Psicologia do Testemunho: Da Prática à Investigação Científica

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16,7 x 24 cm

19 mm

AUTORES

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Processos Neuropsicológicos Envolvidos no Ato de Testemunhar Efeitos da Emoção nos Testemunhos Ocular, Auditivo e Olfativo Avaliação Pericial Técnicas de Entrevista em Adultos e Crianças Práticas e Investigação Científica Nacional e Internacional

Daqui resulta inevitavelmente a premência da produção científica. Numa confluência de saberes, este livro reúne não só profissionais com larga experiência profissional e científica, mas também jovens investigadores que têm incentivado a mudança e a consciencialização de paradigmas importantes no desenvolvimento desta área. Todos os atores do sistema judicial – juízes, Ministério Público, órgãos de polícia criminal, advogados, vítimas, testemunhas, ofensores e demais profissionais – poderão beneficiar deste livro e do seu contributo inegável para os avanços científicos na área da Psicologia do Testemunho. Cães Facilitadores em Tribunal

“Tanto basta, estou certa, […] para que se possa dizer com propriedade que estamos perante uma obra que há muito se desejava e que não poderá deixar de estar presente nas leituras de todos os que lidam com o testemunho, seja em que perspetiva for, ou que simplesmente sentem paixão pelo tema.” Maria Helena Susano Juíza de Direito

Rui Patrício Advogado, sócio da Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados Professor Convidado da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa

ISBN 978-989-693-098-1

www.pactor.pt

9 789896 930981

Coord.:

Laura Alho I Mauro Paulino

“Ora, esta obra […], pela sua qualidade e pela sua diversidade (de perspetivas – privilegiando não apenas a teoria, mas também a prática […] –, de autores, de abordagens, de temas), dá um contributo notável para o trabalho forense bem feito, mas também para a afirmação e para o reconhecimento, cada vez mais importantes, de que nenhuma área do saber é estanque, sendo do cruzamento entre saberes que se faz grande parte do avanço do conhecimento.”

DA PRÁTICA À INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA

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Enquadramento Legal da Prova Testemunhal

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André Inácio André Mesquita Andreia Campos Baptista Carlos Ademar Carlos Eduardo Peixoto Catarina Costa Catarina Ribeiro Fernando Vieira Jacqueline Ferreira Joana Carvalho Jorge Oliveira Josefa N. S. Pandeirada Laura Alho Margarida Ferraz Maria Perquilhas Maria Salomé Pinho Mário R. Simões Mauro Paulino Miguel Pereira Paulo Pinto de Albuquerque Pedro B. Albuquerque Pedro Emanuel Paiva Pedro F. S. Rodrigues Raquel Veludo Fernandes Rui Cardoso Sofia Brissos Sofia Gabriel Sónia Caridade Telma Sousa Almeida

A Psicologia do Testemunho é uma das áreas da Psicologia da Justiça, cuja evolução e investimento crescente têm constituído o mote para a identificação de problemas e para a possível resolução dos mesmos, com vista à diminuição de erros judiciais. Tem-se assistido a uma maior preocupação em levar a cabo investigações que pretendem abranger questões de grande complexidade e preencher lacunas, ao nível da sistematização do conhecimento científico internacional e da sua aplicabilidade e adequabilidade ao panorama português.

PSICOLOGIA DO TESTEMUNHO

PSICOLOGIA DO TESTEMUNHO

16,7 x 24 cm

PSICOLOGIA DO TESTEMUNHO DA PRÁTICA À INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA

COORDENADORES Laura Alho Psicóloga clínica e forense. Membro de associações nacionais e internacionais científicas. Desenvolve trabalho de investigação na área da Psicologia do Testemunho, com colaborações nacionais e internacionais (financiadas e não financiadas). Docente e palestrante convidada em várias entidades e instituições de ensino. Autora e coordenadora de diversas publicações científicas. Coordenadora Científica da Especialização Avançada em Psicologia do Testemunho do CRIAP.

Mauro Paulino

Coordenação:

Laura Alho I Mauro Paulino

Psicólogo clínico e forense. Coordenador da Mind | Instituto de Psicologia Clínica e Forense. Consultor do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses. Membro do Conselho Nacional de Psicólogos e do National Awarding Committee da Ordem dos Psicólogos Portugueses. Membro do Centro de Investigação do Núcleo de Estudos e Intervenção Cognitivo-Comportamental. Docente convidado em várias universidades nacionais e internacionais. Autor e coordenador de diversos livros.


EDIÇÃO PACTOR – Edições de Ciências Sociais, Forenses e da Educação Av. Praia da Vitória, 14 A – 1000-247 LISBOA Tel: +351 213 511 448 pactor@pactor.pt DISTRIBUIÇÃO Lidel – Edições Técnicas, Lda. R. D. Estefânia, 183, R/C Dto. – 1049-057 LISBOA Tel: +351 213 511 448 lidel@lidel.pt www.lidel.pt LIVRARIA Av. Praia da Vitória, 14 A – 1000-247 LISBOA Tel: +351 213 511 448 livraria@lidel.pt Copyright © 2021, PACTOR – Edições de Ciências Sociais, Forenses e da Educação ® Marca registada da FCA – Editora de Informática, Lda. ISBN edição impressa: 978-989-693-098-1 1.ª edição impressa: fevereiro de 2021 Paginação: Carlos Mendes Impressão e acabamento: Tipografia Lousanense, Lda. – Lousã Depósito Legal n.º 479428/21 Ilustração de capa: Emanuel Dias Todos os nossos livros passam por um rigoroso controlo de qualidade, no entanto, aconselhamos a consulta periódica do nosso site (www.pactor.pt) para fazer o download de eventuais correções. Não nos responsabilizamos por desatualizações das hiperligações presentes nesta obra, que foram verificadas à data de publicação da mesma. Os nomes comerciais referenciados neste livro têm patente registada. Reservados todos os direitos. Esta publicação não pode ser reproduzida, nem transmitida, no todo ou em parte, por qualquer processo eletrónico, mecânico, fotocópia, digitalização, gravação, sistema de armazenamento e disponibilização de informação, sítio Web, blogue ou outros, sem prévia autorização escrita da Editora, exceto o permitido pelo CDADC, em termos de cópia privada pela AGECOP – Associação para a Gestão da Cópia Privada, através do pagamento das respetivas taxas.


Índice Os Autores.................................................................................................................... XI Nota dos Coordenadores.............................................................................................

XVII

Prefácio.......................................................................................................................... XIX Maria Helena Susano Capítulo 1

1

Psicologia do Testemunho: Uma Abordagem Histórica e Compreensiva Sónia Caridade

Introdução...................................................................................................................... 1 Percurso da Psicologia do Testemunho em Portugal: Breve resenha histórica............. 2 Psicologia do Testemunho: Oportunidades, contributos e desafios em contexto judicial............................................................................................................................ 4 Considerações finais...................................................................................................... 10 Referências..................................................................................................................... 10 Capítulo 2

15

Enquadramento Legal da Prova Testemunhal

© PACTOR

Rui Cardoso

Introdução...................................................................................................................... 15 Regimes legais de prova testemunhal........................................................................... 16 A prova testemunhal no processo penal........................................................................ 17 Objeto e limites do depoimento (art.os 128.º e 130.º)............................................... 17 Depoimento indireto (art.º 129.º).............................................................................. 18 Capacidade e dever de testemunhar (art.º 131.º); impedimentos (art.º 133.º); imunidades (art.º 139.º, n.º 1)................................................................................... 21 Recusa de depoimento (art.º 134.º).......................................................................... 23 Escusa de testemunhar, quebra de segredos e proibição de testemunho (art.os 135.º a 137.º)................................................................................................... 25 Regras de inquirição (art.º 138.º) – Prerrogativas e medidas especiais de proteção (art.º 139.º)................................................................................................. 28 Testemunhas menores de idade............................................................................... 30 Direitos e deveres da testemunha (art.º 132.º)......................................................... 32 A prova testemunhal no processo civil.......................................................................... 32 Inabilidades para depor: Capacidade, impedimentos, recusa e escusa legítima a depor (art.os 495.º a 497.º do CPC)........................................................................ 32 Depoimento indireto................................................................................................. 33 Alguns aspetos da produção de prova testemunhal................................................ 34 Considerações finais...................................................................................................... 35 Referências..................................................................................................................... 36

V


Psicologia do Testemunho: Da Prática à Investigação Científica

Capítulo 3

37

Incapacidade para Testemunhar: Enquadramento Médico-legal Sofia Brissos e Fernando Vieira

Introdução...................................................................................................................... 37 Capacidade e competência........................................................................................... 37 Avaliação da capacidade para testemunhar em Portugal............................................. 38 Procedimentos para avaliação da (in)capacidade para testemunhar............................ 44 Entrevista clínica....................................................................................................... 44 Exames complementares......................................................................................... 46 Situações específicas......................................................................................... 46 Velhice e demência....................................................................................... 46 Psicoses........................................................................................................ 47 Debilidade mental.......................................................................................... 48 Autismo......................................................................................................... 48 Traumatismos cranianos............................................................................... 48 Alcoolismo e toxicodependência.................................................................. 49 A fase agónica............................................................................................... 49 O maior acompanhado.................................................................................. 49 O suicida que testemunhou.......................................................................... 50 A simulação de incapacidade para testemunhar.......................................... 50 O relatório pericial..................................................................................................... 50 Considerações finais...................................................................................................... 51 Referências..................................................................................................................... 52 Capítulo 4

55

Processos Psicológicos Básicos Envolvidos no Ato de Testemunhar Jorge Oliveira

Introdução...................................................................................................................... 55 A sensação..................................................................................................................... 56 Da sensação à perceção................................................................................................ 58 Atenção e perceção do ambiente.................................................................................. 60 Memória e experiência do ambiente.............................................................................. 62 Considerações finais...................................................................................................... 65 Referências..................................................................................................................... 66 Capítulo 5

69

Os (Des)arranjos da Memória no Testemunho

Pedro B. Albuquerque, Pedro F. S. Rodrigues e Josefa N. S. Pandeirada Introdução...................................................................................................................... 69 Produção de distorções da memória............................................................................. 71 Esquecimento........................................................................................................... 71 Natureza reconstrutiva da memória......................................................................... 72 Reconsolidação........................................................................................................ 72 Paradigmas de informação pós-evento................................................................... 73 Criação de memórias autobiográficas falsas........................................................... 74 VI


