Jesus Sempre

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Apresentação do Filho de Deus segundo o Evangelho de Marcos

SAMUEL ALEXANDRE MARTINS 1ª Edição Junho de 2018


ÍNDICE

DEDICATÓRIA ..................................................................................................... 7 PREFÁCIO .............................................................................................................. 9 Primeira Parte

O FILHO DE DEUS ............................................................................................ 15 Segunda Parte

O PERDOADOR ................................................................................................. 25 Terceira Parte

O SENHOR DO CULTO .................................................................................... 35 Quarta Parte

O SEMEADOR..................................................................................................... 45 Quinta Parte

O SENHOR DO IMPOSSÍVEL ........................................................................ 55 Sexta Parte

O SUPRIDOR ...................................................................................................... 65 Sétima Parte

O SENHOR DO MANDAMENTO .................................................................. 75 Oitava Parte

O CRISTO............................................................................................................. 85


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Nona Parte

O LIBERTADOR ................................................................................................. 95 Décima Parte

O PRIMEIRO ..................................................................................................... 105 Décima Primeira Parte

O REI ................................................................................................................... 115 Décima Segunda Parte

O MESTRE DAS ESCRITURAS ..................................................................... 125 Décima Terceira Parte

O REI QUE VOLTARÁ .................................................................................... 135 Décima Quarta Parte

A NOSSA PÁSCOA ........................................................................................... 143 Décima Quinta Parte

O SACRIFÍCIO PERFEITO ............................................................................ 153 Décima Sexta Parte

O VIVO ............................................................................................................... 163 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................ 173


DEDICATÓRIA

À memória do Pr. Artur da Silva Rodrigues e esposa Severina Mendes, que estão com o Senhor. Aos Prs. Manuel Pinheiro Marques e esposa Maria Júlia Peres Mendes, Domingos da Cruz Dias Barradas e esposa Gisélia Cóias Pires, José António Bernardo e esposa Rosa de Jesus Valente de Abreu Freire Bernardo, Manuel Pinho dos Santos e esposa Maria Adelaide Vidal Pinho dos Santos. A todos em reconhecimento pelo esforço, dedicação, amor e cuidado pela obra do Mestre. O trabalho de cada um não foi vão no Senhor.



PREFÁCIO

Cada livro tem a sua história e este Jesus Sempre não foge à regra – também tem a sua, tendo feito o próprio caminho até chegar às mãos do prezado leitor. Em 2016, a Cristo Vive Assembleia de Deus em Paris celebrou o seu cinquentenário e, nos preparativos para essa celebração, reflectíamos acerca de qual seria a linha condutora de todas as festividades que desenvolveríamos, que frase chave identificaria, claramente, a história passada e presente e nos acompanharia, no futuro próximo e longínquo da nossa Comunidade, até à vinda do Senhor. O que é que resumiria cinquenta anos de conquistas e de derrotas, de lutas e de vitórias? Por que motivo a Igreja, que se expressava em língua portuguesa, continuava a caminhar? Foi dessa reflexão que surgiu a declaração: Jesus Sempre. Assumimos então essa declaração (a convicção da presença e direcção de Jesus Cristo em todo o tempo na vida da Igreja) como fio condutor de tudo o que fizemos nesse ano, a qual tomou o lugar central nas nossas celebrações. Fazia todo o sentido sublinhar que tínhamos começado por causa de Jesus e se Ele tinha sido o motor que nos fizera chegar até ali só faria sentido continuar se continuasse a ser o nosso foco, o centro de tudo. Queríamos, com essa frase, declarar que tudo o que fôramos e fizéramos estivera sempre, objectivamente, relacionado com Ele e com a Obra que nos mandou fazer e que sem Ele não fazia sentido existir, continuar e avançar enquanto Igreja. Logo ali percebemos que teríamos de levar a Igreja a reflectir ainda mais sobre o tema pois não queríamos que pudesse parecer um bonito slôgane num cartaz em tempo de celebração especial. Queríamos que essa declaração se mantivesse no nosso ADN, na nossa estrutura


