entendidas como processos evolutivos. O percurso histórico da educação tem demonstrado transformações que comprovam processos em que determinadas características cedem espaços, ou melhor, geram outros espaços de atuações, o aspecto mais plausível da dinâmica da interatividade. Designa um perfil histórico da filosofia da educação digital no ato de educar hodierno, com todas as suas nuances entre o abstrato e o concreto do fazer, interferir no cotidiano, desenvolver métodos e técnicas para comunicarse, e as aprendizagens podem ser acessadas, aprendidas e compartilhadas de diferentes formas, por meio de chats, fóruns, redes sociais, blogs, mensagens, e-mails, videoconferências, etc. Com isso, a educação abre novo espaço de centralidade enquanto intervenção humana no cotidiano, buscando meios e métodos que expressem a intenção de comunicar algo, de compartilhá-lo, e de uma forma estritamente humana, na sua acepção antropológica mais sublime: tornando o saber um dom comunitário que pode expandir-se sem medo de diluir-se, como favorecem os meios virtuais, ao deixarem o saber solto em análises críticas, positivas e negativas, com toda a força presencial de simplesmente, após o clique, estar disponível, suscetível de aplausos, aprimoramentos ou vaias. Bem por isso, educar a partir dos meios digitais exige coragem de ser educador, presente no ausente! Nesse sentido, entendemos a hermenêutica da educação frente ao viver, assumindo a tarefa de intervir, interferir e incidir sobre a história da humanidade e da educação. É interessante pensar nessa história como constituição de fatos que se substituem, com grande efetividade da marca da inteligência humana, produzindo formas de 286
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intervenções, interferências e incidências. Nisso é possível entrever os processos de produção da inteligência como exercícios mentais em que se geraram as tecnologias, e aqui mais especificamente, aquelas tecnologias digitais, através dos ambientes virtuais, que dão suporte prático para novas formas e alcance do ato de educar. Assim: A Educação a Distância (EaD), desenvolvida atualmente por meio de ambientes virtuais, com base em princípios educacionais que privilegiam a (re)construção do conhecimento, a autoria, a produção de conhecimento em colaboração com os pares e a aprendizagem significativa do aluno, requer uma maneira bastante peculiar de conceber o planejamento, a organização das informações, as interações e a mediação pedagógica. Nesta perspectiva, a EaD não pode ser entendida pela transferência de uma abordagem pedagógica presencial para uma virtual, mesmo quando ambas se apresentam pautadas pelos mesmos princípios educacionais (PRADO; ALMEIDA, 2007, p. 67-68).
A presença, tanto física como virtual do sujeito, é a condição sine qua non para que o processo educacional aconteça, ou seja, para a educação, haverá sempre o primado do antropos. O que reitera o fato de que a máquina está a serviço do homem e que o virtual nada mais é, filosoficamente falando, do que a forma como o espírito humano, a sua inteligência, comunicando-se com os processos sociais, em que a ação educativa se presta em primeira linha, isto é, o virtual é a alma da tecnologia digital, capaz de interagir e se propagar por meio de ondas que só a ciência da física sabe explicar. Infere-se que o eu interior se comunica no eu exterior; que as aprendizagens e o saber, como dimensões qualificantes da grandiosidade da espécie homo sapiens, demons287
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tram comunicabilidade enriquecedora para a vida como um todo e que, no caso da educação, dimensionam novos paradigmas de sociabilização e acesso ao saber. E uma espécie que cria, recria e desenvolve seu saber para que, tecnicamente, o favoreça do início ao fim. Quanto ao apocalipse da EaD, pode-se hipotetizar que, com o surgimento de novas formas de transmissão do conhecimento, surjam espaços para outras modalidades de ensinar e aprender. Como se percebe na história da educação, essas sucessivas formas, no tempo e na existência humana, vão assumindo protagonismo histórico de mostrar que o novo é desafio transponível nas suas limitações e que se deve ter em conta que o ser