Tempo de Ensaio: mĂşltiplos olhares sobre o literĂĄrio ensaios de graduandos em letras
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Reitor Prof. Dr. Carlos Antônio Levi da Conceição Vice Reitor Prof. Dr. Antônio José Ledo Alves da Cunha Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Debora Foguel Pró-Reitoria de Graduação Profa. Angela Rocha dos Santos Decania do Centro de Letras e Artes Decana Profa. Dra. Flora De Paoli Faria Vice Decana Profa. Dra. Cristina Grafanassi Tranjan Faculdade de Letras Diretora Profa. Dra. Elenora Ziller Camenietzki Vice Diretora Profa. Dra. Claudia Fátima Morais Martins Departamento de Ciência da Literatura Profa. Dra. Flavia Trocoli Xavier Diretora Adjunta de Ensino de Graduação Profa. Dra. Filomena de Oliveira Azevedo Varejão Diretora de Cultura e Extensão Setor de Publicações da Faculdade de Letras Profa. Danúsia Torres dos Santos Diretora de Pós-Graduação e Pesquisa Prof. Dra. Ângela Maria da Silva Corrêa
Luciana Marino do Nascimento Organizadora
Tempo de Ensaio: mĂşltiplos olhares sobre o literĂĄrio ensaios de graduandos em letras
Copyright © Luciana Marino do Nascimento (Org.), 2013 Os textos são de inteira responsabilidade dos seus autores, bem como as imagens utilizadas. Os erros gramaticais e as opiniões expressas isentam a editora ou os organizadores de quaisquer responsabilidades. Esta obra não pode ser reproduzida total ou parcialmente sem a autorização por escrito do editor.
Capa Luiz Guimarães
Projeto Gráfico e Editoração Luiz Guimarães Revisão Dos Autores
Letra Capital Editora Telefax: (21) 3553-2236/2215-3781 letracapital@letracapital.com.br
Apresentação Luciana Nascimento1 Organizadora
É com grande prazer que entregamos a presente publicação à comunidade acadêmica e, em especial, aos nossos alunos de Graduação das mais diversas habilitações, da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tal publicação é fruto dos resultados dos trabalhos finais desenvolvidos na disciplina Teoria Literária II, ministrada no primeiro semestre de 2013, a qual teve como ementa e os estudos e as reflexões sobre os gêneros literários. Dessa forma, os textos, aqui, reunidos, versam sobre os mais variados gêneros literários, desde a epopeia clássica à moderna poesia. Ressalte-se que a publicação discente deve ser desenvolvida e incentivada em diversas situações: no decorrer da graduação, por meio dos trabalhos desenvolvidos em sala de aula, na participação dos alunos na iniciação científica (institucional, interna e voluntária), nos estágios extracurriculares e/ou curriculares, na apresentação de trabalhos em encontros científicos (discentes, profissionais), nos trabalhos de conclusão de cursos e na publicação de artigos. Dentro desse horizonte, acreditamos que o incentivo à publicação dos nossos alunos de Graduação constitui como bem nos afirma Pedro Demo, um “[...] processo de competência humana, com qualidade formal e política, encontrando no conhecimento inovador a alavanca principal da intervenção ética”. Tal iniciativa se encontra articulada ao que hoje vem sendo um dos grandes desafios da produção acadêmica, qual seja: a socialização de conhecimentos produzidos na Universidade, em especial de alunos da Graduação, tendo em vista que na Pós-Graduação, a publicação é uma das exigências das agências de fomento. Dessa forma, acreditamos que é por meio de iniciativas, ainda que pequenas, como esta, que se lançam as sementes para a formação do futuro pesquisador e também de um professor-pesquisador. 1
