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PREFÁCIO

Foi há dez anos, em 2011, durante o XXVI Simpósio Nacional de História da ANPUH, que encontrei pela primeira vez a então mestranda da Universidade Federal Fluminense Roberta Lobão Carvalho num simpósio temático sobre a Companhia de Jesus. Me lembro muito bem que, na ocasião, ela expôs uma comunicação sobre a retórica jesuítica no Maranhão dos séculos XVII e XVIII. Não imaginei que três anos depois, ela iniciaria um doutoramento na Universidade Federal do Pará em Belém com uma temática muito parecida, mas, desta vez, focalizada na retórica antijesuítica concebida no Maranhão na primeira metade do Setecentos. Tive o privilégio de poder acompanhar Roberta nesta nova e importante etapa de sua trajetória acadêmica até a defesa da tese em agosto de 2018. O personagem histórico central da pesquisa doutoral é Paulo da Silva Nunes, considerado, já na sua época, meio aventureiro e meio intrigante. Mas, apesar desta fama parcial, este agente controverso, de origens e motivações não bem esclarecidas, tem que ser posto – e a tese da Roberta o fez – dentro de uma ampla e intricada rede de relações e articulações que deu suporte à sociedade colonial nas décadas de 1720 e 1730. De fato, a Amazônia daqueles anos encontrava-se diante de perspectivas promissoras, visto que o rei D. João V começou a mostrar um interesse acentuado nas colônias do além-mar. Nesta nova conjuntura, a América Portuguesa ocupou, dentro de fronteiras melhor definidas pelo Tratado de Utrecht (1713) – no Norte, ao longo do rio Oiapoque, e no Sul, pela Colônia do Sacramento à margens do rio Prata –, um lugar de destaque no Império Luso. Esta atenção se justificou tanto pela profícua mineração aurífera nas Minas Gerais quanto pelo rentável negócio do cacau no Maranhão e Grão-Pará. A esta tendência macroconjuntural se juntam mais duas correntes não menos importantes. A primeira diz respeito à preferência do monarca, conhecido no início de seu reinado como relativamente pró-jesuítico, por outras ordens religiosas, sobretudo os oratorianos, o que levou os inacianos a empenhar-se por meio de uma rede de simpatizantes, dentre os quais

muitos administradores e altos funcionários, para não perder sua influência junto à Coroa. A segunda corrente emana desta primeira, pois o declínio da Companhia de Jesus na Corte mobilizou os moradores do Maranhão e GrãoPará a questionar, mais do que nas décadas anteriores, o peso significativo dos jesuítas nos procedimentos de aquisição e distribuição da mão de obra indígena, o contingente mais relevante de trabalhadores na colônia. O embate que resultou do crescente descontentamento dos colonos não engendrou uma retórica nova contra os jesuítas, mas, antes, a tornou mais pungente, sendo Paulo da Silva Nunes seu principal porta-voz, mesmo não tendo um mandato oficial e explícito para suas ardilosas articulações e negociações.

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Roberta Lobão Carvalho inscreve-se, assim, com sua tese no lanço recente da historiografia referente à Amazônia colonial. Esta tende a afirmar a colônia não como mero lugar periférico, isolado, pobre e “de ruína” – como alude o título da tese –, mas um ambiente de agitação e articulação, em termos tanto políticos como econômicos, com repercussões até a Corte. Neste sentido, podemos constatar três contribuições significativas desta tese a diversos campos historiográficos, dentre os quais a história regional (amazônica), a história colonial (portuguesa), a história política (despotismo esclarecido) e a história das ideias (iluminismo).

Primeiramente, Roberta fornece um aspecto importante para a pesquisa da chamada época pombalina. Ela mostra que a concepção e divulgação das ideias e medidas que o secretário régio Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro Marquês de Pombal, dirigiu contra a influência da Companhia de Jesus no Reino e no Império não emanaram somente das experiências e reflexões próprias do ministro, mas embasaram-se também em escritos e movimentos anteriores. Desta feita, os textos militantes redigidos por Paulo da Silva Nunes serviram, ao que tudo indica, como uma das principais fontes de inspiração para a campanha propagandística antijesuítica deflagrada por Pombal no início dos anos 1750.

Em segundo lugar, a tese de Roberta revela com nitidez o quanto os administradores, principalmente os governadores dos primeiros decênios do século XVIII, estiveram envolvidos em redes de múltiplos interesses que se estenderam da colônia até a Corte e vice-versa. Não se trata, portanto, de meros executores de ordens régias, mas de articuladores perspicazes dentro de um novo e promissor cenário, característico do reinado joanino, que visou

aumentar a lucratividade das colônias e promover a eficácia da administração pública.

Enfim, a jovem doutora fomenta com sua tese um aspecto fulcral à história do complexo movimento antijesuítico. Geralmente, o antijesuitismo é considerado um fenômeno restrito ao continente europeu, onde o advento de regimes absolutistas de caráter proto-nacional – para usar uma caracterização de Eric Hobsbawm – se chocou com os anseios universalistas da Companhia de Jesus, enquanto organização católica militante e coesa de presença quase mundial sob salvaguarda papal. Roberta aponta o quanto também uma colônia supostamente distante dos centros de decisção não só participou do embate antijesuítico, mas também o alvitrou e instigou.

A prova mais evidente da originalidade e da relevância historiográfica da tese de Roberta Lobão Carvalho é o fato de ela ter sido recompensada, em 2019, com Menção Honrosa no quadro do Prêmio CAPES de Tese. Por isso, é mais do que justo que esta obra chegue agora às mãos de um público mais amplo, composto tanto por acadêmicos especialistas da época colonial quanto por pessoas interessadas em conhecer mais a fundo o complexo universo colonial que, aliás, contribuiu a forjar a nossa realidade de hoje.

É uma feliz coincidência que a publicação da tese ocorre poucas semanas após o nascimento da pequena Laura. Nos resta, portanto, a desejar que Roberta veja crescer e prosperar estas suas duas filhas nascidas neste ano difícil de 2021!

Karl Heinz Arenz Belém, 17 de junho de 2021

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