Um século das estradas de ferro brasileiras

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Um Século das Estradas de Ferro Brasileiras 105 anos de História – 1854 a 1959


Copyright © Malvina Barbosa, 2010 Editor João Baptista Pinto Capa João Dias Projeto Gráfico/Editoração Francisco Macedo Revisão Da Autora CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ B195s Barbosa, Malvina, 1937 Um século das estradas de ferro brasileiras: 105 anos de história: 1854-1959 / Malvina Barbosa. - Rio de Janeiro: Letra Capital Editora, 2010. 296p.: il. ISBN 978-85-7785-069-3 1. Ferrovias - Brasil - História. 2. Ferrovias - Política governamental - Brasil. 4. Privatização - Brasil. 5. Parceria público-privada - Brasil. I. Título. II. Título: Cento e cinco anos de história: 1854-1959. 10-2835.

CDD: 385.0981 CDU: 656.2(81)

17.06.10 24.06.10

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Malvina Barbosa

Um Século das Estradas de Ferro Brasileiras 105 A NOS

DE

H ISTÓRIA - 1854

A

1959



Sumário

Prefácio ...................................................................................................... 7 Homenagem .............................................................................................. 11 Introdução ................................................................................................. 13

I. Ferrovias integradas à Rede Ferroviária Federal S/A .............. 23 1 – Estrada de Ferro Madeira-Mamoré ................................................ 25 2 – Estrada de Ferro de Bragança .......................................................... 33 3 – Estrada de Ferro São Luiz -Teresina ............................................... 37 4 – Estrada de Ferro Central do Piauí .................................................. 41 5 – Rede Viação Cearense ...................................................................... 45 6 – Rede Ferroviária do Nordeste.......................................................... 53 7 – Viação Férrea Federal Leste Brasileiro ........................................... 69 8 – Estrada de Ferro Bahia e Minas ...................................................... 85 9 – Rede Mineira de Viação ................................................................... 91 10 – Estrada de Ferro Goiás................................................................... 110 11 – Estrada de Ferro Leopoldina ......................................................... 117 12 – Estrada de Ferro Central do Brasil ............................................... 131 13 – Estrada de Ferro Noroeste do Brasil ............................................ 135


14 – Estrada de Ferro Santos a Jundiaí.................................................. 143 15 – Rede Viação Paraná-Santa Catarina............................................. 149 16 – Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina........................................ 161 II – Ferrovias de administração diversas........................................... 167 17 – Estrada de Ferro do Amapá........................................................... 169 18 – Estrada de Ferro Tocantins............................................................. 175 19 – Estrada de Ferro Mossoró.............................................................. 181 20 – Estrada de Ferro Nazaré................................................................. 183 21 – Estrada de Ferro de Ilhéus.............................................................. 187 22 – Estrada de Ferro Vitória a Minas................................................... 193 23 – Estrada de Ferro Santa Catarina.................................................... 205 24 – Viação Férrea do Rio Grande do Sul............................................. 213 III – Ferrovias do Governo do Estado de São Paulo............................. 225

25 – Companhia Mogiana de Estradas de Ferro.................................. 227 26 – Estrada de Ferro São Paulo e Minas.............................................. 239 27 – Estrada de Ferro Bragantina.......................................................... 245 28 – Companhia Paulista de Estradas de Ferro................................... 251 29 – Estrada de Ferro Araraquara.......................................................... 261 30 – Estrada de Ferro Sorocabana......................................................... 269 Portaria nº 46....................................................................................................... 287 Apêndice – Um sonho que não se realizou ..................................................... 289


