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José Jorge Siqueira

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Copyright©, José Jorge Siqueira, 2015 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem a autorização prévia e por escrito do autor.

Editor João Baptista Pinto Capa*/Projeto Gráfico/Diagramação: Francisco Macedo *Sobre Ilustração do artísta José Paixão.

Revisão Do Autor CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

S628s Siqueira, José Jorge, 1948Sarapuí (sorver-te): poesias / José Jorge Siqueira. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015. 96 p.: il.; 14x21 cm. ISBN 9788577853458 1. Poesia brasileira. I. Título. 15-20835

CDD: 869.91 CDU: 821.134.3(81)-3

Letra Capital Editora Tels: (21) 3553-2236 / 2215-3781 www.letracapital.com.br


ร Joana Que ainda hoje me cria enquanto eu a crio

Para a Ivone, Que faรงa sol ou faรงa chuva amor que valeu (vale e valerรก) a pena.


Homenagem a José Paixão (In Memorian) As ilustrações deste trabalho foram feitas pelo companheiro José Paixão, que infelizmente não pode vê-lo publicado. Ainda se lê poesia no Brasil? Paixão (1938-97), baiano de Salvador e falecido no Rio de Janeiro, foi desenhista, gravador e escultor, destacando-se como elogiado artista plástico. Dirigiu a oficina de educação artística para crianças da Escola Tia Ciata, na Praça Onze, foi presidente da Casa do Artista Plástico Afro-Brasileiro, curador do Primeiro Salão Nacional Zumbi dos Palmares, realizado no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, quando do tricentenário da morte desse herói negro da Diáspora.


Sumário Apresentação.................................................. 9 Prefácio........................................................... 13 I. Identidade.................................................. 17

Seu José.............................................................. 18 Menino Br.......................................................... 19 Primeira Idade.................................................. 20 Quando serás o cisne que és?......................... 21 Menstruação..................................................... 22 Dudão................................................................ 23 Vó Grande......................................................... 24 Questão de cor.................................................. 25 Negro sou.......................................................... 26 Questão de Fé................................................... 27 Sangro................................................................ 28 Naufrágio.......................................................... 29 A mensagem..................................................... 30 Verde e Rosa..................................................... 31 Monossílabo...................................................... 32 Vira e Mexe....................................................... 33 Orvalho.............................................................. 34 Festa no Mar..................................................... 35 Blue Gardenia................................................... 36 Trânsito.............................................................. 37 Nobis 93............................................................. 38 Sem poesia........................................................ 40

II. Civil............................................................. 41

Recordando Manoel Maurício de Albuquerque................................................ 42 Barra 70.............................................................. 44


73........................................................................ 45 Nicarágua.......................................................... 46 Cuidado............................................................. 47 Contradição....................................................... 48 Ecologia............................................................. 49 (Ba) Abolição..................................................... 50 Curupira............................................................ 51 Diplomaticamente............................................ 52 Grupo Negrícia................................................. 53 Maria.................................................................. 54 Na Vida.............................................................. 55 Estética Negra................................................... 57 Índice Onomástico........................................... 61 Rebento.............................................................. 70

III. Em construção....................................... 73 Aracnídeo.......................................................... 74 Natureza morta em Pancetti........................... 75 Psiu..................................................................... 76 Varanda............................................................. 77 20 de Novembro............................................... 78 31 de Março....................................................... 79 Lobo bobo......................................................... 80 (?)........................................................................ 82 Gira..................................................................... 83 Por Onde........................................................... 84 Palmares............................................................ 85 Banca de Jornal................................................. 86 Negro Velho...................................................... 87 Verde Esmeralda.............................................. 88 São Luís feminina............................................. 89 Mar Amargo..................................................... 92 Mulher............................................................... 94 O Chico.............................................................. 95 Amarelo............................................................. 96 Mestre Didi....................................................... 97


Apresentação

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uando inventamos a Literatura Afro-brasileira, ou Literatura Negra Brasileira, como preferem alguns, em fins da década de 1970, com ela surgiu a primeira geração de escritores negros brasileiros. Uns mais maduros, outros muito jovens, negras e negros, todos, com a certeza que mais que produzir literatura com especificidade étnica, estávamos fincando uma das ferramentas de Exu no coração malévolo da ‘inteligência’ racista brasileira. Para outros de nós, essa ferramenta, pode ter sido um emaranhado de terços, servidos à reza de mais de mil rosários, que amarrou com sete nós o tal coração malévolo da ‘inteligência’ racista brasileira. Pena que o coração malévolo ainda pulsa. Antes que a semântica nos engolisse com seus fundamentos, teorias, qualificativos e conceitos sobre a literatura que escrevíamos tivemos, num curto espaço de tempo, a competência de realizarmos três edições do Encontro Nacional de Poetas e Ficcionistas Negros Brasileiros (no Rio de Janeiro e em São Paulo), participarmos do Encontro Internacional de Literatura Negra, realizado pela Prefeitura de São Paulo e coordenado pela querida Tereza Santos, e protagoJosé Jorge Siqueira