humano é capaz de lidar com seus inventos e colocá-los a seu serviço. Pode-se imaginar, por exemplo, numa perspectiva ficcional, motivada pelos avanços nos estudos sobre DNA e Biologia Molecular, que a genética humana poderá ser partilhada entre as gerações. Como se o saber, acumulado patrimonialmente pela espécie homo sapiens, a favor da instituição educacional, cooperasse para o desenvolvimento do saber e das aprendizagens desta aqui apelidada definição antropológica da espécie homo sapiens como homo digitales, para que armazenada, ao mesmo tempo, produzisse efeitos diretos de interatividade temporal, a ponto de ampliar cada vez mais, e por um processo da inteligência humana retransmitida entre as gerações futuras, na versão de um arquivo, inserido por um dispositivo do tipo chip. Isso não seria inteligência artificial, mas apenas um patrimônio compartilhado. Como se assistíssemos aos filmes de ficção científica, que apresentam os efeitos de seres do futuro, ou de outras galáxias, interagindo conosco. Porém, analogicamente, é um fato histórico já vivido, ainda que em outras proporções, como foram os casos do computador, fax, tecnologias digitais, transmissão de dados, exames clínicos, Google Earth, etc. 288
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Dessa forma, há de se pensar que o apocalipse não é mais a gênese de um novo tempo e que a educação renasce com a vida, como um procedimento antropológico relacional, do ser humano com seu tempo existencial. O ser humano desenvolve suas formas de comunicar e partilhar seu saber, há séculos, desde a arte rupestre do homem das cavernas, dos papiros e pergaminhos, dos textos escritos e copiados pelos monges na Idade Média, os livros com o advento da imprensa até hoje com os e-books, isto é, o homem não deixa de fabricar, enquanto homo faber, suas expressões culturais de marcas numa história em constantes transformações.
O exercício desta prática e seu alcance educacional Debruçar-se no entendimento de como a dinâmica da EaD se efetiva, pressupõe uma transformação no modo de pensar o ato de educar, saltar de um formato tradicional e, tantas vezes estático, para um formato interativo e mais dinâmico, em que conteúdos e relações educacionais se processam sob a dimensão de intercomunicação e transmissão de conteúdos mais velozes e abrangentes espacialmente. Hoje, já existem turmas de alunos de localidades diferentes se relacionando e trocando informações por meio de fóruns, chats de comunicação, redes sociais, e utilizando diferentes dispositivos para tal comunicabilidade. Trata-se de revolução continuada nos métodos de ensinar e aprender. Significa romper com o vício dos moldes e esquemas cartesianos, de entender o ato de ensinar e aprender, restringindo conteúdos e aprendizagens, habilidades e competências, apenas aos domínios da presença física na sala de aula, onde o professor domina os movimentos para interpretar as atitudes e mensurar o apreendido, e assim concluir sua avaliação sobre o processo educacional. 289
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Nesse sentido, os caminhos tornam-se viciados, se os procedimentos forem os mesmos, ou seja, se a EaD enveredar pela mecânica cartesiana, a dinâmica de uma interação de saberes como troca. Não logrará muito êxito, tornando-se apenas modelo, como tantos outros na história da educação. Todavia, não é essa a tendência que a abordagem interativa concebida como elemento identitário da educação a distância quer ressaltar como seu modus operandi. A EaD, desenvolvida na abordagem interativa privilegiando a (re)construção do conhecimento, revela a possibilidade de cada participante ser visto como produtor de inovações e posicionamentos expressivos, trazendo para a rede, múltiplas vozes e contribuindo para identificar as especificidades de cada grupo de cursistas e respectiva equipe de formadores, no que se refere à organização e às formas de interação escolhidas entre as diversas oportunidades oferecidas pelo curso. O design educacional do curso, articulado com esses elementos que se explicitam por meio do diálogo e contínua negociação, abre possibilidades para que possam emergir diferentes significações e trajetórias (PRADO; ALMEIDA, 2007, p. 79).
