João Sequeira Hipólito

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Que o Senhor guarde este Movimento na unidade do Espírito, na pureza da doutrina e no zelo de ganhar almas é a minha oração. Novas de Alegria, Abril de 1958, João Sequeira Hipólito

Sem memória esvai-se o presente que simultaneamente já é passado morto. Perde-se a vida anterior. E a interior, bem entendido, porque sem referências do passado morrem os afectos e os laços sentimentais. E a noção do tempo que relaciona as imagens do passado e que lhes dá luz e o tom que as datam e as tornam significantes, também isso. Verdade, também isso se perde porque a memória, aprendi por mim, é indispensável para que o tempo não só possa ser medido como sentido. De Profundis, Valsa Lenta de José Cardoso Pires

Ouço, às vezes, certas pregações que me desgostam bastante por as considerar anti-bíblicas e tão diferentes das que ouvi aos pioneiros do Evangelho de vários grupos denominacionais em Portugal, anteriores à minha geração, com os quais aprendi. O pregador e a pregação, Guido Waldemar Oliveira

Povo que desconhece a sua história é povo destinado à dissolução, por lhe faltar o substrato que lhe permite compreender o presente, honrar os que o antecederam e preparar e planear o futuro, tomando consciência de um projecto e um desígnio comuns. Prefácio, Não Desistas, Jorge Pinheiro

Evocar o pastor João Sequeira Hipólito é recordar o passado, consolidar o presente e um desafio para o futuro. Novas de Alegria, Novembro de 1998, Fernando Martinez



JOÃO SEQUEIRA HIPÓLITO



JOÃO SEQUEIRA HIPÓLITO Pastor pentecostal fundamentalista que procurava activamente a santificação

José Manuel Martins

1ª Edição Abril de 2018

Posfácio António Costa Barata


Título Autor Editores Revisão e Edição Direcção de Arte e Design Impressão 1ª Edição ISBN Depósito Legal

João Sequeira Hipólito José Manuel Martins Letras d’Ouro, editores José Manuel Martins Pedro Martins Artipol, Artes Tipográficas, LDA Abril de 2018 978-989-8215-63-5

Letras d’Ouro, editores Rua Quinta da Flamância, n.º 3, 3º Dt.º Casal do Marco 2840-030 Paio Pires, Portugal Tlm 914 847 055 Email livros@letrasdouro.com Web www.letrasdouro.com FB facebook.com/letrasdouro Sede

Direitos Reservados © Letras d’Ouro, editores, 2018 © José Manuel Martins, 2018 Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo em breves citações, com a indicação da fonte.


ÍNDICE

Abreviaturas ..................................... 11 Agradecimentos ............................... 13 Dedicatória ....................................... 15 Prefácio.............................................. 17 PRIMEIRA PARTE Na capela da Verónica ......................... 49 Jovem à procura dos dons carismáticos ....................................... 52 Testemunho pessoal de conversão..... 62 Outro sueco missionário ..................... 63 Aprendendo com Samuel Nyström ... 64 Nyström deixa saudades — nova etapa com outro sueco ................................ 66

SEGUNDA PARTE Da Verónica para a Senhora do Monte e outros lugares ................................. 71 A primeira convenção dos pentecostais ................................ 72 Sucesso do jornal Novas de Alegria ... 74 O «credo» pentecostal.......................... 75 Empolgamento pentecostal ................ 81 Atitude de serviço que vincava diferenças ........................................... 83 Estender a acção a Setúbal .................. 85 Ênfase ao trabalho evangelístico com crianças ............................................... 87 Em busca do poder............................... 87

TERCEIRA PARTE Importância da divulgação da mensagem pentecostal .......................................... 90 Fazê-los compreender a natureza do fenómeno ...................................... 92 O emprego e a missão evangelística ... 98 Vencendo a batalha do reconhecimento 102 Maior visibilidade ministerial ........... 105

QUARTA PARTE Fraternidade na igreja .............................109 Conhecendo o Campo ............................110 Apurando o desempenho evangelístico tendo por alvo as crianças ..................112 Centrando a mensagem — o mundanismo ................................112 O fermento da política ............................119 Filantropia e evangelização ....................125 A realidade e a escatologia......................127