Índice

Fatores que influenciam o poder da sugestão............................................................... 75 Inflação pela imaginação.......................................................................................... 75 Fonte e forma da sugestão....................................................................................... 75 Plausibilidade da informação sugerida..................................................................... 76 Características do evento passíveis de influenciar o testemunho................................. 76 Violência do evento.................................................................................................. 76 Complexidade do evento......................................................................................... 77 Condições em que ocorre o evento......................................................................... 77 A recolha do testemunho............................................................................................... 77 Decurso do tempo.................................................................................................... 78 O ambiente circundante........................................................................................... 78 Entrevista cognitiva.................................................................................................. 79 Recordar em colaboração........................................................................................ 80 Estado de intoxicação das testemunhas................................................................. 80 Confiança da testemunha......................................................................................... 81 Considerações finais...................................................................................................... 82 Referências..................................................................................................................... 82 Capítulo 6

87

Avaliação da Capacidade para Testemunhar: Contributos da Psicologia Forense Catarina Ribeiro, Telma Sousa Almeida e Raquel Veludo Fernandes

Introdução...................................................................................................................... 87 Avaliação dos processos psicológicos envolvidos na capacidade para testemunhar.. 88 Objetivos da avaliação psicológica forense............................................................. 89 Metodologias da avaliação psicológica forense...................................................... 89 Entrevista clínica-forense.................................................................................... 93 Entrevistas complementares............................................................................... 94 Análise de documentos...................................................................................... 95 Avaliação psicométrica....................................................................................... 95 O papel do perito...................................................................................................... 96 Perspetiva crítica das principais problemáticas associadas ao testemunho................ 97 O intervalo de tempo entre o evento e a recolha do testemunho............................ 97 Influência do entrevistador nas respostas da testemunha....................................... 98 Influência do contexto.............................................................................................. 99 Mentira...................................................................................................................... 99 Considerações finais...................................................................................................... 100 Referências..................................................................................................................... 101 Capítulo 7

107

Estilos de Resposta: Validade, Verdade e Risco de Arbitrariedade em

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Avaliação Neuropsicológica Mário R. Simões e Margarida Ferraz

Introdução...................................................................................................................... 107 Estilos de resposta: Simulação, dissimulação, defensividade, fingimento, engano, desejabilidade social e mentira...................................................................................... 110 Simulação................................................................................................................. 110 VII


Psicologia do Testemunho: Da Prática à Investigação Científica

Fingimento, dissimulação e defensividade............................................................... 111 Desejabilidade social................................................................................................ 112 Mentira...................................................................................................................... 112 Simulação e exagero de sintomas: Contextos forenses e clínicos................................ 116 Escalas de validade dos inventários de personalidade................................................. 117 Inventário Multifásico de Personalidade de Minnesota-2........................................ 117 Inventário de Avaliação da Personalidade............................................................... 120 Novos instrumentos de avaliação de estilos de resposta: TVD e TVS.......................... 122 Testes de Validade de Desempenhos....................................................................... 124 Testes de Validade de Sintomas............................................................................... 125 Considerações finais...................................................................................................... 127 Referências..................................................................................................................... 129 Capítulo 8

139

Efeitos da Emoção na Memória dos Testemunhos Ocular, Auditivo e Olfativo Jacqueline Ferreira, André Mesquita e Laura Alho Introdução...................................................................................................................... 139 Prova testemunhal: Falsas identificações e suas implicações...................................... 140 Variáveis que influenciam a memória das testemunhas................................................ 142 Efeitos da emoção na memória..................................................................................... 143 Efeitos da ativação emocional na memória da testemunha.......................................... 144 A valência emocional e a memória da testemunha........................................................ 148 A intensidade motivacional e a memória....................................................................... 149 Considerações finais...................................................................................................... 151 Referências..................................................................................................................... 154 Capítulo 9

161

A Prova Pessoal e os Suspeitos em Processo Penal André Inácio e Carlos Ademar Introdução...................................................................................................................... 161 As competências do investigador.................................................................................. 163 O contexto espacial e a interferência de terceiros......................................................... 165 Caracterização do bom mentiroso................................................................................. 166 Os três tipos de emoções mais ligados à mentira......................................................... 167 O detalhe como instrumento para aquilatar a verdade.................................................. 167 O suspeito...................................................................................................................... 168 Perguntas de teste......................................................................................................... 169 A linguagem não verbal.................................................................................................. 169 O modelo do triângulo invertido..................................................................................... 170 Gestão dos silêncios...................................................................................................... 170 Obtenção da confissão.................................................................................................. 171 Aspetos legais................................................................................................................ 172 Considerações finais...................................................................................................... 176 Referências..................................................................................................................... 178 VIII


Índice

Capítulo 10

181

Técnicas de Entrevista e de Interrogatório Catarina Costa e Miguel Pereira

Introdução...................................................................................................................... 181 Enquadramento legal..................................................................................................... 181 Técnicas de entrevista................................................................................................... 183 Técnicas de interrogatório.............................................................................................. 190 Considerações finais...................................................................................................... 196 Referências..................................................................................................................... 197 Capítulo 11

199

Entrevista da Criança em Contexto Forense: Da Psicologia Aplicada à Prova Testemunhal Carlos Eduardo Peixoto

Introdução...................................................................................................................... 199 Protocolos de entrevista................................................................................................ 201 Especificidades intraindividuais..................................................................................... 202 Crianças relutantes................................................................................................... 202 Estudos sobre crianças com défices desenvolvimentais......................................... 203 O testemunho em julgamento........................................................................................ 205 O testemunho em casos de regulação das responsabilidades parentais..................... 205 Entrevista de jovens ofensores...................................................................................... 206 Uma descrição empírica da situação em Portugal........................................................ 208 Considerações finais...................................................................................................... 210 Referências..................................................................................................................... 211 Capítulo 12

217

Memória nos Testemunhos de Pessoas Idosas: Quão Fiável? Maria Salomé Pinho

Introdução...................................................................................................................... 217 Memória de episódios.................................................................................................... 218 Memória da fonte de informação................................................................................... 221 Memória de pessoas/rostos........................................................................................... 222 Influência dos estereótipos acerca da idade e de traços de personalidade.................. 224 Entrevistar testemunhas idosas..................................................................................... 224 Considerações finais...................................................................................................... 226 Referências..................................................................................................................... 226 Capítulo 13

231

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Sexologia Forense: Avaliação do Interesse Sexual Parafílico Joana Carvalho

Introdução...................................................................................................................... 231 Sobre interesses sexuais parafílicos e perturbações parafílicas................................... 232 IX


Psicologia do Testemunho: Da Prática à Investigação Científica

Breve história da avaliação fisiológica do interesse sexual parafílico............................ 234 Pressupostos e implementação da avaliação fisiológica do interesse sexual parafílico......................................................................................................................... 234 Limitações e métodos alternativos................................................................................ 235 Avaliação indireta do interesse sexual parafílico............................................................ 237 Avaliação dos interesses sexuais parafílicos e intervenção com agressores sexuais no contexto pós-sentencial............................................................................................ 239 Considerações finais...................................................................................................... 239 Referências..................................................................................................................... 240 Capítulo 14

245

O Recurso a Cães Facilitadores em Tribunal: Uma Abordagem Prospetiva Mauro Paulino, Sofia Gabriel, Andreia Campos Baptista, Laura Alho, Pedro Emanuel Paiva, Maria Perquilhas e Paulo Pinto de Albuquerque

Introdução...................................................................................................................... 245 Cães facilitadores........................................................................................................... 248 Da sala de espera ao testemunho.................................................................................. 250 Prospeção dos cães facilitadores em tribunal: Os desafios.......................................... 253 O perfil dos cães facilitadores.................................................................................. 254 Medidas protocolares de saúde e bem-estar nos cães facilitadores....................... 256 Da utilização transversal à formação específica dos cães facilitadores em tribunal...................................................................................................................... 257 Enquadramentos e fundamentos legais......................................................................... 259 Processos de promoção e proteção e processos tutelares cíveis........................... 259 Processo tutelar educativo....................................................................................... 267 Processo penal......................................................................................................... 268 Considerações finais...................................................................................................... 270 Referências..................................................................................................................... 271

Posfácio..........................................................................................................................

277

Índice Remissivo...........................................................................................................

281

Rui Patrício

X


Os Autores Coordenadores e Autores Laura Alho Psicóloga clínica e forense. Doutorada em Psicologia, com trabalho desenvolvido na área da Psicologia do Testemunho, em particular no testemunho olfativo. Mestre em Psicologia Forense. Pós-graduada em Criminologia. Detém formações profissionais nas áreas de vitimologia, profiling criminal, investigação criminal, intervenção em situações de separação e divórcio, entre outras. Membro de associações nacionais e internacionais científicas. Desenvolve trabalho de investigação na área da Psicologia do Testemunho, com colaborações nacionais e internacionais (financiadas e não financiadas). Docente e palestrante convidada em várias entidades e instituições de ensino. Autora e coordenadora de diversas publicações científicas. Coordenadora Científica da Especialização Avançada em Psicologia do Testemunho do CRIAP.

Mauro Paulino Psicólogo clínico e forense. Mestre em Medicina Legal e Ciências Forenses. Doutorando em Psicologia Forense na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação na Universidade de Coimbra (FPCE-UC). Coordenador da Mind | Instituto de Psicologia Clínica e Forense. Consultor do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses. Membro efetivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), com grau de Especialidade Avançada em Psicologia da Justiça. Membro do Conselho Nacional de Psicólogos e do National Awarding Committee da OPP. Membro do Centro de Investigação do Núcleo de Estudos e Intervenção Cognitivo-Comportamental (CINEICC). Docente convidado em várias universidades nacionais e internacionais. Autor e coordenador de diversos livros.

Autores André Inácio Doutor em Direito Público pela Universidade San Pablo CEU, Madrid. Licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Pós-graduado em Criminologia (Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias) e em Direito Penal Económico e Europeu (Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra), Diplomado em Estudios Avanzados de Derecho Publico, ramo Direito Penal (San Pablo CEU). Membro Investigador do Instituto Português de Relações Internacionais e do Centro de I&D sobre Direito e Sociedade, ambos da Universidade Nova de Lisboa. Auditor de Defesa Nacional (IDN).