Profa. Dra. Departamento de Ciência da Literatura- Faculdade de Letras da UFRJ. 5
Conselho Editorial Série Letra Capital Acadêmica Beatriz Anselmo Olinto (Unicentro-PR) Carlos Roberto dos Anjos Candeiro (UFTM) João Medeiros Filho (UCL) Maria Luiza Bustamante Pereira de Sá (UERJ) Michela Rosa di Candia (UFRJ) Olavo Luppi Silva (USP) Orlando Alvez dos Santos Junior (UFRJ) Pierre Alves Costa (Unicentro-PR) Robert Lee Segal (UFRJ) Sandro Ornellas (UFBA) Sergio Azevedo (UENF) Sérgio Tadeu Gonçalves Muniz (UTFPR) William Batista (Bennet - RJ)
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Prefácio Fátima Cristina Dias Rocha1
Para saudar este bela publicação organizada pela professora e pesquisadora Luciana Nascimento, inspiro-me em seu título: Tempo de ensaio/ Múltiplos olhares sobre o Literário/Ensaios de Graduandos em Letras. Com efeito, nas páginas que se seguem, “é tempo” de promover e divulgar a reflexão e a produção ensaística dos estudantes de Graduação em Letras, estimulando-os à abordagem do fenômeno literário, nas suas mais variadas e ricas manifestações. Os “múltiplos olhares” que se voltam para o literário passeiam, inicialmente, pelos gêneros da tradição e da contemporaneidade, ora estabelecendo – numa perspectiva diacrônica – produtivos diálogos entre eles, flagrando-os, portanto, “em movimento”, como é o caso dos ensaios que abordam o conto, a crônica e os gêneros em geral; ora revisitando textos clássicos do cânone ocidental, como a Ilíada e Dom Quixote; ora perscrutando, num romance do século XX, a releitura dos mitos de Marília e de Dirceu, personagens que fazem ressurgir a magia poética de Tomás Antônio Gonzaga e da sua Ouro Preto. Na segunda seção do livro, “é tempo” de investigar o “literário fora do cânone”, apreendendo-o nas canções de renomados compositores contemporâneos – Chico Buarque, Lulu Santos, Djavan e Renato Russo –, e no lugar inesperado das manifestações populares ocorridas neste ano de 2013, postas em diálogo com o Tropicalismo. Os argutos e “múltiplos olhares” sobre o literário focalizam, na terceira seção do livro, a estreita relação entre literatura e cidade, destacando alguns dos escritores brasileiros que fizeram da cidade do Rio de Janeiro uma das personagens mais vivas e instigantes de sua obra: José de Alencar, Lima Barreto, João do Rio, Álvaro Moreyra, Benjamin Costallat e Olavo Bilac. Todos “amadores de signos e da sua cidade”, na feliz expressão de Roland Barthes, no ensaio “Semiologia e urbanismo”, 1
Professora Associada (UERJ) 7
do livro A aventura semiológica: “amador de signos, aquele que ama os signos; amador de cidades, o que ama a cidade”. Para completar o amplo painel encenado neste Tempo de ensaio, os “olhares” se debruçam sobre “a literatura e a sociedade”, mais uma vez numa perspectiva múltipla, que reúne, na mesma seção, os escritores Pero de Magalhães Gândavo, Frei José de Santa Rita Durão, Eça de Queirós e Machado de Assis. Parabenizamos, portanto, a professora e pesquisadora Luciana Nascimento por seu louvável gesto de trazer a público os ensaios produzidos pelos graduandos em Letras. A qualidade dos ensaios aqui reunidos ratifica a contribuição que esses estudantes podem oferecer para os estudos acadêmicos, desde que incentivados pela atitude encorajadora e corajosa do professor da Graduação. Também aos autores dos instigantes artigos que compõem este Tempo de ensaio, os nossos parabéns. E o desejo de que continuem a acolher e a desenvolver de modo tão criativo o estímulo proporcionado pela professora, multiplicando, desta forma, a circulação dos saberes.