QUINTA PARTE Santarém, início da nova etapa ministerial ..............................................133 Quentes, mornos e frios..........................140 O homem natural e a ressurreição .......141 O sueco Samuel Nyström em Santarém e o reforço do pentecostalismo..........142 Igreja local — recursos escassos mas avanço visível ........................................144


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SEXTA PARTE Os jovens no Movimento pentecostal. 153 O Congresso da juventude pentecostal .. 154 Comunicação e formação...................... 155 Interesse especial pelas questões da juventude ......................................... 159 Epístolas à Rosinha e ao Nuno (imagem, actividade, casamento)......... 163

SÉTIMA PARTE De cara lavada ou Jezabel....................... 173 Antes do casamento — uma teoria sobre namoro .................................................. 174 O mal que vem do ecrã — o cinema e diversão ............................................... 178 Não danificar o santuário — o vício do tabaco ............................................... 179 Ocupados, pois claro, mas nas coisas da vinha do Senhor ............................. 181 Patriotas, sem dúvida.............................. 182 Organização quanto baste ..................... 183 Algarve, trigésimo aniversário .............. 186

OITAVA PARTE Católicos versus protestantes ................ 199 Tolerância versus intolerância .............. 204 Fé versus obras ......................................... 208 Catolicismo versus Reforma protestante 209 Liberdade religiosa no discurso ............ 209 O equívoco das proibições..................... 213 … e das dependências externas ............ 214 O tempo das festas de efeito fugaz ....... 215

NONA PARTE Viajando pela Europa ............................. 217 Rumo a Évora (1956-1958) ................... 225 O simbolismo do átomo ........................ 232 Sinais da vinda de Jesus .......................... 232

Há outros sinais, máxime Israel ............235

DÉCIMA PARTE A sinalética do fim é «atómica» — perseguição, aparência de paz. ..........243 Missão, tarefa urgente .............................246 Vida para lá da Terra...............................246 Menor fulgor exortativo .........................247 Assembleia de Deus do Porto e o norte do país...........................................................248 Renovada a centralidade pentecostal no Porto .......................................................251 Alargamento da obra e a «questão coimbrã» ................................................256

DÉCIMA PRIMEIRA PARTE O congresso juvenil .................................265 O Campo Bíblico......................................267 A força do Congresso e do Campo Bíblico antes do «novo começo».....................274 Passagem de testemunho na liderança do CB ............................................................278 Às portas de um novo (e inesperado?) desafio ministerial ................................284

DÉCIMA SEGUNDA PARTE De regresso a casa — derradeira etapa .....287 A memória presente ................................288 A travessia do Tejo — Almada com Lisboa à vista ......................................................290 Sem perder a visão ampla do Movimento pentecostal .............................................292 Os obreiros mereciam protecção social...296 De repente, a mudança menos esperada 299 Primeiro, director de Novas de Alegria... ..302 … depois, o pastorado conjunto ...................308


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DÉCIMA TERCEIRA PARTE Responsabilidade missionária .............. 315 A juventude olhos nos olhos ................. 318 Disponibilidade para a obra em geral — dinâmica de crescimento em Lisboa ......323

DÉCIMA QUARTA PARTE Liberdade de escolha............................... 337 Em Moçambique no limiar do tempo.... 340 Os desafios de sempre ............................ 341 Novos projectos em marcha ................. 344 O fim que parecia distante..................... 345

DÉCIMA QUINTA PARTE Há o tempo de morrer ........................... 363 A felicidade dos que sabem ................... 364 Um novo ciclo. E agora? ........................ 365 P.S. .............................................................. 368

Posfácio ............................................377 Apêndice Homilética .................................... 383 Bibliografia...................................... 435