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enquanto comunidade lusófona. Ora, se queríamos que a mesma fosse o nosso foco como Igreja tínhamos de sustentá-la numa série de estudos bíblicos que nos levassem a conhecer ainda melhor Jesus e, de facto, a tê-lo sempre como o Senhor da nossa vida. O Evangelho de Marcos veio ao meu espírito, ao meu coração, e decidi explorá-lo tendo em mente a ideia de Jesus Sempre. O que o prezado leitor tem agora nas suas mãos é o resultado dessa caminhada que fizemos, ao longo de várias semanas, viajando pelo Evangelho de Marcos e descobrindo as muitas facetas do nosso Mestre, Senhor e Salvador Jesus Cristo – Jesus Sempre. Neste pequeno livro, encontrará aquilo que moveu e continua a mover a nossa comunidade; descobrirá muito do que Jesus é para nós e por que desejamos continuar a anunciar que só através dele podemos chegar ao Pai e ser salvos. Não podia, neste prefácio, deixar de referir o caminho longo e vitorioso que foi percorrido por esta fantástica Comunidade de irmãos de língua portuguesa, que me permitiu pastoreá-la desde 2006. Tudo começou no ano de 1965, pois tinha nascido no coração de uma meia dúzia de irmãos o sonho de terem um pastor de língua portuguesa entre eles para poderem cultuar a Deus na sua língua materna e no seu ambiente cultural, podendo assim melhor alcançar para Cristo os compatriotas a viver e trabalhar em França. Entre esses irmãos estavam a família Rodrigues (Rosa e Luciano), a irmã Elvira e a sua filha, o irmão Cadete e o seu filho… eles oraram e Deus, pela sua infinita bondade, respondeu. Em 1966, o Pr. Artur Rodrigues chegou a Paris e, apesar de ter a sua saúde debilitada, sentiu o impulso do Espírito Santo para começar a reunir as ovelhas dispersas. Em consequência, começaram a cultuar a Deus na língua de Camões, no dia oito de Outubro desse ano, realizando-se o primeiro culto em terras parisienses numa casa de oração emprestada, em Gambeta. Outras casas foram sendo cedidas em Vincennes, Saint-Denis e Saint-Ouen até que a Comunidade começou a reunir-se em Pleyel onde, num terreno alugado com a ajuda de um crente francês, se construiu um edifício que, em face da


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necessidade e urgência, não preenchia todas as condições. A Igreja ficou vários anos neste espaço, o qual foi oficialmente inaugurado no dia 25 de Julho de 1971. Por Paris passaram cinco servos de Deus que lideraram a Igreja até à nossa chegada: Pr. Artur da Silva Rodrigues – 1966 a Setembro de 1974 Pr. Manuel Pinheiro Marques – Janeiro de 1971 a Abril de 1988 Pr. Domingos Dias Barradas – Abril de 1988 a Setembro de 1996 Pr. José António Bernardo – Setembro de 1996 a Junho de 2000 Pr. Manuel Pinho dos Santos – Junho de 2000 a Outubro de 2006 Não posso deixar de louvar a Deus pelas suas vidas, pela sua dedicação, pela sua fidelidade ao Mestre e por, sem vacilar, anunciarem Jesus Sempre. Foi, sem dúvida, a sua dedicação ao Mestre e à sua Igreja que nos permitiu chegar até aqui e nos permite continuar a sonhar e a construir o amanhã. Houve crescimento espiritual, a obra expandiu-se e o Senhor, para responder às necessidades, foi levantando obreiros no meio da sua Igreja. Assim, chamou o irmão Almeida, que cuidava da Igreja em Cambrai/Roubaix, vindo posteriormente cooperar em Paris; o irmão Manuel Pinho dos Santos, que foi separado para servir ao Senhor em Tours, a 1 de Setembro 1974; o irmão António Trabulo, enviado à Escola Bíblica, em Janeiro de 1975, tendo, em Dezembro desse ano, tomado conta do trabalho em Mantes-la-Jolie; o irmão Manuel Lourenço, que, em Junho de 1975, assumiu a responsabilidade do trabalho em Cambrai; o irmão José Ferreira, enviado, em Setembro de 1979, para Annecy; o irmão Fernando Magalhães, também enviado, em 1982, para Annecy, e o irmão Samuel Rodrigues, que, em Outubro de 1984, começou a servir ao Senhor a tempo inteiro na cidade de Paris. Mais tarde, outros mais serviram ao Senhor, tais como François Carreira, António José, Cristina Trabulo, Filipe Andrade e Cristiano Esteves, todos enviados ao Instituto Bíblico pela Igreja de Paris. Esta não é, certamente, uma lista exaustiva até porque muitos outros