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Sumário Olhares Sobre os Gêneros da Tradição e da Contemporaneidade Gêneros literários e leituras na internet: um olhar em movimento......13 Luciana Nascimento A Influência dos Deuses na Ilíada......................................................... 18 Ludmila Alves da Silva Contos: ontem e hoje.............................................................................29 Ariadne Fernandes, Bárbara Jugurta Crônica: um passeio pelo tempo - do papel às mídias digitais............. 39 Isadora Mello De Marílias e Dirceus: uma leitura de A Ladeira da Saudade, de Ganymédes José..................................... 46 Géssica Santana de Oliveira Dom Quixote em foco............................................................................53 Angelica Apparicio Alves Oliveira, Isaac Silva França, Thais Oliveira
Olhares Sobre o Literário Fora do Cânone As músicas de Chico Buarque na ditadura militar................................ 65 Amanda Rocha Araújo de Moura, Cláudia Maria de Almeida Corrêa...................................................... 65 O Tropicalismo e as manifestações de 2013, seus distanciamentos e proximidades.......................................................................................73 Gabriella Mikaloski Pinto da Silva, Julia Rodrigues Costa Não há tempo que volte, amor ..............................................................80 Claudia Escobar de Souza e Silva, Karoline Gomes Fabre Poesia e paisagem em Açaí, de Djavan.................................................86 Roberta Saraiva Um mergulho nas águas utópicas de “Faroeste Caboclo”: do planalto central às “Músicas de Protesto”...................................... 91 Ednaldo Martins da Silva Junior
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Olhares Sobre Literatura e Cidade As ruas de José de Alencar.................................................................. 103 Catarina Lobo Caminhos da cidade em Lima Barreto................................................ 112 Mayara Vieira Moreira A alma encantadora de João do Rio: um passeio lírico e sensível pelas ruas da cidade............................................................ 119 Jaqueline de Souza Amâncio, Letícia Maria da Silva Antônio Labirintos urbanos: uma leitura da crônica A Rua, de João do Rio.....................................................................................134 Gabriela Rodrigues Teixeira Caramuru, Aline de Souza Oliveira Cidade escrita: Uma leitura das crônicas “A Volta” e Horas Mortas”, de Álvaro Moreyra.................................................... 141 Daiana Lopes Leocadio Costallat e os mistérios do Rio............................................................ 149 Isabela Fontenelles Deoclécio, Isadora Aparecida Santos Pinheiro Entre o esquecimento e a eternidade: aspectos da crônica brasileira e a Belle Époque em O Bonde, de Olavo Bilac..................157 Elvis Desouzart Araujo, Carla Cristina de Oliveira Sousa
Olhares sobre a Literatura e a Sociedade Estampas do Brasil colonial: a visão de Pero de Magalhães Gândavo.......................................................... 169 Claudia Escobar de Souza e Silva, Renato Alves André de Deus Caramuru: a invenção da identidade.................................................. 180 Jorge Luiz Ferreira Lisboa Júnior Casamento e amor em Eça de Queiroz................................................187 Heloise Cosme de Sousa Uma leitura crítica do conto Missa do Galo de Machado de Assis....195 Brenda de Oliveira Dardari O fantástico na obra infantil...............................................................201 Geovana Zaltman Sadcovitz
Olhares Sobre os Gêneros da Tradição e da Contemporaneidade
Gêneros literários e leituras na internet: um olhar em movimento Luciana Nascimento1
I. Introdução Com o alargamento da noção dos gêneros literários e dos estudos literários, foi possível considerarmos como textos literários, uma gama de outros textos distintos daqueles considerados canonicamente como textos literários e um bom exemplo disso foi a inclusão nos estudos literários das letras de música como formas de poesia. Tal abertura foi possível, garças à multidisciplinaridade, sendo que a literatura, hoje, se encontra no amplo campo da cultura. Além disso, é possível pensarmos nas letras de música como textos poéticos, se tomarmos a noção do poético postulada por Jakobson, na função poética. No que se refere a essa função da linguagem, o autor ressalta o caráter inovador e plástico das inúmeras possibilidades de seleção e combinação em uma língua. Segundo Jakobson, a função poética “projeta o princípio de equivalência do eixo de seleção sobre o eixo de combinação” (1992, p. 130). Nesse contexto, a sobreposição dos dois eixos da linguagem, a saber: similaridade e contiguidade, proporciona ao poema um caráter polissêmico e múltiplo, pela própria ênfase na mensagem, característica da função poética da linguagem, trazendo para a poesia a ambiguidade e as lacunas a serem preenchidas pelo destinatário da mensagem. Dessa forma, considerando as letras de música como textos poéticos se os lermos sob a luz das funções da linguagem de Roman Jakobson ou sob a ótica dos estudos de Octavio Paz sobre a linguagem da poesia, em especial, o seu famoso ensaio Poesia e poema (capítulo de seu livro Os filhos do Barro). O crítico e poeta mexicano nos ensina que a poesia é essência e não se realiza apenas num poema canônico, mas em muiDoutora em Teoria e História Literária pela UNICAMP. Docente do Departamento de Ciência da Literatura da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bolsista de Produtividade em pesquisa do CNPq (PQ2). O presente texto é resultado da disciplina de Teoria Literária II, ministrada no 1º semestre de 2013, na Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 1
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Luciana Nascimento
tos outros espaços, como na música, na pintura, na prosa etc. Podemos depreender que as letras de música, sem dúvida, são constituídas de recursos estilísticos que visam a despertar fantasias e emoções no ouvinte e, sem dúvida, são constituídas de recursos poéticos que se fazem presentes no modo de organização do discurso. Como bem afirma Eneida Maria de Souza: Não causa mais espanto o fato de a literatura brasileira e, especificamente, a poesia brasileira, conceber a música popular como parte integrante de seu cânone. (...) Em decorrência da abertura verificada nos estudos semiológicos e culturais, respectivamente a partir dos anos de 1960 e 1980, a hegemonia da abordagem literária – voltada para a exclusividade de textos representativos da literatura – começa a ceder terreno para o caráter interdisciplinar e pluralista das manifestações artísticas. (SOUZA, 2002,p.147).