Prefácio

É

uma satisfação prefaciar este trabalho da ferroviária Malvina. Primeiro porque a conheço muito bem! Sei da sua admiração pelos verdadeiros ferroviários, particularmente os velhos ferroviários. Apesar de ser Administradora, entende muito do transporte sobre trilhos. Eu arriscaria dizer que são poucos os que a ela se igualam em conhecimentos. É estudiosa, interessada e inteligente. Não tolera a injustiça, a corrupção e o desamor ao Brasil. Sendo assim, pensando assim e agindo assim, nunca se conformou com o descaso, com o esquecimento e com a falta de reconhecimento pelo trabalho realizado pelas ferrovias brasileiras, principalmente, notadamente, até o final dos anos 50 no século passado. Os valorosos acervos históricos sobre as Estradas de Ferro Brasileiras foram, intencionalmente, por ignorância e por desforra, deixados desaparecerem, destruídos pelas águas nos porões da Estação de Barão de Mauá, da antiga E. F. Leopoldina. Pertenciam ao extinto Departamento Nacional de Estradas de Ferro, órgão federal do sistema, hierarquicamente no topo da pirâmide da administração ferroviária e, por sucessão, o mais antigo da Administração Pública Brasileira. Pelos arquivos, pelas estatísticas confiáveis que publicava, era possível saber o trabalho, realmente, realizado pelas ferrovias brasileiras, trabalho que extrapolava de muito o transporte de cargas e de passageiros. Poucos sabem, nos dias de hoje, a real importância das companhias de estradas de ferro. Elas forneciam luz e água encanada, tratada, para muitos pequenos municípios; substituíam os bancos onde não havia agências; mantinham serviços telegráficos públicos e até, eventualmente, telefônico. Era nos trens da administração que viajavam, primeiro, o Imperador Um Século das Estradas de Ferro Brasileiras

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do Brasil e depois os Presidentes da República e os Governadores de Estado. O Departamento Nacional de Estradas de Ferro-DNEF, como principal órgão administrativo do sistema ferroviário brasileiro, tinha a incumbência de traçar a política, de fiscalizar, de acompanhar o desempenho das Estradas de Ferro e de assessorar o Governo Federal e as próprias administrações das companhias ferroviárias. Era uma missão difícil, espinhosa e muito raramente compreendida. Após a criação, em 1957, da Rede Ferroviária Federal S/A-RFFSA, empresa de economia mista, a missão do DNEF tornou-se mais delicada, quase impossível. Os dirigentes da RFFSA eram nomeados, também, pelo Governo Federal. Os recursos eram repassados, diretamente, à Empresa, sem a interveniência do DNEF. Os dirigentes se reportavam, diretamente, ao Governo, não ouviam, não prestavam contas àquele órgão. Quando da criação da RFFSA, em 1957, enquanto o DNEF tinha um efetivo de 1.600 funcionários a nova empresa tinha 160.000. A RFFSA foi criada por sugestão – entenda-se – por determinação de técnicos americanos, desempregados do após guerra, acolhidos pelo BIRD, pelo Banco Mundial e por empresas de consultoria americanas. Aqui chegavam como verdadeiros gênios em transporte ferroviário, atividade profissional que, ainda, hoje, os Estados Unidos da América não são os mais capacitados. Do acatamento as suas opiniões dependiam a concessão de empréstimos daqueles Bancos. Alguns dos mais conceituados ferroviários brasileiros, da época, discordaram dos luminares consultores, que, se pouco entendiam de ferrovia, nada conheciam do Brasil. O DNEF foi, involuntariamente, o responsável pela criação da RFFSA, mas nunca se curvou aos aconselhamentos e imposições daqueles ilustres técnicos. Desde então, invariavelmente, recomendavam a extinção daquela autarquia, o que não ocorreu, imediatamente, pela fragilidade dos argumentos apresentados ao Governo Federal. Somente em 1974, pela Lei nº 6.171, de 09 de dezembro, no Governo Ernesto Geisel, foi extinto o Departamento Nacional de Estradas de Ferro, certamente, pelo que procurava fazer, pelo que estava realizando, jamais pela sua omissão deliberada o que vinha acontecendo, até então, quando dirigentes mais habilidosos adotavam essa política como forma de sobrevivência, para manter vivo o DNEF. Essas divagações, que parecem se afastar do trabalho, se fazem necessárias para que se entenda, perfeitamente, como surgiu “Um Século das Estradas de 8 ♦ Malvina Barbosa