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ABREVIATURAS

Alfredo Rosendo Machado = ARM António Costa Barata = ACB Assembleia de Deus de Lisboa= ADL Assembleia de Deus de Portimão = AD de Portimão Assembleia de Deus do Porto = ADP Campo Bíblico = CB Convenção Nacional das Assembleias de Deus = CNAD Durval Correia = DC Escola Bíblica = EB Escola Dominical = ED Fernando Martinez = FM Fundo de Obreiros das Assembleias de Deus = FOAD Igreja Católica Romana = ICR João Sequeira Hipólito = JSH Joaquim Cartaxo Martins = JCM José Barros de Sousa = JBS José da Cunha de Oliveira Pessoa = JP José de Matos = JM José Plácido da Costa = JPC Manuel da Silva Moutinho = MSM Manuel Ribeiro = MR Movimento pentecostal = MP Novas de Alegria = NA Rogério Ramos Pereira = RRP Tage Stählberg = TS



AGRADECIMENTOS

Contámos, em especial, com a preciosa colaboração dos pastores das Assembleias de Deus de Évora, Lisboa, Portimão e Porto, respectivamente, Josué Pereira da Ponte, Dinis Rodrigues, Jones de Paula e A. Samuel Lopes, que nos facultaram acesso aos livros de actas, referentes aos períodos em que João Sequeira Hipólito nelas serviu, cuja leitura era indispensável. Recebemos também preciosa ajuda do pastor Samuel Antunes, da Assembleia de Deus de Ponta Delgada, que nos permitiu precisar e completar informação recolhida em Novas de Alegria a propósito da Escola Bíblica, realizada naquela Região Autónoma, pouco tempo antes do prelector convidado adoecer, na singularidade de ter sido a última da sua carreira ministerial. Tivemos o privilégio de aceder à informação coligida, ao longo dos anos, pelo pastor António Costa Barata, proficiente investigador, que, além do mais, nos dispensou a sua atenção, meses a fio, a qual serviu de conforto para não desanimarmos. Conversámos com o pastor Vieito Antunes, que nos recebeu com a amizade de sempre, na sua própria casa, sobre a génese do Fundo de Obreiros das Assembleias de Deus. Por último, o pastor Luís Reis deu-nos, por escrito, pormenores sobre o ministério Campanha de Evangelização Nacional de que foi lídimo impulsionador e coordenador. Dirigimo-nos a muitas outras entidades e pessoas que nos apoiaram em tudo quanto puderam. Deixamos menção ao jornal Gazeta das Caldas que nos facultou o trabalho de reportagem sobre a realização do Congresso juvenil na cidade de Caldas da Rainha. A todos o nosso muito obrigado.



À memória de Amável Faustino Pedro, condiscípulo inolvidável, que em plenitude ostenta no Céu o que num vislumbre nos mostrou – a mansidão.



PREFÁCIO

Parecer-lhes-á inverosímil, mas esta obra «começou a ser escrita» há mais de meio século; todavia, não tínhamos consciência disso. Tivemo-la depois de 4 de Novembro de 2011, momento em que decidimos aprofundar o que sabíamos sobre Manuel da Silva Moutinho e partilhar o resultado desse labor de muitos meses. A relação fraternal que se estabeleceu entre MSM e João Sequeira Hipólito foi-se evidenciando ao ponto de concluirmos que se gerara no contexto eclesial que nos acolheu, ainda adolescente, à procura do sentido da vida e das competências para fazer as melhores escolhas. Ambos fizeram questão de proclamar essa relação fraterna, uma união de coração, através dos anos, alimentada na memória da cooperação inesquecível que o primeiro dera ao segundo, nos anos de 1960, na cidade do Porto e em toda a Região Norte do país, mas que se tornou recíproca, sem fraquejar, noutras áreas de trabalho, no país e no estrangeiro, até quase ao fim dos dias de JSH. Fizeram-no a propósito de um evento que um sabia estar iminente (JSH) e o outro (MSM) que ocorrera. Na verdade, é essa a nossa tese, ao mencionar essa amizade no seu livro de memórias, JSH tinha noção de que essa poderia ser a última oportunidade de lhe dar perenidade; na evocação do falecido amigo, no decorrer das cerimónias fúnebres, MSM teve o ensejo de realçá-la, perante o enorme séquito que integrava os líderes da Comunidade Evangélica, como exemplo que servia a causa do Reino de Deus. E o que disse sobre o amigo, numa ocasião propícia a dar lugar à emoção que «tolda» a razão, era sincero, verdadeiro, digno de imitação: líder, capaz de defender ideias, resistente, acérrimo defensor das suas convicções, corajoso, lutador, dedicado, conselheiro, popular, um valente