Tomando a MPB e o Pop Rock como produções culturais ricas em expressividade, cabe ao professor de Língua Portuguesa/Literatura resgatar este patrimônio como um facilitador do processo ensino/aprendizagem nos componentes curriculares do ensino médio e básico, buscando trabalhar com o aluno os traços expressivos de determinada música, no nível da construção do enunciado, da escolha lexical, dos recursos fônicos etc., despertando o gosto pelo literário. Paralela à leitura do texto de música, pode-se ministrar os conceitos de Gramática, sem a tradicional aula baseada na gramática de enunciados fragmentados, o que também permite ao professor um trabalho com os recursos da língua, da leitura/produção e interpretação de textos, na perspectiva dos gêneros do discurso, (perspectiva bastante fomentada nos PCNs de Língua Portuguesa), os quais abrangem não só a tipologia textual e literária em sua tripartição, mas também os diferentes textos orais ou escritos produzidos no âmbito da sociedade, inclusive, àqueles que circulam na rede mundial de computadores, sejam eles canônicos ou não.
II. As Leituras no computador Vivemos, hoje, numa cultura globalizada e temos disponível na rede mundial de computadores toda uma gama de textos que se oferecem ao 14
Gêneros literários e leituras na internet: um olhar em movimento
olhar dos leitores e a escola pode tirar proveito dos mais variados gêneros textuais e literários que se fazem presentes na grande rede. A leitura na tela do computador modificou o modo de o leitor lidar com o texto, pois se exige outra postura do corpo, certamente diferente daquela utilizada na leitura do papiro ou do livro impresso. Com o surgimento dos textos digitalizados, diferentemente do suporte do livro, o leitor não se debruça sobre a obra, mas se coloca diante de uma tela com o olhar para frente, perpendicularmente à sua visão, ou seja, não se apropriando mais da materialidade do texto, mas realizando uma leitura, onde não se exige mais do corporal, como no códice, no papiro ou no livro impresso. É notória a diferença de relação que se estabelece na leitura entre leitor e texto, quando se trata do suporte material do livro ou do computado, até mesmo porque a internet criou também gama de gêneros textuais a partir daqueles já conhecidos, como bem afirma Costa (2009): A internet ofereceria, pois, uma variedade imensa de novos tipos de textos (gêneros[hiper] textuais) que podem ser lidos/recebidos ou escritos/ produzidos com os vários recursos técnicos que o computador coloca à disposição. Páginas pessoais, sítios, portais (homepages), entendidos por uns como gêneros, por outros como ambientes de localização de informações, conversas em salas de bate papo (chats), salas de discussão (fóruns), correios eletrônicos(e-mails) e outros são novos ambientes e/ ou gêneros (hiper) textuais à disposição do usuários. (COSTA, 2009. p. 21-22)
Dessa forma, observa-se que para cada suporte de escrita mobilizam-se estratégias distintas para a leitura. Nesse sentido, tanto o suporte material dos textos quanto a forma como o texto é lido são indispensáveis para a construção de sentidos, significados e interpretação da leitura. No entanto, mesmo diferentes, as práticas de leitura e escrita apresentam similaridades entre o livro na sua materialidade e dos gêneros textuais tradicionais, conforme postula Costa (2009): Haveria, então, nesse cenário várias semelhanças e diferenças entre os gêneros textuais existentes e os emergentes. Muitos pesquisadores de textos produzidos na internet apontam, por exemplo, o nascimento de alguns gêneros que, embora tenham semelhanças com gêneros já existentes, não são os mesmos. Assim, embora usados na comunicação interindividual, o correio eletrônico (e-mail) é diferente da carta (cor15
Luciana Nascimento
respondência epistolar), o bate papo virtual (chat) é diferente de uma conversa face a face ou telefônica. (COSTA, 2009, p. 22).