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nizamos, com nosso fazer Literatura Afro-brasileira, pelo menos duas edições da Bienal Nestlé de Literatura Brasileira que, na década de 1980, foi o maior evento de literatura do Brasil. A intervenção das escritoras e escritores negros pode ser compreendida como uma ação de um setor do movimento negro, que utiliza a literatura como forma de combate ao racismo. Dos muitos grupos de escritores negros que atuavam naquele momento no Brasil, dentre eles o GENS da Bahia, o Palmares do Rio Grande do Sul e o Quilombhoje de São Paulo, José Jorge Siqueira integrava o Grupo Negrícia Poesia e Arte de Crioulo, do Rio de Janeiro, uma espécie de grupo multimídia, embora só utilizássemos o texto, o corpo e a voz como mídias, que reunia além de poetas, músicos, cartunistas, artistas gráficos. Embora tivesse uma atuação intensa em favelas, presídios, universidades, sindicatos e movimento social, o Negrícia não foi capaz de produzir uma antologia poética do grupo, ou uma obra coletiva que expressasse os princípios de coletivismo que tanto defendíamos, mas, paradoxalmente, seus componentes, poetas e artistas, publicaram obras individuais de grande relevância no campo das artes, sobretudo como perspectiva para muitos e muitos novos artistas negras e negros. No campo teórico e estético a literatura afro-brasileira, à revelia dos racistas e negacionistas, se faz presente nacional e internacionalmente. Se existe algum estranhamento sobre a legitimidade dessa lite-

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ratura ele está diretamente relacionado a essa ideologia de nação sem povo alimentada pelas elites, que não compreendem porque elas têm que ser submetidas a leis que criminalizam o racismo, que determinam a demarcação das terras quilombolas, que obriguam o ensino da história da África e da cultura afro-brasileira nas escolas de todo o país e das cotas nas universidades públicas. O Grupo Negrícia Poesia e Arte de Crioulo vem fingindo-se de morto desde fins do século XX, embora nenhum dos seus poetas tenha parado com a poesia. E agora José Jorge Siqueira no agracia com este Sarapuí, rio de poemas num livro para ser sorvido, mesmo com o incerto de um texto (Estética Negra), com índice onomástico e tudo, entre versos dessa dimensão: “(...) Acompanhar em vôo o bem-te-vi doméstico, demarcar meu espaço no último vale de concreto/adivinhar o oceano para além da torre de transmissão/tudo antes que o homem da companhia de plantas e jardins venha/Podar o que restou de mim.” Logo depois do intervalo o poeta nos conduz para sentir o parto de um ‘Rebento’: “(...) Está meio sujinho/ De sangue/Envolto em amores e ódios/Parece cuspido da boca de um AR-15/Tanto plástico, tanto chip, tanto lixo/Onde seu cordão umbilical com a terra mãe?” Nas três curvas desse Sarapuí aqui descrito, que vai muito além da Baixada Fluminense, ‘Identidade’, ‘Civil’ e ‘Em construção’, o livro é um mosaico de histórias de toda a gente desse tempo, de tempos passados e de tempos que, às vezes, não percebemos.

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O bom é que a sensação que fica é a de que a História é dita por nós mesmos, com o nosso modo de ver o mundo, pelas águas da poesia. Éle Semog

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Prefácio

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ouco tempo atrás, importante voz do Ministério da Cultura teria justificado a quase total ausência de escritores afrobrasileiros numa delegação oficial ao exterior, com o argumento de que não sabia da existência de literatos negros no Brasil. Imagino que essa percepção falha tenha se formado por conta da rarefação da presença afrobrasileira nas estantes das livrarias, nas colunas especializadas e nas grandes feiras Brasil adentro. Sei que essa invisibilidade vem lá de trás, de um tempo em que o próprio Estado brasileiro procurava apagar a afrobrasilidade, inclusive através de políticas públicas. Mas a insensibilidade em relação a essa grave questão não se justifica, mormente por parte de uma instância governamental. A presença afrobrasileira em nossa Literatura é tão antiga quanto o racismo institucional arraigado em nossa sociedade, em nome da “alta cultura”. E a produção literária que reage a esse racismo também. Cada um a seu modo, Caldas Barbosa (já no século XVIII), Cruz e Souza, Luiz Gama, Lima Barreto e Solano Trindade insurgiram-se contra a discriminação. Literal e literariamente. E além deles, temos, como exemplo, muitos dos incluídos nos 4 volumes da portentosa antologia crítica Literatura e afrodescendência no Brasil, José Jorge Siqueira