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André Mesquita Agente ao serviço da Polícia de Segurança Pública no Comando de Lisboa. Frequenta o curso de Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Colabora informalmente em projetos de investigação no âmbito da Psicologia do Testemunho. XI


Psicologia do Testemunho: Da Prática à Investigação Científica

Andreia Campos Baptista Licenciada em Ciências Psicológicas e mestre em Psicologia da Família e Intervenção Comunitária pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa (FPUL), com investigação desenvolvida na área da transmissão intergeracional de valores. Exerce clínica privada na Mind | Instituto de Psicologia Clínica e Forense, assumindo o papel de gestora clínica. Experiência profissional na área da violência doméstica, nomeadamente na avaliação de risco e acompanhamento psicológico da mulher vítima de violência e filhos menores em contexto de casa de abrigo. Autora e coautora de trabalhos científicos apresentados em conferências nacionais e internacionais.

Carlos Ademar Professor da Escola de Polícia Judiciária, Professor Auxiliar Convidado da Academia Militar e da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Mestre em História Contemporânea pela Universidade Nova de Lisboa. Foi inspetor da Polícia Judiciária na área dos homicídios durante cerca de 20 anos. Tem obra publicada nos campos da História, ficção e ficção histórica.

Carlos Eduardo Peixoto Psicólogo forense. Doutor em Psicologia pela Universidade do Porto. Investigador no Centro de Estudos do Desenvolvimento Humano da Universidade Católica Portuguesa. Professor Auxiliar Convidado do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto.

Catarina Costa Inspetora da Polícia Judiciária (PJ). Licenciada em Direito pela Universidade do Minho. Exerceu advocacia e ingressou no Curso de Formação de Inspetores Estagiários da PJ. Esteve colocada na Diretoria do Norte (Porto) e no Departamento de Investigação Criminal de Braga da PJ (onde atualmente se encontra), tendo desempenhado funções de Inspetora em brigadas de investigação de crimes sexuais. Frequentou várias formações relacionadas com a investigação de crimes contra as pessoas, nomeadamente relativas à audição de testemunhas (vítimas) de crimes sexuais, ministradas pelo Gabinete de Psicologia da Escola da Polícia Judiciária.

Catarina Ribeiro Professora Auxiliar da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa, onde é Coordenadora da Licenciatura em Psicologia. Doutorada em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. Perita em Avaliação Psicológica Forense do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses. Coordenadora e investigadora em vários projetos de investigação financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e pela Comissão Europeia. Autora e coautora de diversas publicações científicas (livros, capítulos de livros, artigos em revistas científicas) relacionadas com as temáticas da avaliação psicológica em contexto forense, aspetos psicológicos da tomada de decisão judicial, entrevista forense, risco e adversidade na infância e adaptação das crianças à separação parental.

XII


Os Autores

Fernando Vieira Psiquiatra com a subespecialidade de Psiquiatria Forense, a exercer no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa e membro da Direção da Secção da Subespecialidade de Psiquiatria Forense do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos.

Jacqueline Ferreira Psicóloga clínica e forense. Doutorada em Psicologia pela Universidade de Aveiro, em colaboração com o Institute for Biomedical Imaging and Life Sciences da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e o Instituto Karolinska (Suécia). Mestre em Psicologia Forense e Licenciada em Psicologia pela Universidade de Aveiro. Colabora na Mind | Instituto de Psicologia Clínica e Forense. Tem desenvolvido projetos de investigação na área da Psicologia das Emoções, em particular sobre emoções de medo e nojo.

Joana Carvalho Professora Auxiliar de Psicologia na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, membro do Grupo de Investigação em Sexualidade Humana do Centro de Psicologia da Universidade do Porto. Desenvolve investigação na área da sexologia clínica e sexologia forense, com enfoque nos crimes sexuais e interesses sexuais parafílicos. Editora associada no Journal of Sexual Medicine e no Frontiers in Psychology – Health Psychology, desenvolvendo trabalho de consultoria científica e profissional na Sociedade Europeia de Medicina Sexual e na Associação Europeia de Urologia. Autora e Investigadora Principal do projecto FEMOFFENCE financiando pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, que visa a compreensão do fenómeno da violência sexual perpetrada por mulheres.

Jorge Oliveira Doutorado em Neuropsicologia Clínica pela Universidade de Salamanca e Professor Associado na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Investigador e membro da Direção da unidade I&D HEI-Lab. Os seus interesses científicos centram-se no estudo da cognição humana e na aplicação das novas tecnologias enquanto abordagens de treino cognitivo em populações clínicas com alterações no funcionamento cognitivo.

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Josefa N. S. Pandeirada Licenciada e doutorada em Psicologia (especialidade de doutoramento em Psicologia Experimental e Ciências Cognitivas) pela Universidade do Minho. Equiparada a Investigadora Principal no Departamento de Educação e Psicologia da Universidade de Aveiro, onde coordena o laboratório dedicado à investigação da cognição humana numa perspetiva evolutiva (EvoCogLab). O William James Center for Research é a Unidade de Investigação em que se encontra integrada. O tema principal da sua investigação é a memória humana, área que domina o portefólio da sua produção científica. Outros aspetos da cognição, tais como a influência do contexto ambiental no funcionamento cognitivo, são também do seu interesse. É regularmente convidada a rever trabalhos para várias revistas científicas da área e também já participou em painéis de avaliação de agências científicas internacionais.

XIII


Psicologia do Testemunho: Da Prática à Investigação Científica

Margarida Ferraz Psicóloga clínica. Mestre em Psicologia Clínica e Saúde, com subespecialização em Psicologia Forense, pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. Pós-graduada em Adições Químicas e Comportamentais. Experiência de acompanhamento psicológico de população com problemática adictiva e em sistema prisional. Formadora na área de Psicologia Forense. Membro Efetivo da Ordem dos Psicólogos Portugueses.

Maria Perquilhas Juíza Desembargadora. Pós-graduada em “A proteção de Menores Vítimas de Crime Sexual”, “Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem” e “Proteção de Menores” pelo Centro de Direito da Família da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Formação em “Avaliação e Promoção de Competências Parentais” e Curso de Especialização em Grandes Temas de Direito da Família e das Crianças – Centro de Estudos Judiciários. Docente convidada em diversas universidades e instituições de formação na área do Direito da Família e das Crianças. Perita da Rede Europeia de Formação Judiciária. Oradora e moderadora de diversas conferências e seminários.

Maria Salomé Pinho Licenciada e doutorada em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC), onde é Professora Auxiliar e leciona várias unidades curriculares (Aprendizagem e Memória, Neuropsicologia do Envelhecimento e Temas de Investigação em Psicologia Forense). Membro do Laboratório de Memória, Linguagem e Funções Executivas e da linha de investigação Neuropsychological Assessment and Ageing Processes do Centro para a Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental da FPCEUC. Tem publicado capítulos de livros em português e artigos em revistas nacionais e internacionais sobre memória humana.

Mário R. Simões Psicólogo. Doutorado em Avaliação Psicológica e Professor Catedrático da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC). Coordenador do grupo de investigação Neuropsychological Assessment and Ageing Processes do Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental da FPCEUC. Diretor do Laboratório de Avaliação Psicológica e Psicometria (PsyAssessmentLab) da FPCEUC. Investigador Responsável por projetos de investigação com financiamento externo (FCT, FCG, Bial) envolvendo a adaptação, desenvolvimento e validação de testes (neuro)psicológicos para a população portuguesa. Autor/ /coautor de publicações nacionais e internacionais nos domínios da adaptação/validação de instrumentos de avaliação (neuro)psicológica e dos relatórios psicológicos.

Miguel Pereira Licenciado em Direito, pela Universidade de Coimbra, tendo também o Curso Superior de Medicina Legal da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Inspetor da Polícia Judiciária, tendo exercido funções em Lisboa (Combate ao Tráfico de Estupefacientes), Ponta Delgada (Homicídios e Crimes Sexuais), Porto (Crime Violento e Crimes Sexuais) e atualmente em Braga (Crimes Sexuais). Tem várias formações na área da XIV


Os Autores

investigação dos crimes sexuais, ministradas pela Escola da Polícia Judiciária, nomeadamente na entrevista a vítimas e interrogatório de arguidos.

Paulo Pinto de Albuquerque Juiz do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos entre 2011 e 2020 e Professor Catedrático da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, instituição onde se doutorou. Foi Professor Visitante da University of Illinois – School of Law e da Jia Tong University, Xangai. Tem publicado e desenvolvido investigação nas áreas do Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito das Contraordenações.

Pedro B. Albuquerque Professor Associado com Agregação no Departamento de Psicologia Básica da Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Publicou mais de meia centena de artigos sobre os processos de memória humana em revistas especializadas. No seu currículo constam também várias orientações de doutoramento e mestrado onde a investigação básica e aplicada sobre o funcionamento da memória são orientadoras do seu estudo. Dirige o Grupo de Investigação em Memória Humana do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho, através do qual procura atrair estudantes e investigadores interessados no conhecimento sobre como esquecemos e como nos podemos proteger dessa inevitabilidade.

Pedro Emanuel Paiva Militar de carreira, especializado em cães de defesa policiais, cães de busca e salvamento, cães de intervenções assistidas com escolas públicas de ensino especial e cães CITES, na Guarda Nacional Republicana. Fundador da Pet B Havior. Consultor externo da Unidade de Bem-Estar Animal da Câmara Municipal de Oeiras. Mentor e apresentador do programa televisivo “SOS donos em apuros”, na CMTV. Consultor Externo da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Mafra e do Tribunal de Família e Menores de Mafra. Docente Coordenador da Pós-Graduação no Instituto Superior de Educação e Ciências de Lisboa, sobre “Intervenções Assistidas com Animais”. Comissário do Clube Português de Canicultura, na Comissão de Cães de Intervenção Psicossocial. Autor de livros.

Pedro F. S. Rodrigues Psicólogo. Doutorado em Psicologia pela Universidade de Aveiro, investiga e leciona em temáticas da memória, atenção, distração, funções executivas, relação indivíduo-ambiente circundante, desenvolvimento cognitivo humano, bem como na tradução e validação de questionários. Conta com vários artigos nacionais e internacionais. Gestor de Ciência do Centro de Investigação em Psicologia (CIPsi), Escola de Psicologia, Universidade do Minho, e membro do Grupo de Investigação em Memória Humana da mesma universidade.