Dessa forma, se há semelhanças e diferenças entre os novos e tradicionais gêneros textuais e literários, certamente há semelhanças e diferenças na forma como o livro se apresentou ao longo dos tempos, mas, acreditamos que há certa semelhança entre o modo de leitura dos rolos de papiro e os textos na tela do computador, pois, o texto digitalizado requer a barra de rolagem que vai, por assim dizer, desenrolando o texto, numa leitura “em doses”, como bem afirmou Chartier (2002). Se ler está relacionado ao apropriar-se dos sentidos, ao estudar os gêneros do discurso, Rojo (2008) nos afirma que escrever é apropriar-se de um gênero e ler é apropriar-se de signos e sentidos. Se tomarmos o caso do texto literário na tela computador, observamos que é possível por meio de links, hiperlinks, lermos, por exemplo, a obra de Machado de Assis digitalizada, ilustrada por fotos, no site http://www.machadodeassis.org.br/ ou Fernando Pessoa “ revisitado”, a partir de uma leitura dinâmica, onde se pode visualizar fotos, poemas e as frases mais famosas do poeta português em www.cfh.ufsc.br/~magno ou mesmo é possível ouvir o ator Paulo José declamando o famoso poema de Pessoa “ Mar Portuguez”, ao acessar o site do Youtube em www.youtube.com/ watch?v=6iHHvNI6OKQ. Ou seja, o que se observa é que a literatura e a tela do computador já estão bem sintonizadas, basta percorrermos a rede mundial de computadores para constatarmos que não só as obras de autores canônicos e consagrados da literatura brasileira e mundial se fazem presentes, como também é possível notarmos uma grande variedade de blogs, microblogs, sites de autores estreantes de todas as idades, ou seja, quase todos se permitem se tornar escritores da literatura. Eis a “literatela” em cena. (OLIVEIRA, 2010. p. 4): Vale observar que se, por um lado, a internet possibilitou a realização do sonho da “biblioteca sem muros”, ela também possibilita que o leitor manipule o livro eletrônico a ponto de se tornar um co-autor, o que, por um lado, é interessante, pois aguça o sentimento de proximidade com o universo literário, a criatividade e a imaginação. (BRAGA, 2006, p.13)
A escolarização do texto literário, nas suas práticas mais redutoras, não preservou a especificidade do literário, conforme nos afirma Magda 16
Gêneros literários e leituras na internet: um olhar em movimento
Soares (SOARES, 1999. p. 17-18), tendo se tornado elemento de estigmatização da leitura por parte do aluno, dessa forma, o desafio que se coloca hoje, para a escola é justamente o de equalizar o “professor analógico frente ao aluno digital.”
III. Considerações finais Portanto, a utilização da música e dos textos que circulam na rede mundial de computadores oferece a oportunidade para o aluno observar que a literatura se faz presente em muitos lugares diferentes do canônico livro. Além disso, pode-se perceber que os gêneros literários em nossa contemporaneidade não se constituem como um conjunto de prescrições, mas admitem uma série de outras produções, levando-se em consideração o texto e a literariedade. IV. Referências BRAGA, Patrícia Colavitti. O ensino de literatura na era dos extremos. Revista Letra Magna. Revista Eletrônica de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Lingüística e Literatura - Ano 03- n.05 -2º Semestre de 2006. P. 12-20. CHARTIER, Roger. Os desafios da escrita. São Paulo: UNESP, 2002. COSTA, Sergio Roberto. Minidicionário do discurso eletrônico-digital. Belo Horizonte: Autêntica, 2009, vol. 1. JAKOBSON, Roman. Lingüística e comunicação. Tradução J. Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1992. OLIVEIRA, Luiz Cláudio. Mudanças em Curso – “Literatela”. Texto literário ganha outra arquitetura. Curitiba: Jornal Gazeta do Povo. Caderno G de idéias., p. 4. 23/10/2010. SOARES, Magda. A escolarização da literatura infantil e juvenil. In: EVANGELISTA, Aracy Alves Martins et al. (org.) A escolarização da leitura literária: o jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 1999. SOUZA, Eneida Maria de. Crítica Cult. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2002.