Ferro Brasileiras – 105 Anos de História – 1854 a 1959”. Entretanto, acredito que uma análise completa das razões que levaram ao atual caos o sistema ferroviário brasileiro, deverá ser escrita, futuramente, quando os escândalos e os seus autores, protegidos pelo desaparecimento, já não padeçam da terrível vergonha pelo que fizeram. O Livro desta ferroviária é o retrato fiel e completo das Estradas de Ferro Brasileiras, responsáveis pelo feito mais importante, mais patriótico do transporte no Brasil. Durante alguns anos, no período compreendido pela Segunda Guerra Mundial e até que a indústria pudesse se voltar, completamente, para a paz, foram as Ferrovias que suportaram, praticamente sozinhas, todo o peso do transporte de passageiros e de carga do nosso País. Assim, evitou o colapso da economia, não permitiu um retrocesso doloroso e, mais que isso, garantiu um honroso desenvolvimento. Jamais se saberia que essa verdadeira epopéia do transporte ferroviário foi conseguida com essas companhias de estradas de ferro; com traçado de péssima qualidade, em planta e perfil; com material rodante incipiente, de tração e rebocado; com instalações fixas inadequadas; mas em compensação contou com ferroviários valentes, capacitados, altruístas e que amavam e acreditavam na importância do seu trabalho e das ferrovias para o País. Por justiça, é relevante dizer que os ferroviários tiveram na sua luta aliados importantes e poderosos: o Exército Brasileiro merece destaque especial; o Governo Federal, daquela época, e os Governos Estaduais, todos colaboraram esquecendo a politicagem e interesses pessoais. O Livro registra tudo isto que não existe em nenhuma outra publicação salvada da destruição criminosa. Por tudo que disse, quero parabenizar a ferroviária Malvina pelo trabalho realizado. Por tudo, recomendo o Livro pelo seu valor histórico, técnico e cultural, pois é um trabalho de consulta confiável e que não deve faltar nas melhores bibliotecas do Brasil. Certamente, a grande maioria das Estradas de Ferro, cuja história foi relatada no livro, já não existe mais e poucos sabem que elas existiram. Pelo conhecimento do conjunto das Ferrovias, que já operaram no território brasileiro, é fácil constatar como foram erradas as políticas adotadas a partir de então. Pelo sucesso do Livro, pela sua contribuição à história e à cultura do transUm Século das Estradas de Ferro Brasileiras

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porte ferroviário, fica a minha esperança no ressurgimento, na construção de um verdadeiro Sistema Ferroviário Brasileiro orientado por técnicos nacionais, de mãos limpas, sem a preocupação de importações milionárias desnecessárias, inoportunas, objetivando ricas comissões.

Jaboatão dos Guararapes, 29 de setembro de 2008. Álvaro Gomes Barbosa Engenheiro Ferroviário

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Homenagem

O

registro histórico do transporte ferroviário, no seu período glorioso, documentado nesta narrativa, é uma homenagem que todos nós brasileiros devemos aos trabalhadores das estradas de ferro, com particular destaque para aqueles responsáveis pelas atividades fins - maquinistas, foguistas, manobradores, artífices, conservadores da via permanente, pessoal de estações e outros que a memória pode nos trair. Além de realizar a sua principal atribuição – conduzir com segurança passageiros e cargas – a classe ferroviária foi a pioneira na criação da previdência social, a responsável pelo surgimento de povoados, pelo crescimento de cidades, pelo serviço de comunicação, pelo fornecimento de água tratada e energia elétrica a pequenas vilas e até pela criação de times de futebol, muitos desses comemorando um centenário de existência, pois, os “Ferroviários Futebol Clube” proliferaram junto às ferrovias pelo país do futebol! Com este registro, esperamos fazer com que seja lembrada uma categoria honrada e orgulhosa, que nos legou uma tradição de luta, de dignidade, de sacrifício e de patriotismo e que, lamentavelmente, por má-fé ou ignorância, procuram, nos dias de hoje, nos negar os falsos líderes e os dirigentes “luminares”. Confiantes de que o transporte ferroviário no Brasil irá ressurgir, mesmo que seja para a geração de nossos netos, queremos ratificar as nossas homenagens aos ferroviários que, no passado, deram a sua vida de trabalho, com competência e dedicação, na luta pela implantação do transporte sobre trilhos no país. A partir da metade do século passado, a política de transporte praticada pelos nossos governantes, equivocada, buscando resultados imediatistas e eleitoreiros, levou o caos aos transportes, à dependência de uma única modalidade, onerando a produção nacional. Um Século das Estradas de Ferro Brasileiras