A dinâmica dessa forma de educar avança sobre os métodos prevalentes, para adentrar uma esfera da relação direta com a intencionalidade e responsabilidade do educando pelo seu processo de aprendizagem. Aliás, essa é a forma mais depurada de compreensão avaliativa da EaD: o indivíduo assume sua parcela em ser sujeito da própria história, responsável por parte de sua formação intelectual e aberto à contribuição de muitos outros que se associam à sua rede de conhecimento e aprendizagem. Isto é a distância fazendo-se presença, o individual se configurando como coletivo, de modo que o meu pode virar nosso, na partilha 290
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de saberes, aptidões, habilidades e competências, e permitir que o cerne da educação seja o grau de envolvimento no todo, que se constrói a partir da parte que é o sujeito aberto às relações e trocas. Nesse sentido, a relação da objetividade do saber, ensinar, aprender e avaliar, na prática, tem que dialogar com a subjetividade do pensamento, ou seja, os fatos explícitos também são implícitos. A manifestação para a exterioridade passa a ser apenas um critério avaliativo. Como exemplo, ao abordar as formas de avaliar, na EaD, sem excluir as avaliações de produção de textos presenciais em algum centro comum ou lugar autorizado. Em síntese, não se pode concluir que se aprendeu porque se verbalizou ou se escreveu. São vícios da educação que a denotam demasiadamente cartesiana. Dessa forma, é pertinente a seguinte interrogação, para uma filosofia da educação: como avaliar cartesianamente em um ambiente de virtualidade, de linguagens simbólicas, de novas formas de comunicação, que rompe naturalmente limites físicos, que se expandem em todas as dimensões, formas e métodos, sem romper o patrimônio e a experiência cultural de uma educação que evolui com a inteligência e técnica humanas?
Como será educar no futuro do presente, na presença do virtual, em relacionamentos presenciais na virtualidade? São todas interrogações especulativas, que exercitam a inteligência criativa para antecipar perspectivas parecidas com ficções, num grau continuador do que sempre se fez. Mas um fato é real: a educação a distância tem encurtado seu caminhar até as pessoas, de modo a permitir o acesso e a ampliação das aprendizagens, com recursividade técnica que o tempo histórico apresenta e, ao mesmo tempo, movimentando a tecnologia na dinâmica de desenvolver cada 291
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vez, mais para servir ao ser humano e, em nosso foco analítico, para favorecer a educação. Como o amanhã é a continuidade do hoje, o start foi dado e agora não há outro caminho, senão enveredar-se por essas vias de auxílio didático e mediações pedagógicas. O que nos leva a inferir que a educação do amanhã, avançará mais ou menos velozmente, em função dos percursos do agir pedagógico vivenciados agora. Todavia, como nada é inerte, enquanto dinâmica existencial, acontecem contínuas transformações, isto é, evoluções em nosso modus educandi. Como ficará o futuro do caminho pedagógico do aprendizado pela EaD, que hoje segue pelas vias predominantes do uso dos desktops e notebooks, com suas plataformas funcionais? Certamente se expandirá, devido ao crescente uso dos smartphones e tablets, o que sugere, de acordo com a realidade de facilitação funcional, que a mobilidade vem se sofisticando cada vez mais na direção da busca do saber, e será o futuro caminho. Ainda que constatemos quanto esses dispositivos móveis, por seu formato de visualização, são mais compactos e linearmente sequencializados, tornando a interatividade visual da tela ampliada um elemento prejudicado, não devemos nos assustar com isso. Também a técnica se aprimora. Aliás, temos visto o uso dos smartphones crescerem e dos tablets diminuírem. Tal como as transformações na antropologia física dos seres humanos, são reconfiguradas, ou seja, adaptações do globo visual, mais sensibilização na ponta dos dedos, etc., são ajudadas com aprimoramentos tecnológicos do tipo telas e monitores de retina, ou mais anatômicos, dentre outros recursos. Todavia, ao educador e ao educando de hoje, há que se enfatizar a necessidade de exercitações substanciais nessa didática de exposições e explorações pedagógicas, como esforços apurados de adequação a tais formatos tecnoló292