Sites consultados www.livroclip.com.br. Acesso em 20/07/2013 www.machadodeassis.org.br. Acesso em 20/07/2013 www.youtube.com/watcht?v=6iHHvNI6OQ. Acesso em 20/07/2013
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A Influência dos Deuses na Ilíada Ludmila Alves da Silva1
I. Introdução A Ilíada, atribuída a Homero, poema épico que foi constituído através da oralidade, é uma obra riquíssima e até hoje estudada. Não apenas por montar relativamente um panorama da época, mas também por seu conteúdo clássico, além de e proporcionar uma verdadeira catarse aristotélica, mesmo em nosso mundo completamente diferente do mundo retratado no poema. De acordo com Tabosa (2011), os poemas homéricos expressam as relações entre areté (excelência), nobreza e riqueza nos poemas homéricos: [A Ilíada]narra um episódio ocorrido durante a guerra, porém, a grandeza do poema homérico vai muito além do episódio em si. O poema reflete o estado absoluto da guerra. Remonta ao tempo das grandes migrações das tribos gregas. A Ilíada e a Odisséia constituem o primeiro testemunho histórico que chegou até nós após a queda do mundo micênico. Os poemas retratariam, de modo parcialmente fiel, o mundo micênico que ruiu no decurso do século XII a. C.1 A Ilíada relata-nos sobre um mundo situado num tempo em que o verdadeiro ideal era o espírito heróico da areté e os verdadeiros heróis corporificavam 161 esse ideal. A aristocracia guerreira desempenha um papel essencial, devido à sua supremacia militar. (TABOSA, 2011. p. 160-161)
O poema narra o 10º ano de guerra entre gregos e troianos, e durante seus vinte e quatro cantos são exploradas questões como a cólera desmedida, o heroísmo e o destino. Em um mundo onde deuses e mortais viviam juntos, os sentimentos eram compartilhados entre os tais. Deuses depositavam sentimentos fortes nos homens, os quais fariam com que a história mudasse, e os homens ao mesmo tempo faziam com os que os deuses tivessem sentimentos normalmente atribuídos a mortais: Acadêmica do Curso de Letras. Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Trabalho final apresentado como parte da avaliação da disciplina de Teoria Literária II, ministrada pela Profa.Dra.Luciana Nascimento. 1
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A Influência dos Deuses na Ilíada
A Ilíada versa sobre a catarse de Aquiles, que tem início com a desonra (atimía) cometida por Agamêmnon e que, como conseqüência, desperta a sua hybris. A origem. desta disputa está diretamente vinculada aos despojos de Tróia. (TABOSA, 2011, p. 164)
Neste trabalho, tivemos como objetivo principal, reconhecer a extraordinária influência causada pelos deuses gregos nos homens da obra épica Ilíada. Através desse reconhecimento e de uma observação maior sobre como o poeta utilizava-se dos imortais para tecer a história, poderemos encontrar um ponto de união entre nosso mundo atual e o dos gregos.