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Queremos, finalmente, registrar um sonho sonhado, em 1967, por um pequeno grupo de engenheiros ferroviários, que acreditava possível vencer a resistência dos governantes contra as estradas de ferro e começar a implantar uma moderna linha férrea, ligando o Rio de Janeiro a São Paulo. Seria uma obra por etapas, sem euforia, sem notícias jornalísticas de efeito, tudo de acordo com a realidade e com a capacidade financeira brasileiras, atendendo a um planejamento competente, com prazo inicial de conclusão de 12 anos. Hoje, as duas maiores cidades brasileiras teriam o seu percurso vencido em duas horas de viagem. Foi um belo sonho! Enfim, o trem que inspira sonhos, que leva alegrias e tristezas, há de nos trazer, o mais breve possível para nós que temos a alma ferroviária, que bebemos água do tender das locomotivas a vapor, um Governo competente e honesto capaz de fazer ressurgir as nossas estradas de ferro, vestidas com a tecnologia do século 21.

Rio de Janeiro, 30 de abril de 2009. Malvina Barbosa

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Um Século das Estradas de Ferro Brasileiras 105

ANOS DE

H I S T Ó R I A – 1854

A

1959

Introdução

C

om esta narrativa voltamos ao passado, quando, ainda muito jovem, nos idos de 1958, iniciamos a nossa trajetória de ferroviária como funcionária do extinto Departamento Nacional de Estradas de Ferro/DNEF, na época, órgão da Administração Direta, pertencente ao antigo Ministério da Viação e Obras Públicas. Em 1960, fomos designadas para participar da Comissão instituída pela Portaria nº 43/DG, de 11 de maio daquele ano, do Senhor Diretor-Geral do Departamento Nacional de Estradas de Ferro, composta de um Presidente (engenheiro) e mais três funcionários, com a finalidade de proceder, naquela oportunidade, a atualização dos relatórios de inspeção às Ferrovias Brasileiras, decênio 1950/1959, para sua apresentação no X Congresso Pan-americano de Estradas de Ferro, que se realizou em outubro daquele ano, na cidade do Rio de Janeiro. Na elaboração daquele trabalho, nos coube a revisão e a unificação dos textos redigidos pelos demais membros, agregando aos mesmos a pesquisa da nossa parte no trabalho, tendo sido incluída, também, uma retrospectiva relativa aos anos de 1950/59, de dados econômicos e financeiros, de material rodante e de tração, da via permanente, de estações, paradas e postos telegráficos existentes, os quais foram fornecidos pelas ferrovias, então, fiscalizadas pelo Departamento Nacional de Estradas de Ferro. Agora, nos propomos a re-escrever e a re-editar parte daquele trabalho e, assim, tentar passar para a jovem geração ferroviária o conhecimento histórico que adquirimos, participando da sua realização, na esperança de contribuir, embora modestamente, para a preservação da Memória Ferroviária Nacional, Um Século das Estradas de Ferro Brasileiras