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gicos, que são extensão cultural de dimensões comportamentais de suas relações sociais. Com isso, pode-se inferir que a era da mobilidade veio para movimentar o saber, para ser um recurso cada vez mais utilizado, e que a ânsia do saber, a qualquer hora e relacionado a qualquer tema, conecta-se a um clique da utilização tecnológica: eis uma das lógicas da educação a distância. Trata-se de questão para a ação pedagógica, no seu diálogo com a tecnologia, em relação a esses dois elementos determinantes para a educação: uma ação humana que pretende comunicar e transmitir o que sabe e tecnologia que assume sempre mais o favorecimento de mobilidade focada no uso dos smartphones e tablets, ou o que a tendência do mercado aponta como um mix dos dois e que podem estar no bolso, na bolsa ou em qualquer lugar, transformando-se em espécie de próteses das formas corporais que operacionalizam a forma física e visível do pensamento, dentro de uma realidade educacional que, enfatiza-se, sempre acompanhou a cultura dos tempos. Tem alta relevância o desejo de aprender, que se torna sempre mais instigante, sem limites de tempo e lugar, que vai de acordo com a necessidade e o interesse, por saber algo na hora, onde se quer e se está, a partir da conectividade digital. Colabora profundamente o ato de recorrer, na busca de informações e, assim, ampliar conhecimentos, aos sites específicos de busca, que respondem a dúvidas e introduzem novas investigações, como se pode observar em muitos recursos virtuais: Google, Wikipédia, plataformas diversas, etc. Todavia, ainda que se questione a qualidade das informações coletadas, é necessária uma crítica depurativa e cabe à sociedade levantar e fiscalizar a qualidade desse saber aí encontrado, e, se for o caso, usar um de seus dispositivos legais para tirar do ar aquilo que for desinformativo, errôneo, mentiroso, ou falso saber. 293
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A utilização dessas vias, na prática, realiza um tutorial não oficializado pela instituição de ensino, com caráter complementar, acessível e disponibilizado para o aprendizado. Inclusive, isso lança à EaD a necessidade de melhor qualificar o material oferecido para consulta e atendimento tutorial; para que o estudante não utilize fontes duvidosas e errôneas; ou seja, é necessária a supervisão de ensino virtual, que faça mais do que controlar a qualidade de serviço tecnológico prestado e promover o alcance da qualificação educacional, mas busque aprimorar-se sempre.
Conclusão O futuro da educação, a partir do universo da EaD, é de caminhar na esteira das transformações de nossa sociedade, realizando perspectivas proféticas, de um mundo aparentemente ficcional, mas que tem se demonstrado mais real do que se pensa, seguindo nas vias de uma conectividade e interação com a sociedade no seu desabrochar no tempo histórico, tal como descreve José Manuel Moran (2008, p. 145): Estamos caminhando rapidamente para uma sociedade muito diferente, que em parte vislumbramos, mas que ainda nos reserva inúmeras surpresas. Será uma sociedade conectada, com possibilidades de comunicação, interação e aprendizagem inimagináveis hoje. Os processos de educação serão profundamente diferentes dos atuais. Todas as sociedades educam, transmitem seus valores e tradições; como isso será feito daqui a 40 ou 50 anos, não sabemos claramente. Mas sabemos que a aprendizagem será a essência da nova sociedade: aprender a conhecer, a sentir, a comunicar-se, a equilibrar o individual e o social. Será uma sociedade de maior participação direta, que decidirá as principais questões.