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Raquel Veludo Fernandes Mestre em Psicologia, com especialização na área da Justiça e do Comportamento Desviante, pela Universidade Católica Portuguesa do Porto. Pós-graduada em Psicopatologia e Psicoterapia de Crianças e Adolescentes pelo Instituto Português de Psicologia. Bolseira de investigação em vários projetos europeus no âmbito da Psicologia da Justiça. Experiência profissional no campo da Psicologia Forense e no acompanhamento XV


Psicologia do Testemunho: Da Prática à Investigação Científica

psicológico de crianças, adolescentes e adultos, nomeadamente vítimas de violência doméstica. Experiência como formadora e docente em temáticas relacionadas com a avaliação psicológica forense, fenómenos de vitimação e intervenção psicológica com vítimas. Coautora de vários artigos e capítulos de livros nacionais e internacionais na área da Psicologia Forense.

Rui Cardoso Magistrado do Ministério Público, atualmente com a categoria de Procurador da República. Docente do Centro de Estudos Judiciários nas áreas de Direito Penal, Direito Processual Penal e Ética. Diretor da Revista do Ministério Público.

Sofia Brissos Psiquiatra com a subespecialidade de Psiquiatria Forense, a exercer no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa e no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses.

Sofia Gabriel Mestre em Psicologia Clínica Cognitiva-Comportamental e Integrativa pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa. Frequenta o Curso Pós-Graduado em Luto pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Exerce clínica privada na Mind | Instituto de Psicologia Clínica e Forense, sendo responsável pela Consulta Especializada de Apoio ao Luto. Possui curso de Técnico de Apoio à Vítima (TAV), Traumatic Incident Reduction Nível 1 e Intervenção Cognitiva-Narrativa no Luto Nível 1.

Sónia Caridade Professora Auxiliar na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Fernando Pessoa e Coordenadora Pedagógica do 1.º ciclo de estudos em Criminologia. Doutorada em Psicologia da Justiça. Membro Investigador Integrado no Centro Interdisciplinar em Estudos de Género do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Investigadora no Observatório Permanente Violência e Crime. Desenvolveu a sua tese de doutoramento na área da violência nas relações íntimas juvenis e é autora de diversas publicações, nacionais e internacionais.

Telma Sousa Almeida Professora Auxiliar no ISPA – Instituto Universitário e Investigadora no William James Center for Research (ISPA). Doutorada em Psicologia pela Universidade de Cambridge, no Reino Unido. Pós-graduada em Medicina Legal e em Avaliação Psicológica Forense. Perita em Avaliação Psicológica Forense no Gabinete Forense da Clínica ISPA. Especialista em desenvolvimento infantil, avaliação psicológica e entrevista forense. Coordena vários estudos nas áreas da Psicologia do Testemunho, da memória episódica, da avaliação psicológica, da violência doméstica e da participação das crianças no sistema de Justiça. Tem vários trabalhos publicados em revistas científicas e livros, bem como comunicações em conferências nacionais e internacionais.

XVI


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Psicologia do Testemunho:

Uma Abordagem Histórica e Compreensiva Sónia Caridade

Palavras-chave:

Psicologia do Testemunho

Processos psicológicos

Credibilidade do testemunho

Fiabilidade do testemunho

Erros de memória

As duas últimas décadas do século XX inauguraram os esforços para a interseção entre Psicologia e Direito, enquanto áreas do saber que se debruçam sobre o comportamento humano, no seu estudo e controlo, respetivamente. Não obstante as especificidades e ambiguidades que permeiam a relação entre estas duas áreas do saber, a Psicologia do Testemunho, enquanto segmento da Psicologia Forense, ocupa um papel primordial no apuramento da verdade judicial (e.g., análise dos erros [in]voluntários do testemunho, credibilidade e fiabilidade do testemunho). No decorrer do presente capítulo, e tomando por referência os desenvolvimentos e contributos registados na Psicologia Forense em Portugal, proceder-se-á a uma breve resenha histórica sobre o percurso da Psicologia do Testemunho, nomeando os principais marcos e contributos trazidos pelos autores investidos em desenvolver esta área do conhecimento. Procurar-se-á, igualmente, analisar e refletir sobre os contributos e oportunidades gerados pelos avanços registados na Psicologia do Testemunho ao nível do sistema de Justiça. Para finalizar, serão tecidas algumas considerações sobre os desafios que ainda urge superar, no sentido de estreitar e incrementar a interação destas áreas, potenciando a eficácia normativa e credibilização do sistema de Justiça.

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Introdução A Psicologia, nas suas mais variadas vertentes, constitui uma área do saber que progressivamente, e de forma mais incisiva a partir dos anos 80 do século XX, tem vindo a estabelecer múltiplas facetas de interação com o Direito (Gonçalves, 1996, 2010, 2012; Gonçalves & Machado, 2011). Neste sentido, a Psicologia da Justiça1, aqui tida no sentido mais lato como envolvendo todo o trabalho desenvolvido pelos psicólogos na interação com o sistema de Justiça, poderá abarcar os mais variados domínios que integram a ação jurisdicional (e.g., criminal, cível, família e menores, laboral) e os mais diversos atores do sistema legal (e.g., vítima, arguido, advogados, juízes, procuradores, testemunhas, peritos; Gonçalves & Machado, 2011; Poiares & Louro, 2012). Esta área de interseção entre a Psicologia e o sistema de Justiça tem originado a emergência de terminologia variada (e.g., Psicologia Forense, Psicologia Judiciária, Psicologia Legal, Psicologia da Justiça, Psicologia Criminal), que 1

A Psicologia Judiciária (cf., Soeiro, 2016) ou a Psicologia Jurídica (cf. Arce, 2016) surgem como outras nomenclaturas usadas para definir a interseção entre a Psicologia e o sistema de Justiça. 1


Psicologia do Testemunho: Da Prática à Investigação Científica

compreende uma certa ambiguidade e cuja definição não tem sido simples nem consensual entre os mais diversos profissionais da Psicologia (Fonseca, 2006; Gonçalves & Machado, 2011; Manita & Machado, 2012; Soeiro, 2016). Não obstante a atual e ampla aplicação da Psicologia em vários campos do Direito e a relação de continuidade que caracteriza estas duas áreas disciplinares (na medida em que ambas focam o comportamento humano), esta relação tem também sido descrita como sendo imbuída de algumas fragilidades e incompreensões (Carmo, 2014) ou mesmo “tensões e descomunicações” (Manita & Machado, 2012, p. 19), com implicações na aceitabilidade do potencial contributo dos psicólogos na resolução de certas questões judiciais (Casimiro, 2012). As principais diferenças paradigmáticas e conceptuais entre estas duas áreas do saber (e.g., conceções de verdade, causalidade e natureza humana), amplamente exploradas em trabalhos anteriores (e.g., Machado & Gonçalves, 2011), têm desencadeado inúmeros desafios, dificuldades diversas (de natureza técnica e científica) e alguns paradoxos aos profissionais de Psicologia convocados a responder aos mais diversos quesitos judiciais (Fonseca, Matos, & Simões, 2008). De entre os múltiplos esforços de superação a empregar neste sentido, destaca-se a importância de os profissionais de Psicologia conhecerem e se regerem por aqueles que constituem as suas capacidades, competências e limites do conhecimento (cf. Benavente & Caridade, no prelo), sem nunca perder o sentido de “seriedade e rigor técnico” (Machado & Gonçalves, 2011, p. 29). Pese embora os mais diversos posicionamentos e problematizações colocados ao nível da relação entre Psicologia e Direito, nos últimos anos tem sido defendido e fundamentado o contributo significativo que a ciência psicológica possui no estudo e compreensão das mais variadas questões que envolvem as áreas do crime, da Justiça e do bem-estar social (Fonseca, 2006). Tendo por base este imperativo, no presente capítulo, procurar-se-á discorrer sobre uma das múltiplas facetas de interação entre Psicologia e Direito, designadamente, sobre aquela que incide nos aspetos tocantes ao testemunho, aspeto crucial e, não raras vezes, determinante no apuramento da verdade judicial – Psicologia do Testemunho. Assim, proceder-se-á a uma breve resenha histórica sobre o percurso da Psicologia do Testemunho em Portugal, e que é indissociável dos avanços registados no seio da Psicologia Forense, identificando os principais marcos e contributos levados a cabo pelos autores comprometidos na expansão desta área do conhecimento entre nós. Seguidamente, procurar-se-á analisar e refletir sobre a importância da Psicologia do Testemunho no contexto da Justiça, identificando os contributos, oportunidades e desafios que urge superar neste âmbito.

Percurso da Psicologia do Testemunho em Portugal: Breve resenha histórica A trajetória desenvolvimental da Psicologia do Testemunho inscreve-se, invariavelmente, naquele que é o percurso traçado pela Psicologia na interface com o sistema de Justiça. Esta “dilatação”, em Portugal, da Psicologia aos domínios da Justiça tem já uma longa história, que assumiu particular destaque a partir das duas últimas décadas do século XX (Gonçalves, 1996, 2010, 2012; Gonçalves & Machado, 2011; Fonseca et al., 2008). O acolhimento profissional de psicólogos por instituições da área da Justiça (antigo Instituto de Reinserção Social), a aposta na formação académica (instituindo-se áreas curriculares de graduação na área da Justiça) e o incremento de inúmeros trabalhos de natureza académica 2


Psicologia do Testemunho: Uma Abordagem Histórica e Compreensiva

(e.g., Fonseca, 2006; Gonçalves & Machado, 2005, 2011; Machado, 2005a, 2005b, 2006; Machado & Gonçalves, 2005a, 2005b; Matos, Gonçalves, & Machado, 2011; Poiares, 2012; Ribeiro, 2009) constituíram marcos incontornáveis na expansão da Psicologia ao domínio da Justiça (Gonçalves & Machado, 2011). A Psicologia da Justiça procura, deste modo, servir os interesses e necessidades do sistema de Justiça e, assim, afirmar-se como uma disciplina apta a responder às mais diversas inquietações científicas e práticas colocadas aos psicólogos pelos diferentes atores judiciais (Goldstein, 2003, citado por Fonseca, 2006). A apreciação do testemunho constitui uma das Pese embora os mais diversos posicionamenáreas em crescente desenvolvimento no seio da tos e problematizações colocados ao nível da Psicologia da Justiça (Manita & Machado, 2012), relação entre Psicologia e Direito, nos últimos anos tem sido defendido e fundamentado o e para a qual a Psicologia do Testemunho muito contributo significativo que a ciência psicológitem contribuído. Impulsionada em Portugal pelos ca possui no estudo e compreensão das mais trabalhos desenvolvidos por Carrington da Costa variadas questões que envolvem as áreas do (1954a, 1954b, citado por Gonçalves & Machado, crime, da Justiça e do bem-estar social. 2011), a Psicologia do Testemunho2 tem sido considerada como constituindo o ponto inaugural e nevrálgico do desenvolvimento da investigação psicológica ao serviço da Justiça e a pedra angular da Psicologia Forense, da qual acabaria por emancipar-se com a emergência dos estudos sobre os depoimentos (Poiares, 2012). Considerada um segmento da Psicologia Forense ou Judiciária, a Psicologia do Testemunho enforma um campo específico do saber psicológico que procura, através de um conjunto de conhecimentos e técnicas, provindos fundamentalmente das Psicologias Cognitiva, Experimental e Social, apreciar a exatidão do testemunho produzido no âmbito das investigações policiais e judiciais (Arce, 2016; Gonçalves & Machado, 2011). Partindo da análise científica das declarações prestadas junto de instâncias de controlo social, a Psicologia do Testemunho foca-se em três grandes objetos de estudo (cf., Poiares & Louro, 2012): ■■

Avaliação dos erros do testemunho, voluntários e involuntários;

■■

Avaliação da credibilidade do testemunho;

■■

Avaliação da fiabilidade do testemunho.

