Jesus Cristo, o Maior

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JESUS CRISTO, O

MAIOR

O Filho de Deus na Epístola aos Hebreus

Samuel Alexandre Martins

1ª Edição Maio de 2017

Posfácio

José Manuel Martins



ÍNDICE

PREFÁCIO NOTAS INTRODUTÓRIAS CAPÍTULO 1 ― Jesus Cristo, maior que os profetas CAPÍTULO 2 ― Jesus Cristo, maior que os anjos CAPÍTULO 3 ― Jesus Cristo, a maior revelação de Deus CAPÍTULO 4 ― Jesus Cristo, maior que Moisés CAPÍTULO 5 ― Jesus Cristo, maior que Josué CAPÍTULO 6 ― Jesus cristo, sumo sacerdote superior a Aarão e à ordem levítica CAPÍTULO 7 ― Sacerdócio de uma ordem melhor CAPITULO 8 ― Jesus Cristo, sacerdócio maior, num santuário melhor e mediador de uma aliança melhor CAPÍTULO 9 ― Jesus Cristo, superior porque o seu sangue estabelece a nova aliança CAPÍTULO 10 ― Jesus Cristo, o sacrifício perfeito POSFÁCIO BIBLIOGRAFIA



PREFÁCIO

Todos os livros possuem a sua própria história e surgem de maneiras distintas. A grande maioria das obras que tive oportunidade de partilhar convosco foi o resultado do desempenho do meu ministério pastoral nas igrejas locais em que servi. Correspondem tais obras ao ensino bíblico que transmiti às mesmas e, por norma, correspondendo a uma necessidade específica que nelas identifiquei e a que o Senhor me ajudou a dar resposta, através da sua Palavra. O livro que o leitor agora tem em mãos radica numa história um pouco diferente já que, no final de 2011, o meu prezado amigo, pastor A. Samuel Lopes, me convidou para ensinar sobre o respectivo tema na Escola Bíblica anual da Assembleia de Deus do Porto. Na realidade, o convite foi-me dirigido para substituir o prelector que fora inicialmente convidado, mas que ficara, entretanto, impossibilitado de participar. O tema a desenvolver, já estabelecido, era «A Pessoa de Jesus na Epístola aos Hebreus». Confesso-vos que pensei, seriamente, em declinar o convite dado que o tema correspondia a um assunto sobre o qual nunca me tinha debruçado em profundidade e a Escola Bíblica realizar-se-ia menos de dois meses depois… mas acabei por aceitar o desafio. Eis o motivo pelo qual, volvidos cinco anos, o prezado leitor pode ter em mãos esta obra. Assim, aquele que foi o resultado das minhas investigações para uma escola bíblica de uma igreja local (um assunto, como referi, praticamente desconhecido para mim, mas, à medida que o estudava e desenvolvia a investigação, foi-se tornando apaixonante e de enorme enriquecimento pessoal) levou-me a dar passos para que o mesmo não ficasse retido no meu rascunho e passasse a ganhar vida própria no formato da obra que agora editamos.


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O motivo da minha determinação em trazer até vós esta obra foi a grande actualidade do ensino do autor da Epístola aos Hebreus: a centralidade de Cristo. Este sempre foi um dos ensinos basilares dos apóstolos e é a pedra angular sobre a qual a Igreja deve ser edificada. Na actualidade, tal como nos dias dos apóstolos, muitos são aqueles que têm retirado o ensino sobre Cristo e a vivência respectiva do seio das comunidades locais para o substituírem pelo ensino doutras coisas ou práticas. Obviamente que isto não é novo ― foi assim ao longo de toda a história da Igreja, o que levou a que o Senhor, reiteradamente, fosse levantando profetas para apontar o erro e trazer de volta a Igreja para os ensinos do Mestre. Celebramos este ano os quinhentos anos da Reforma protestante que mais não foi senão trazer a Igreja de volta para a centralidade de Cristo e da sua obra e essa era e é a mensagem da Epístola aos Hebreus. A mensagem da Epístola pode ser resumida na ideia de que Jesus é maior que tudo, superior a tudo, e que, por si mesmo, é suficiente para garantir a vida eterna a todos os que n'Ele confiam. Por que motivo digo que a mesma é de grande actualidade? Ao olharmos à nossa volta, é frequente observarmos líderes espirituais que desejam estar em maior evidência que Cristo, que desejam ser o foco de todas as atenções, manipulando o povo com o seu carisma e fazendo com que as pessoas dependam mais deles do que de Cristo. Parece até que são eles os mediadores entre Deus e os homens, parece que são eles quem fazem os milagres, quem multiplicam o pão, quem baptizam com o Espírito Santo, quem libertam as pessoas, quem garantem a salvação... Por isso, nos cartazes que promovem os seus eventos, o destaque não está em Cristo mas nas suas pessoas... Confesso-vos que tenho grandes dificuldades em lidar com isso. O culto não deve ser feito a nenhum homem, nem deve estar dependente de qualquer pessoa, pois o centro das nossas celebrações deve ser Cristo: Ele é que salva, cura, liberta e baptiza com o Espírito Santo. Os homens, por mais especiais que sejam, não passam de meros servos e nunca se deveriam esquecer disso.