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quando, após quase 38 anos de serviço dedicados ao transporte sobre trilhos e mais de 14 anos como ferroviária aposentada, já nos sentimos fazer parte dessa história, história, para muitos, de sacrifício, de pioneirismo e de amor do ferroviário autêntico por sua Estrada. Não poderíamos contar a história ferroviária, aquela contida no Relatório da Comissão, sem lembrar da Inspetoria Federal de Estradas, criada pela Lei nº 2.356, de 31 de dezembro de 1910, regulamentada pelo Decreto nº 9.076, de 3 de novembro de 1911, que foi transformada, de acordo com o Decretolei nº 3.163, de 31 de março de 1941, no Departamento Nacional de Estradas de Ferro/DNEF, como órgão governamental da Administração Direta, subordinado ao Ministério da Viação e Obras Públicas, e, finalmente, em Autarquia daquele Ministério, na forma da Lei nº 4.102, de 20 de junho de 1962, que, com a reforma administrativa levada a efeito na forma do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, passou a se denominar Ministério dos Transportes-MT. O Departamento Nacional de Estradas de Ferro, órgão que tivemos a honra de pertencer e a que servimos de 1º de março de 1958 a 31 de dezembro de 1974, foi, equivocadamente, extinto por força de Lei nº 6.171, de 09 de dezembro de 1974 e passamos, por opção, a integrar os Quadros de Pessoal da Rede Ferroviária Federal S/A, prosseguindo, desse modo, a nossa trajetória como ferroviária, de onde nos desligamos, por aposentadoria, em 31 de julho de 1995. Não poderíamos deixar de relembrar do Departamento Nacional de Estrada de Ferro, principalmente, porque, após pouco mais de 15 anos da sua extinção, em 1990, o vemos ressurgir como órgão estrutural do recém criado Ministério da Infraestrutura, que, por um pequeno espaço de tempo, substituiu e englobou as atribuições do Ministério dos Transportes, tendo o DNEF recebido a denominação de Departamento Nacional de Transporte Ferroviário/DNTF, assim mantido, quando nova reforma administrativa recriou o Ministério dos Transportes. Agora, no momento em que escrevemos, acompanhamos e participamos da luta dos ferroviários, tentando salvar a Rede Ferroviária Federal S/A da extinção, na esperança de transformá-la numa autarquia especial, e, assim, renascer das cinzas em que ela se transformou, resultado de um danoso processo de privatização e de uma enganosa política de transporte terrestre, que alcançou o seu auge no Governo Fernando Henrique Cardoso, como tantos outros lesivos aos interesses nacionais, com processos de concessões que 14 ♦ Malvina Barbosa


levaram grande parte da malha ferroviária ao abandono, à depredação, verdadeiros comodatos, que vêm sendo mantidos pelo Governo Luiz Inácio Lula da Silva, cabendo acrescentar a esses fatos a equivocada política de transporte, que, desde o início da implantação da indústria automobilística no país, vem privilegiando o transporte rodoviário. A luta foi inglória e o Governo com a edição da Medida Provisória nº 353, de 19/01/2007, considerou extinta a RFFSA. Os Governantes, na realidade, deveriam ter sido precavidos e oferecidos condições, que permitissem uma convivência saudável e eficaz do transporte intermodal – cabotagem/hidrovia/ ferrovia/rodovia – e não transformar o Brasil, em um País refém do transporte rodoviário e usando como solução a extinção de órgãos tais como: LOYD BRASILEIRO/ SUNAMAM/ DNPVN/ PORTOBRÁS/DNEF/CGT/IFPTE e, por último, a RFFSA, sob a alegação de combater a corrupção, ao contrário, estimulou e criou outras condições mais eficazes para expansão do mau uso dos recursos públicos, sob novas e desconhecidas formas, como, reafirmamos, os processos de privatização.

História, Legislação, Administração Zona servida, Traçado e Extensão Antes de contar sobre as Estradas de Ferro, à época, existentes no Brasil, gostaríamos de lembrar que data de 27 de setembro de 1825, a primeira ferrovia inaugurada no mundo, na Inglaterra, a linha de Stockton a Darlington, com 25 km de extensão e em 15 de setembro de 1830 era inaugurada a segunda linha férrea construída na Inglaterra e no mundo, entre Liverpool e Manchester. A partir daí, os Estados Unidos em 1831, a França em 1832, a Bélgica e a Alemanha em 1835 inauguravam as suas primeiras linhas férreas e, no passar dos anos, fizeram do transporte ferroviário um modelo em seus países e não o preteriram como os nossos Governantes. No Brasil foi expedido na Regência de Padre Feijó, o primeiro documento oficial sobre estradas de ferro, que data de 31 de outubro de 1835, Lei nº 101, que autorizava a concessão de exploração, por 40 anos, às companhias que construíssem ferrovias entre a Capital do Império e as Províncias de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. Os nossos estadistas, da época, estavam preocupados com a implantação Um Século das Estradas de Ferro Brasileiras