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que não temia a morte e até ao cancro, que o vitimou, chamou amigo porque o tirava deste mundo e o levava para a presença de Deus. E podia ter acrescentado, sem beliscar a verdade, dizendo do amigo que era cristão fervoroso, compreensivo, espiritual, renunciante de bem-estar material, e, também, pastor pentecostal fundamentalista que procurava activamente a santificação. Decorreram, entretanto, cerca de 6 anos. Depois da publicação de Manuel da Silva Moutinho. Um padrão da igreja bíblica, em Outubro de 2012, obra a que dedicámos quase um ano inteiro de labor, de consciência despertada acerca do que o ministério pastoral de JSH para nós representava, seria lógico, mantendo capacidade física, intelectual, financeira e ânimo, que nos abalançássemos na concretização desse projecto. E fizemo-lo! Voltámo-nos para o princípio de tudo, regressámos a Rio Tinto, aos 12 anos de idade, às memórias que mantínhamos do pastor protestante JSH. Relembrámos o que escrevêramos em Recantos do Mundo, obra publicada em 2004, a propósito desse tempo e, em particular, da experiência pessoal que tivéramos; relemos, inúmeras vezes, Meu amigo Câncer, obra de JSH, publicada postumamente, e numa ou noutra vez pareceu-nos que podíamos começar a delinear um plano do que queríamos escrever, mas era fogo-fátuo, inspiração momentânea que se evaporava ao primeiro sinal de dificuldade, às primeiras notas recolhidas aqui e ali. Em resultado da nossa insistência, desse vai-e-vem de ânimo, resultou o inesperado, quiçá o que não tínhamos intuído — no nosso espírito sobrelevou-se a figura de José da Cunha de Oliveira Pessoa, tão «colada» ao ministério sobre o qual queríamos recolher informação: também nascera em Lisboa, uma década depois, em ambiente popular e familiar semelhantes, encontrara o Evangelho na mesma idade, cruzara-se pelo caminho com os mesmos líderes, formara-se com os que cresceram com JSH. O nosso foco, nessa pesquisa, mudou-se e deu no que deu, como é sabido — escrevemos José Pessoa. Missionário por vocação, obra publicada em Dezembro de 2015! Respirámos fundo, durante os primeiros meses de 2016, depois da conclusão daquele trabalho, e quando nos aprontávamos para voltar ao


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propósito inicial, na Primavera de 2016, perdera-se o fio à meada tanto nos empolgáramos com a vida e obra de JP! Voltámos ao princípio e valemo-nos de todas as pontes que vislumbrámos nas obras publicadas para reestabelecer a ligação ao iter pessoal de JSH. Primeiro, pensando na nossa relação com MSM, ténue e emblemática, na adolescência. Ele tinha pouco mais de 25 anos quando o vimos, à frente do coral da Assembleia de Deus do Porto, aos Domingos, à noite, a dirigir o canto congregacional ou a cantar e tocar. Era a altura em que prestava a JSH «excelente colaboração, (…) cooperação inesquecível». Mais. No facto dele próprio, em 8 de Dezembro de 1965, ter sido o Ministro do Culto oficiante do baptismo em que, publicamente, fizemos a nossa confissão de fé, que, até hoje, pela graça de Deus, preservamos. À distância destas dezenas de anos, o que nos parece curial é que tivesse sido JSH o oficiante. Ele, sim, era o nosso pastor! Ele, sim, tinha connosco uma relação de empatia assente em factos vívidos, que não cederam, na nossa memória, ao decurso do tempo. Nessa procura incessante de ligação afectiva a JSH — ligação afectiva que, em grande parte, justificou, até agora, as nossas «escolhas temáticas» — enquanto o trabalho de investigação se desenvolvia, duas situações pessoais tomaram proporções tais que se transformaram, rapidamente, no combustível que nos deu energia para concluir a tarefa. Em primeiro lugar, a memória de vê-lo chegar à nossa casa, no dia aprazado para as exéquias do funeral da nossa mãe, em Abril de 1965, cujo féretro acompanhou até ao seu enterramento no cemitério de Rio Tinto. Tirando o Dr. Zeferino Pedrosa, médico popular, bondoso e sabedor, que prestava serviço na Caixa de Previdência e na Associação S. Bento, que levara 7 anos a fazer o 1º ano do Curso de Medicina, em Coimbra, e doze a concluí-lo, sem nunca ter reprovado, e que visitava a nossa mãe, em casa, quando ela não estava em condições de o consultar num daqueles locais ou no seu consultório, sempre bem vestido, distinto, com a sua bengalinha numa das mãos e na outra a mala de médico, a quem os riotintenses incluíram na toponímica da cidade, designando uma das vias