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O autor da Epístola aos Hebreus deixou isso bem claro, ensinando que Cristo é maior do que Moisés, o grande líder do povo. Moisés foi o instrumento usado por Deus para libertar o povo do Egipto e para operar milagres, mas Cristo foi a fonte dessa libertação e desses milagres; Moisés foi o servo da casa de Deus, mas Jesus é o Senhor da casa. Todos os homens servem a Igreja, mas o cabeça da mesma é Cristo: Ele é que é o Noivo, o Senhor, o supremo Pastor, o Rei do seu povo. Outro aspecto inquietante das celebrações neopentecostais e outras dos nossos dias é a atenção desmedida dada aos seres angelicais. O culto é feito em volta dos anjos, que são chamados para o púlpito e para a porta da congregação para manterem os demónios longe dos locais onde se celebra o culto... As visões multiplicam-se e o culto só se considera abençoado se os anjos se manifestarem... Sejamos claros: o ministério dos anjos é uma realidade bíblica importante, mas o mais importante no culto, e nas nossas vidas, é Cristo, não são os anjos. O autor da Epístola aos Hebreus salienta, de modo categórico, que Cristo é superior aos anjos visto que, na verdade, os anjos são meras criaturas e Ele é o Criador de tudo, inclusive dos seres celestes; os anjos têm mero poder delegado e Ele é o Senhor Todo-poderoso. Como é óbvio, o culto não pode estar centrado nos anjos, mas no Senhor, a quem os anjos servem e adoram. A importância e a actualidade da Epístola tornam-se ainda mais evidentes quando observamos os múltiplos ritos e práticas, meramente humanas, que se multiplicam para, alegadamente, trazer bênçãos às pessoas (desde lenços ungidos, rosas abençoadas, o manto santo, as meias e canetas ungidas, os óleos vindos de Israel, as orações no monte, as correntes de oração e campanhas de libertação de sete, catorze ou trinta dias e poderíamos continuar...). Todas essas práticas são apresentadas como necessárias para, de alguma forma, Deus se manifestar entre os fiéis. É também contra tudo isso que o autor sagrado escreveu, divinamente inspirado, ensinando-nos que todo o rito ou prática humana em nada é comparado com Cristo. Todos esses rituais, feitos em nome de Jesus, em troca de dinheiro ou doutros favores ou interesses, não possuem qualquer valor, aos olhos de Deus, antes ferem o seu coração. São absolutamente


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desnecessários tais ritos ou práticas pois o culto deve ter por alvo a Pessoa de Cristo e só a Ele deve ser prestado pois nada mais é necessário. Nunca é demais reafirmar isso para nos relembrarmos que Jesus veio ao mundo para oferecer o maior, o melhor e o mais perfeito dos sacrifícios ― a sua própria vida, o sacrifício que nos pode levar ao Pai, pois foi o único que aceitou como pagamento dos nossos muitos pecados. O Pai recebe-nos não pelo dízimo que damos, não pela oferta de sacrifício, não por qualquer ritual humano, não por campanhas de jejum, mas por meio de Jesus Cristo, que é o único caminho, e só precisamos de confiar n'Ele e caminhar com Ele para aceder à vida eterna. O objectivo deste pequeno livro, Jesus Cristo, o Maior, não é outro senão, mais uma vez, proclamar que precisamos de Cristo, em quem está fundamentada a nossa fé e depositada a nossa confiança ― não é outro, é o Cristo que nos é revelado nas Escrituras e que é superior a tudo. Ao concluir este breve prefácio, deixo uma palavra de agradecimento ao Pr. A. Samuel Lopes e à Assembleia de Deus, no Porto, pois, sem o seu convite, este livro talvez nunca tivesse nascido. Não posso deixar de expressar a minha gratidão à família Cristo Vive ― Assembleia de Deus, que é fantástica e faz de mim uma melhor pessoa e um melhor pastor. Deixo um abraço especial a cada um dos obreiros e obreiras, que fazem parte desta grande família, sem o contributo dos quais o meu trabalho não seria o que é. Bem assim, expresso a minha satisfação por todos os ilustres amigos e colegas de ministério, que são, para mim, uma fonte de inspiração e ao lado dos quais, no seio das Assembleias de Deus, é uma alegria servir a Deus. Uma palavra muito especial para os que me acompanham mais de perto, a minha família, que é o meu suporte e a minha maior alegria. Acima de tudo dedicamos esta obra àquele em que ela se centra ― Jesus Cristo, o Filho de Deus, que veio até nós para garantir que possamos ir até Ele. Para Ele seja a Glória.


