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Sereias Brasileiras
Igualmente em outras culturas estudadas anteriormente neste trabalho, o folclore brasileiro está cheio de criaturas ligadas à água. Os próximos parágrafos abordaram as lendas das sereias brasileiras Iara, muito presente na região norte do Brasil e Iemanjá na esfera nacional, produtos da miscigenação da cultura nativa, europeia e africana.
Iara
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Na Era dos Descobrimentos as navegações que aconteceram entre o século XV e XVII, Portugal e Espanha – pioneiras na exploração marítima – expandiram a visão de mundo, descobrindo novas terras e rotas marinhas. Esse período também marca a passagem da idade média para a idade moderna. Câmara (2009, p.119) nos conta que essas nações compartilhavam o mesmo temor e a mesma fascinação pelas lendas que relatavam a existência de monstros marinhos nas desconhecidas águas navegadas por corajosos marinheiros. A autora cita (Cascudo, 1967: 122) dizendo que “os seres pavorosos que alimentavam a superstição do português colonizador e que assombravam as tripulações, com o passar do tempo e ao desembarcarem em terras brasileiras, foram rebatizados com nomes indígenas”. Assim que lendas como Curupira, Lobisomem, Boi Tatá e da Iara surgiram.
A Iara apresenta traços das sereias gregas com sua voz e canto irresistível; corpo das sereias do medievo, belas jovens com cauda de peixe; e das lendas ibéricas de onde herdou características da Moura encantada, que oferece às suas vítimas presentes e maravilhas por meio do canto.
Antes da chegada dos colonizadores português a Mãe d’Água como a Iara também é conhecida, era chamada de Cobra Grande, Mboiaçu, Cobra Preta e Mboiúna. Era representada por uma serpente que vivia à beira dos rios, tal qual a Moura Encantada sob a forma ofídica; que se transformava em uma bela índia que seduzia os homens e que os levava com ela para o fundo das águas. Câmara (2009), Casemiro (2012) e Lima (1952) apontam essa semelhança entre a lenda portuguesa com a autóctone como fundamento para a lenda da Iara.
Casemiro (2012, p.17) nos aponta a diversidade de nomes atribuídos à nossa personagem folclórica. “É necessário explicitar que entendemos, de acordo com Philip Wilkinson1 e Câmara Cascudo2, “Iara”, “Uiara” e “Mãe d’água” como designações distintas para o mesmo referencial”.
No entanto Câmara (2009, p. 121, apud CASCUDO, 1967: 122), o termo Iara surgiu na segunda metade do século XIX por uma necessidade puramente literária. Casemiro (2012, p.17) conta que mesmo com nome indígena (do tupi - “ig”: água; “iara”: senhor), a Iara é uma personagem criada a partir do imaginário europeu, o qual nos foi legado sobretudo pelos portugueses durante o processo da colonização.
Era comum a Iara ser descrita nos moldes europeus sendo uma jovem que refletia fisicamente a beleza alva, loura e de olhos azuis. Essa roupagem europeia tornou-se bastante comum nos registros escritos do século XIX brasileiro. (CASEMIRO, 2012, p.19). O poema de Olavo Bilac, poeta brasileiro e membro fundador da ABL (Academia Brasileira de Letras). Descreve essa imagem da Iara:
A Iara
Vive dentro de mim, como num rio, Uma linda mulher, esquiva e rara, Num borbulhar de argênteos flocos, Iara De cabeleira de ouro e corpo frio.
Entre as ninféias a namoro e espio: E ela, do espelho móbil da onda clara, Com os verdes olhos úmidos me encara, E oferece-me o seio alvo e macio.
Precipito-me, no ímpeto de esposo, Na desesperação da glória suma, Para a estreitar, louco de orgulho e gozo...
Mas nos meus braços a ilusão se esfuma: E a mãe-d’água, exalando um ai piedoso, Desfaz-se em mortas pérolas de espuma.
[BILAC, Olavo. Poesias. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 23ª edição. 1964, p.290]
1 WILKINSON, Philip. O Livro Ilustrado da Mitologia: lendas e histórias fabulosas sobre grandes heróis e deuses do mundo inteiro. 2ed. Trad. Beth Vieira. São Paulo: Publifolha, 2001, p.105.
2 CASCUDO, Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 4ed. São Paulo: Melhoramentos, 1979, p.453.
No entanto é provável que tal biotipo nórdico mais provocaria medo e absolutamente nenhuma sedução entre os indígenas – dado o rechaço natural destes para com os índios albinos que se cria serem frutos espúrios de relações ilícitas. (CÂMARA, 2009, p.121).
Contudo com o passar do tempo imagem da Iara se adaptada à nossa realidade. Tratando-se, de uma jovem morena e bela, nua, de cabelos longos, negros e de olhos igualmente escuros.