II. A ilíada, suas histórias e seus deuses A Ilíada, em seu primeiro canto, se inicia com os seguintes versos: Canta-me a Cólera – ó deusa – funesta de Aquiles Pelida, causa que foi de os Aquivos sofrerem trabalhos sem conta e de baixarem para o Hades as almas de heróis numerosos e esclarecidos, ficando eles próprios aos cães atirados e como pasto das aves. (Homero, 2011 Ilíada, canto I, v. 1-5).2
Na Grécia antiga havia a figura do aedo, poeta que vagava pelas casas e pelas praças públicas contando e recontando histórias e atraindo multidões para ouvir suas palavras. A palavra aedo vem do verbo grego aidô, que significa cantar. Quando suas apresentações eram realizadas, o poeta, primordialmente, fazia invocação à deusas, ou às Mussa, como também era chamadas. Elas eram a inspiração para o canto e para a música, palavra atual nossa que deriva da palavra grega musiké. Sem elas, era como se não fosse possível contar uma história ou compor um poema, pois, elas eram as responsáveis pelo saber do poeta naquela hora. Também em outra passagem, quando o poeta canta o nome de todos os chefes gregos que estariam de chegada para ajudar na guerra, é feita a mesma invocação, como podemos ver no trecho a seguir: Musas, que o Olimpo habitais, vinde agora, sem falhas, contar-me pois sois divinas e tudo sabeis; sois a tudo presentes; nós nada vimos; so2
Todas as citações da obra A Ilíada foram retiradas desta edição: 2011. Nova Fronteira. 19
Ludmila Alves da Silva
mente da fama tivemos notícia – os nomes, sim, revelai-me, dos chefes supremos dos Dânaos. Da multidão não direi coisa alguma, nem mesmo os seus nomes, nem que tivesse dez bocas e dez, também, línguas tivesse, voz incansável e forte, e de bronze infrangível o peito, se vós, ó Musas, nascidas de Zeus portador da grande égide, não me quisésseis nomear os que os campos de Tróia pisaram. (HOMERO, op. cit, Canto II, v. 484-491).
Assim, percebe-se que não só para iniciar a história, mas também para que o poeta seja capaz de lembrar todos os nomes que quer, bem como para fazer uma boa transmissão de seu conhecimento, as Musas, deusas da inspiração artística, eram requisitadas para que estivessem ao seu lado. Examinando ainda o canto I vemos Crises, sacerdote de Apolo, que após pedir sua filha de volta ao rei Agamémnon e ser ofendido pelo mesmo, imediatamente recorre ao deus ajuda contra o grego Agamémnon, por quem foi humilhado mesmo mostrando que tinha boas intenções: “Ouve-me, agora, e realiza este voto ardoroso, que faço: possas vingar dos Aqueus, com teus dardos, o pranto que verto.” (Op. cit., canto I, v. 41-42) Neste trecho, vemos o sacerdote Crises, implorando para que Apolo se compadeça dele e se vingue sobre os Aqueus, povo de Agamémon, que muito lhe foi desrespeitoso. A partir daí, Apolo desce do Olimpo e sobre os navios do rei atira lanças com pragas, fazendo com que durante nove dias a tripulação tenha muitas perdas. É fácil perceber como os deuses estavam ligados aos homens, sabendo reconhecer seus méritos e sabendo interpretar se algo era justo ou não. Pareceu justo a Apolo que ele concedesse a vingança em nome de Crises, e assim o fez. E justamente por conta da interferência do deus na desavença dos dois é que a história começa a tomar forma, pois, a partir desse ponto, Aquiles tenta fazer com que Agamémnon devolva a filha para Crises, porém, após também ser ofendido pelo rei, Aquiles se retira da batalha. De acordo com Gabrecht (2005), os reis, na Ilíada, se consideram os legítimos herdeiros das divindades, o que ilustra bem a relação entre o sagrado e o poder no mundo homérico: Os deuses, em Homero, misturam-se aos mortais, seja combatendo ao lado deles, seja protegendo-os ou aconselhando-os. Em ambas as narrativas, as decisões fundamentais são tomadas no Olimpo, na presença de vários imortais reunidos em Assembléia. Na Ilíada, as intervenções di20
A Influência dos Deuses na Ilíada
vinas ocorrem episodicamente e quase sempre de forma impulsiva. As motivações dos deuses são de ordem pessoal, suas atitudes exprimem simpatias e antipatias em relação a este ou àquele herói. A relação entre os deuses e a humanidade não está ainda fundamentada na dike (“justiça”). Na Odisséia, o elemento pessoal foi parcialmente completado por uma ainda rudimentar noção de dike. (GABRECHT, 2005, p.2)
Continuando no canto I, temos mais dois exemplos de como os deuses estão continuamente por perto e sempre fazendo com que a história tome rumos de acordo com suas decisões. Durante uma acalorada discussão entre Aquiles e Agamémnon, em um momento de fúria, Aquiles saca a espada, pronto para ferir o rei. Neste momento, desce do Olimpo a deusa Atena e, fazendo com que Aquiles a reconhecesse, dá um conselho para o nobre guerreiro: A de olhos glaucos, Atena, lhe disse o seguinte, em resposta: “Para acalmar-te o furor, tão-somente, ora vim do alto Olimpo; caso me atendas, enviada por Hera, de braços muito alvos que, por igual, a ambos preza e dos dois, cuidadosa, se ocupa. Vamos, refreia tua cólera, deixa em repouso essa espada. Mas, quanto o queiras, com termos violentos o cobre de injúrias. Ora te digo com toda a clareza o que vai realizar-se: Prêmios três vezes mais belos virás a alcançar muito em breve, por esse insulto de agora. Contém-te, portanto, e obedece. (HOMERO, op. cit., canto I, v. 206-214).
