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Capítulo 1. Militarização e poder em Portugal
CAPÍTULO 1
MILITARIZAÇÃO E PODER EM PORTUGAL
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Descendo mais ao particular: os dois nervos da guerra são gente e dinheiro, e que gente e que dinheiro é o que temos? (Vieira, 1648).
Aassertiva, escrita em 1648 pelo padre Antonio Vieira, aponta dois elementos importantes para a estratégia de guerra: os recursos humanos e os financeiros. De fato, do ponto de vista logístico e estratégico, a defesa pressupõe a necessidade de manter exércitos bem treinados, suprir despesas com deslocamento, pagamentos e alimentação em campanha. O Estado deve estruturar-se em função da militarização. Esse aspecto implica o fortalecimento de ações sistemáticas que inclui decisões políticas e diplomáticas. Ora, a capacidade defensiva do Estado está estritamente relacionada a sua geopolítica.30
Essa simbiose entre militarização e poder certamente foi a engrenagem para um processo de centralização das políticas defensivas nas mãos do Estado português. Um processo que para Rui Bebiano significou a transição da atividade bélica, que deixou de ser um “braço armado da monarquia” para tornar-se
30 Essa perspectiva está associada à profundas mudanças ocorridas no sistema defensivo Europeu, sobretudo, a partir da segunda metade do século XVI, que se caracteriza pela “notável renovação tática”; “crescimento numérico dos exércitos”, “adoção de estratégias mais complexas” e ampliação do “impacto da guerra na sociedade”. Esse conjunto de transformações exigiu dos Estados modernos ações mais sistemáticas e aparatos institucionais e jurídicos sólidos para movimentar a máquina de guerra. BEBIANO, Rui. “A Arte da Guerra. Estratégia e táctica”. In: BARATA,
Manuel Themudo; TEIXEIRA, Nuno Severiano (org.). Nova História Militar de Portugal. v. 2. Lisboa: Círculo de Leitores, 2004, p. 113. Ver ainda: BORGES, João Vieira (Direcção e
Coordenação). Pensamento Estratégico Português: Contributos (séc. XVI-XIX). Prefácio. Lisboa, 2006. Do mesmo autor: “Nação, Estado e Instituição Militar: um testemunho. Revista Militar, n. 2471, dezembro, 2007, Lisboa, p. 1375-1391.
“parte integrante da organização do Estado”.31 A percepção da complexidade da empresa colonial também implicou o conhecimento das próprias fragilidades defensivas, quando comparadas principalmente aos Estados francês, espanhol, inglês e holandês. Essas fragilidades foram o fator da flexibilidade na composição das companhias militares, e principalmente explica a incorporação de nativos nas ações de defesa do império.
A presença de nações indígenas no universo defensivo da capitania do Grão-Pará na primeira metade do século XVIII, por exemplo, está estritamente associada ao desenvolvimento dessa mudança do militarismo português. A falta de “gente e dinheiro” são elementos-chaves para compreender a presença indígena nas tropas, nas guerras, nas fortalezas, nas diligências e em postos específicos da hierarquia militar. Os nativos, portanto, qualificaram as ações defensivas da Coroa e foram o “socorro” imprescíndível para manutenção desta parte da conquista ao domínio luso, como se discutirá na segunda parte deste livro.
Essa percepção da guerra foi sintetizada exemplarmente, em 1643, por Fernão Teles e Álvaro de Souza, militares experientes, que explicavam que a guerra se compunha “de todas as nações, e sorte de gente”. Uma conclusão construída a partir da experiência da guerra de restauração da Bahia, na qual nativos e ciganos foram de “grande valor, e não menos zelo”, como consta na consulta do Conselho de Guerra, em que se manifestavam.32 Trata-se aqui de um indício importante de como a guerra nas áreas coloniais também ressignificou no reino a arte de guerrear ou pelo menos serviu de parâmetro para a percepção das forças militares do reino.
É importante destacar que esse processo insere-se na complexa transição militar em Portugal que remonta à Guerra da Restauração (1640-1668), que, como afirma Dores Costa, exigiu da administração bragantina ações políticas estruturantes do organismo militar. Esse certamente foi um pilar importante para a afirmação política da Casa de Bragança ao trono.33 Além disso, experi-
31 BEBIANO, Rui. “A guerra: o seu imaginário e sua deontologia”. In: BARATA, Manuel
Themudo e TEIXEIRA, Nuno Severiano (org.). Nova História Militar de Portugal p. 47. Ver ainda do mesmo autor: A Pena de Marte. O discurso da guerra em Portugal e na Europa (séculos XVI e XVIII). Coimbra: Minerva Coimbra, 2000. 32 ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, Maço 3, Caixa 28, D.119. 33 COSTA, Fernando Dores. A Guerra da Restauração (1641-1668). Lisboa: Livros Horizonte, 2004.