A Iara assim como em outras culturas representa a ilusão de um amor, a beleza e até mesmo a morte. Por se tratar de uma tradição oral é difícil apontar uma imagem ou narrativa comum sobre a Iara. Souza (2017, p.51) diz que existem versões da lenda que homens são transformados em estátua ou ficam mudos. Há outra versão em que o efeito é a cegueira. Encontra-se também a versão em que a Iara aparece no reflexo de quem se olha nos espelhos d’água de rios e lagos, estendendo seus braços, ela convida suas vítimas para o fundo, para seu palácio cheio de riquezas levando sua vítima a morte.
Iemanjá
Iemanjá ou Yemanjá, - A grafia do nome de Iemanjá também é realizada com Y - está presente de maneira muito sólida na cultura brasileira, a Rainha do Mar, é uma das divindades da umbanda e do candomblé tida como a mãe de quase todos Orixás. Nesta parte do trabalho por uma questão metodológica, abordou sua história citando apenas Yls Rabelo Câmara em seu artigo publicado na revista Agália (2009).
Na mitologia africana Iemanjá é a história que mais se aproxima da serias e da Iara. Segundo Câmara (2009, p123) a narrativa começa com o primeiro casal divino formado por Obatalá, que simboliza o céu; e Odudua, que simboliza a Terra. Dessa união resultaram dois descendentes Aganjú, o firmamento, e Iemanjá as águas. Aganjú se sentiu atraído sexualmente por sua irmã e buscou uma oportunidade de encontrá-la sozinha com intuito de violenta-la. O autor aponta que existe mais de uma versão dessa história, em algumas Iemanjá consegue fugir em outras ela é possuída por seu irmão. Todavia, independente do final, segundo as narrativas, surge a vida de dentro de seu ventre e de seus seios assurgem as águas doces que forma os rios.
Janaína ou Dona Janaína, Dona Maria, Ianê, Iemanjá, Princesa de Aiocá, Minha Madrinha, Minha Mãezinha, Princesa do Mar, Rainha das Águas e Sereia do mar são outros nomes pelos quais Iemanjá também é conhecida.
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Muitas vezes descrita sendo como uma:
“mulher bonita e sedutora, vaidosa e de gênio forte, Yemanjá é representada como sendo uma jovem de cabelos escuros e longos, alta, magra, elegante e de pele clara, a caminhar de forma lânguida e sensual por sobre as águas e a distribuir suas bênçãos por onde passa.” (CÂMARA, 2009 P.123)
Obviamente essa representação não correspondia a imagem retratado em sua origem africana cuja as características eram, pele negra, corpo gordo, com o rosto coberto por véus e um vestido longo e rodado nas cores azul e branco.
Pode-se comparar as duas formas de representação, historicamente o povo africano foi silenciado e sua cultura invisibilizada, por influência do colonizador europeu quem impôs esta aparência física branca. É possível ver também a miscigenação cultural em seus cabelos longos e negros, os quais podem ser uma aproximação com a Iara, que também sofreu influência européia em sua imagem. fevereiro é celebrado um culto a entidade. Nesta comemoração são enviados ao mar frascos de perfumes, sabonetes, enfeites, roupas, flores e comidas –acompanhados de súplicas em formato de cartas e os bilhetes. Seus pedidos aguardam uma ajuda especialmente relacionados ao amor.
A imagem de Iemanjá oferecendo bênçãos das mãos pode ser uma aproximação ao mito de Nossa Senhora das Graças. Os escravos na tentativa de manter seus cultos, transfiguraram seus deuses em santos católicos. Muitas entidades das religiões afro-brasileiras têm seu nome na língua original e uma respectiva relação com um santo como, por exemplo, Oxalá como Jesus Cristo ou Senhor do Bonfim; Ogum como São Jorge; Oxóssi como São Sebastião ou Santo Antônio e Omolú – São Lázaro ou São Roque.
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Iemanjá possui o sábado como seu e dia, e tem uma relação com a lua, com as pedras marinhas, as conchas e a prata. Suas cores são azul, branco e prata. Outras características seriam ser: defensora dos que se relacionam com o amor e conjurações sentimentais; ter um lado maternal, dedicado e severo; apego ao luxo, conforto e prazeres carnais.
O mito de Iemanjá pode ser aproximado ao de Iara e as sereias, pois a sedução de seus apaixonados e os conduz para dentro da profundidade dos mares, onde tira sua vida - como pagamento por terem tentado possuí-la. Iemanjá é atualmente cultuada por todo o Brasil e possui em sua imagem um símbolo da resistência do movimento negro. Além de ser uma referência cultural para literatura e arte brasileira.
No sincretismo, Iemanjá se tornou equivalente à Nossa Senhora da Conceição e na Bahia, à Nossa Senhora das Candeias. A autora relata que todo dia dois de