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Conclusão

eram as atividades de cultivo e as distâncias da capitania que dificultavam o agrupamento dos moradores em companhias, que regularmente deveriam reunir-se para treinamentos, ou mesmo atividades de guerra e defesa.

E terceiro, e mais importante, é que no Estado do Maranhão e Pará, a Coroa contava com a presença e participação indígena nas diversas atividades de defesa, portanto, ao que parece, não houve muito interesse em implementar a força auxiliar porque esse papel era desempenhado pelas nações e grupos indígenas que integravam as tropas e diligências militares. Eles são os sujeitos da defesa e os senhores das estratégias de guerra e estavam inseridos nas mais diversas atividades. A integração indígena em tropas portuguesas qualificou as ações militares lusas na região, como veremos no capítulo 5.

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Conclusão

A fragilidade defensiva no império português exigiu flexibilidade na composição humana das companhias militares, característica observada pelos experientes militares Álvaro de Sousa e Fernão Teles, em 1643, ao afirmarem que nesse contexto a guerra se compõe de toda sorte de gente. 315 Trata-se da incorporação de nativos nas forças defensivas do reino, sobretudo nas áreas coloniais.

Negros, ciganos, pardos e indígenas fizeram-se presentes nas tropas militares portuguesas. Valer-se dessa gente foi a estratégia para manter forças exíguas de soldados lusos, e ainda estabelecer-se em frentes importantes de defesa do império. A composição étnica tornou a tropa um lugar multifacetado. Um espaço múltiplo também do que se referem como a “qualidade” da gente. Vadios, vagabundos e degredados, estigmatizados pela condição de inferioridade social e moral também foram prontamente utilizados como força defensiva.316

O serviço militar foi um mecanismo de ascensão social no mundo colonial. As mercês, os privilégios e postos de comandos eram galgados pela prestação de serviço à Coroa317. Essa lógica, prontamente interpretada pela gente

315 ANTT, Conselho De Guerra, Consultas, Maço 3, Caixa 28, D. 119. 316 Sobre essa questão ver: PIERONE, Geraldo. Vadios e ciganos, heréticos e bruxas: os degredados no

Brasil-colônia. 3. ed. Rio de Janeiro: Betrand Brasil, 2006. 317 A esse respeito ver: OLIVAL, Fernanda. As ordens e Estado Moderno. Honra, mercê e venalidade em

Portugal (1641-1789). Lisboa: Estar Editora, 2011; XAVIER, Ângela Barreto e HESPANHA,

da terra, foi a chave para um complexo e dinâmico movimento de intermediação entre portugueses e índios na capitania do Pará, conjugados por interesses, conflitos e alianças.

Portanto, o regimento de fronteira, e todos os demais que definem as três forças militares de Portugal, não explica a realidade defensiva nas conquistas, e especificamente na capitania do Pará. Esse sistema de recrutamento deveria abranger toda a população masculina entre 18 e 60 anos que ainda não tivesse sido recrutada pelas duas primeiras forças, excetuando-se os isentos.318 Não trata dos nativos, não se refere aos índios que estiveram presentes em atividades defensivas nas conquistas.

Todo esse conjunto documental trata de uma estrutura organizacional de defesa que pode ser entendida como uma matriz orientadora da defesa nas colônias. Todavia, não se constitui como modelo transplantado. Antes devemos observar as especificidades e as adequações e mudanças empreendidas pela própria experiência colonial.

Por outro lado, as diversas correspondências entre o Pará e o reino, que insistentemente narram a insuficiência numérica e a qualidade das companhias militares da região, revelam uma estratégia de organização que se explica pela mobilidade e flexibilidade da base defensiva nas áreas coloniais, a incorporação

Antonio Manuel. “Representação da Sociedade e do Poder”. In: MATTOSO, José (direção).

História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Editorial Estampa, 1993. V. 4. p. 121-156; XAVIER, Ângela Barreto; HESPANHA, António Manuel. “As redes clientelares”.

In: HESPANHA, António Manuel (coord.) História de Portugal: O Antigo Regime (16201807). Lisboa: Círculo de Leitores. V. 4, 1993; FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria de Fátima. O Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001; BICALHO, Maria Fernanda.

“Conquista, Mercê e Poder local: nobreza da terra na América portuguesa e a cultura política do

Antigo Regime”. Almanack braziliense, n. 2, p. 21-34, nov. 2005. 318 Eram isentos do recrutamento: caixeiros de lojas, bebidas e tavernas; homens casados; o irmão mais velho de órfãos; o filho único de viúva; o filho único de lavrador; o feitor ou administração de fazenda de mais de seis escravos; tropeiros, boiadeiros, mestres de ofícios, pedreiros, carpinteiros, canteiros, pescadores e marinheiros; milicianos devidamente alistados; contratadores de renda e seus sócios; aprendizes da empresa Régia; tesoureiros menores da Bula da Cruzada; eclesiásticos, cegos do olho direito, entre outros. MENDES, Fábio Faria. “Encargos, privilégios e direitos: o recrutamento militar no Brasil nos séculos XVIII e XIX”. In: Castro, Izecksohn,

Kraay (org.). A Nova História Militar brasileira, p. 122. Sobre isenções e privilégios, ver ainda:

POSSAMAI, Paulo Cesar. “O recrutamento militar na América portuguesa: o esforço conjunto para a defesa da Colônia do Sacramento (1735-1737)”. Revista de História, n. 151, p. 151-180, 2004.

de grupos indígenas nas forças de defesa e, ainda, ações conectadas de mobilização de gente de outras partes do império português.

Em outras palavras, os diversos regimentos, alvarás, decretos e as inúmeras correspondências que narram o estado “lastimoso” da defesa do Estado, e ainda os registros das companhias em mapas e listas, colocaram o Estado do Maranhão em uma complexa rede de comunição gerada pela burocracia militar que integrava diversas partes do império português. É exatamente essa máquina burocrática que possibilitou a percepção do problema de defesa no Pará como algo a ser resolvido também em muitas partes do império português, incluindo também o espaço do sertão.

Por outro lado, a vasta área a ser defendida exigiria forças defensivas muito bem qualificadas e númerosas, com capacidade bélica que pudesse não apenas garantir o território, mas principalmente possibilitar êxito nas campanhas de guerra. Portanto, para compreender melhor essas questões é necessário verificar três dimensões: as forças defensivas de que dispunha a capitania, tanto na perspectiva numérica quanto na qualidade dos praças; os principais problemas e conflitos que ocorreram na primeira metade do século XVIII; e, ainda, as próprias conjunturas do reino no que diz respeito à militarização e defesa, o que fizemos até aqui.

Voltemos à pergunta do padre Vieira que inicia este capítulo “e, que gente é que temos?”. Há “toda sorte de gente” como explicaram os militares Álvaro de Sousa e Fernão Teles. Essa gente, de perfil heterogêneo, é gente do reino e das conquistas, é gente voluntária e involuntária, é degredado, cigano, vadio, vagabundo, branco, preto, pardo, cafuzo, mameluco e indígena. E, na capitania do Pará e Maranhão, no contexto que analisamos aqui e por todas as razões apresentadas, são sobretudo indígenas. Antes, porém, é necessário fechar o quadro dos aparatos defensivos do Estado. É importante dedicarmos alguma atenção às fortalezas levantadas na região que também integraram um vetor importante de ocupação e defesa do Estado.

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