NOTAS INTRODUTÓRIAS

A Epístola aos Hebreus é, muito provavelmente, o melhor comentário que possuímos sobre o Antigo Testamento, em especial no que se relaciona com a obra redentora de Cristo; no entanto, sabemos muito pouco a respeito da sua origem, autor e destinatários originais. Podemos claramente dizer que em nenhum outro livro da Bíblia a natureza e obra de Jesus Cristo são apresentadas de maneira tão abrangente e, ao mesmo tempo, tão marcante quanto na Epístola aos Hebreus. Nela o autor diz-nos que, no passado, Deus utilizou diversos métodos para se revelar ao seu povo. Nesses dias, falou aos pais pelos profetas (1.1); porém, chegou o tempo em que deu ao seu povo uma revelação mais cabal e completa de si próprio pelo seu Filho. A Epístola ilumina o Antigo Testamento mostrando a sua natureza preparatória e explica como nele aponta para o Senhor Jesus Cristo. Em afirmações claras e concisas anuncia que, em Jesus Cristo, vemos a revelação final do próprio Deus pois Jesus é «o resplendor da glória de Deus e a expressa imagem da sua pessoa (1.3)».1 Esta Epístola enfatiza a superioridade da revelação de Deus em Jesus Cristo em relação a qualquer outra revelação, pois em Cristo é o próprio Deus que fala, Deus torna-se carne e revela-se, em pessoa, à Humanidade. E faz-nos também uma apresentação da superioridade de Cristo em relação a tudo o que existe ― Cristo é superior a tudo. Inspirado, o escritor organiza todo o seu material em torno de um tema central ― a supremacia de Cristo. Desenvolve e enfatiza este aspecto numa série de contrastes. Vemos que apresenta Cristo acima dos profetas, 1

Peretti Terry, George A.C. e WalKer L.; Um Estudo do Livro de Hebreus; ICI, Fanhões; 1997; pág.14


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dos anjos e dos líderes do Antigo Testamento como Moisés e Josué. Ele é a finalidade da revelação de Deus (Cap. 1.2). É o mediador de um novo concerto (Cap.8.6). É o autor e consumador da nossa fé (Cap.12.2). Todas essas declarações sobre Cristo atingem o clímax numa afirmação final e enfática sobre a sua pessoa: «Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e eternamente» (Hebreus 13.8).2 Nesta Epístola aos Hebreus compara-se a pessoa de Jesus ao Antigo Testamento, o qual é apresentado como o cumprimento das profecias messiânicas da Antiga Aliança. O tema que percorre toda a Carta do princípio ao fim é: «Jesus Cristo é superior a …». Ele é superior a Moisés, a Arão, ao sistema sacerdotal; proporciona um melhor descanso, uma superior aliança, uma melhor certeza. Jesus Cristo é «superior» a tudo! O pensamento do autor desenvolver-se-á partindo do Pentateuco (o conjunto de livros mais venerados pelos Judeus, os cinco primeiros livros da Bíblia). O autor sublinhará a superioridade de Cristo em relação a tudo o que esses livros sagrados revelavam. Jesus é, sem dúvida, o cumprimento cabal dessa revelação e, logo, superior a ela. Isso significa que para compreender esta Epístola, é preciso ter conhecimento do Antigo Testamento já que está repleta de elementos saídos do Antigo Testamento ― temos muitas citações do Antigo Testamento, com referências, nomeadamente, a pessoas, instituições, eventos e cerimoniais. Na verdade, o escritor cita, com frequência, os Salmos messiânicos e mostra de que modo as profecias, acerca do Messias prometido, se cumpriram em Jesus Cristo. E também usa muitos exemplos da história do Antigo Testamento, mostrando como as pessoas, eventos e instituições religiosas são tipos de Cristo. Ou seja, prefiguram e ilustram certos aspectos da pessoa ou obra de Cristo.3

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Peretti Terry, George A.C. e WalKer L.; Um Estudo do Livro de Hebreus; ICI, Fanhões; 1997; pág. 20-21 Peretti Terry, George A.C. e WalKer L.; Um Estudo do Livro de Hebreus; ICI, Fanhões; 1997; pág. 16