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da viação férrea do Império e como esta demorasse, promulgaram a Lei nº 641, de 26 de junho de 1852, que garantia juros mínimos aos capitais aplicados em ferrovias no Brasil. Assim, a 29 de agosto de 1852, teve início a construção da primeira linha férrea brasileira, a legendária Estrada de Ferro Mauá, que foi aberta ao tráfego em 30 de abril 1854, com 14 km de extensão, unindo a Estação de Mauá, na antiga Praia da Estrela, à Vila Inhomirim e parada provisória do Fragoso, no sentido da Raiz da Serra de Petrópolis, na Província do Rio de Janeiro. Cabem as honras dessa iniciativa ao cidadão Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, que, sem receber qualquer auxílio do Império ou da Província, deu o sinal de partida para o progresso deste País. Em 9 de janeiro de 1858, a Estrada de Ferro Recife-São Francisco entregava ao tráfego os seus primeiros 31,5 km entre Recife e o Cabo, constituindose na segunda ferrovia em operação no Brasil. Em 1862, a linha férrea chegou a Palmares, atingindo 124,7 km de extensão. A 29 de março daquele mesmo ano de 1858, a Estrada de Ferro D. Pedro II inaugurou o seu primeiro trecho de linha férrea – Corte a Queimados, com 48,210 km e bitola l,60 m, entrando para a história ferroviária brasileira, como a terceira ferrovia inaugurada no Brasil, que mais tarde passaria a ser a Estrada de Ferro Central do Brasil. Em 31 de dezembro de 1864, existiam, em tráfego no Brasil, 411,755 km de linhas férreas, destacando-se: – Estrada de Ferro Mauá................................ 16,190 km – Estrada de Ferro Recife-São Francisco...... 124,739 km – Estrada de Ferro D. Pedro II....................... 108,080 km – Estrada de Ferro Cantagalo......................... 39,406 km De 1870 até a Proclamação da República, as concessões se multiplicaram e propiciaram a entrega ao tráfego público de diversos trechos ferroviários. Contudo, a expansão das linhas férreas no Brasil se verificou sem um planejamento global, buscando, tão so­­mente, solucionar questões regionais e isoladas de transporte. Ainda mais, a natureza dos incentivos oferecidos – garantindo subvenções fixas por quilômetro de linha construída e juros sobre o capital apli16 ♦ Malvina Barbosa


cado – levou os empresários a procurarem obter maior desenvolvimento nos traçados ferroviários, com sensível prejuízo para as suas condições técnicas, em planta e perfil, tornando, conseqüentemente, mais oneroso o custo operacional. Somente no início do Século XX, com a Lei nº 1.145, de 31 de dezembro de 1903, é que o Poder Público passou a construir as linhas férreas, quando, então, houve a primeira grande fase organizacional. Pelo Decreto nº 9.076, de 3 de novembro de 1911, em obediência aos termos da Lei nº 2.356, de 31 de dezembro de 1910, de início citados, foi criada a Inspetoria Federal de Estradas e iniciada a fase organizacional dos transportes ferroviários, com a racionalização e distribuição de funções, criando, assim, as primeiras redes de viação férrea, agrupando pequenos trechos de linhas: – Viação Cearense; – The Great Western (Pernambuco/Alagoas); – Viação Férrea da Bahia; – Viação Férrea Sul Mineira; – Viação Férrea Paraná-Santa Catarina; – Viação Férrea do Rio Grande do Sul. Ao Governo, Inspetoria Federal de Estradas, foi atribuída a missão de estudar e projetar a expansão das redes, fiscalizar a operação e organizar a estatística geral, ficando com as ferrovias as difíceis tarefas de produzir e vender transporte. A partir de 1945, as ferrovias concedidas foram encampadas pelo Governo Federal e passaram à administração do recém criado Departamento Nacional de Estradas de Ferro. As estradas de ferro encontravam-se completamente desaparelhadas, com grande parte do seu material metálico e equipamento em estado de fatiga, em face das dificuldades de importação e ao esforço excepcional que elas se viram na contingência de realizar, durante todo o período da 2ª guerra mundial (1938/1945). Desse modo, o que o Poder Público recebeu era, então, em grande parte, pouco mais do que ferro-velho, cabendo ressaltar o enorme esforço dos artífices Um Século das Estradas de Ferro Brasileiras