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A dimensão profética ocorre em função de que o mundo, as instituições humanas e a sociedade estão em contínua transformação, e a inteligência humana, em constante desenvolvimento, voltada para as ações do homem e suas culturas. Afora as digressões que pareçam escrito filosófico do caminho presente do futuro, faz-se mister ter em mente que a educação é uma das instituições humanas que mais se transformou, pensada pelo viés da dinâmica do movimento e da transformação em si e que, por ela, o ser humano tem se reinventado, ampliado as aprendizagens sobre si mesmo, sua vida e perspectivado caminhos melhores para o viver. Por isso, conceber a sala de aula em outros espaços, que não apenas os físicos, e apenas deslocar o foco do físico na direção do virtual, é uma questão de análise prática. Tal como acrescentar ao caderno e livro de papel o dispositivo de mesa ou móvel, sugerem simplesmente o somatório, a mudança de formas aparentes do ato de educar e do aprender. Na essência, todas essas transformações que caracterizam a educação, somente refletem caminhos de inteligência humana no intuito de se aperfeiçoar. Mais do que ser diferente, é ser presença e diálogo com o tempo e a história, que sempre andaram de mãos dadas com a tecnologia, para servirem à vida. Eis o mote filosófico-antropológico da EaD. Quando se busca, na cultura em voga, que é digital, um auxílio institucional para a educação, pensa-se num caminho a percorrer que remete ao grande desafio de vencer o obstáculo da resistência institucional, da comportamental e das práticas educacionais. E por que se buscam novas formas? Talvez o momento atual esteja demonstrando que as formas atuais deixaram uma brecha de não realização de todas as suas potencialidades, ou, então, que precisam de formas complementares para ser mais acessíveis. Afinal, não pensamos na educação 295
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restrita a certo número de pessoas, pois pretendemos uma educação cada vez mais expandida. Fato que a virtualidade tem força operante para efetivar. São os novos paradigmas para a educação do presente, isto é, trazer a educação do futuro para um maior número de práticas e presenças pedagógicas, enquanto mediações tecnológicas. Nossos tempos apresentam um novo homem, sempre mais conectado às tecnologias digitais. Daí a interrogação para a educação: Por que não esta que é mais tecnológica e digital? Afinal, o homo sapiens hodierno pode ser apelidado de homo digitales. O homem de hoje traz à técnica sua potencialidade em aproximar conhecimento e saber das pessoas e instituições. É o seu modus operandi na vida cotidiana, que percorre momentos de lazer, trabalho e estudo, de maneira tal que o uso da digitalidade, virtualidade e, mais expressivamente, da internet, manifesta espécie do prolongamento de sua inteligência, sociabilidade e seus relacionamentos. Podem-se fazer críticas a essas realidades práticas crescentes no hoje; todavia, o que não se pode negar a espécie de fato social da condição do ser vivente no aqui e agora. Logo, por que não aplicar essa condicionalidade sócio-humana nas suas instituições, aproximando-a cada vez mais da educação? Podemos negar o tempo que corre, que voa, que percorre em frações de segundos um movimento físico de virtualidade que nos empolga e interessa, porque tem o poder de facilitar as coisas? Em si, a resposta já está dada institucionalmente: é o que se constata com o crescente número de cursos de EaD, que são estruturados e oferecidos. É fundamental frisar que a modalidade torna-se única forma de acesso para muitas pessoas que apresentam poucas condições de presencialidade: horários, impossibilidade de deslocamentos físicos, mundo de trabalho, vida familiar, etc. Enfim, a EaD é uma prática a serviço da educação 296
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e seu alcance educacional abrange os métodos pedagógicos e as estratégias didáticas que a escola já coleciona como patrimônio institucional, ou seja, não rompe com o que existe, não faz oposição, apenas torna-se mais uma maneira de realizar o serviço nobre e humano da educação, servindo-se do que os homens instruídos e formados pela educação de outrora nos legaram, como essas tecnologias que alcançaram o êxito do que este texto propõe como caminhos educacionais.