Neste sentido, a Psicologia do Testemunho desempenha um contributo importante na tomada de decisão judicial, que se procurará explanar na secção “Psicologia do Testemunho: Oportunidades, contributos e desafios em contexto judicial”. A história da Psicologia Forense em Portugal encontra-se vertida em diversas publicações científicas, que constituíram âncoras importantes na elaboração do presente capítulo, produzidas por profissionais (e.g., Gonçalves, 1996, 2010, 2012; Gonçalves & Machado, 2011; Manita & Machado, 2012; Poiares, 2012) que deram contributos e legados indeléveis na evolução e expansão deste domínio do conhecimento, especificamente da Psicologia do Testemunho. Neste sentido, diríamos que o percurso da Psicologia do Testemunho em Portugal se consubstanciou a partir de múltiplos esforços:

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■■

Pelo progressivo incremento da investigação científica desenvolvida no nosso país nos últimos anos, mediante a construção de protocolos, metodologias e instrumentos de

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Ainda que a paternidade da disciplina tenha sido atribuída a Münsterberg (1909), os primeiros estudos sobre a identificação de erros, voluntários e involuntários, do testemunho foram conduzidos por Stern e Binet (cf. Gonçalves & Machado, 2011). 3


Psicologia do Testemunho: Da Prática à Investigação Científica

avaliação psicológica (e.g., Fonseca, 2006; Fonseca, Simões, Simões, & Pinho, 2006; Gonçalves & Machado, 2005; Machado, 2005a, 2005b; Machado & Gonçalves, 2005a, 2005b; Peixoto, Ribeiro, & Lamb, 2011; Peixoto, Ribeiro, & Alberto, 2013; Saraiva & Albuquerque, 2015; Simões et al., 2017a, 2017b, 2017c). Neste âmbito, cabe destacar a mais recente obra coordenada por Mário Considerada um segmento da Psicologia FoSimões, Miguel Gonçalves e Leandro de Almeida rense ou Judiciária, a Psicologia do Testemu(2017), a qual surgiu precisamente para responder nho enforma um campo específico do saber de forma qualificada às crescentes solicitações jupsicológico que procura, através de um condiciais no âmbito da avaliação psicológica forense, junto de conhecimentos e técnicas, provindos fundamentalmente das Psicologias Cognitiva, incluindo 24 instrumentos de avaliação, objeto de Experimental e Social, apreciar a exatidão do estudos de validação empíricos realizados em Portestemunho produzido no âmbito das investigatugal e em contextos forenses diversos (e.g., prições policiais e judiciais. sionais, centros educativos, médico-legais); ■■

No aperfeiçoamento e validação das técnicas/protocolos de entrevista (e.g., Paulo, Albuquerque, & Bull, 2015a, 2015b; Paulo, Albuquerque, & Bull, 2016; Paulo, Albuquerque, Saraiva, & Bull, 2015; Peixoto et al., 2011), os quais assumem particular relevância na recolha do testemunho de crianças, outrora desvalorizado e negligenciado por se acreditar que as crianças não reuniam competências para prestar um testemunho fidedigno (Caridade, Sani, & Nunes, 2015; Ribeiro, 2009);

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Os mais diversos estudos centrados na análise e influência dos diferentes processos psicológicos em situação de testemunho – ao nível das emoções (Queirós, 2012), dos fenómenos mnésicos (Albuquerque & Santos, 1999) e suas implicações ao nível do reconhecimento de faces, sugestionabilidade, erros de memórias e falsas memórias;

■■

Na definição de procedimentos judiciais sugeridos a usar na recolha do testemunho da criança, de forma a protegê-la durante a sua participação no processo judicial, de que são exemplo as declarações para memória futura (Caridade, Ferreira, & Carmo, 2011);

■■

Por fim, destaque por uma outra linha investigação, afiliada na Psicologia do Testemunho e coordenada pelo Professor Carlos Poiares, que procura indagar acerca das motivações ajurídicas na decisão judicial – Psicologia das Motivações Ajurídicas do Sentenciar –, a qual reúne a especificidade de ser desenvolvida com atores reais (e.g., operadores judiciários, arguidos, vítimas e testemunhas) em tempo e cenários reais (Poiares & Louro, 2012).

Na secção que se segue, procurar-se-á explanar a importância e contributos logrados por todas estas linhas de investigação ao nível das práticas judiciais.

Psicologia do Testemunho: Oportunidades, contributos e desafios em contexto judicial O progressivo desenvolvimento da Psicologia do Testemunho em Portugal encerra uma oportunidade particularmente importante e útil para a tomada de decisão judicial. O incremento das solicitações, por parte das autoridades judiciárias, para a realização de perícias psicológicas com vista a avaliar a capacidade para testemunhar e/ou credibilidade do testemunho das alegadas vítimas de crimes, em especial no âmbito dos crimes contra a autodeterminação sexual, espelha bem a relevância desta área na prática judicial (Antunes, Caridade, Matos, 4


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Enquadramento Legal da Prova Testemunhal Rui Cardoso

Palavras-chave: Testemunha Processo civil Processo penal Capacidade Recusa Escusa

Pretende-se neste capítulo apresentar, em traços largos, o regime da prova testemunhal, meio de prova de importância decisiva na formação da convicção do julgador, nas diferentes leis processuais – penal e civil. Aborda-se, para além do mais, a capacidade e o dever de testemunhar, o objeto e os limites do depoimento, o depoimento indireto, a recusa e a escusa de testemunhar, a quebra dos segredos e ainda algumas das regras de produção do depoimento.

Impedimento

Introdução Não obstante a permanente e significativa evolução da ciência e da tecnologia, com o consequente aumento da utilização e relevância da prova pericial e da prova documental – obtida das mais diversas formas (e.g., interceções de comunicações) e nos mais variados suportes (e.g., informáticos) –, a prova testemunhal continua a ter importância decisiva na formação da convicção do julgador, sendo-lhe dedicada parte substancial das audiências de julgamento.

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As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos – art.º 341.º do Código Civil (CC). A prova testemunhal é um meio de prova – uma forma de convencimento do julgador (Silva, 2011, p. 280) – resultante de declarações de pessoas físicas respeitantes a factos que constituem objeto de prova (o thema probandi); é constituída pela narração de um facto juridicamente relevante de que a testemunha tomou conhecimento através dos seus sentidos (Silva, 2011, p. 200). Estas são algumas das características comuns a toda a prova testemunhal (Sousa, 2013, p. 173): ■■

É uma declaração de ciência, não de vontade, uma vez que a testemunha é obrigada a responder, mesmo contra a sua vontade;

■■

É uma declaração de ciência, não do conhecimento, pois a testemunha deve expressar a razão de ciência do seu conhecimento;

■■

É uma prova representativa, na medida em que a testemunha reconstrói determinados factos que percecionou sensorialmente.

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Psicologia do Testemunho: Da Prática à Investigação Científica

A prova testemunhal é um meio de prova – uma forma de convencimento do julgador – resultante de declarações de pessoas físicas respeitantes a factos que constituem objeto de prova (o thema probandi); é constituída pela narração de um facto juridicamente relevante de que a testemunha tomou conhecimento através dos seus sentidos.

No seu clássico e importante trabalho, Jeremy Bentham (1843) referia-se às testemunhas como os olhos e os ouvidos da Justiça. Mais corretamente, devemos considerar que são os olhos, os ouvidos, o tato, o olfato e até o paladar. Em qualquer dos sentidos pode ter origem a perceção do acontecimento.

Pretende-se, neste capítulo, apresentar o regime da prova testemunhal nas diferentes leis processuais, o que, face à amplitude do tema, terá de ser feito sem a profundidade que outro espaço permitiria e exigiria.

Regimes legais de prova testemunhal São dois os principais regimes legais de prova testemunhal: ■■

O do processo civil, previsto no CC e no Código de Processo Civil (CPC) (essencialmente, nos art.os 392.º a 396.º do CC e nos art.os 498.º a 526.º do CPC);

■■

O do processo penal, previsto no Código de Processo Penal (CPP) (essencialmente, nos art.os 128.º a 139.º, 348.º e 349.º).

O regime do processo civil é o regime básico de tramitação processual dos tribunais judiciais. Estes são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais – art.º 211.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), art.º 64.º do CPC e art.º 40.º, n.º 1, da Lei de Organização do Sistema Judiciário. Sempre que a lei não determina a aplicação de outra lei processual (como sucede com a aplicação de penas), os tribunais judiciais tramitam as ações ao abrigo do disposto no CPC e no CC. Este regime é ainda aplicável nos casos omissos de vários regimes especiais: ■■

Código do Processo do Trabalho (art.º 1.º, n.º 2, al. a));

■■

Regime Geral do Processo Tutelar Cível (art.º 33.º, n.º 1);

■■

Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (art.º 126.º);

■■

Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (art.º 17.º).