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organizada por Eduardo de Assis Duarte e publicada pela Editora da UFMG em 2011. Observemos que, do ponto de vista dos padrões vigentes, a Literatura tem a nacionalidade da língua em que é escrita. Daí a persistente negação da existência de uma voz literária especificamente afrodescendente ou negra (de pretos e pardos) entre nós. Entretanto, os que negam hão de convir que, entre a linguagem literária aceita e aquela que falamos, há sempre uma grande diferença. Diferença essa ditada por nosso psiquismo e nossa emocionalidade, os quais por sua vez obedecem ao nosso vitalismo e à experiência histórica de cada um de nós. E este precioso “Sarapuí”, que o leitor agora tem em mãos. é um claro exemplo disso. José Jorge Siqueira é doutor em História. E, nessa condição, mergulhou fundo no conhecimento da saga de nossos ancestrais africanos, afroamericanos e afrobrasileiros; e voltou dele com o “cofo” (no Maranhão, espécie de cesto; termo originário da língua fongbé ou jeje, no antigo Daomé, atual Benin) cheinho de pérolas. Voltou também ciente de que em qualquer chão que se pise, deve-se primeiro saudar os donos dele; por isso, mergulhou também na mata florida da tradição nativa brasileira; e dela nos trouxe e continua trazendo, tesouros como este “Sarapuí”. “Como foi bom assumir o meu cabelo, assumir o meu nariz, assumir a minha ancestralidade!” – dizia ele um dia, na volta de um desses mergulhos existenciais. E só essa frase já nos informa claramente sobre

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sua etnicidade e seus propósitos, tão bem expressos neste livro. ____ Para mim, Literatura Afrobrasileira é aquela em que o escritor brasileiro afrodescendente afirma a sua identidade pelo comprometimento na luta contra o racismo e a exclusão. E essa afirmação é clara no lavor poético do autor deste livro; se não, vejamos. Em alguns poemas, José Jorge expõe ou tangencia sua biografia, o que se observa principalmente no poema “Vó Grande”, à página 10 [dos Originais]. Em outros, ele chega a citações étnicas expressas, como em “Questão de cor” (p. 11) e “Negro Sou” (p. 12), por exemplo. Suas remissões ao subúrbio carioca e à periferia – Rio de águas turvas, onde a presença negra é não só um traço característico como um clássico atestado de exclusão e abandono, ainda resultantes daquelas políticas públicas lá de trás – são claramente marcadas: vejam-se, por exemplo, os poemas “Blue Gardênia” (p. 22) e “Barra 70” (p. 28), este em menção indireta. A cidade de São Luis, marco histórico da presença negra no norte-nordeste brasileiro, e onde na década de 1980 o navegante Siqueira tinha ancorada sua nau, vivendo quase como um personagem de Josué Montello (o que pessoalmente comprovei), também está presente, nas páginas 56 (“20 de novembro”) e 66 (“São Luís Feminina”). Da mesma forma, as citações reverentes a orixás do panteão jeje-nagô também

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são constantes, como lemos em “Festa no Mar” (p.21); “Natureza Morta em Pancetti” (p.53); “Amarelo” (71). Tanto que em “Mestre de Didi” orixá e ancestral se confundem, não fosse o personagem homenageado um dos mais importantes nomes da tradição religiosa afro no Brasil, assim como no “20 de Novembro” já citado, a homenagem reverente é inspirada por um saudoso afromaranhense, militante pelos direitos civis de nosso povo. Por fim registremos que a obrigatória saudação ao ethos indígena passeia por todo o livro. E se estampa principalmente no título: “Sarapuí” – em tupi, “rio das enguias” – é denominação de um importante curso d’água hoje degradado que, nascendo nas alturas da zona oeste carioca, deságua na poluída Baía de Guanabara, aliás, bem perto do tristemente célebre “Lixão de Gramacho”. Também livro de denúncia, então, este “Sarapuí” é uma coletânea de bons pescados, posta em poemas de gosto delicado, nadando em águas de simplicidade e aprofundamento, com a sensualidade de Oxum e a placidez de Iemanjá, doces mães d’ águas. É, enfim, um samburá de negritude com dentes afiados, mas não cerrados. Pois, como disse alhures um outro poeta, “poesia/ é roupa que a fala investe/ pra passear /domingozinho. Nei Lopes Autor do Dicionário Literário Afrobrasileiro, Rio de Janeiro, Pallas, 2011.

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I - identidade Galo que se preza tem a obrigação moral de acordar a madrugada e cantar Seu Antônio


Seu José

Quinze vezes nasci Sete vidas terei Não tenho muito a perder Pó do engenho, chão da usina Da cana sou a vida, da pedra sou quem fica Pedreiro do destino brasileiro Quixote do super homem Que não existe

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