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Nota Possui graduação em: Filosofia pela Universidade São Francisco, Teologia pela Pontificia Studiorum Universitas Salesiana de Roma (Pio XI), Pedagogia pelo Centro Universitário Nove de Julho; mestrado em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; doutorado em Ciências Sociais (Antropologia) e pós-doutorado em Educação pela PUC-SP. Mestrando em Direito Canônico pelo Instituto Superior de Direito Canônico do Rio de Janeiro- campus Londrina/PR (afiliado à Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. É diretor presidente e mantenedor do Instituto Educacional São João Gualberto e reitor do Colégio São João Gualberto, diretor presidente do Instituto Social São 1
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João Gualberto, membro dos Comitês de Ética em Pesquisa do Hospital Santa Catarina e PUC-SP. Tem experiência na área das Ciências Sociais, com ênfase em Antropologia (sobretudo da Religião), atuando principalmente nos seguintes temas: relações humanas - sagrado, sincretismo e agir religioso; em Filosofia, em Teologia (Direito Canônico, Liturgia e Espiritualidade) e em Ciências da Religião; tal como em Educação, nas áreas de Currículo, Gestão e Tecnologias da Informação e Comunicação. E-mail: domrobson@gualberto.g12.br
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ste livro aborda essencialmente duas temáticas extremamente importantes e complexas, do universo da EaD: a mediação pedagógica e a avaliação da aprendizagem. As reflexões dos pesquisadores que vivenciaram e estudaram diferentes contextos envolvendo a EaD em formações inicial e continuada, contidas nos vários capítulos, mostram as possibilidades e limitações que poderão contribuir para repensar os processos de ensino e aprendizagem desenvolvidos nessa modalidade de educação. A EaD ganhou novo impulso com o avanço das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC) e a consolidação da Internet como ferramenta acessível para a solução de problemas relacionados tanto à formação inicial como à formação continuada de profissionais de diversas áreas e variados setores da sociedade. Especificamente sobre a formação continuada, é oportuno ressaltar a sua relevância, considerando que o paradigma da sociedade do conhecimento demanda das pessoas nova postura para aprender a aprender. A rapidez e a abrangência de informações com as quais um profissional precisa lidar requerem predisposição para a educação ao longo da vida – lifelong learning –, de forma contextualizada às suas necessidades reais. As tecnologias digitais e os AVA utilizados na EaD, favorecem as múltiplas interações que acontecem, de forma diversificada e intensa, potencializando a (re)construção de novas maneiras de ensinar e aprender. É na troca de 300
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informações e experiências que surgem novas referências, instigando o aluno a articular diferentes pontos de vista e a obter novas compreensões. No contexto virtual, o aluno compartilha com seus pares questionamentos, reflexões e sentimentos relacionados à própria vivência no curso, de tal forma que vão sendo construídos os vínculos de companheirismo e de parceria entre os participantes, e fortalecidas, com isso, maneiras colaborativas de aprender. O trabalho colaborativo, compartilhado e coletivamente significativo, em que um pode aprender com o outro, não é constituído numa atividade puramente intelectual, impessoal. Por meio do trabalho coletivo, busca-se um sentido real para sua realização, destacando a importância da contribuição e do envolvimento de cada integrante do grupo/ turma. O trabalho colaborativo demanda alguns valores, dificilmente evidenciados com a mesma força na educação presencial. Nesse tipo de trabalho, as pessoas expõem suas limitações (provisórias) e potencialidades. Ocorre o confronto de ideias, o exercício da tolerância e a convivência com os diferentes, o diálogo com o outro e consigo mesmo. As práticas colaborativas requerem das pessoas envolvidas abertura para ouvir (sem preconceitos), bem como humildade para reconhecer as próprias limitações e o desejo de superá-las. Na interação virtual, as relações interpessoais e afetivas são fortemente evidenciadas (MORAN, 2000). Por isso, as atitudes devem ser carregadas de valores como o respeito, a reciprocidade e confiança, de modo que a Internet possa servir também como rede humana de aprendizagem. A tendência da educação a distância é priorizar as interações entre os participantes de um curso e o trabalho colaborativo, que se torna viável graças às diversas ferramentas virtuais de aprendizagem, ao propiciarem as diferentes formas de comunicação, busca de informações e representação de conhecimentos. Tais ferramentas virtuais favorecem 301