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DESTINATÁRIOS DA EPÍSTOLA É manifesto que a Epístola aos Hebreus não se inicia com a identificação do autor, nem das pessoas a quem a carta foi endereçada, como ocorre na maioria das Cartas do Novo Testamento.4 Além disso, em parte alguma dessa Carta o autor se refere aos primeiros leitores como hebreus ou judeus. É particularmente interessante que no tempo de Clemente de Alexandria e de Tertuliano esta Epístola já era conhecida como Epístola «Aos Hebreus».5 No entanto, os primeiros destinatários desta missiva seriam crentes de origem judaica, pessoas que conheciam profundamente o conteúdo do Pentateuco, as quais o autor, mais uma vez, quer que compreendam que o alvo da revelação recebida por Moisés era Cristo e que por isso Ele é superior. Podemos estar certos de alguns factos sobre os destinatários desta missiva: em primeiro lugar, é evidente que os destinatários da carta formavam uma comunidade específica com uma história específica. Sabe-se que, embora tenham sido cristãos durante algum tempo, permaneciam imaturos na compreensão da fé (cap. 5.11-6.3). Parece que as razões disso são o temor da perseguição e a relutância em separar-se do judaísmo; em segundo lugar, podemos afirmar, a respeito dos destinatários da Epístola, que o autor não só os conhecia bem, mas mantivera relacionamento com eles, talvez como antigo líder da comunidade (Cap. 13.18., 22 e segts; cf. 3,7,17). 6 Esta Epístola é um livro de contrastes, avisos e exortações. As pessoas, a quem originalmente se destinava, estavam em perigo de deixar Cristo e voltar ao Judaísmo. O escritor contrasta o que o Judaísmo oferecia com aquilo que elas tinham em Cristo ― em Cristo tudo é melhor. Por isso, os crentes são exortados em relação ao perigo de abandonarem a fé e exortados a manterem-se fiéis. 4

Hagner Donald; Hebreus – Novo Comentário Bíblico Contemporâneo; Vida; São Paulo; 1997; pág.11 Guthrie Donald; Hebreus Introdução e Comentário; Vida Nova; São Paulo; 2008; pág. 20 6 Hagner Donald; Hebreus – Novo Comentário Bíblico Contemporâneo; Vida; São Paulo; 1997; pág.15 5


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Apesar de tudo, uma vez que na Epístola não se atesta que os destinatários originais fossem judeus, é preciso admitir, a despeito da forte tendência para essa possibilidade, que nada de semelhante forma exclui a possibilidade de ela ter sido dirigida a um público gentílico. Na verdade, alguns especialistas propugnam um público misto, feito de judeus e gentios! Em virtude do conteúdo, a Epístola aos Hebreus tem aplicação universal.7-8

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ibidem, pág.14 Visto que, directamente, o escritor não identifica os destinatários imediatos, originais, ao longo dos tempos surgiram as mais variadas opiniões, qual delas melhor fundamentada. Parece-nos que se poderá sufragar, com apoio no próprio texto da Epístola, que esta foi dirigida a cristãos judeus, que viviam, muito provavelmente, fora do território da Palestina, quiçá em Roma, em especial por causa do teor da segunda parte do verso 24 do capítulo 13: «A expressão “os de Itália vos saúdam” significa provavelmente que o autor escrevia para Roma…». (cf. Bíblia de Estudo Pentecostal, 1995, CPAD, págs. 1896/7) Como no texto já se enunciou, e essa observação pode ser decisiva, parece muito claro que o autor, em determinado momento do seu percurso, se relacionara de modo muito próximo com as pessoas concretas a quem se dirigia. Com efeito, conhecia-as, bem como às necessidades e perigos que enfrentavam; estava convicto que muitos deles podiam evoluir no conhecimento das Escrituras e vir a ser mestres (cf. cap. 5.12) e tinha confiança no seu fervor espiritual ao ponto de pedir as suas orações para que voltasse a estar com eles (cf. cap. 13.19,23); tinham um amigo comum, acerca do qual mandou notícias. Os «dias passados» que recordou eram a propósito da vivência concreta da vida cristã, como suportar as perseguições (cf. cap. 10:32), encarar com alegria o confisco dos seus bens e ajuda recíproca (cf. cap. 6:10). Além disso, conhecia o modo como se relacionavam com os seus líderes, para os quais mandou saudações (cf. cap. 13.7, 17 e 24). Da Epístola resulta também que muitos estavam desanimados por causa da perseguição, vacilando na sua fé em Jesus e em vias de voltar aos caminhos do judaísmo, religião que Roma tolerava, garantindo, assim, uma suposta segurança. Finalmente, duas referências que encontrámos na doutrina nacional sobre a «identidade» dos destinatários: a primeira, de Alfredo Rosendo Machado, in Carta Anónima (Hebreus), pág. 8, Edições NA, que diz: «É lógico admitir-se que a Carta tenha sido enviada a judeus convertidos ao Cristianismo, e que habitavam qualquer região – talvez Jerusalém, Cesareia, Alexandria! – não se sabe, mas que constituíam sem dúvida uma Assembleia devidamente organizada com seus pastores e dirigentes»; a segunda, de Manuel Jacinto Joana, Introdução à Carta aos Hebreus, NA, 854, Março de 2014, pág. 22, afirmando que «seriam judeus cristãos da segunda geração que conheciam as Escrituras (Hebreus 6.9), como se pode deduzir de Hebreus 2:3». 8