É ainda aplicável supletivamente ao processo perante tribunais de outras ordens, como os administrativos (art.º 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), tributários (art.º 2.º, al. e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário), o Tribunal de Contas (art.º 80.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas) e os julgados de paz (art.º 63.º da Lei 78/2001)1. Todos estes regimes especiais caracterizam-se pela quase total ausência de disposições sobre a prova testemunhal. O regime do processo penal é o vigente, naturalmente, para a aplicação de penas e de medidas de segurança – art.º 2.º do CPP. É, ainda, subsidiariamente aplicável, salvo disposição 1

Mesmo quanto ao Tribunal Constitucional (art.º 69.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional), mas aí nunca há produção de prova.

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Enquadramento Legal da Prova Testemunhal

legal em contrário, aos processos de natureza penal regulados em lei especial, que são o Código de Justiça Militar (art.º 107.º da Lei 100/2003) e o processo para julgamento das contravenções e transgressões (art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 17/91)2 – art.º 3.º do CPP. É, ainda, aplicável subsidiariamente no Regime Geral das Contraordenações (art.º 41.º, n.º 1) e no processo tutelar educativo (art.º 128.º, n.º 1, da Lei Tutelar Educativa). Nos casos omissos, quando as disposições do CPP não se puderem aplicar por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal – art.º 4.º do CPP. Começar-se-á pelo regime processual penal e far-se-á depois algumas referências breves ao regime processual civil.

A prova testemunhal no processo penal Analisar-se-á agora os aspetos mais relevantes do regime da prova testemunhal no processo penal, tendencialmente seguindo a ordem dos artigos do CPP3. O processo penal inicia-se com a fase de inquérito, presidida pelo Ministério Público (MP), a que se podem seguir a fase de instrução e fase de julgamento, estas presididas por juiz. Assim, os depoimentos poderão ser prestados, no inquérito, perante o MP (ou os órgãos de polícia criminal, que o podem coadjuvar), que depois os valorará para as decisões que, nessa fase, são da sua competência (e.g., de arquivar ou acusar, ou, nas fases subsequentes, perante o juiz de Instrução ou o tribunal). Sobre a prova testemunhal, o CPP consagra o regime geral nos art.os 128.º a 139.º; os art.os 348.º e 349.º contêm algumas normais especiais para o julgamento. Existem ainda alguns outros artigos relevantes, de que se dará conta.

Objeto e limites do depoimento (art.os 128.º e 130.º) O depoimento é delimitado pelo conhecimento direto4 da testemunha sobre os factos que constituem objeto de prova no processo – art.º 128.º, n.º 1. É um ato pessoal que não pode, em caso algum, ser feito por intermédio de procurador – art.º 138.º, n.º 1. O conhecimento tem de advir da perceção da realidade da testemunha, através dos seus sentidos. Em consequência, é imprescindível conhecer o modo como a testemunha tomou conhecimento dos factos – a chamada “razão de ciência”. A valoração do depoimento depende, logo num primeiro momento, de tal facto. O depoimento versa, assim, sobre os factos juridicamente relevantes que constituem objeto de prova no processo de que a testemunha tenha conhecimento (quem?, o quê?, onde?, com quê?, como?, quando?). Integram o objeto da prova todos os factos juridicamente relevantes que interessam à boa decisão da causa5, por exemplo, todos os que possam integrar qualquer dos elementos típicos de cada um dos crimes em apreciação ou que os possam excluir, para cada um dos agentes. Pormenorizando: os factos relativos à determinação da

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Hoje, sem campo de aplicação, pois a Lei n.º 30/2006 procedeu à conversão em contraordenações das contravenções e transgressões que então estavam em vigor no ordenamento jurídico nacional. 3  Nesta secção, respeitam ao CPP os artigos citados sem indicação de outra origem. 4  Sobre as situações excecionais em que é admitido o depoimento indireto prescreve o art.º 129.º, que será analisado na secção “Depoimento indireto (art.º 129.º)”. 5  Com exceção dos factos notórios – todos aqueles que são do conhecimento geral (guerra, ciclone, terramoto, tornado, um determinado feriado, etc.), pois estes não necessitam de prova – art.º 412.º do CPC. 17


Psicologia do Testemunho: Da Prática à Investigação Científica

existência ou inexistência de um crime em concreto (elementos objetivos constitutivos do tipo de crime, elementos subjetivos do tipo de ilícito, a culpa, incluindo eventual inimputabilidade por anomalia psíquica, causas de exclusão da ilicitude e da culpa, factos de conexão quanto aos entes coletivos), os factos relativos à punibilidade ou não da conduta do arguido (isto é, à punibilidade do facto típico), os factos relativos à determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis (e.g., os factos concretos relativos ao grau de ilicitude do facto, ao modo de execução deste e à gravidade das suas consequências; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou os motivos que o determinaram; as circunstâncias relevantes para eventual atenuação especial da pena; o grau de perigosidade do agente, no caso de internamento de inimputáveis), os factos relativos à determinação da responsabilidade civil conexa com a responsabilidade criminal (e.g., os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, em especial os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo lesado – art.os 483.º, 496.º e 562.º a 566.º do CC), os factos necessários à decisão sobre determinados incidentes processuais (e.g., aplicação de medidas de coação ou de garantia patrimonial, como a verificação em concreto de qualquer dos perigos previstos no art.º 204.º; nulidades, irregularidades e proibições de prova, como a determinação da existência ou não de coação ou de tortura na obtenção de um determinado depoimento; factos atinentes à credibilidade de uma testemunha ou à validade ou idoneidade de um determinado meio de prova). O depoimento sobre factos relativos à personalidade e ao carácter do arguido, bem como às suas condições pessoais e à sua conduta anterior, só é possível na medida estritamente indispensável à prova de elementos constitutivos do crime, nomeadamente da culpa do agente, ou para a aplicação de medida de coação ou de garantia patrimonial (cf. em especial a al. c) do art.º 204.º), ou no momento de determinação da pena ou da medida de segurança – art.º 128.º, n.º 2. O n.º 1 do art.º 130.º proíbe o depoimento (produção e valoração) que se limite a reproduzir vozes ou rumores públicos (o “consta que…” ou o “ouve-se dizer por aí…”). No n.º 2, proíbe a manifestação de meras convicções pessoais sobre factos ou a sua interpretação pelo depoente. À testemunha exige-se o relato do por si O depoimento versa, assim, sobre os factos percecionado com a maior objetividade possível. juridicamente relevantes que constituem objeComo tal nem sempre é fácil, esta norma admite to de prova no processo de que a testemunha tais manifestações de meras convicções pessoais tenha conhecimento (quem?, o quê?, onde?, sobre factos ou a sua interpretação quando são com quê?, como?, quando?). Integram o objeto incindíveis da parte do depoimento sobre os facda prova todos os factos juridicamente relevantes que interessam à boa decisão da causa, por tos concretos, ou quando tenham lugar em função exemplo, todos os que possam integrar qualde qualquer ciência, técnica ou arte, ou quando quer dos elementos típicos de cada um dos criocorrerem no estádio de determinação da sanção mes em apreciação ou que os possam excluir, (ou seja, não como prova da responsabilidade do para cada um dos agentes. arguido).

Depoimento indireto (art.º 129.º) Uma outra exceção à regra de que o depoimento deve consistir no relato dos factos diretamente percecionados pela testemunha está no art.º 129.º, que, com condições, admite o depoimento que resulta do que se ouviu dizer a outra pessoa. O conhecimento da testemunha 18


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Incapacidade para Testemunhar: Enquadramento Médico-legal

Sofia Brissos e Fernando Vieira Palavras-chave:

Avaliação psiquiátrica

Capacidade

Competência

Psicose

Psiquiatria

Os autores começam por especificar os conceitos médico-legais a que se reportam, nomeadamente os de “incapacidade” e de “competência”, quanto à sua definição e evolução conceptual, quando encarados do ponto vista pericial, seja na jurisdição cível seja na criminal, em particular em Portugal. Discutem e distinguem aspetos nem sempre claros para os profissionais envolvidos, nomeadamente peritos, como a “capacidade para testemunhar” ou a “credibilidade” ou “veracidade” de um testemunho, analisando esta questão do ponto de vista jurídico-criminal e nos termos da recente alteração ao Código Civil (CC), com a publicação do Regime Jurídico do Maior Acompanhado. Após descrever a aproximação pericial a este problema da capacidade para testemunhar, enfatizando mais uma abordagem psicológica e psiquiátrica funcional do que estritamente psiquiátrico-diagnóstica, os autores discutem diretamente diversos quadros psicopatológicos quanto à dúvida da incapacidade para estar presente em julgamento e para ser ouvido em juízo, importando aqui uma avaliação de grau ou nível de gravidade intrínseca da patologia de que o indivíduo padeça.

Introdução Numa obra desta natureza, que se destina a profissionais de distintas formações, importaria primeiro esclarecer o significado ou as diferentes aceções possíveis para alguns conceitos (ou termos) frequentemente utilizados na área. Tal acontece, em nossa opinião, seguramente com o termo “incapacidade”, sendo que, porventura, a simples designação de “testemunhar” pode levar pessoas com distintos backgrounds epistemológicos a analisar realidades distintas de forma semelhante. Para complicar, deve ser tido em consideração que a avaliação da capacidade e o próprio constructo em si têm implicações também diferentes e reportam-se muitas vezes a períodos diferenciados, quando encarados no âmbito jurisdicional civil ou penal.