Aquiles em sua raiva momentânea poderia ter causado um problema ainda maior caso ferisse ao rei Agamémnon. Porém, a deusa rapidamente o advertiu e o lembrou de que não deveria continuar agindo dessa maneira. Além disso, faz uma previsão a Aquiles, dizendo que ele ainda ganharia muito por ter sido ofendido daquela maneira. Outro exemplo da influência dos deuses na história acontece quando, após Aquiles dizer para Agamémnon que sairia da guerra, o guerreiro vai conversar com sua mãe, Tétis, também deusa. Aquiles pede então que Tétis recorra a Zeus para que o mesmo ajude os troianos a saírem vitoriosos sobre os gregos, fazendo com que todos vejam a falta que Aquiles fará àquela guerra. E assim, atendendo à Tétis, Zeus concede que os troianos sigam vitoriosos durante um bom tempo na guerra contra os gregos. Aí, mais um sinal de que os mortais tinham uma ligação muito forte e também 21
Ludmila Alves da Silva
bastante proximidade dos imortais, fazendo com que seus apelos fossem ouvidos e usando do poder dos deuses para modificar a história. Adiante, temos o canto XVI, que é conhecido como o canto dos feitos de Pátroclo, guerreiro de Aquiles e amigo muito querido do mesmo. Neste canto, os gregos estão perdendo a luta, não só pela influência dos deuses, mas também por Aquiles e seus melhores guerreiros não estarem participando da peleja. Ao ver a situação em que se encontram, Pátroclo vai até Aquiles e pede sua armadura emprestada para que ele possa ir lutar em seu lugar e livrar os gregos de um destino pior do que àquele que se colocava no momento. Aquiles concede a armadura à Pátrocolo, porém, o lembra de que deve ir apenas até os navios que se encontram pegando fogo, devendo retornar. Logo após o pedido desesperado de Aquiles para que Pátroclo o obedeça à ordem dada, este sai com o restante dos guerreiros e Aquiles, de prontidão, suplica a Zeus para que o querido amigo e maior guerreiro consiga afastar a luta de perto dos navios e regresse vivo. Eis o trecho na obra: (...) Mas logo que ele das naus afastar o tumulto e a peleja, faz que ileso regresse, afinal, aos navios velozes, com suas armas e os sócios, viris combatentes de perto.” Isso disse ele na súplica. Zeus conselheiro, no entanto, do que pedira somente uma parte concede; outra nega: dá-lhe que Pátroclo afaste das naves a luta sangrenta, mas não consente que o herói possa, vivo, tornar do combate.” (HOMERO, op. cit.,, canto XVI, v. 446-452).
Pode-se ver assim, que mesmo após Pátroclo ter ido lutar com o conselho de Aquiles em mente, Zeus não atende a uma das preces de Aquiles. Faz com que Pátroclo se sinta vitorioso e chegue até as portas da cidade Troiana, porém não permite que ele volte a salvo. No mesmo canto, também se consegue perceber como a influência do sobre-humano recai até, em cima dos já imortais. Zeus ao perceber que seu filho Sarpédone está prestes a ser morto por Pátroclo, diz as seguintes palavras: “Pobre de mim, o Destino asselou que o mais caro dos homens, o meu Sarpédone, tombe hoje aos golpes de Pátroclo exímio!” (HOMERO, op. cit., canto XVI, v. 433-434). Inclusive, ao aparecer a palavra Destino com letra maiúscula, já se percebe que este é inalterável e nem mesmo os deuses poderiam mudar. É o sobrenatural regendo não apenas mortais, mas os imortais também. 22