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DATA EM QUE FOI ESCRITA «Visto que a carta aos Hebreus foi usada por Clemente de Roma, podemos ter a certeza de que foi redigida antes de 95 d.C.».9 Muito provavelmente a Epístola foi escrita entre o ano 64 (perseguição promovida por Nero) e o ano 70 (ano da destruição do templo e da cidade de Jerusalém). Em primeiro lugar, nela podemos detectar pistas que indicam a época em que foi escrita. Foi, evidentemente, antes do templo ter sido destruído, quando o exército romano, sob o comando de Tito, destruiu Jerusalém, no ano 70 A.D. Caso contrário, este trágico evento teria sido, sem dúvida, mencionado. Em segundo lugar, parece ter sido depois de um período de perseguição (Hebreus 10.32). Algumas provas históricas apontam para uma perseguição limitada e localizada dos Judeus, sob o governo do Imperador Cláudio (41-54 A.D.) por volta do ano 49 (Actos 18.2). Face a estas duas evidências, parece lógico datar a época da sua redacção entre os anos 60 a 70 A.D.10 Dado que os rituais sacrificiais e a obra do sacerdócio levítico são descritos por toda a Epístola no tempo verbal presente, se o autor a houvesse escrito depois da destruição do templo mencionaria tal facto visto que um evento histórico dessa magnitude poderia ter sido interpretado como autenticação divina do seu argumento central de que o rito levítico estava ultrapassado, obsoleto e, por isso, destituído de significado (8.13).11 Visto que o escritor não revela nenhum conhecimento sobre a queda de Jerusalém e a destruição do templo e sugere, claramente, que os rituais no templo continuavam a realizar-se, a Carta teria de ter sido escrita antes do ano 70 d.C.12

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Hagner Donald; Hebreus – Novo Comentário Bíblico Contemporâneo; Vida; São Paulo; 1997; pág.17 Peretti Terry, George A.C. e WalKer L.; Um Estudo do Livro de Hebreus; ICI, Fanhões; 1997; pág. 34 11 Hagner Donald; Hebreus – Novo Comentário Bíblico Contemporâneo; Vida; São Paulo; 1997; pág.18 12 Guthrie Donald; Hebreus Introdução e Comentário; Vida Nova; São Paulo; 2008; pág. 25 10


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Se a perseguição de Nero ainda não fora lançada, como parece, somos levados a uma data situada mais ou menos no início dos anos sessenta.13

ESCRITOR DA EPÍSTOLA Quanto à identidade do escritor desta Epístola muito tem sido dito e debatido, mas ela continua a ser uma incógnita. Alguns dos nomes mais falados são, entre outros, Paulo, Barnabé, Apolo, Silas, Lucas e Clemente. Ninguém sabe ao certo quem escreveu esta Epístola porque nela o autor não refere o seu nome nem dá quaisquer outras pistas decisivas. Uns 13