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obreiros foram chegando e partindo, alguns vindos de Portugal, outros do Brasil – como foi o caso do Pr. David Rocha. Com a dedicação de tantos, a Obra de Deus foi crescendo e avançando, chegando até à Guiné-Bissau, na pessoa da missionária Josefa Fernandes, enviada ao Instituto Bíblico pela Igreja em Paris. Trabalhos missionários e eclesiásticos foram abertos um pouco por toda a Europa, mas queremos destacar aqueles que se desenvolveram em terras gaulesas: Roubaix e Cambrai, Tours e Blois, SaintEtienne, Lyon e Grenoble, Mantes la Jolie, Montargis, Annecy, Etampes assim como em várias cidades limítrofes de Paris: Bobigny, Versailles, Champigny, Les Ullis, Viry-Chatillon, entre outras. Seria injusto não falar daqueles que, embora não servindo a Deus a tempo integral, contribuíram com muito do seu tempo e esforço para a obra do Mestre. Lembramos, assim, o primeiro ancião da Comunidade, o irmão Cadete, passando pelos primeiros diáconos, o irmão Pinho e o irmão Lemos; devemos, igualmente, lembrar os irmãos José Rodrigues, Artur Mortágua, Marciano Gomes, Jerónimo Afonso, Luciano Rodrigues, Francisco Dias, Camilo Vidal e tantos outros que deram o seu contributo e colaboração, sempre tendo no seu espírito que Jesus merecia o nosso melhor e Jesus Sempre era o seu foco. No ano de 1980, a Comunidade deu mais um enorme passo de fé ao receber a notícia da expropriação do terreno em Pleyel – sabendo que não poderiam deixar de anunciar o nome de Jesus, os irmãos avançaram para a compra do futuro Templo de Bethel, na cidade de Saint-Ouen. Este espaço, inaugurado a 11 de Abril de 1982, tornou-se a casa da Cristo Vive Assembleia de Deus, durante mais de trinta e cinco anos, até Dezembro de 2017. Hoje, pela graça de Deus, a Igreja, como organismo vivo, continua avançando e expandindo-se. Temos cinco lugares de culto na região de Paris, missões nacionais em Roubaix, Lyon, ClermontFerrand, Blois, Tours e missões internacionais no Reino Unido, com duas Igrejas em Londres. Providenciamos ainda apoio missionário em Portugal, na Guiné-Bissau e no Equador e continuamos com uma grande vontade de expandir a obra do Mestre.