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o emprego de metodologias ativas e mais abertas, de forma que os participantes de um curso a distância vivenciem situações de aprendizagem individuais e também coletivas. Um exemplo de ferramenta com características voltadas para a aprendizagem coletiva e destacada pelas autoras Taú e Ripa (2016), é a Wiki, que viabiliza a autoria coletiva, ou seja, a construção de textos escritos colaborativamente por participantes de um curso no AVA. Entretanto, as autoras deixam claro que o uso dessa ferramenta requer, dos alunos e professores, uma nova aprendizagem, que vai além de seus elementos técnicos. Isso significa que a Wiki, assim como as demais ferramentas virtuais disponíveis no AVA, como fórum, chat, portfólio, precisam ser vistas e tratadas pelo potencial pedagógico. É justamente nesse sentido que a mediação pedagógica pode fazer a diferença, em termos de qualidade da EaD. A mediação pedagógica, segundo Prado (2003), é concretizada pelas constantes recriações de estratégias, no decorrer de um curso, a partir da inter-relação dos materiais e das atividades disponibilizados no AVA e das interações (entre alunos e entre alunos e professor). Esses elementos constituintes da mediação complementam-se e entrelaçam-se na ação educativa, expressando a integração entre a intencionalidade pedagógica, representada na criação e no desenvolvimento do curso, e as necessidades/interesses dos alunos. No contexto da EaD, os materiais, constituídos por diversas linguagens e variados formatos, fazem parte do cenário de um curso e podem enfocar diferentes aspectos, com finalidades específicas, dependendo do conteúdo curricular abordado, do perfil dos alunos, e de outros fatores relacionados ao projeto do curso. As atividades propostas, para serem desenvolvidas no curso, devem partir do princípio de que o aluno aprende em situações funcionais, ou seja, quando vê sentido na atividade que realiza. Para tanto, é necessário que reconheça a sua 302
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autoria; atribua significado, para investir na sua realização por um desejo, uma curiosidade e um valor (CHARLOT, 2000). De fato, as atividades é que privilegiam a autoria; provocam reelaborações do pensamento, favorecendo para que o aluno interprete as informações articulando-as com seu universo de representação de conhecimento. As interações que se estabelecem no AVA, durante o curso, muitas vezes, favorecem um clima de confiança, aceitação e companheirismo entre os participantes. Nas interações, o professor tem a função de observar, articular, intervir e orientar o aluno, individualmente e no coletivo. O acompanhamento constante, no processo do aluno aprender e se comunicar no AVA, pode dar pistas para que o professor faça suas intervenções pedagógicas e propicie a interaprendizagem e a aprendizagem significativa. O momento da intervenção é bastante sutil, na EaD, pois, muitas vezes, o professor precisa estar atento para não minar a dinâmica de um grupo, tampouco o processo de descoberta dos alunos. Na interação com os colegas, podem surgir ideias, descobertas e questionamentos, e indicar novos rumos a serem explorados na aprendizagem. Essa possibilidade de abertura para integrar novos temas de estudo é desafiadora, para o professor, pois requer atitudes de flexibilidade para lidar com as questões inusitadas, que emergem das interações e dos estudos apoiados nos materiais e nas atividades. A mediação pedagógica, na modalidade EaD, é complexa, principalmente quando integra seus elementos (materiais, atividades e interações) e foca numa perspectiva de aprendizagem em que o aluno é o construtor do conhecimento e tem autonomia para aprender a aprender. O conhecimento da prática docente, nesse sentido, é fundamental e precisa também ser visto como um processo de (re)construção contínua, conforme destacado por Correa e Mill (2016). Nessa direção, a base do conhecimento do 303
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professor, criada por Shulman (1987), inspirou mais recentemente os pesquisadores Mishra e Koehler (2006) a definirem um modelo composto pela integração de três áreas distintas do conhecimento: do conteúdo específico, pedagógico e tecnológico. Essa integração originou um novo conhecimento, denominado de TPACK (Technological Pedagogical Content Knowledge) e atual referência teórica para repensar a formação de professores, bem como para fundamentar as análises das pesquisas que abordam o universo tecnológico na educação, como consta, por exemplo, no capítulo dos autores Leonel e Angotti (2016). No entanto, é fundamental compreender que o conhecimento do TPACK se desenvolve sustentado por princípios educacionais. Por essa razão, enfatizamos os princípios que concebem o ato de ensinar