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Capacidade e competência A “capacidade” é, médico-legalmente, entendida como a aptidão para compreender, apreciar, raciocinar e expressar uma escolha, confundindo-se, diríamos mesmo, fundindo-se, com o termo “competência”, denominativo que tem uma aceção mais jurídica, ao contrário do anterior, que é bem mais de natureza clínica ou, se quisermos ser mais rigorosos, 37


Psicologia do Testemunho: Da Prática à Investigação Científica

avaliável clínica e pericialmente (Grisso, 2003; Firmino, Cerejeira, & Simões, 2016). Verificando-se, pois, essa “capacidade”, passa a existir assim o que é denominado “competência” legal. A “competência” constituirá, desse modo, o requisito mínimo para o indivíduo manter o poder de tomar decisões por si próprio (Firmino, Cerejeira, & Simões, 2016; Appelbaum & Gutheil, 1991). Como naturalmente se compreende, nunca uma capacidade ou competência pode ser pensada em abstrato, porquanto sempre se irá referir a circunstâncias concretas, em particular naquele indivíduo, para aquele contexto e, até, nalguns casos, para aqueles atos específicos. No Reino Unido, por exemplo, existe mesmo uma legislação específica que define incapacidade – o Mental Capacity Act, de 2005 –, a qual nos diz que ter falta de capacidade será o resultado de uma perturbação ou um distúrbio no funcionamento mental ou cerebral que impeça ou torne impossível a tomada de uma decisão por si próprio em relação a uma matéria num dado momento (Mental Capacity Act, 2005)1. É enfatizado no Mental Capacity Act que haverá incapacidade se a pessoa não for capaz de perceber informação relevante para a decisão, se não conseguir retê-la para esse mesmo efeito, processá-la, ou mesmo se for incapaz de comunicar a sua vontade decisória (Mental Capacity Act, 2005). Estamos, pois, a falar de capacidade decisória, que, sendo essencial para a competência, implica compreender, raciocinar, deliberar, fazer escolhas consistentes, ou seja, que se mantenham razoavelmente estáveis temporalmente, e comunicar a sua opção. Para tal avaliação pericial, para além de uma visão clínica, diagnóstica, médico-psiquiátrica ou A “capacidade” é, médico-legalmente, entendineurológica, importará também sempre uma conda como a aptidão para compreender, apreciar, raciocinar e expressar uma escolha, confundinceptualização funcional dinâmica que nos é habido-se, diríamos mesmo, fundindo-se, com o tualmente transmitida pela disciplina da Psicologia termo “competência”, denominativo que tem (Firmino, Cerejeira, & Simões, 2016). Igualmente, uma aceção mais jurídica, ao contrário do antecomo dissemos, o fator tempo tem também de esrior, que é bem mais de natureza clínica ou, se tar bem presente no raciocínio do perito, até porquisermos ser mais rigorosos, avaliável clínica e pericialmente. que jurisdições diferentes podem implicar tempos diferentes.

Avaliação da capacidade para testemunhar em Portugal A avaliação da capacidade para testemunhar insere-se em algo mais vasto, que é a avaliação da capacidade em termos mais genéricos, podendo também ser-nos solicitado, enquanto peritos, avaliações de outro tipo de capacidades, igualmente específicas, tais como: ■■

Capacidade testamentária (para elaborar um testamento);

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Capacidade para um cidadão reconhecer que está doente, recusar tratamento ou decidir sobre a sua alta médica ou internamento (seja no âmbito da Lei n.º 36/98, de 24 de julho, Lei de Saúde Mental, seja para efeitos cíveis, como recusar conscientemente um tratamento);

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Capacidade para o exercício de funções parentais (as denominadas competências em processos de regulação do exercício das responsabilidades parentais);

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“For the purposes of this Act, a person lacks capacity in relation to a matter if at the material time he is unable to make a decision for himself in relation to the matter because of an impairment of, or a disturbance in the functioning of, the mind or brain». This means that a person lacks capacity if: they have an impairment or disturbance (for example, a disability, condition or trauma) that affects the way their mind or brain works, and the impairment or disturbance means that they are unable to make a specific decision at the time it needs to be made.”

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Incapacidade para Testemunhar: Enquadramento Médico-legal ■■

Capacidade de gestão financeira ou, como até há bem pouco tempo se refletia na anterior redação do nosso CC, a capacidade para gerir pessoa e bens.

A filosofia geral do Direito – assim como da Medicina Nunca uma capacidade ou competência pode Legal – tem, contudo, mudado de forma significativa ser pensada em abstrato, porquanto sempre se irá referir a circunstâncias concretas, em partinos últimos anos, particularmente no que diz respeicular naquele indivíduo, para aquele contexto to à forma de encarar aquilo que anteriormente era e, até, nalguns casos, para aqueles atos espechamado “incapacidade”, leia-se total, e que implicíficos. caria a transferência dos direitos de personalidade2 para outra pessoa, que a passaria a representar. É que, mais do que incapacidade, o que existe, na realidade, são níveis maiores ou menores de incapacidades, ou melhor, limitações, handicaps, discapacidades, entre outros possíveis termos semelhantes, que devem sempre procurar ser supridas, nomeando-se alguém que, em vez de substituir ou representar o cidadão com uma eventual “anomalia psíquica”, o auxilie, o assista, numa só palavra, o acompanhe. Ao surdo-mudo, ao cego e ao doente mental – e falamos nestas incapacidades pois eram as que estavam previstas no anterior ordenamento jurídico – não se deve tirar direitos e substituir a sua decisão pela decisão de outrem, ainda que terceiros acreditem ser isso o melhor para o indivíduo. No seu melhor interesse deve-se, sim, ajudar ou assistir no cumprimento da sua própria vontade (ainda que a maioria dos que o rodeiam possam, porventura, achar insensato), através de modificação ambiental, instrumental ou nomeação de alguém que o ajude e assista no exercício dos seus direitos. O doente mental não deixa, pois, de ser um cidadão como os outros, não é isento de direitos nem de deveres; dito de outro modo, é uma pessoa como qualquer outra, titular de direitos – e sobre a qual recai, constitucionalmente, sobre o Estado um dever de cuidar –, que tem, tão só e apenas, limitações ao exercício de direitos. São essas limitações que devem ser supridas através de outra pessoa, preferencialmente por si indicada e com o seu consentimento, que atue ao seu lado, acompanhando-a na execução da sua decisão, na exata medida das suas possibilidades. É justamente esta filosofia que emana da Convenção de Nova Iorque relativa aos direitos das pessoas com deficiência3, em particular no seu art.º 12.º4, que, ainda que resultando numa

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Pelo termo “personalidade” deve entender-se a mera circunstância de existir, que, por sua vez, confere ao homem a possibilidade de ser titular de direitos (Taborda, Abdalla-Filho, Mecler, & Moraes, 2016). A personalidade jurídica adquire-se ao nascer e termina com a morte, conforme os art.os 66.º e 68.º do CC. O mesmo significante “personalidade” pode tomar, assim, um significado jurídico ou um significado psicológico, importando distinguir qual a aceção em que o mesmo está a ser utilizado. 3  Adotada em Nova Iorque a 30 de março de 2007, ratificada pelo Estado Português pela Resolução da Assembleia da Republica n.º 56/2009, publicada em Diário da República, 1.ª série, N.º 146, a 30 de julho de 2009. 4  “Artigo 12.º – Reconhecimento igual perante a lei: 1 – Os Estados Partes reafirmam que as pessoas com deficiência têm o direito ao reconhecimento perante a lei da sua personalidade jurídica em qualquer lugar. 2 – Os Estados Partes reconhecem que as pessoas com deficiências têm capacidade jurídica, em condições de igualdade com as outras, em todos os aspectos da vida. 3 – Os Estados Partes tomam medidas apropriadas para providenciar acesso às pessoas com deficiência ao apoio que possam necessitar no exercício da sua capacidade jurídica. 4 – Os Estados Partes asseguram que todas as medidas que se relacionem com o exercício da capacidade jurídica fornecem as garantias apropriadas e efectivas para prevenir o abuso de acordo com o direito internacional dos direitos humanos. Tais garantias asseguram que as medidas relacionadas com o exercício da capacidade jurídica em relação aos direitos, vontade e preferências da pessoa estão isentas de conflitos de interesse e influências indevidas, são proporcionais e adaptadas às circunstâncias da pessoa, aplicam-se no período de tempo mais curto possível e estão sujeitas a um controlo periódico por uma autoridade ou órgão judicial competente, independente e imparcial. As garantias são proporcionais ao grau em que tais medidas afectam os direitos e interesses da pessoa. 5 – Sem prejuízo das disposições do presente artigo, os Estados Partes tomam todas as medidas apropriadas e efectivas para assegurar a igualdade de direitos das pessoas com deficiência em serem proprietárias e herdarem património, a controlarem os seus próprios assuntos financeiros e a terem igual acesso a empréstimos bancários, hipotecas e outras formas de crédito financeiro, e asseguram que as pessoas com deficiência não são, arbitrariamente, privadas do seu património.” 39


Psicologia do Testemunho: Da Prática à Investigação Científica

norma autossuficiente, obrigatória e de efeitos imediatos, foi transposta para o ordenamento jurídico português pela Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto, que altera o anterior Regime das Interdições e Inabilitações e estabelece o Regime Jurídico do Maior Acompanhado, sendo necessariamente a partir do dia 10 de fevereiro de 2019 a metodologia pericial bem mais exigente. Assim, o psiquiatra a quem seja incumbida esta tarefa pericial deverá, primeiro, perceber em que sede é pedida a avaliação, consultando exaustivamente o processo judicial, para perceber desde logo se o testemunho em causa, e para o qual é suscitada a respetiva avaliação de capacidade, é feito no âmbito de uma tramitação em Direito Civil ou em Direito Criminal5, uma vez que tal implica análises distintas. Importa, também, analisar o contexto e todos os elementos existentes no processo judicial, uma vez que, como referimos, a pessoa é indissociável das suas circunstâncias, do que está em causa e das repercussões que o seu testemunho possa ter. O direito à capacidade civil (e, assim, a testemunhar) é assumido na Constituição da República Portuguesa (CRP), sendo a todos consagrado o direito à dignidade, à autodeterminação e à autonomia, dentro dos limites máximos possíveis a qualquer cidadão, mesmo àquele com deficiência mental, perturbação da sua saúde ou alteração do comportamento, para usar as expressões agora presentes na Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto. Deve-se assumir e garantir a máxima efetividade dos direitos O doente mental não deixa, pois, de ser um cifundamentais do cidadão doente mental – como é dadão como os outros, não é isento de direitos a faculdade de ser presente e ouvido em tribunal, nem de deveres; dito de outro modo, é uma se tal for necessário –, através do recurso a instrupessoa como qualquer outra, titular de direitos – e sobre a qual recai, constitucionalmente, somentos voluntários (legais) mais flexíveis do que a bre o Estado um dever de cuidar –, que tem, tão antiga interdição, valorizando a alternativa menos só e apenas, limitações ao exercício de direitos. restritiva de direitos (Vítor, 2019). Em Direito Civil, a capacidade para testemunhar sofreu alterações significativas com a publicação da Lei n.º 49/2018, de 14 de agosto. Sendo certo que o legislador poderia ter ido bem mais longe, no sentido de tornar mais claras as disposições e implicações da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e da Convenção de Nova Iorque, pelo menos agora os cidadãos que, até 10 de fevereiro de 2019, não podiam testemunhar conforme decorria da anterior redação do n.º 1 do art.º 138.º e do art.º 139.º, ambos do CC6, por estarem restritos da sua capacidade civil, dispõem de um representante, que passa a poder exercer o direito de ser ouvido em tribunal (a menos que a sentença que decretou a medida de acompanhamento lhe tenha expressamente retirado essa possibilidade de exercício). É que nos termos do n.º 1 do art.º 145.º do CC “[o] acompanhamento limita-se ao necessário” e, por isso, de acordo com a nova redação do art.º 19.º do Código de Processo Civil (CPC), “[o]s maiores acompanhados que não estejam sujeitos a representação podem intervir em todas as ações em que sejam partes e devem ser [inclusivamente, diríamos nós] citados (…)”. Esta presunção de capacidade não implica que não possa necessitar de assistência ou de acompanhamento, em razão de doença psiquiátrica, e por isso seja solicitada a 5