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Pela graça de Deus, a Igreja conta, hoje, com cerca de 400 membros na França e mais de uma centena de membros no Reino Unido – até aqui o Senhor nos tem ajudado! Seria ainda injusto não referir aqueles que continuam a levar avante este trabalho e estão na frente desta obra, servindo como obreiros de tempo inteiro: Pr. Cristiano e esposa Sónia Esteves, em Blois e Tours, o Pr. Jefferson e esposa Margarida Martins, em Lyon, o Pr. Humberto e esposa Paula Teixeira, em Clermont Ferrand, o Pr. David e esposa Filipa Catarino, em Londres e o Pr. André e esposa Solange Mauricio, em Croydon/Londres; os que continuam a disponibilizar o seu tempo para servir as igrejas locais como ministros de tempo parcial, como os presbíteros Marciano e esposa Rosa Gomes, Jerónimo e esposa Ester Afonso, Gil e esposa Judite Dias e Fernando e esposa Judite Magalhães e os diáconos Jaime e esposa Antónia Martinho, Victor e esposa Elizabethe Bento, André e esposa Kátia Domes, Paulo e esposa Fabiana Ferreira, João e esposa Noémia Peres e Francisco e esposa Ester Carvalho, sem esquecer a secretária do nosso Conselho de Administração e Ministério, a irmã Christina Trabulo. A eles, e a muitas outras dezenas de irmãos e irmãs que têm servido e servem a igreja com dedicação e carinho nos mais de vinte departamentos e nas diferentes missões, agradeço por todo o seu trabalho, dedicação, amor e cuidado pela obra do Mestre, pois Jesus é verdadeiramento o seu foco e paixão – Jesus Sempre. Os desafios para o futuro são imensos, mas acreditamos que o mesmo Deus que esteve connosco no passado está connosco hoje e estará, sem qualquer sombra de dúvida, connosco amanhã – a Ele seja dada a glória! Continuaremos a anunciar Jesus Sempre. Não posso terminar este prólogo sem deixar uma palavra de grande gratidão e amor pelo cuidado, estima, carinho e amizade sempre presentes, pelo estímulo constante da Comunidade para comigo e para com a minha esposa, Sílvia Martins, ao longo de quase doze anos de serviço ao Mestre na Cristo Vive Assembleia de Deus em Paris. O nosso alvo tem sido elevar Jesus e levar o povo de língua portuguesa a conhecê-lo, e vamos, com base nessa declaração – Jesus Sempre – continuar a fazê-lo.


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Que o prezado leitor possa conhecer melhor quem é Jesus, o que veio fazer e ensinar e o que deseja de nós. Que a paixão que temos por Ele possa passar das palavras deste livro para o seu coração. Jesus Sempre. A Deus toda a glória. Paris, Abril de 2018


PRIMEIRA PARTE

O FILHO DE DEUS

«Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus. Como está escrito no profeta Isaías: Eis que eu envio o meu anjo ante a tua face, o qual preparará o teu caminho diante de ti. Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas». (Marcos 1:1-3) O evangelista Marcos dá início à sua obra com a informação precisa de que o que vai descrever é o evangelho, é o anúncio de boas novas, que não são umas quaisquer – são as novas da chegada do reino há muito esperado. Trata-se da mensagem de alguém muito especial – é o evangelho de Jesus. Portanto, é de Jesus e da sua obra que se propõe falar, ou melhor, revelar tudo o que foi feito por Ele e por seu intermédio. E começa de imediato a marcar o tom das boas novas que quer comunicar, estabelecendo a matriz da sua descrição, que será dinâmica e muito directa. Assim, inicia o relato revelando a identidade daquele que é o respectivo tema e protagonista, desejando que todos os leitores saibam, desde o primeiro momento, desde a primeira frase, quem é Jesus. 1º §

Jesus é o Cristo, Filho de Deus De forma muito directa, afirma que Jesus é o Cristo, Filho de Deus, e, claramente, que as boas novas são acerca do Messias prometido. Christos é o termo grego que significa uma «figura real ungida». Era outro modo de se referir ao Messias, àquele que viria e aplicaria o governo de Deus na terra, salvando Israel de todos os seus opresso-