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por Rua Dr. Zeferino Pedrosa, e o cobrador nos eléctricos da Carris, nosso tio-avô Américo, irmão do nosso avô paterno, José Martins, devidamente fardado, o que incluía a respectiva gravata, e uma saca castanha a tiracolo, de um ou outro vigilante da Assembleia de Deus do Porto, que se interessava por nós e pela nossa mãe em particular, designadamente Augusto Cavadinha, JSH, na nossa memória, foi o homem de aspecto mais respeitável, à luz dos padrões da época, que transpôs a porta de entrada do prédio dos nossos avós, na Rua da Estrada Nova, 550, Lugar da Lourinhã, onde morávamos. De fato e gravata, desceu os degraus para vencer o desnível entre o pátio exterior do rés-do-chão do prédio e a sala de jantar, com acesso ao primeiro quarto da habitação, que também servia de sala de costura, onde o corpo estava, desde o dia anterior, em velório. A noite anterior fora muito cansativa, depois de um dia inteiro na preparação do féretro, pois, nessa altura, ninguém dormia e os homens da família entretinham-se a conversar e bebericar. A chegada do pastor protestante gerou uma enorme curiosidade entre parte da família da falecida e da vizinhança. Na verdade, alguns familiares mais próximos já o conheciam porque estavam ao lado da moribunda, na véspera dela falecer, quando JSH a foi visitar, por ter sido informado por uma irmã da congregação de Rio Tinto daquela Assembleia que o seu estado de saúde era muito crítico. Por isso, quando soube do desenlace, no dia seguinte, 20 de Abril, dois dias após o Domingo de Páscoa desse ano de 1965, interessou-se JSH por estar, pessoalmente, naquela cerimónia fúnebre. Noutras circunstâncias, o provável era que viesse estar connosco um vigilante, um cooperador do trabalho relacionado com a Casa de Oração na freguesia. Não nos lembrámos do teor do discurso, de nenhuma das palavras que foram ditas, por JSH ou por cooperadores dele também presentes, nem do que se cantou no dia do funeral. Só recordamos que houve prédica e cânticos. Estávamos muito tristes com a morte da nossa mãe, que não fizera ainda 41 anos de vida, após longos anos de doença, visitas médicas e internamentos hospitalares. Mas sabemos que, no cemitério, ainda estavam presentes «os protestantes», os familiares e vizinhos, chorá-


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mos em público e as pessoas notaram. Os que estavam no cemitério, a assistir, por curiosidade (afinal, os protestantes tinham presença organizada na freguesia desde os finais dos anos 1940 e os padres encarregaramse de lhes «dar má fama», o que espicaçava o interesse por um momento como aquele...), interrogavam-se acerca da ligação que teríamos com a defunta. Lembrámo-nos do conforto que foi para nós termos tido, nesse dia, a presença do pastor protestante, respeitável, que todos admiraram, apesar do fervor com que, por essa altura, ali na paróquia riotintense, se seguiam os ritos habituais do catolicismo romano. Aliás, o facto de ter estado com a nossa mãe, tê-la interpelado acerca da certeza que possuía, em relação à sua salvação, e de lhe ter dirigido palavras de confiança, sensibilizou aquelas almas religiosas e piedosas, também cristãs, mas ao modo do catolicismo romano, como era o caso das nossas avós e tias — as quais só não reclamaram a presença do pároco da freguesia diante da recusa frontal da doente... — o que amenizou o juízo pejorativo que faziam dos protestantes e facilitou o ambiente em que se realizaram as exéquias, sempre respeitoso e sob a curiosidade estampada nos rostos dos que compareceram. Mas essa não foi a única vez de que nos lembrámos do pastor JSH e da impressão que causaram a sua presença e palavras. Um dia, supomos já depois da morte da nossa mãe, estava a nossa família na Casa de Oração, no Carvalhido, Porto, chamou-nos à parte e quis saber o que fazíamos e o que queríamos ser. Daquelas perguntas que se fazem às crianças e aos adolescentes, nem que seja para cativar a atenção inicial para o «sermão» que vem a seguir. Ficou-nos na memória, para sempre, o seu sorriso paternal, carinhoso, e a convicção com que nos aconselhou a dar valor ao trabalho e não perder nenhuma oportunidade para estudar. Naquela altura, bem nos recordamos, por acção do nosso tio-avô Américo, homem simples, mas muito respeitado, com o era também a sua mulher, a enfermeira Filomena, estávamos em vias de ingressar nos quadro dos trabalhadores da Carris, nas oficinas da Boavista, para aprender um ofício, com o dever de frequentar a Escola Industrial. O mundo dá tanta volta...