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ferroviários, fabricando nas oficinas de suas estradas de ferro peças de reposição para material rodante e de tração e, também, alguns da via permanente, permitindo, assim, que os trens continuassem a trafegar em época tão difícil, como foi o período da 2ª guerra mundial e do pós-guerra. As ferrovias tinham, então, as suas escolas profissionalizantes, que, a partir do final de 1960, começaram a ser desativadas - crime em um País tão carente de ensino dessa natureza. Além dessas circunstâncias, fácil foi compreender que, para um melhor desempenho, as empresas de transporte sobre trilhos deveriam ter maior flexibilidade administrativa, ampla capacidade de decisão e agressividade comercial, ou seja, era indispensável que as Estradas de Ferro atuassem como Empresas, razão por que foi criada pela Lei nº 3.115, de 16 de março de 1957, a Rede Ferroviária Federal S/A, empresa de economia mista, mantido o Departamento Nacional de Estradas de Ferro, nos termos da aludida lei, com a função de órgão fiscalizador das atividades das ferrovias, que integraram, naquela oportunidade, ou viessem a integrar aquela sociedade comercial. A 30 de setembro de 1957, foi instalada a sua primeira Diretoria e todas as ferrovias de propriedade da União passaram, naquela oportunidade, a fazer parte da Empresa, exceção feita para a E. F. Tocantins, que continuou a ser administrada pela Fundação Brasil Central e das E. F. Santa Catarina, E. F. Ilhéus e a Viação Férrea do Rio Grande do Sul, agregadas à RFFSA posteriormente, pois, em 1959, ainda se encontravam em processo de transferência para a RFFSA, visto que havia participação dos Governos Estaduais respectivos na sua administração. Com a criação da nova sociedade, o Governo pretendia manter as atribuições de sua exclusiva competência a cargo do Departamento Nacional de Estradas de Ferro e delegar à RFFSA a missão comercial que devia, realmente, exercer. Em conseqüência, necessária se fazia, também, a reorganização do órgão governamental, que, libertado das funções, então, cometidas à RFFSA, principalmente as de natureza operacional, ficava em condições de, mediante uma conveniente reforma administrativa, poder dedicar-se com mais eficiência às demais atividades que lhe correspondia como órgão de cúpula do setor federal, principalmente de fiscalização e normalização do serviço ferroviário, razão por que foi o Departamento Nacional de Estradas de Ferro, pela Lei nº 4.102, de 20 de junho de 1962, de início citada, transformado em Autarquia. Dando por concluída essa retrospectiva, retornamos ao nosso propósito inicial de contar sobre o sistema ferroviário brasileiro, de 1854 a 1959, enfo18 ♦ Malvina Barbosa


cando as Estradas de Ferro, sua história, sua criação e legislação, as diversas administrações, a zona servida, o traçado e a extensão. Assim, nas relações a seguir apresentadas, podem ser identificadas as ferrovias que, em 1959, existiam no Brasil:

I – Ferrovias integradas à Rede Ferroviária Federal S/A 1) Estrada de Ferro Madeira-Mamoré 2) Estrada de Ferro de Bragança 3) Estrada de Ferro São Luiz -Teresina 4) Estrada de Ferro Central do Piauí 5) Rede Viação Cearense 6) Rede Ferroviária do Nordeste 7) Viação Férrea Federal Leste Brasileiro 8) Estrada de Ferro Bahia e Minas 9) Rede Mineira de Viação 10) Estrada de Ferro Goiás 11) Estrada de Ferro Leopoldina 12) Estrada de Ferro Central do Brasil 13) Estrada de Ferro Noroeste do Brasil 14) Estrada de Ferro Santos a Jundiaí 15) Rede Viação Paraná-Santa Catarina 16) Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina