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res e problemas. Ele não seria apenas mais um rei entre outros, mas sim o Rei. 1 Vai, porém, mais longe pois não se limita a identificar Jesus como o Cristo, o Messias, mas afirma que Jesus é o Filho de Deus. Não podemos esquecer que o uso desta expressão é uma ousadia incrível pois vai além da compreensão que os judeus, naquela época, tinham acerca da figura do Messias e do seu papel na história do povo hebreu. Na verdade, o que Marcos afirma é que Jesus (o Cristo) é absolutamente divino e também Deus feito homem. E essa proclamada divindade do Senhor foi a rocha na qual os primeiros cristãos edificaram a sua fé. Assim, para desenvolver a afirmação, cita uma declaração profética de Isaías na qual se falava acerca daquele que viria preparar o caminho do Senhor, acrescentando que a voz do que clama no deserto já fora ouvida por ter estado entre o povo e tinha nome: João Baptista, pois era ele o cumprimento daquela profecia. Uma vez que correlaciona João Baptista com aquele que viria «preparar o caminho do Senhor», por uma clara inferência ele está correlacionando Jesus com o próprio Senhor, o Deus Todo-poderoso. O Senhor Deus, o tão esperado Rei divino que viria salvar o seu povo, e Jesus de algum modo eram a mesma pessoa. 2 Para o evangelista, João Baptista era o «mensageiro» profetizado e o Senhor, que é referido na profecia que citou, na parte correspondente ao versículo três, é Jesus; assim, iguala Jesus a Deus uma vez que o título de «Senhor», no Antigo Testamento, era aplicado a Deus. Este movimento, começado por Jesus, não era novo, antes correspondia à continuação da revelação do Antigo Testamento. Jesus está ligado à antiga história da religião de Israel, e é o cumprimento dos anseios e visões dos profetas das Escrituras hebraicas, é aquele que virá governar e restaurar todo o universo.

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Keller Timothy; A Cruz do Rei; Edições Vida Nova; São Paulo; 2012; pág. 23 Keller Timothy; A Cruz do Rei; Edições Vida Nova; São Paulo; 2012; pág. 24


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2º §

O Pai e o Espírito Santo confirmam a origem divina de Jesus Marcos 1:9-11

Neste trecho do relato está patente o começo visível do ministério de Jesus e sublinhada a sua origem especial pois Marcos aponta-o como Profeta e, indo mais longe, apresenta-o como o Filho eterno de Deus que sempre esteve presente com o Pai. A revelação começa com uma experiência de céus abertos: o Céu vem até à terra e comunica o seu plano. Deus está prestes a agir de forma directa e pessoal no mundo terreno e fá-lo por meio do seu Filho amado. É uma descrição incrível do sucedido, querendo levar os leitores até ao começo da história da Humanidade para sublinhar o carácter muito especial de Jesus. Presentemente, o facto de o Espírito de Deus ser retratado como uma pomba não é particularmente estranho, mas, à época, era algo muito raro. Nos escritos sagrados do judaísmo existe apenas uma passagem em que o Espírito de Deus é comparado a uma pomba: nos targuns, a versão aramaica da Escritura hebraica que os judeus desse tempo liam. No relato da criação, o livro de Génesis 1:2 diz que o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas. O verbo hebraico aqui significa «bater as asas»: o Espírito sobrevoava a face das águas. A fim de captar essa vívida imagem, os rabinos traduziram essa passagem para os targuns do seguinte modo: «A terra era sem forma e vazia, e havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas como uma pomba. Disse Deus: Haja Luz.» Há três participantes em actividade na criação do mundo: Deus, o Espírito de Deus e a Palavra de Deus, por meio da qual tudo acontece. Esses três participantes estão presentes no baptismo de Jesus: o Pai, é a voz; o Filho, é a Palavra; e o Espírito, descendo como uma pomba. Marcos conduz assim os leitores de volta à criação, ao próprio começo da história. Assim como a criação original do mundo fora um projecto do Deus triúno, a salvação e restauração de todas as coisas, que estava co-


