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SÉCULO XVIII
CAPÍTULO 1
PORTUGAL E AMAZÔNIA NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XVIII
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Este primeiro capítulo versa sobre as mudanças ocorridas na época convencionalmente conhecida como Moderna. Nele, estudaremos principalmente o período compreendido entre o fim do século XVII e a primeira metade do XVIII, quando os iluminismos tomaram forma48. O capítulo torna-se importante por entendermos que o antijesuitismo fez parte das mudanças ocorridas nesse período, não apenas na Europa, mas também nas Américas – e, no caso aqui apresentado, na Amazônia portuguesa –, especialmente na primeira metade do setecentos, quando se acirrou o movimento encabeçado por Paulo da Silva Nunes, principal mentor do antijesuitismo amazônico. Estudaremos os iluminismos e as mudanças decorrentes desse complexo fenômeno histórico, pois muitos dos mais severos críticos da Companhia de Jesus faziam parte do movimento iluminista. Mas, além de compreender a influência desse pensamento na Europa, nos propomos a analisar de que forma o antijesuitismo amazônico foi influenciado por ele, o que será feito por meio da análise das políticas implantadas nos governos de D. Pedro II e D. João V. Ressaltamos que as transformações sociopolíticas ocorridas em Portugal também desembocaram em suas possessões ultramarinas, especialmente na parte norte da conquista americana, em que acabaram convertendo-se nos “Anseios de muitos colonos amazônicos em termos de um sentimento protonacional incipiente49”. De fato, intentava-se implantar na Amazônia as transformações
48 Escolhemos grafar “iluminismos” e não “Iluminismo”, por compreender que esse movimento possuiu diversos formatos. 49 CARVALHO, Roberta Lobão; ARENZ, Karl Heinz. Jesuítas e colonos na Amazônia portuguesa: contendas e compromissos. Revista de Estudos de Cultura, Aracaju, n. 5, p. 19-34, mai.-ago. 2016, p. 29.
sucedidas entre o final do século XVII e o século XVIII, a saber: a laicização da esfera política, a racionalização da economia e uma maior restrição da influência do religioso ao espaço privado.
Porém, esses planos, na perspectiva dos colonos, só poderiam ser concretizados se a autonomia espiritual e temporal (jurídico-administrativa) dos jesuítas sobre os aldeamentos amazônicos, decretada pelo Regimento das Missões de 1686, fosse extinta. Com efeito, foi a partir dessa lei que os jesuítas conseguiram obter o certo controle sobre os índios, tornando as missões cada vez mais ricas e poderosas, aos olhos da população local e da administração portuguesa.
Foi nesse cenário que, no Maranhão e Grão-Pará, destacou-se Paulo da Silva Nunes, um homem possivelmente letrado e conhecedor das mudanças e aspirações do século XVIII, uma vez que havia nascido em Portugal. Notamos, a partir do discurso desse agente central da nossa temática, a existência de um projeto de colonização para o Maranhão e Grão-Pará, convergente em vários pontos com as políticas pensadas para a região por Pombal na segunda metade do século XVIII, inclusive o fim da atuação relativamente autônoma da Companhia de Jesus na região. O movimento antijesuítico, encabeçado por Silva Nunes, era diferente dos levantes antijesuíticos na colônia amazônica do século XVII, uma vez que não visava apenas expulsar a Companhia de Jesus do Maranhão e Grão-Pará, mas implantar um projeto de governo para reorganizar de forma profunda a sociedade, e a administração política e econômica locais.
Não pretendemos estudar o movimento encabeçado por Silva Nunes como isolado das mudanças ocorridas em outros espaços e tempos, uma vez que compreendemos que as histórias estão conectadas, comunicando-se entre si50. De acordo com José Eduardo Franco, a construção do antijesuitismo remonta à origem da própria Companhia de Jesus, e as novas metodologias da Ordem, nos âmbitos pastoral, educacional e missionário, foram sistematicamente criticadas e combatidas com a mesma intensidade com a qual seus opositores foram se organizando e fortalecendo.
50 SUBRAHMANYAM, Sanjay. Explorations in Connected History: From the Tagus to the Ganges,
Delhi. Oxford University Press, 2004; SUBRAHMANYAM, Sanjay. Connected Histories:
Notes towards a Reconfiguration of Early Modern Eurasia. Modern Asian Studies, v. 31, n. 3 [edição especial: The Eurasian Context of the Early Modern History of Mainland South East
Asia, 1400-1800], p. 735-762, jul. 1997.
Na verdade, o fenômeno do antijesuitismo, sendo tão antigo e primordial como a Ordem de Santo Inácio, também é um fenômeno que acompanha a expansão dos jesuítas por toda a Europa e, mais ainda, por todo o mundo onde os padres da Companhia chegaram, cumprindo o seu programa constitucional de caráter orbícula [sic] que tinha por fim levar o reino de Cristo a todo o Universo51 .
Ou seja, aquele fenômeno que inicialmente se ateve ao território europeu espalhou-se tão rapidamente quanto a Ordem inaciana: da Índia ao Japão, do Brasil ao Maranhão e Grão-Pará. De fato, nenhum local de atuação missionária e/ou educacional daqueles padres passou incólume às críticas e às perseguições.
Para compreendermos esse movimento global, é importante analisarmos suas vertentes e seus opositores. Neste capítulo, selecionamos os principais deles para iniciarmos a discussão sobre o processo de acirramento do antijesuitismo diretamente ligado às transformações ocorridas na época Moderna. São eles: o verbete Jésuite, da Encyclopédie, e os textos produzidos por Blaise Pascal e François-Marie Arouet – mais conhecido como Voltaire.
Além desse ponto, como já frisamos, estudaremos as políticas dos monarcas portugueses implantadas no Reino e no espaço Atlântico, visando dinamizar o lugar de Portugal como destaque em um cenário mundial de crises e conflitos – especialmente por meio de ações que abarcavam mais do que apenas o aspecto econômico, mas também o cultural e o do conhecimento. D. Pedro II implantou uma política de viés modernizante para legitimar e consolidar a dinastia de Bragança, com o intuito de construir uma monarquia de cunho absolutista, gerenciada, principalmente, por leigos capacitados. Tal processo teve continuidade nos reinados de D. João V e D. José I. As políticas desses reis faziam parte de uma tentativa de racionalização do poder.
Evidentemente, essa tentativa estendeu-se à América portuguesa, tornando-se perceptível, de certo modo, quando da implantação da legislação indígena, que buscava centralizar a administração dos índios nas mãos dos representantes do governo e organizar o uso e a distribuição da mão de obra nativa. Porém, é importante ressaltarmos que essas leis eram adaptadas à conjuntura dentro da qual eram aplicadas. Em outros termos, elas acabavam por se acomodar à realidade local, nem sempre surtindo o efeito desejado.
51 FRANCO. O Mito dos Jesuítas em Portugal, no Brasil e no Oriente (Séculos XVI a XX), vol. I, p. 20