II – Ferrovias de administração diversas 17) Estrada de Ferro do Amapá 18) Estrada de Ferro Tocantins 19) Estrada de Ferro Mossoró 20) Estrada de Ferro Nazaré 21) Estrada de Ferro de Ilhéus 22) Estrada de Ferro Vitória a Minas Um Século das Estradas de Ferro Brasileiras

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23) Estrada de Ferro Santa Catarina 24) Viação Férrea do Rio Grande do Sul

III – Ferrovias do Governo do Estado de São Paulo 25) Companhia Mogiana de Estradas de Ferro 26) Estrada de Ferro São Paulo e Minas 27) Estrada de Ferro Bragantina 28) Companhia Paulista de Estradas de Ferro 29) Estrada de Ferro Araraquara 30) Estrada de Ferro Sorocabana Dessa relação de trinta ferrovias, iremos contar a história de vinte e nove, excluindo dessa narrativa a décima segunda - Estrada de Ferro Central do Brasil, da qual a Comissão de início mencionada não obteve, em 1959/60, os dados insistentemente solicitados àquela ferrovia, necessários a sua inclusão naquele Relatório de Fiscalização, mas não deixamos de registrar a sua presença nesse trabalho, principalmente pelo o que ela representa para a economia do país. Além das trinta estradas de ferro relacionadas, existiam no Brasil, em 1959, sete outras pequenas ferrovias, que devem ser citadas, a saber:

1 – Estrada de Ferro Campos do Jordão A Estrada de Ferro Campos do Jordão, de motivação turística, com 47 km de extensão, ligando as cidades Pindamonhangaba, km 0, a Campos do Jordão, no alto da Serra da Mantiqueira, era, em 1959, propriedade do Governo Estado de Paulo, administrada pela sua Secretaria de Turismo. Sendo suas linhas eletrificadas, a E. F. Campos do Jordão, também, fornecia energia elétrica a alguns órgãos e empresas do Município e do Estado, uma vez que dispõe em Eugênio Lefreve de estação retificadora e transformadora. Além disso, possuía, também, serviço telefônico, que atendia às localidades de Campos do Jordão, de São Bento do Sapucaí, de Santo Antônio do Pinhal, de Monteiro Lobato e estendia o benefício até Minas Gerais, no município de Sapucaí-Mirim. 20 ♦ Malvina Barbosa


Servindo a uma região pobre de carga, a ferrovia dificilmente conseguiria seu equilíbrio econômico, daí a razão principal da diversificação de suas atividades paralelas ao transporte ferroviário, tais como o miniférico, o balneário em Piracuama e o mirante concorreram para a maior utilização do transporte ferroviário e se constituíram em fonte de receita da ferrovia. A ferrovia tinha em operação automotrizes para transporte de automóveis e outras cargas pesadas, bem assim automotrizes de luxo para passageiros para subirem a serra e desfrutar do complexo turístico do município de Campos do Jordão.

2. – Estrada de Ferro Jacuí Foi incorporada à Viação Férrea do Rio Grande do Sul, por força da Lei Federal nº 2.217, de 5 de junho de 1954, e operada como ramal; a ferrovia partia de Porto do Conde, com os ramais da Mina do Leão, 15,6 km, e de Recreio, com 4,0 km, perfazendo a ferrovia um total de 61,0 km de extensão; na década de sessenta passou a fazer parte do programa de ferrovias e ramais antieconômicos, tendo tido seu tráfego paralisado e suas linhas erradicadas.

3. – E. F. Perus-Pirapora e E. F. Votorantim Eram ferrovias, na ocasião, operadas como ramais industriais, servindo a primeira à Indústria de Cimento Portland, canalizando, exclusivamente, o transporte da indústria para E. F. Santos a Jundiaí e a segunda de propriedade da Indústria Votorantim, levava, então, suas mercadorias até as linhas da E. F. Sorocabana.

4. – E. F. Monte Alto, E. F. Palmares a Osório e a E. F. Itapemirim Propriedades particulares, elas foram, com o passar do tempo, substituídas por rodovias. Situavam-se, respectivamente, nos Estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Espírito Santo.

Um Século das Estradas de Ferro Brasileiras

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