Preferimos claramente a designação “Direito Criminal” e não “Direito Penal”, uma vez que esta jurisdição se dirige aos crimes (ou melhor, ao facto criminoso, pois podemos estar apenas perante ilícitos típicos não culposos) e não só restritivamente às penas. 6  Podem ser interditos do exercício dos seus direitos todos aqueles que por anomalia psíquica, surdez-mudez ou cegueira se mostrem incapazes de governar suas pessoas e bens. 40


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Processos Psicológicos Básicos Envolvidos no Ato de Testemunhar Jorge Oliveira

Palavras-chave: Sensação Perceção Atenção Memória Psicologia do Testemunho

O ato de uma testemunha descrever um determinado evento tem por base diferentes mecanismos psicológicos, os quais contribuem para a perceção e formação das memórias relacionadas com a situação vivida. Nesta perspetiva, considera-se que o testemunho ocular é resultado de fatores individuais, como a motivação e as expectativas, o stresse e as emoções, ou mesmo de processos mnésicos, como a interferência gerada pelo efeito das questões colocadas após o evento em memória. Deste modo, torna-se relevante que os atores judiciais e os demais técnicos ligados ao contexto forense e judicial atendam à importância destes fatores no testemunho ocular. Este capítulo trata de expor os principais fenómenos psicológicos envolvidos no testemunho ocular, pretendendo contribuir para este tópico com as descobertas dos estudos mais relevantes na área das ciências da mente e do comportamento.

Introdução

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Os fenómenos psicológicos que influem na perceção e experiência de uma dada situação são diversos e complexos. As ciências da mente e do comportamento que estudam o testemunho ocular salientam que esta fonte de informação pode ser subjetiva, principalmente porque o relato de um evento em memória envolve a influência de processos que são específicos do observador. Uma das principais contribuições da ciência nesta área consiste na descrição destes fenómenos, os quais concorrem para a formação da experiência do ambiente no indivíduo. O conhecimento gerado pela ciência permite conhecer os limites de fenómenos como a atenção e a memória, bem como entender a origem de erros nos processos psicológicos subjacentes e que tornam o testemunho ocular um campo com interesse científico e ainda por explorar. Atendendo à importância da visão para o ser humano, e dado o conhecimento existente sobre o funcionamento dos processos visuais, este capítulo focar-se-á nos fenómenos psicológicos visuais que contribuem para a área do testemunho ocular. A receção de informação ambiental por parte do organismo é dependente de estruturas sensoriais, como são os olhos. A informação sensorial proveniente da luz projetada nos olhos é transferida para o sistema nervoso central, onde é processada e integrada. Não obstante, é sabido que a informação recebida não é processada de igual modo no sistema nervoso. A consequência de erros nos processos psicológicos responsáveis pela seletividade do processamento de informação é um dos aspetos que podem influenciar a memória de um evento. Tais erros 55


Psicologia do Testemunho: Da Prática à Investigação Científica

As ciências da mente e do comportamento que estudam o testemunho ocular salientam que esta fonte de informação pode ser subjetiva, principalmente porque o relato de um evento em memória envolve a influência de processos que são específicos do observador.

são resultantes, por exemplo, de mecanismos que permitem a gestão eficaz de recursos cognitivos, sendo por essa razão determinantes para o normal funcionamento cognitivo do indivíduo.

O contributo da ciência para a compreensão do ato de testemunhar dá-se pelo conhecimento científico acumulado sobre o funcionamento destes processos psicológicos, o que faz realçar a sua importância para a compreensão dos fenómenos envolvidos no ato de testemunhar.

Para contribuir para este tópico, o presente capítulo tem início com a descrição da fisiologia do sistema visual, para uma compreensão do modo como a luz é transformada em imagem no sistema nervoso. Os mecanismos descritos nesta secção inicial dizem respeito sobretudo a fenómenos biológicos que participam na transdução de um sinal físico para um sinal biológico. A secção seguinte – “A sensação” – refere-se à descrição dos processos percetivos, dando ênfase a uma perspetiva histórica do estudo da perceção visual, remetendo para a capacidade psicológica de reconhecimento de objetos e faces. As duas secções seguintes do capítulo dizem respeito aos processos psicológicos básicos de atenção e memória, que contribuem para a formação da experiência sobre A consequência de erros nos processos psicouma situação vivida. Dar-se-á ênfase à descrição lógicos responsáveis pela seletividade do prodestes processos e aos fatores estudados que afecessamento de informação é um dos aspetos tam o seu funcionamento, principalmente no conque podem influenciar a memória de um evento. texto do testemunho ocular.

A sensação A capacidade de sobrevivência dos organismos é determinada pela sua adaptação ao habitat, que ocorre pela interação do organismo com o meio que o rodeia, interação esta que depende, em larga medida, dos sentidos. Os sentidos têm como função receber informação ambiental de diferentes modalidades, como visão, audição, tato, paladar e olfato. Para que a informação recebida pelos órgãos sensoriais modifique o comportamento, esta informação terá de ser processada no sistema nervoso central, onde ocorrem os processos de integração sensório-motora que ligam os sistemas sensoriais ao sistema motor. A importância do sistema sensorial para a sobrevivência tem sido demonstrada inclusivamente nos organismos multicelulares mais simples (Allen, Ren, Zhang, & Alcedo, 2015). O contacto dos organismos com o ambiente dá origem a uma sequência de eventos fisiológicos relacionados com a informação sensorial recebida. A comparação entre a fisiologia dos sistemas sensoriais nas diferentes espécies animais mostra que existe uma lógica comum na sua organização. Cada sistema sensorial possui estruturas responsáveis pela receção da informação ambiental (e.g., a luz, o som), bem como estruturas responsáveis pela transmissão desta informação desde o sistema nervoso periférico para o sistema nervoso central, onde o processamento ocorre em regiões específicas no cérebro, em função do tipo de informação recebida. Na visão, a energia que permite ativar estes eventos fisiológicos depende da luz que é projetada no interior do globo ocular. A luz torna-se visível porque, numa primeira fase, existem 56


Processos Psicológicos Básicos Envolvidos no Ato de Testemunhar

células fotorrecetoras especializadas em receber as partículas de luz (fotões), um tipo de energia eletromagnética radiante. Estas células formam uma camada de tecido na região posterior do globo ocular, designada por retina. Este tipo de tecido é semelhante ao tecido de organismos mais simples e unicelulares, como a ameba, mas em que todo o seu corpo é sensível à luz (Schiffman, 2005). Todavia, existe uma diferença entre um organismo sensível à luz e um organismo com a capacidade de formar imagens a partir da luz, como é o caso do ser humano e de muitos outros animais, por exemplo, os artrópodes, os moluscos e os vertebrados (Schiffman, 2005). Esta capacidade resulta da presença de estruturas para a receção, transmissão e processamento desta informação no sistema nervoso central. Em cada órgão sensorial existem células que participam nos fenómenos de transdução de sinal – conversão da energia física do ambiente em atividade bioelétrica (Goldstein, 2010). Na visão, estas células designam-se por cones e bastonetes, diferindo na fisiologia: ■■

Os cones são responsáveis pela visão a cores;

■■

Os bastonetes são responsáveis pela visão monocromática.

Os cones estão ativos em condições de luz diurna e os bastonetes em condições de luz noturna, o que explica porque pode ser difícil distinguir as cores em condições de baixa luminosidade, na medida em que são os bastonetes e a visão monocromática (ou escotópica) que estão ativos nestas situações. Por outro lado, alterações na perceção da cor, conhecidas como daltonismo, podem ter origem em alterações genéticas nos cones e na visão cromática (ou fotópica), apresentando maior incidência nos homens (Tovée, 2008).

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A informação resultante da transdução de sinal nos Cada sistema sensorial possui estruturas rescones e nos bastonetes é enviada para o cérebro, ponsáveis pela receção da informação ambienatravés do nervo ótico, que é um dos pares de nertal (e.g., a luz, o som), bem como estruturas vos cranianos e constituinte do sistema nervoso responsáveis pela transmissão desta informaperiférico, sendo responsável por transmitir, pela ção desde o sistema nervoso periférico para o sistema nervoso central, onde o processamenvia retino-geniculada-estriada, a informação desto ocorre em regiões específicas no cérebro, de a retina até às regiões visuais do cérebro. No em função do tipo de informação recebida. seu trajeto, esta via atravessa o tálamo e projeta-se para o córtex visual primário (V1), também conhecido como córtex retinotópico, por manter a mesma organização funcional da retina, tal como foi estudado por Hubel e Wiesel, autores reconhecidos com o Prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina para as descobertas sobre o córtex visual. As áreas visuais encontram-se divididas em áreas primárias e secundárias, as quais processam os aspetos básicos da visão. As áreas secundárias rodeiam o córtex visual primário e subdividem-se nas áreas visuais V2, V3, V4 e V5, cada uma com um papel específico no processamento da informação visual, desde o processamento da cor, forma e movimento (Tovée, 2008). A integração da informação recebida pelo sistema visual em áreas de ordem superior permite a correspondência com informação previamente armazenada sobre determinada imagem, resultando no seu reconhecimento e respetiva interpretação. A diversidade das imagens faz com que este processo não decorra da mesma forma para imagens de diferentes modalidades, por exemplo, no reconhecimento de objetos ou faces. É sabido, inclusivamente, que o processamento de diferentes imagens pode ocorrer em regiões distintas do córtex cerebral. 57


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