D. EstĂŞvĂŁo Bettencourt, O.S.B.
Teologia Fundamental Mater Ecclesiae
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Editor João Baptista Pinto
Capa Carolina Alves
Editoração Luiz Guimarães
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
B463t Bettencourt, Estevão, 1919-2008 Teologia fundamental: Matter Ecclesiae / Estêvão Bettencourt.- 1. ed. - Rio de Janeiro : Letra Capital, 2013. 368 p. ; 15,5x23cm. Inclui apêndice Inclui bibliografia e índice ISBN 9788577852352 1. Igreja Católica - História. 2. Teologia. I. Título. 13-06982 CDD: 282.09 CDU: 282 11/11/2013
11/11/2013
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Apresentação Caro(a) Cursista, Você recebe agora um Curso de Teologia Fundamental. Que é Teologia Fundamental? Como diz o nome, é aquela disciplina que estuda os fundamentos da Teologia. – A Teologia, porém, se constrói sobre a fé. A fé, por sua vez, tem que estar fundamentada em critérios objetivos, que deem credibilidade às proposições da fé. Sim; o cristão deve saber por que crê..., e por que crê em Jesus Cristo e não neste ou naquele mestre. Essa credibilidade é obtida mediante o emprego da razão. A fé precisa da razão, como lembrava o Papa João Paulo II na sua encíclica “Fé e Razão”. Ora, este Curso tenciona corresponder a tal necessidade, apresentando: 1) o fenômeno religioso ou o fato religioso, que acompanha o homem desde os seus primórdios; 2) as razões para crer em Deus; 3) as razões para crer em Jesus Cristo; 4) as razões para crer na Igreja Católica. Com outras palavras: a Teologia propriamente dita, aprofundando as verdades da fé, constrói um belo edifício de vários andares. Mas, se não há portas para entrar nesse edifício, a bela construção fica sendo impenetrável. Pois bem; a Teologia Fundamental propõe as portas para que se entre no edifício da Teologia propriamente dita. Verdade é que, por vezes, o teólogo recorre à razão para ilustrar tal ou tal artigo de fé, mas o uso da razão, em tais casos, é janela de terceiro andar, e não porta. Este Curso pretende ser uma ou algumas portas que podem ser abertas por qualquer pessoa que aceite o trabalho de girar a chave na fechadura. Lembremo-nos de que, antes de crer, o Apóstolo Tomé quis tocar Teologia Fundamental 3
em Jesus; e o Senhor lho permitiu. Em nossos dias, Cristo permite a quem o queira, que o toque ou alcance pela razão antes de nele crer. É certo que muitos fiéis têm uma fé tranquila e não precisam de se dar conta das razões por que creem. Mas, sem dúvida, muitas e muitas pessoas sinceras desejam saber por que hão de crer ou quais as credenciais dos artigos de fé. Embora o cristão não veja o que crê, ele deve poder ver que deve crer; a fé não é um ato cego, mas, ao contrário, um ato altamente inteligente. Para crer, o homem, longe de renunciar à razão, põe em exercício a sua inteligência dotada de todo o acume que lhe é peculiar. Eis, caro(a) cursista, a proposta deste Curso. Esteja certo (a) de que lhe será de grande utilidade. Persevere no estudo, e disponha de nós para tirar as suas dúvidas; desejamos ajudá-lo(a) a caminhar... com a graça de Deus. O seu Pe. Estêvão Tavares Bettencourt O. S. B.