Também neste aspecto não há unanimidade, embora a maioria dos pensadores se incline para uma data relativamente mais próxima daquela em que ocorreu a destruição de Jerusalém. Assim, in Bíblia de Estudo Pentecostal, CPAD, pág. 1896/7 se afirma que terá sido «cerca de 67.69 dC» pois «a ausência de qualquer referência (…) à destruição do templo de Jerusalém e do seu culto levítico é um forte indício de que o autor escreveu antes de 70 d.C.» Do mesmo modo, Alfredo Rosendo Machado, obra citada, pág.7, afirma que «admite-se geralmente que a Epístola tenha sido escrita lá pelo ano 68 d.C. (na obra diz-se a.D., mas por lapso evidente), portanto antes da destruição da cidade de Jerusalém, muito naturalmente nas proximidades dessa calamidade.» Pormenorizando um pouco mais o contexto histórico, a propósito da data da Epístola afirma Manuel Jacinto Joana, artigo citado: «(…) O autor faz frequentes referências às perseguições que a Igreja sofria na época (…). Por volta do ano 64 d.C., sendo Nero imperador, a Igreja sofreu uma das perseguições mais fortes. Roma, a capital do Império, ardera em chamas por acção criminosa, o que tudo indica, do próprio imperador Nero. O imperador culpou os Cristãos da tragédia e estes passaram a ser brutalmente torturados até à morte. Uma vez que o autor se dirigia a judeus que ainda praticavam sacrifícios de animais, esta deve ter sido escrita antes de 70 d.C. Estas duas evidências situam a data da realização da Epístola entre 64 d.C. (perseguição de Nero) e 70 d.C. (saque de Jerusalém)». Ainda corroborando essa posição, a propósito da meditação sobre a «superioridade, proeminência e excelência do Salvador Jesus em relação aos entes celestes, com base no capítulo I da Epístola aos Hebreus, «a que alguns comentadores apelidam de O Quinto Evangelho e outrossim Carta Anónima, Fernando Martinez (Novas de Alegria, 791, Dezembro de 2008, pág. 32, in Superioridade Absoluta de Jesus em relação aos anjos) assevera que se desconhece «a data exacta em que foi escrita, sendo certo haver sido antes da queda de Jerusalém e da destruição do templo pelos Romanos. Os anos 67 a 69 d.C. são uma hipótese. No sentido de que foi escrita depois do ano 70 d.C. confronte-se Carta aos Hebreus, Introdução, pág. 262, Bíblia Sagrada, tradução em português corrente, 1ª edição, 1993, Lisboa, onde se consigna que o conteúdo dela «nos levaria a pensar que se trata de um texto escrito lá para o final do primeiro século, talvez numa altura em que o autor, segundo uma das interpretações de 13.24, se encontrava em Itália.»


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pensam ter sido Silas, outros dizem que foi Lucas, Barnabé ou Apolo. A perspectiva tradicional atribui a autoria a Paulo. Contudo, muitos eruditos dos séculos XIX e XX reconhecem que a Epístola apresenta os pensamentos e ensinos de Paulo, mas sugerem que o autor terá sido um seu companheiro ou alguém muito familiarizado com os seus ensinos. A questão tem sido debatida desde o século segundo. Foi Orígenes quem, no terceiro século d.C., depois de pesquisar uma lista de possíveis autores, pronunciou estas famosas palavras: «Deus sabe na verdade quem escreveu esta carta.»14 Quem quer que tenha sido o autor, o seu conhecimento do Antigo Testamento era maravilhoso, excepcional, tendo sido capaz de interpretá-lo sob o aspecto de Cristo, demonstrando mestria na utilização da língua grega e usufruindo da perspectiva universal dos cristãos helenistas primitivos. O autor deixou-nos a mais clara abordagem cristã ao Antigo Testamento entre todos os autores do Novo Testamento. 15 14

Hagner Donald; Hebreus – Novo Comentário Bíblico Contemporâneo; Vida; São Paulo; 1997; pág.21 Como dissemos no texto, a identidade do autor perdeu-se e passou a ser motivo de controvérsia logo no início do segundo século do Cristianismo. É óbvio que o não foi para os destinatários originais, que o conheciam muito bem e isso facilitou, certamente, a aceitação do respectivo teor, que era exposto em linguagem que bem entendiam e dava «força» à mensagem de encorajamento de que estavam carentes. Não há da nossa parte a pretensão de resolver a questão e «ter a última palavra» sobre o assunto. Mas é importante dar aos leitores uma perspectiva abrangente da controvérsia que – a partir de um pormenor, importante, é certo - estimule o estudo da Epístola e as Escrituras em geral. Assim, em A Bíblia Explicada, S.E. McNAIR sustenta que «há vários motivos para pensar que poderia ser da autoria de Apolo.» (Cf. Hebreus, pág. 469 e, ainda, para aprofundar, «Cambridge Bible for Schools»). Na Bíblia de Estudo Pentecostal, CPAD, pág. 1897 se «chega» a essa mesma conclusão: «(…) a descrição que Lucas oferece de Apolo, em Actos 18.24-28, ajusta-se melhor ao perfil do escritor de Hebreus.» Por seu turno, na Bíblia Sagrada, tradução em português corrente, ob. e loc. cit., afirma-se «ser preferível seguir a tradição mais antiga que não lhe refere nenhum nome conhecido como autor. Tendo em conta aquilo que diz na Carta, o autor deve ser um cristão de origem judaica e de grande cultura, dedicado ao ensino ou à pregação». No sentido de que poderá ter sido Apolo, embora a maior corrente de opinião se incline para Paulo, cf. Carta Anónima (Hebreus), Alfredo Rosendo Machado, ob. cit. págs. 9/10). Por seu turno, no artigo cit., Manuel Jacinto Joana opina que os mais viáveis são: o Apóstolo Paulo, Barnabé (o levita) e Apolo, «homem eloquente e poderoso na Escritura» (Actos 18.24). Finalmente, das fontes portuguesas de abordagem ao assunto e que são do nosso conhecimento, damos indicação dos seguintes textos de Fernando Martinez: Novas de Alegria, 432, Janeiro de 1979, pág. 11 (o articulista sustenta que «a Epístola aos Hebreus é efectivamente anónima, pois nin-