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meçando naquele momento com a chegada do Rei, também era um projecto do Deus triúno. 3 Há uma acção visível e contínua da Trindade no ministério de Jesus, o que Marcos quer deixar claro desde o princípio. O Pai envolve o Filho com palavras de profundo amor: «Tu és o meu Filho amado em quem me agrado.» São palavras de confirmação da filiação divina de Jesus e, ao mesmo tempo, o Espírito reveste-o de poder para o cumprimento da missão terrena de que se incumbiu como Filho do Homem. A voz que soa dos céus é, inquestionavelmente, a voz de Deus e a declaração proferida é uma referência a vários textos proféticos do Antigo Testamento como o Salmo 2:7 ou Isaías 42:1 (textos que eram vistos pelos Judeus como messiânicos) aos quais o evangelista acrescenta o sentido da paternidade divina. Jesus é apresentado, formalmente, como sendo o Messias e o Profeta aguardado, mas o foco da mensagem vai além disso: o alvo é mostrar que Jesus não é um profeta qualquer, não é um mero messias humano, mas que é o Filho Unigénito, o Amado de Deus. «Meu Filho amado» é uma expressão que pode ser traduzida por «meu Filho, o Amado» e tais palavras significam que era o único Filho do Pai. Deixamos também uma breve nota sobre o facto de Jesus ter ido encontrar-se com João Baptista para ser baptizado. Na verdade, muitas vezes os cristãos ficam perplexos com o facto de Jesus ter decidido ser baptizado. Acreditamos que, obviamente, não tinha nenhuma necessidade pessoal de fazê-lo tanto mais que não confessou pecados como os demais. Qual a razão, então, para se sujeitar ao acto? Tratou-se de um acto de identificação com aqueles que testemunhariam o seu percurso no cumprimento da missão para que viera. A sua submissão ao baptismo de arrependimento praticado por João correspondeu a um acto de auto-dedicação madura a essa missão, que implicava auto-identificação com os pecadores que, no devido tempo, o levaria à cruz. No baptismo, literalmente, foi contado com os transgressores. 4 Keller Timothy; A Cruz do Rei; Edições Vida Nova; São Paulo; 2012; pág. 24-25 Earle Ralph, Sanner A. E Childers Charles; Comentário Beacon vol.; CPAD; Rio de Janeiro; 2006; pág. 228

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3º §

As suas palavras eram de autoridade Marcos 1:17-18; 20

Na sua descrição dinâmica, intensa e cheia de vida, o escritor continua a revelar a natureza especial do profeta, a quem chama Filho de Deus, e está decidido a sublinhar as respectivas características especiais que revelam a sua natureza divina. Uma dessas evidências é o impacto das palavras de Jesus naqueles que o escutavam e, por isso, refere a reacção desses homens ocupados nos seus trabalhos e nas suas actividades que, diante de uma ordem, estão prontos a tudo deixar para o seguir. Jesus não lhes fez qualquer promessa, não lhes explicou o que ia fazer – até porque ainda não tinha feito quaisquer sinais – mas uma simples palavra dele fez com que esses homens deixassem tudo para o seguir. Os homens sentiam autoridade divina nas palavras de Jesus e, por isso, respondiam à sua chamada como sendo uma ordem de quem tinha o direito de exigir-lhes que deixassem tudo com esse objectivo – segui-lo. Simão e André deixaram as redes (v. 18) que eram instrumentos do seu meio de sustento; Tiago e João deixaram o seu pai, Zebedeu, (v. 20) assim como o seu próspero negócio, pois até tinham quem trabalhasse para eles; deixaram tudo, imediatamente, diante de um simples convite de Jesus, uma simples palavra… Ora isso revela o poder presente nas palavras de Jesus – que eram muito mais do que palavras meramente humanas, eram as palavras de quem era Deus feito homem. O evangelista S. Marcos tem o cuidado de referir, nos dois relatos, que os discípulos responderam logo à chamada. Não houve nada antes que os tivesse preparado para dizer sim ao apelo, mas a voz de Jesus foi-lhes irresistível. Os leitores de Marcos sabem a razão pela qual essa voz é irresistível: é que Jesus é o Filho de Deus e exerce uma atracção divina sobre aqueles que o escutam. A resposta destes quatro homens é, ainda hoje, um exemplo já que Jesus continua a chamar todos os seres humanos ao arrependi-


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mento. À semelhança dos discípulos, Ele continua a chamar homens e mulheres para serem pescadores de homens. 4º §