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Índice Geral Bibliografia........................................................................................... 7 1ª ETAPA: O Fenômeno Religioso Capítulo 1: O Fato Religioso..................................................... 11 Capítulo 2: Religião – Noção.................................................... 17 Capítulo 3: A Origem da Religião............................................ 31 Capítulo 4: A Pré-História (I).................................................... 37 Capítulo 5: A Pré-História (II)................................................... 45 Capítulo 6: A Etnologia (I)........................................................ 53 Capítulo 7: A Etnologia (II)....................................................... 59 Capítulo 8: Religião e Civilização............................................. 67 Capítulo 9: O Ateísmo (I) – Características............................. 75 Capítulo 10: O Ateísmo (II) – Reflexão.................................... 83 Capítulo 11: O Ateísmo (III) – Causas..................................... 95 2ª ETAPA: Creio em Deus Capítulo 12: Provas da Existência de Deus (I)....................... 109 Capítulo 13: Provas da Existência de Deus (II)..................... 119 Capítulo 14: Provas da Existência de Deus (III).................... 127 Capítulo 15: Deus Se Revela................................................... 141 Capítulo 16: A Fé.................................................................... 153 Capítulo 17: O Testemunho de Ateus.................................... 163 Capítulo 18: Critérios da Revelação (I) Critérios Subjetivos........................................... 171 Capítulo 19: Critérios da Revelação (II) Critérios Objetivos (Milagres).......................... 179 Capítulo 20: Critérios da Revelação (III) Critérios Objetivos (Profecia)........................... 191 Teologia Fundamental 5
3ª ETAPA: Creio em Jesus Cristo Capítulo 21: Existiu Jesus Cristo?........................................... 199 Capítulo 22: Os Evangelhos – Fidelidade Literária.............. 209 Capítulo 23: A Fidelidade Histórica dos Evangelhos (I)
História das Formas.......................................... 215
Capítulo 24: A Fidelidade Histórica dos Evangelhos (II) De(s)mitização.................................................... 225 Capítulo 25: A Fidelidade Histórica dos Evangelhos (III) Critérios de Autenticidade................................ 233 Capítulo 26: A História da Formação dos Evangelhos......... 239 Capítulo 27: A Credibilidade dos Evangelhos....................... 249 Capítulo 28: Quem é Esse Homem? (I)................................. 257 Capítulo 29: Quem é Esse Homem? (II)................................ 273 Capítulo 30: Que Disse Jesus a Respeito de Si Mesmo?....... 281 Capítulo 31: O Perfil Psicofísico e Moral de Jesus................ 293 Capítulo 32: A Ressurreição de Jesus – Realidade Histórica?........................................................... 301 4ª ETAPA: Creio na Igreja Capítulo 33: Por Que a Igreja?............................................... 315 Capítulo 34: A História Julga o Cristianismo........................ 329 Capítulo 35: Qual é a Igreja de Cristo?................................. 343 Capítulo 36: Todas as Religiões são Equivalentes
entre Si?.............................................................. 351
Capítulo 37: O Estado do Vaticano – Por Quê?.................... 355
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Bibliografia ALBANESE, G., À procura da Fé. Ed. Paulinas, 1971. BARAM, R., Jornadas Espirituais. Rumo à Plenitude. Ed. Quadrante, 1998. BARREIRO, A., “Povo Santo e Pecador”. ________A Igreja questionada e criticada. Ed. Loyola, São Paulo, 1994. BEA, A., A Historicidade dos Evangelhos. Ed. Paulinas, 1987. CERRUTI, P., O Cristianismo em sua origem histórica e divina. PUCRJ, 1963. CORREA, J. V. Al Encuentro de Dios. Filosofia de la Religion. CELAM, Bogotá, 1989. DODD, C. H., O Fundador do Cirstianismo. Ed. Paulinas. 1976. DREYFUS, FR., Jesus sabia que era Deus? Ed. Loyola, 1987. FESTUGIÉRE, A. J., L’idéal religieux des grecs et l’Évangile. J. Gabalda, 1932. FRANCA, L., A Psicologia da Fé. Ed. Agir ________O Problema de Deus. Ed. Agir GRASSO, D., O Problema de Cristo. Ed. Paulinas, 1967. KÖNIG, FR. Y COLABORADORES, Cristo y las Religiones de la Tierra, 3 vols. Madrid, 1960ss. LAMBIASE, F., Autenticidade histórica dos Evangelhos. ________Estudos de Criteriologia. Ed. Paulinas, 1978. LATOURELLE, R., Existiu Jesus? Ed. Santuário, 1989. LATOURELLE R. e FISICHELA R., Dicionário de Teologia Fundamental. Ed. Vozes e Santuário, 1994. LÉON-DUFOUR, X., Os Evangelhos e a Historicidade de Jesus. Ed. Paulinas, 1972.