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PROPÓSITO DA EPÍSTOLA Que motivos levaram o Senhor a inspirar o autor a escrever a Epístola aos Hebreus? Como já é sabido, os cristãos judeus a quem a Epístola foi dirigida estavam a passar por uma séria crise espiritual. A sua imaturidade espiritual impedia-os de ver, claramente, o verdadeiro valor do Cristianismo. Tinham começado bem e haviam sofrido perseguições por causa de Cristo, mas agora estavam a oscilar visto que enfrentavam perseguições e teriam que enfrentá-las maiores, aumentando o seu sofrimento por seguirem Cristo.16 Não ficam então dúvidas de que um dos principais propósitos, senão o mais importante propósito da Epístola, é advertir os seus leitores a respeito do perigo de abandonarem a fé e exortá-los à fidelidade, mantendo firme «a sua confiança até ao fim».17 Para esse efeito, o autor faz várias aplicações exortativas do seu ensino, tais como as de i) guardar diligentemente a palavra que lhes foi anunciada, para manter o rumo certo, pois não há outro modo de escape; ii) ficar, como Casa de Deus, sob a responsabilidade de Cristo, animados e firmes ligados a Ele; iii) fundamentados na promessa de entrar no lugar de descanso, mantendo o exemplo de obediência, avançar no conhecimento e aprofundamento das coisas de Deus, recebendo ensino mais substancial; iv) abandonar o pecado de acordo com esse conhecimento recebido, mantendo a coragem, na esperança da recompensa, e viver de acordo com o plano de Deus; v) resistindo às doutrinas diferentes e estranhas que punham em causa a sua segurança em Cristo, recusando, peremptoriamente, guém conseguiu até hoje provar o nome da pessoa que a escreveu») e Novas de Alegria, 448, Maio de 1980, págs. 10-11, onde sustenta a mesma ideia e sintetiza o que se sabe: «A opinião mais generalizada é que não se sabe, ao certo, quem é o autor humano da Epístola, se bem que a sua inspiração divina seja inquestionável. De concreto, sabe-se que a Epístola aos Hebreus foi escrita anteriormente à destruição de Jerusalém (ano 70 d.C.); é dirigida aos judeus que abraçaram o Cristianismo; alguns destinatários estavam na contingência de apostatarem da fé cristã regressando ao Judaísmo; o autor (bastante versado no Velho Testamento – versão Septuaginta) é um cristão talvez de origem judaica que domina bem a língua grega e que assimilou profundamente a respectiva cultura». 16 Peretti Terry, George A.C. e WalKer L.; Um Estudo do Livro de Hebreus; ICI, Fanhões; 1997; pág. 35 17 Cf. Carta Anónima (Hebreus), Alfredo Rosendo Machado, pág. 10


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regressar ao estado de condenação por abandono do que receberam de Cristo (cf., respectivamente, entre outros, os textos seguintes da Epístola: 2.1-3; 3.6,12-14; 4.1,11-13; 6.1-12; 10.26-31, 35-39; 12.3-17; 13.9). Parece evidente, assim, que a preocupação do autor é advertir os seus leitores, judeus cristãos, contra a apostasia e retorno ao judaísmo antigo, o qual, aliás, segundo o seu argumento, «tinha terminado, devido ao cumprimento por Cristo de todo o propósito da Lei».18-19 Os judaizantes desejavam que os judeus cristãos (e os gentios) continuassem no Judaísmo, guardando a sua fé na lei de Moisés, nas suas normas e sacrifícios. Muitos dos fariseus convertidos insistiam que todos os cristãos deviam guardar a Lei Mosaica. Para aumentar o problema, a própria nação judaica estava a enfrentar uma grave crise. O Judaísmo era a religião nacional. Como podia um judeu patriota, cuja nação estava a rebelar-se contra o domínio romano, afastar-se da religião nacional, quando a sua lealdade mais necessária se tornava? Era o dilema: como podia ele tratar qualquer romano como seu irmão ou irmã em Cristo?20 Os crentes, a quem a Carta se destinava, enfrentavam verdadeiros perigos de se desviarem da fé, de oscilarem nas suas convicções e mesmo de apostatarem da fé (negar a fé que tinham).