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Há pelo menos três outras situações que nos aproximaram do pastor JSH, a primeira no tempo próximo das referidas anteriormente, as outras duas com cerca de 10 anos de distância. Com efeito, deixámos Rio Tinto e a Igreja AD do Porto em 8 de Dezembro de 1965, e embarcámos no dia 11, na Rocha de Conde de Óbidos, em Alcântara, rumo a Luanda, Angola, aí chegando no dia 19 desse mês. Permanecemos em Lisboa, com a nossa irmã Fernanda, mais velha, e o nosso irmão Américo, mais novo, nos dias 9 e 10, onde fruímos do apoio e hospitalidade de Alfredo Rosendo Machado, a quem nos recomendara o seu amigo, o pastor JSH. Um ano depois, regressámos a Lisboa para frequentar o Curso do Instituto Bíblico, que se iniciou em Janeiro de 1967 e terminou seis meses depois. Nesse período, durante várias semanas, JSH ministrou a disciplina Homilética, mas não se proporcionaram, de que tenhamos sequer um resquício de lembrança, ocasiões de relacionamento fora do tempo lectivo. Ficou-nos a referência de um homem simpático, afável, que valorizava os aspectos práticos e a utilidade do que ensinava. Ele residia, nessa altura, no concelho de Almada, margem-sul do Tejo, e não temos ideia de tê-lo visto senão numa ou noutra reunião em que os alunos também participavam, ao 1º Domingo do mês ou nos outros Domingos do mês, à noite, em Lisboa, na congregação da Rua Neves Ferreira. Mas, além do contacto em sala de aula, era apenas uma proximidade visual, digamos assim. Decorridos oito anos, quando JSH esteve em Angola e percorreu o território, em especial o Cuanza-Sul, aonde foi, propositadamente, para a inauguração do templo ali construído, sob a liderança do missionário Reganha Pereira, e à cidade de Luanda, cumpríamos ainda o serviço militar obrigatório e apenas retivemos memória de ouvirmos falar da sua presença e do propósito que o trouxera de Lisboa. Estivemos próximos, mas apenas nos chegaram ecos da sua presença e participação nesse evento de inauguração e em reuniões especiais na Assembleia de Deus Pentecostal de Luanda. No final do ano de 1975, ele era o pastor da AD de Lisboa e também o responsável espiritual pela congregação em Sete Rios, onde nos passámos a congregar, à semana, no ano de 1976. Apesar de termos permanecido