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MAGNANI, G., Jesus Construtor e Mestre. Novas Perspectivas sobre seu ambiente de vida. Ed. Santuário, 1998. MARTINETTI, G., Razões para crer. Ed. Loyola, São Paulo, 1995. MOHANA, J., Jesus Cristo Radiografado, Ed. Agir, 1980. ________O Enviado. Ed. Agir, 1981. O’ COLLINS, G., Teologia Fundamental. Ed. Loyola, 1991. PAREDES, J. A., Onde está nosso Deus? Diálogo do crente com a cultura de hoje. Ed. Paulus, 1999. PASCAL, Blaise, Pensées PIAZZA, W. O., Teologia Fundamental para os Leigos. Ed. Loyola, 1974. Os Evangelhos, documentos da Fé Cristã. Ed. Loyola, 1991. RAVALICO, D. E., A Criação não é um Mito. Ed. Paulinas, 1977. TERRA, J. E. M., O Jesus Histórico e o Cristo kerigmático. Ed. Loyola, 1977. THIEDE, C. P. e D’ANCORA, M., Testemunha Ocular de Jesus Cristo. Ed. Imago, 1996.
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1ª ETAPA:
O Fenômeno Religioso
Capítulo 1:
O Fato Religioso
CAPÍTUlo 1: O Fato Religioso 11
O nosso estudo do fenômeno religioso começa pela verificação do fato religioso. Sobre esta base serão tecidas as reflexões desta primeira parte do nosso Curso. Quem percorre o panorama da história antiga e contemporânea, toma consciência de que a religião é um traço comum aos povos e aos indivíduos até época recente quando começa a se difundir o ateísmo. – Examinemos os dados.
1.1. Na pré-história Por pré-história entendemos o período em que existia o homem sem deixar documentos escritos que permitam reconstituir a sucessão dos fatos ou a história. Vai até 5.000 a.C. aproximadamente. A religiosidade do homem pré-histórico se manifesta através de vestígios deixados por ele nos lugares onde habitou; atestam principalmente a crença numa vida póstuma, que é uma das expressões mais espontâneas do senso religioso. No paleolítico inferior encontra-se o homem de Neandethal, com sinais de ritos fúnebres e ofertas de sacrifícios. No paleolítico superior, o Fenerântropo parece ter praticado ritos de sepultamento e sacrifícios propiciatórios. No período neolítico, encontram-se monumentos megalíticos ou dolmens (o dolmen é uma pedra chata colocada sobre duas pedras verticais), sinais religiosos que persistem entre os povos primitivos que ainda hoje vivem como na idade da pedra. Na idade do bronze, as características religiosas são muito mais numerosas, incluindo geralmente o culto ao Sol desde a Escandinávia até o Mediterrâneo.
2.1. As Religiões tradicionais 1) A religião da China compreende três ramos: – o mais antigo professa um Deus do céu, outro da terra e outro dos antepassados. O Deus do céu prescreve cinco mandamentos de amor e respeito, ouve as orações dos homens e é cultuado mediante ritos primitivos. Confúcio (551-479 a.C.) sistematizou essas crenças e ritos; – o taoísmo (tao = caminho) é uma visão panteísta do mundo e do homem. Considera Tao como o Princípio Supremo e Eterno, 12 1ª ETAPA: O Fenômeno Religioso
que se manifesta pela potência vital dos seres inferiores e ao qual o homem deve retornar mediante meditações e práticas ascéticas; – o budismo chinês, derivado do indiano, enfatiza o culto dos mortos e propõe rigorosa ascese mesclada de práticas de magia. 2) A religião do Japão é antes do mais o xintoísmo: o Sol, divindade feminina, seria o regente dos céus e o chefe da família imperial. A noção de Ser Supremo não aparece muito clara porque envolvida em concepções panteístas. Pratica-se o culto da natureza e dos seres humanos, a começar pelo Imperador, não excluídos os antepassados. Há ritos de oferendas e purificação. Posteriormente entrou no Japão o budismo, que promete o nirvana ou a emancipação completa, que extingue o próprio eu. 3) A antiga religião do Egito deifica o Sol, que, assumindo nomes diversos, domina lugares e monumentos. 4) Na Babilônia antiga. – eram cultuados alguns deuses, designados pelo prefixo ilu (celeste), que passou para as línguas semitas, especialmente para o hebraico (El, Elohêm) e para o árabe (Alá). Os babilônios e assírios divinizavam os astros, iniciando assim a astrologia. Aceitaram deuses dos povos vizinhos (Marduque, Baal...), donde resultou um politeísmo com uma divindade suprema, celebrada por hinos de louvor. 