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Sintetizando, dada a natureza breve do artigo supra citado, Manuel Jacinto Joana considera que «o seu propósito principal foi demonstrar aos crentes hebreus a superioridade de Cristo e da sua graça sobre o antigo concerto e, assim, encorajá-los a não regressarem ao judaísmo, que deixara de se justificar face à vinda do Messias (Hebreus 10:9).» Por seu lado, Alfredo Rosendo Machado, ob. cit., págs. 10,11, evidenciou, como no texto se refere, o fim principal de exortação para não regressarem ao judaísmo, mas também para explicar que o Novo Pacto fizera obsoleto o Antigo, para confirmar e fortificar a fé dos crentes, exaltar a excelência do sacrifício e sacerdócio de Jesus Cristo e contrastar a glória transitória que obteriam no judaísmo com a glória permanente e celeste que teriam permanecendo em Cristo, superior a tudo o que haviam deixado e próprio da religião assente no pacto caducado. 19 Cf. Bíblia Explicada, CPAD, pág. 469, onde S.E. McNAIR afirma que no duplo objectivo da Carta estava o de «confirmar os crentes israelitas, mostrando-lhes que o judaísmo tinha terminado, devido ao cumprimento por Cristo de todo o propósito da Lei». 20 Peretti Terry, George A.C. e WalKer L.; Um Estudo do Livro de Hebreus; ICI, Fanhões; 1997; pág. 35


20

Samuel Alexandre Martins

Eles enfrentavam três grandes problemas: 1) Resistência à mudança (fazer do Cristianismo uma seita judaica messiânica); 2) As tradições religiosas (a tradição dos anciãos); 3) A tentação de chegarem a um compromisso que os afastasse da verdade que lhes fora confiada.

A SUPERIORIDADE DE JESUS NA EPÍSTOLA AOS HEBREUS Na abertura da Epístola, o autor logo evidencia o que nela constitui o tema principal, ou seja, que no passado foram por Deus usados instrumentos para falar aos homens, mas agora a questão era que Ele tinha falado, tinha-se revelado pelo seu próprio Filho, Jesus Cristo, que é superior a todas as coisas: «Falou-nos por meio do seu Filho» a quem «deu o poder sobre todas as coisas.» Desse corolário inicial ― Jesus Cristo é o maior ou o melhor em relação ao que existe ― o autor partirá para o desenvolvimento do tema por meio de uma série de contrastes entre o que é maior ou melhor no judaísmo para ficar patente a supremacia de Jesus Cristo. Nesse percurso de contrates, nem sempre utiliza o autor a expressão «maior que» (ou «melhor que»), mas essa é a relação que percorrerá, estando sempre presente, o desenvolvimento da exposição epistolar. As figuras e os contrastes são utilizados para abranger toda a vivência cristã, evidenciando o que corresponde à revelação definitica de Deus, que falou, por último, pelo seu Filho. Na página seguinte, apresentamos um quadro resumo de o «MAIOR QUE» (ou «MELHOR QUE») em Hebreus21, e que desenvolveremos nas páginas seguintes.

21 Arrington French e Stronstad Roger (editores); Comentário Bíblico Pentecostal; CPAD; Rio de Janeiro; 2003; pág. 1547


Jesus Cristo, o Maior

21

TEMA

TEXTO BÍBLICO

Jesus é maior que os profetas

1.1-3

Jesus é maior que os anjos

1.4-14; 2.5

Jesus é maior que Moisés

3.1-6

Jesus é maior que Josué

4.6-11

Jesus é maior que os sumos sacerdotes

5.1-10; 7.26-8.2

Jesus é maior que os sacerdotes levíticos

6.20-7.25

Jesus, como Sumo sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque, é maior que Abraão

7.1-10

O ministério de Jesus é maior que o ministério do tabernáculo

8.3-6; 9.1-28

A nova aliança de Jesus é maior que a antiga aliança

8.7-13

O sacrifício de Jesus é maior que os sacrifícios do Antigo Testamento

10.1-14

Experimentar Jesus é algo maior que a experiência do Monte Sinai

12.18-24



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