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em Lisboa, até Outubro de 1979, o contacto com JSH foi quase exclusivamente visual, nas reuniões públicas da AD de Lisboa. O que soubemos, na altura, da ocorrência da sua doença foi por ouvir dizer ou ter lido. Nem oportunidade tivemos de o contactar enquanto esteve doente, não participámos da cerimónia fúnebre nem integrámos o séquito do féretro para o cemitério de Arruda dos Vinhos. Fomos daqueles que elevámos as nossas orações ao Senhor da vida pedindo e agradecendo a sua recuperação e regresso rápido ao exercício dos seus múltiplos afazeres em prol do Reino de Deus. Todavia, líamos os seus escritos e, no íntimo, estávamos marcados pelo seu desempenho pastoral desde o tempo da adolescência. Reler tudo quanto escreveu e publicou — pelo menos o que para nós esteve acessível nestes longos meses de trabalho — procurar, dalguma maneira, informações credíveis, sustentadas, do seu percurso ministerial e, também, no que é relevante para o compreender melhor, algumas de natureza pessoal, não intrusivas, directa ou indirectamente, da sua vida particular e/ou familiar — essa tem sido um barreira auto-imposta em todas as obras que já escrevemos e publicámos, tendo em conta também que é apenas uma «quase biografia», sem falsa modéstia, o que nos propomos apresentar aos leitores — reler e procurar, dizíamos, foi como que reavivar essa empatia de sempre pelo pastor JSH, que as circunstâncias próprias da vida tinham, dalgum modo, eclipsado. Reconhecemos, agora, que foi importante que se tivesse agigantado a figura de José Pessoa no decurso da investigação inicial e no nosso espírito se tivesse sobreposto à do pastor JSH. Teria sido mais natural estabelecer as pontes que existem entre Manuel da Silva Moutinho. Um padrão da igreja bíblica e este João Sequeira Hipólito. Pastor pentecostal fundamentalista que procurava activamente a santificação pela razão simples, que será evidente para os leitores desta obra, daquele se afigurar como o mais próximo e fiel continuador do pensamento e acção deste. Intrometeu-se José Pessoa. Missionário por vocação, em que ficou patente essa continuidade de pensamento, que sobreviveu, mas não foi suficiente para sustentar a mesma linha de liderança. JSH foi, na verdade, dos últimos verdadeiros líderes


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fundamentalistas do Movimento pentecostal (MP) «gerado» na Rua da Verónica. O pastor que saiu de cena quando ameaçavam ruir os pilares em que se sustentava, mas estavam ainda de pé. O pastor que não assistiu à negação de muitos dos valores em que acreditava e pugnou por afirmar e manter, que também não assistiu à negação da mundividência que julgava própria dos cristãos pentecostais e integrava a sua matriz inicial. Desta maneira, esta trilogia dará aos leitores interessados, como supomos, uma melhor compreensão do que foi este MP porque, agora, estão reunidos os elementos que estabelecem a ligação entre gerações e diferentes perspectivas de exercício do poder, que é uma janela, queiramos ou não, por onde se vislumbram os laços que sustentam as lideranças e as respectivas estratégias. Se é verdade que a história da organização do MP em Portugal, que é também ela fundamental para compreender as relações do poder eclesiástico que a sustentava, só se fará, com verdade e objectividade, quando se aceder às fontes que esclareçam, cabal e definitivamente, o papel fulcral do missionário sueco, Tage Stählberg, depois de 1938, o certo é que estão dados passos decisivos que permitem concluir que nada ficou como dantes quando se quebrou a relação de colaboração entre ele e ARM, em 1970, e se abriu a possibilidade, até aí inimaginável, de confiar a liderança ao pastor JSH, em Lisboa, se bem que, por algum tempo, sob a presença respeitosa daquele velho missionário, que fizera tudo para manter a sua «superintendência» inquestionável nas igrejas da mesma denominação existentes em todo o território nacional, insular e colonial. A independência das Colónias aliviara-lhe a carga e, em 1976, a doença libertá-lo-ia do que restava do fardo, que era, desde Fevereiro de 1971, o de conselheiro, face à cedência que tivera de fazer, abrindo as portas, ainda assim, à dupla pastoral que manteria sob «equidistante vigilância» enquanto isso fosse necessário à manutenção do seu estatuto pessoal, que ambos conheciam e assumiram não questionar. Dito isto, constituirá certamente um grande desafio separar as virtudes da acção do Espírito Santo das legítimas ambições humanas do exercício do poder de decisão no seio das comunidades entretanto implantadas.