O conteúdo do seu ensino Marcos 1:21-22

Na continuação da apresentação de Jesus e do seu ministério, Marcos salienta, primeiro, a autoridade com que Jesus exerce o ministério de ensino: «E maravilhavam-se da sua doutrina, porque os ensinava tendo autoridade e não como os escribas». (Marcos 1:22) Não é muito explícito sobre o respectivo conteúdo, mas sabemos que Jesus anunciava a chegada do reino de Deus, o arrependimento e a aceitação do evangelho (1:15); no entanto, o foco está bem colocado na autoridade com que o fazia. Repetidas vezes referirá a autoridade pessoal com que Jesus exercia o seu ministério. A ideia de que Jesus tinha autoridade em si mesmo é muito importante para fazer ressaltar o facto de ser o Filho de Deus. Isso era importantíssimo dado que, frequentemente, a autoridade de Jesus era contrastada com a falta de autoridade dos escribas e dos mestres da lei. O povo estava habituado ao ensino dos escribas e doutores da lei, monótono e cansativo dado que se baseava na citação de antigos e renomados mestres da lei. Foi por isso que, quando Jesus começou a ensinar, o povo sentiu-se atraído pela mensagem viva, repleta de conteúdo e de autoridade. Jesus dava nova vida, nova luz aos textos bíblicos, ofuscados por anos de tradicionalismo religioso, não fosse Ele a palavra viva. Os ouvintes maravilhavam-se com a doutrina de Jesus, mas em especial com a maneira como a ensinava. A sua palavra tinha autoridade, não sendo meramente um eco dos demais líderes religiosos e das suas ideias, como acontecia com os escribas. Essa diferença merece o destaque de Marcos, pois o ensino de Jesus não era visto, simplesmente, como outro exemplo de erudição adquirida, ou como a opinião de um escolástico ao lado das opiniões de


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outros mestres em questões religiosas; ao contrário, o povo é retratado como percebendo nos modos e palavras de Jesus uma autoridade muito superior à que estavam habituados a ver nos demais mestres. 5 Jesus falava não como um intérprete da lei, mas como a fonte da mesma; não deduzia o que as Escrituras ensinavam, mas expunha o seu verdadeiro significado; não falava sobre o que outros escreveram ou revelaram, mas daquilo que, sendo o próprio Deus, antes falara. Jesus era a própria palavra viva e encarnada. Quando os profetas iniciavam a apresentação das suas mensagens, usavam a expressão: «Assim diz o Senhor.» Isso significava que as palavras utilizadas não eram deles, mas de Deus. Jesus, porém, falava doutro modo: «Ouvistes que foi dito aos antigos… eu, porém, vos digo.» Um escritor judaico declarou que o seu tom não era o de um mero profeta, mas do próprio Deus omnipotente em pessoa. 6 5º §

A autoridade sobre os espíritos demoníacos Marcos 1:23-28

Agora é introduzido outro assunto, basilar na argumentação usada em todo o evangelho no que concerne à autoridade que Jesus tinha sobre os espíritos demoníacos, sobre toda a espécie de poder diabólico. O povo revela espanto diante de tal autoridade, a qual é, mais uma vez, a confirmação de que tem origem divina. Depois de ensinar com autoridade, Jesus age com autoridade. Daí que Marcos tencione, obviamente, com este episódio, reforçar que Jesus não é um mero mestre, igual aos demais, e que a autoridade que reivindicava nos seus ensinos era real e não baseada em palavras bonitas, mas vazias de poder. A autoridade exercida por Jesus sobre os espíritos demoníacos está directamente relacionada com a sua natureza divina. A admiração das multidões em relação ao ensino de Jesus foi, asHurtado Larry; Novo Comentário Bíblico Contemporâneo Marcos; Vida; Florida; 1995; pág. 36-37 6 Pearlman Myer; Comentário Bíblico Marcos; CPAD; Rio De Janeiro; 1999; pág. 21 5