como aquele que liberta, instiga a curiosidade e a reflexão crítica; aquele que valoriza a escuta sensível; respeita a diversidade e as singularidades; favorece a formalização de conceitos e dialoga, aprendendo com o outro; enfim, aquele que assume uma postura de ensinante e aprendente, simultaneamente. De fato, a base do conhecimento docente pode nortear as ações da mediação pedagógica independentemente da modalidade da educação, seja a distância, presencial, ou, ainda, híbrida. O que as diferencia, são as especificidades de cada modalidade, que devem ser compreendidas para fortalecer suas potencialidades na prática. Por exemplo, na modalidade a distância, a interação do professor com o aluno perde os elementos da presencialidade (os gestos, o olho no olho), mas, por outro lado, ganha a diversidade de registros do modo de pensar e da trajetória de aprendizagem do aluno, expressa nas diversas ferramentas do AVA. Esse potencial da EaD, em fornecer ao professor o registro da trajetória de aprendizagem do aluno durante um curso, pode contribuir para a recriação de estratégias de mediação pedagógica, assim como para o processo avaliativo. 304
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Sobre o tema avaliação, a autora Bruno (2016) sinaliza-o, em poucas palavras, como “o calcanhar-de-aquiles” dos educadores, devido à sua complexidade. Como medir o conhecimento do outro? A autora destaca que a avaliação é constituinte dos processos de ensino e aprendizagem e enfoca sua reflexão na aprendizagem do adulto, relevante aspecto para o contexto da formação continuada em EaD. No contexto da EaD, a avaliação torna-se mais desafiadora, pelas especificidades dessa modalidade de educação. Sem os elementos da presencialidade, são comuns práticas semelhantes à avaliação formal, utilizadas em cursos presenciais, uma vez que já estão institucionalizadas. Daí a necessidade de rever as especificidades da EaD para que o processo avaliativo não perca a riqueza do registro da trajetória de aprendizagem do aluno, que fica disponibilizada ao longo do curso, nas diferentes ferramentas virtuais. Esse registro, ao ser constantemente revisitado pelo professor, possibilita que faça a avaliação processual e formativa da aprendizagem do aluno. Silva (2016), que dialoga com Jussara Hoffamnn sobre “avaliação mediadora”, enfatiza uma prática inspirada no processo interativo, de relações dialógicas, colaborativas, reflexivas e de autorias, propiciando a autonomia e a participação dos atores envolvidos nos processos de ensino e aprendizagem. O autor, em seu capítulo, aborda com detalhes a relação entre avaliação da aprendizagem, aquela desenvolvida na perspectiva formativa e contínua, e a mediação interativa do professor. Além disso, destaca a importância das diversas ferramentas digitais disponíveis nos AVA, no sentido de favorecer a comunicação, aprendizagem e sua avaliação, entretanto chama a atenção para o papel do professor, pois é a sua ação que imprimirá qualidade no processo educativo. Assim, com esse enfoque nas questões relacionadas aos processos de ensino e aprendizagem, na EaD, os vários capí305
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tulos deste livro trazem riqueza de reflexões ao contemplar a mediação pedagógica e os processos avaliativos numa diversidade de contextos que envolvem experiências realizadas e fundamentadas em teorias que permitem ampliar e aprofundar um conhecimento emergente e interdisciplinar. Portanto, graças à tessitura de conhecimentos dos autores e dedicação, bem como ao comprometimento acadêmico dos organizadores deste livro sobre Processos Avaliativos e Mediação Pedagógica na EaD, que os pesquisadores, educadores, professores e diversos profissionais da EaD, podem usufruir de momentos reflexivos e de aprendizagens.
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Nota 1 Formada em Licenciatura em Ciências e Matemática (1974), possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Campinas (1984), mestrado em Educação na área de Psicologia Educacional pela Universidade Estadual de Campinas (1996) e doutorado em Educação (Currículo) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003). Atualmente é professora doutora do Programa de Pós Graduação em Educação Matemática da Universidade Anhanguera de São Paulo (UNIAN Brasil), pesquisadora colaboradora do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e do Projeto UCA da SEB-MEC. Membro do Comitê Científico Pedagógico do Projeto Educação na Cultura Digital do Programa Proinfo/MEC. Desenvolve trabalhos de consultoria e de pesquisas com publicações nas áreas de Formação de Professores, Educação Matemática, Tecnologia e Mídias na Educação e Educação a Distância. E-mail: bette.prado@ gmail.com
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