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Chegará o tempo, quando os investigadores, sejam historiadores, sociólogos, psicólogos ou cientistas da religião, puderem olhar para os factos, sem os constrangimentos resultantes da ligações afectivas aos protagonistas e seus descendentes directos, em que saberemos o quê e quando se fez isto ou aquilo por inspiração directa do Espírito Santo, como muita vezes se reclamou, ou apenas no exercício do legítimo interesse de cumprir planos e metas estabelecidos pelas agências financiadoras, fossem elas congéneres europeias, norte-americanas ou brasileiras. Não quisemos, e sabemos quão mais difícil é, limitar-nos a repetir o que se tornou «oficial» sem o necessário juízo crítico e invocação das fontes consultadas. O enquadramento social, político e religioso dos anos em que o pastor JSH descobriu «os dons carismáticos» e se fez arauto deles para o tempo que viveu, só foi, aqui e ali, meramente esboçado. Fugimos, porém, dos lugares comuns e das vãs repetições de cronologia anódina que não «vêem mão humana» a lutar pelo exercício efectivo do poder, a arregimentar apoios, a gerir fundos e orçamentos, a seleccionar colaboradores, a agraciar seguidores, a aniquilar opositores — não vêem senão actos do Espírito Santo. O objectivo que nos move, ao «remexer» o passado de um dos nossos heróis da fé, pelo que referimos antes, mas particularmente pelo conjunto que foi possível formar, é o de contribuir para tornar mais completo e acessível o conhecimento do que é identitário do pentecostalismo na mundividência cristã dos seus líderes mais proeminentes. Dessa maneira, tudo o que é possível ler nesta obra permitirá testemunhar que o pastor JSH abraçou a causa pentecostal, num primeiro momento, como resposta à incessante busca juvenil de algo que preenchesse o seu vazio interior e fizesse sentido com as descobertas que por si fizera enquanto lia as Escrituras: a Bíblia era, efectivamente, o Livro de Deus, tinha partes de difícil compreensão, em particular no Antigo Testamento, mas perfilava-se perspícua a responder às interrogações e inquietudes desse tempo, em particular na evidenciação de que o Cristianismo se vivenciava na Igreja onde «a operação dos dons carismáticos» fizesse parte do seu dia-a-dia


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JOÃO SEQUEIRA HIPÓLITO

como tal, no seu tempo, na sua cidade, no seu país, dando satisfação às necessidades contemporâneas. Eis porque queria ele encontrar uma «igreja que tivesse a pretensão de possuir o dom do Espírito Santo». Do que sabemos, não temos dúvidas de que ele foi, em Portugal, o primeiro pentecostal que quis ser... pentecostal! Precisamente. Por convicção, por revelação, o que quer que fosse que gerara nele essa vontade, o certo é que a decisão de pertencer àquele grupo concreto, pequeno, humilde, barulhento, integrando pessoas que falavam línguas que ninguém compreendia, marcou a sua existência, que foi coerente até ao termo dos seus dias. Fazendo jus à máxima: «Sou o que fui, serei o que sou.» Mas não é tudo. Nessa fase juvenil, digamos assim, viveu experiências distintas no que concerne ao exercício da liderança do MP — ainda incipiente na sua expressão evangélica em Portugal — que foram os primeiros sinais de marca que ele «colou» aos pioneiros. Não foi mero acaso, pensamos, no elenco que nos deu de quem era pioneiro, além dele próprio, embora não quisesse ser exaustivo, não ter incluído ARM e TS: foram-no Jack Hardstedt e Samuel Nyström, ambos suecos, José de Matos, «desbravador, que percorreu o país do Minho até ao Algarve, e José Plácido da Costa, que trabalhou especialmente nas Beiras, em Lisboa e no Porto». Afinal, ARM fora o jovem pregador a quem primeiro interpelara, no dia em que se dirigira à velha capela, na Rua da Verónica, querendo saber mais acerca da operação dos dons do Espírito Santo, jovem pregador que entretanto se transformou em «braço» indispensável na estratégia de TS, sendo a sua boca e pena de ouro, o incansável trabalhador, o português pentecostal mais conhecido e respeitado, até temido... Pode ter sido uma maneira de dizer, não dizendo, que havia outra orientação possível de ser líder, quiçá mais nacionalista, culturalmente mais próxima, mais envolvida nas questões concretas da vida quotidiana dos portugueses, que aos estrangeiros diziam pouco ou lhes eram menos ou quase ininteligíveis.



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