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sim, confirmada diante da libertação do homem possuído pelo demónio. As obras praticadas conferiam autenticidade às suas palavras – por aquilo que fazia, Jesus confirmava o que ensinava e revelava quem era. Ao mostrar que esse homem estava completamente dominado pelo poder do inimigo, Marcos enfatiza que Jesus tem uma autoridade muito superior ao Diabo e aos seus agentes e também nisto se manifestava a chegada do reino de Deus. Este conflito entre Jesus, o Filho de Deus, e o Diabo, inimigo que quer matar, roubar e destruir, será constante e, invariavelmente, o Filho de Deus sairá vencedor. 6º §

Os milagres que Jesus operava Marcos 1:30-31; 34; 40-41

O último aspecto evidenciado na exposição de Marcos, para confirmar a declaração de que Jesus era o Filho de Deus, refere-se aos milagres que Jesus realizava. No trecho em causa, apresenta a cura da sogra de Pedro e a cura de um leproso anónimo, além de muitos outros: «E curou muitos que se achavam enfermos de diversas enfermidades e expulsou muitos demónios (…).» (Marcos 1.34) Depois de expulsar demónios, como sinal da chegada do reino de Deus, apresenta Jesus Cristo curando os enfermos. Sem dúvida que o evangelista quer fazer da cura da sogra de Pedro um exemplo da autoridade divina de Jesus, e a simplicidade do relato reflecte esse objectivo. Jesus não precisou de nenhum ritual, não invocou qualquer autoridade superior, não usou amuletos ou outros artefactos. O texto diz tão-só que Jesus limitou-se a pegá-la pela mão e a levantá-la, ficando a mesma de imediato curada. O objectivo é evidenciar ainda mais a autoridade própria de Jesus bem como o seu poder sobrenatural sobre as enfermidades físicas. Outro facto associado a este milagre é que o mesmo, muito provavelmente, foi realizado num sábado, depois dos envolvidos terem voltado da sinagoga. E também é objectivo de Marcos, claramente, evidenciar a


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soberania de Jesus sobre o sábado, revelando que as obras de Deus podem acontecer em qualquer momento, sem limite de dias e horas. Disto é evidência o facto de muitas outras curas por Jesus realizadas, naquele dia, ocorreram ao fim do dia, quando o sol se preparava para desaparecer. Ora as pessoas estavam convictas de que, no dia de sábado, não se podia trabalhar e, para elas, fazer milagres era trabalhar. Por isso, ao incluir a cura da sogra de Pedro num momento anterior ao pôr-do-sol, exemplifica a soberania de Jesus, como Filho de Deus, sobre todas as coisas. Na continuidade do texto, confirma-se que Jesus operou muitas outras maravilhas, curando muitos doentes de diversas enfermidades e libertando múltiplas pessoas da possessão demoníaca. O primeiro capítulo do Evangelho de Marcos termina com mais um sinal milagroso de Jesus, a cura de um homem leproso, que também é um contributo relevante para a apresentação de Jesus como o Filho de Deus. Ser leproso, além do sofrimento físico inerente à condição, envolvia um grande sofrimento social. A pessoa doente era considerada imunda e excluída da comunidade, por razões de saúde pública, é verdade, o que não deixava de ser uma situação gravemente estigmatizante. Nesse milagre, Jesus não se limitou a curar o homem, mas fê-lo tocando-lhe; ao fazê-lo, estava a declarar-se como o Senhor da lei já que tocar em alguém imundo implicava ficar imundo. No entanto, Jesus, sendo o Filho de Deus, era absolutamente puro e podia, dessa forma, partilhar pureza com todos os que o rodeavam. E depois de curar o homem, Jesus enviou-o ao sacerdote, o que correspondia à necessidade de demonstrar a cura não apenas como libertação do poder da doença, mas também como sinal de que raiara um novo dia, o dia da misericórdia de Deus, ultrapassando a antiga ordem e estabelecendo uma nova. A lei de Moisés e suas instituições só podiam atestar a doença ou a saúde, enquanto Jesus demonstrava ter poder para curar o corpo e a alma, para libertar da doença e do veredicto da lei que declarava o leproso como imundo. Marcos comprova, desta forma, que Jesus, como Filho de Deus,


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transforma o imundo em puro e o profano em santo, pelo poder do toque da sua mĂŁo.



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