5) Na Índia encontram-se o hinduísmo, que evoluiu no bramanismo. Os povos indo-europeus adotaram a raiz div (resplandecente), que designa o Ser Supremo, Fonte de luz, Céu e Pai, chamado na Índia Dyaus, na Grécia Zeus, na língua latina Deus, entre os germanos Ziu, na Lituânia Drewas... O bramanismo se fundamenta nos textos sagrados dos Vedas, quatro coleções de hinos, que descrevem os céus e os seus senhores (Idra, Varuna, Mitrava-runau); os sacerdotes brâmares comentaram esses hinos, produzindo os Upanishad, que professam o panteísmo: o eu individual (atman) seria derivado da alma do mundo (brahma), Princípio do qual terá emanado tudo o que existe. O homem, nesse contexto, se salva não por obras e sacrifícios rituais, mas pela meditação, qua o livra de toda ilusão (maya) ou de todas as imagens ilusórias que este mundo lhe transmite. O budismo se deriva do bramanismo, insistindo fortemente sobre a prática da meditação, que propicia o desapego e a libertação; a história é regida pela dura lei do Karma, segundo a qual os CAPÍTUlo 1: O Fato Religioso 13
acontecimentos presentes são efeitos mais ou menos mecânicos de acontecimentos passados. 6) A religião da Pérsia, a princípio, era ligada à natureza. Foi reformada por Zaratustra, que, segundo o Avesta (livro sagrado) rege os ritos de adoração e sacrifício oferecidos ao grande sábio Senhor Ahura-Mazdá, que terá criado tudo com a sua palavra. 7) Na Grécia, a mitologia considerava Zeus como “o pai dos deuses e dos homens”, impotente para dominar o destino, embora, com suas leis físicas e morais, mantenha o equilíbrio do cosmos. Platão e Aristóteles, cultivando a metafísica, depuraram o conceito de Deus. 8) Roma considerou a religiosidade dos etruscos, povo que acreditava no deus Júpiter (=Zeus), dominador de todas as forças da natureza. Posteriormente, os romanos foram criando o seu Panteon, no qual tinham lugar os deuses de todos os povos conquistados. O culto do Imperador foi-se introduzindo e intensificando aos poucos. 9) Na Arábia, desde tempos remotos, havia o culto de divindades animísticas: a natureza seria movida por seres superiores, responsáveis pelas fontes, pelos rios, pelos ventos. Foi predominando o conceito de Alá, Deus por excelência, que Maomé no século VII d.C. assumiu como Revelador do Corão e da religião muçulmana: Alá seria o Juiz Supremo, que retribui a cada ser humano seguindo as suas obras; o anjo Gabriel terá sido o mediador entre Alá e Maomé, inspirando os princípios da guerra santa, segundo os quais quem morre em guerra pela causa religiosa está salvo no paraíso póstumo. Abraão, Moisés e Jesus terão sido os profetas que prepararam a revelação definitiva feita a Maomé. 10) O povo israelita professa a crença num único Deus, que começou a revelar-se a Abraão e aos Patriarcas; sucedeu-lhes Moisés, portador da Lei (Torá). O fenômeno religioso judaico é um portento para os historiadores, pois admite o monoteísmo estrito a partir do século XIX a.C. num mundo politeísta; esse monoteísmo conservou-se incólume no povo de Israel apesar das tendências do próprio povo a abraçar os deuses dos povos vizinhos. A fé de Israel estava orientada para o Messias prometido, que veio na plenitude dos tempos: Jesus Cristo consumou as promessas feitas aos Patriarcas e reis de Israel e deu origem ao Cristianismo, bojo de experiências religiosas profundas e marcantes. 14 1ª ETAPA: O Fenômeno Religioso
Em conclusão, pode-se dizer que o fenômeno religioso é algo de tipicamente humano. Consiste em reconhecer um Ser Supremo (que pode ter sua corte de deuses inferiores). Desse Ser o homem sente que depende, de modo que a oração e o culto à divindade vêm a ser uma das expressões mais características do fato religioso. É o senso religioso que norteia a vida humana e dá vigor ao homem para enfrentar a luta de cada dia. No Capítulo 6 deste Curso será considerada a hipótese de que houve povos primitivos sem religião. No próximo Capítulo procuraremos definir mais precisamente o que é Religião e como se caracteriza.
Perguntas Após ler e reler os dados deste Capítulo, queira tecer algumas considerações que lhe venham à mente.
CAPÍTUlo 1: O Fato Religioso 15