Epilepsia - Conceitos, Diagnóstico e Tratamento

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Índice Autores.................................................................................................................................

VII

Siglas e Abreviaturas............................................................................................................

XI

Introdução...............................................................................................................................

XV

Extratexto a cores.................................................................................................................

XVII

Parte I – Conceitos, Definições e Classificações.........................................................

1

1  História da Epilepsia...................................................................................................

3

2  Conceitos....................................................................................................................

13

3  Epidemiologia.............................................................................................................

23

4  Epileptogénese............................................................................................................

33

5  Genética......................................................................................................................

53

Parte II – Diagnóstico..................................................................................................

73

6  Diagnóstico Diferencial...............................................................................................

75

7  Clínica e Investigação Geral........................................................................................

89

8  Eletroencefalograma....................................................................................................

107

9  Investigação Imagiológica...........................................................................................

137

10  Comorbilidades.........................................................................................................

147

Francisco Pinto

José Pimentel, José Lopes Lima

José Lopes Lima

Nuno Canas

bárbara leal, paulo pinho costa, berta martins da silva

António Martins

inês Rosário Marques, Carina Fernandes, Nadine Ferreira

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António Martins da Silva, João Ramalheira, João carmona Lopes, Rui Chorão

Carlos Morgado

Conceição Bento

V


Parte III – Tratamento.................................................................................................

159

11  Viver com Epilepsia..................................................................................................

161

12  Aspetos Gerais do Tratamento..................................................................................

171

13  Fármacos Antiepiléticos: Mecanismos de Ação e Farmacocinética...........................

179

14  Regimes Terapêuticos................................................................................................

205

15  Indicações para Tratamento Cirúrgico......................................................................

223

16  Avaliação Pré-Cirúrgica............................................................................................

241

17  Modalidades Cirúrgicas.............................................................................................

257

Parte IV – Situações Específicas..................................................................................

279

18  Epilepsia na Idade Pediátrica....................................................................................

281

19  Epilepsia na Mulher em Idade Fértil.........................................................................

299

20  Epilepsia no Idoso.....................................................................................................

309

21  Morte Súbita Inesperada em Epilepsia (SUDEP).....................................................

319

22  Patologia Psiquiátrica na Epilepsia............................................................................

327

23  Estado de Mal Epilético............................................................................................

351

24  O Mundo da Epilepsia à Luz dos Direitos e Deveres Atuais....................................

385

Índice Remissivo..................................................................................................................

399

Francisco Pinto

João Chaves

Maria José Diógenes, Sofia Temudo Duarte, Ana M. Sebastião

José Pimentel, Carla Bentes

Ricardo Rego

Rute Teotónio, Joana Parra, Francisco Sales

António Gonçalves Ferreira, Alexandre Rainha Campos

Conceição Robalo

Élia Baeta

Paulo Simões Coelho

Dílio Alves

Tiago Rodrigues, Henrique Ramos Pereira

Ana Rita Peralta, Carla bentes, José Augusto Mendes Ribeiro, Helena Rocha

Luís Cardoso Rocha

VI

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EPilepsia – Conceitos, Diagnóstico e Tratamento


Autores COORDENADORES/AUTORES José Pimentel Diretor da Consulta de Epilepsia e Coordenador do Centro de Referência de Epilepsias Refratárias, Hospital de Santa Maria (Ce ntro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE); Assistente Hospitalar Graduado Sénior; Professor Associado com Agregação de Neurologia, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Carla Bentes Neurologista; Subespecialidade em Neurofisiologia Clínica e Competência em Medicina do Sono pela Ordem dos Médicos; Responsável pelo Laboratório de EEG/Sono, Departamento de Neurociências e Saúde Mental, Serviço de Neurologia, Hospital de Santa Maria (Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE); Assistente Convidada da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

AUTORES

Alexandre Rainha Campos Assistente Hospitalar de Neurocirurgia, Hospital de Santa Maria (Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE); Assistente Convidado da Cadeira de Neuroanatomia, Faculdade de Medicina de Universidade de Lisboa

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Ana M. Sebastião Professora Catedrática; Diretora do Instituto de Farmacologia e Neurociências e Diretora de Unidade do Instituto de Medicina Molecular, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Ana Rita Peralta Neurologista; Laboratório de EEG/Sono, Serviço de Neurologia, Hospital de Santa Maria (Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE); Clínica Universitária de Neurologia e Instituto de Fisiologia, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa António Gonçalves Ferreira Chefe de Serviço de Neurocirurgia, Hospital de Santa Maria (Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE); Professor Catedrático de Neurocirurgia e Anatomia, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa VII


EPilepsia – Conceitos, Diagnóstico e Tratamento

António Martins Consultor de Neurologia do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, EPE; Diretor do Laboratório de Neurofisiologia do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, EPE; Coordenador do Centro de Patologia do Sono do Hospital CUF Infante Santo – Lisboa António Martins da Silva Diretor do Serviço de Neurofisiologia, Hospital de Santo António (Centro Hospitalar do Porto, EPE); Professor Catedrático Convidado, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto Bárbara Leal Investigadora do Laboratório de Imunogenética e do Grupo Autoimmun and Neuroscien da Unidade Multidisciplinar de Investigação Biomédica, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto Berta Martins da Silva Responsável pelo Laboratório de Imunogenética, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto; Professora Associada e Diretora do Mestrado em Oncologia do ICBAS Carina Fernandes Neurologista, Hospital das Forças Armadas, Polo de Lisboa Carlos Morgado Assistente Hospitalar Graduado de Neurorradiologia, Hospital de Santa Maria (Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE); Assistente Convidado de Imagiologia, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

Conceição Robalo Consultora de Neuropediatria do Centro de Desenvolvimento do Hospital Pediátrico do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE (CHUC); Responsável pela Consulta de Epilepsia e pelo Laboratório EEG do Hospital Pediátrico de Coimbra, CHUC Dílio Alves Chefe de Serviço, Unidade de Neurofisiologia; Centro Hospitalar de São João, EPE; Presidente da Direção Nacional da Liga Portuguesa Contra a Epilepsia Élia Baeta Assistente Graduada de Neurologia VIII

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Conceição Bento Neurologista e Neurofisiologista, Serviço de Neurologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE, Unidade de Monitorização em Epilepsia e Sono (UMES-CHUC); Consulta de Epilepsia; Grupo de Cirurgia da Epilepsia


Autores

Francisco Pinto Antigo Responsável pela Consulta de Epilepsia do Hospital de Santa Maria (Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE); Antigo Consultor de Epilepsia do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, EPE Francisco Sales Neurofisiologista; Assistente de Neurologia, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE (CHUC); Coordenador do Centro Integrado de Epilepsia do CHUC Helena Rocha Assistente de Neurologia no Centro Hospitalar de São João, EPE; Assistente Voluntária da Disciplina de Neurologia e Neurocirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto Henrique Ramos Pereira Diretor do Departamento Ambulatório do Hospital de Magalhães Lemos – Porto Inês Rosário Marques Interna de Neurologia, Serviço de Neurologia, Hospital Garcia de Orta, EPE Joana Parra Interna de Formação Específica de Neurologia, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE (CHUC) João Carmona Lopes Assistente Graduado de Neurofisiologia, Serviço de Neurofisiologia, Hospital de Santo António (Centro Hospitalar do Porto, EPE) João Chaves Neurologista, Hospital Geral de Santo António (Centro Hospitalar do Porto, EPE)

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João Ramalheira Neurologista e Neurofisiologista Clínico/Medicina do Sono; Assistente Hospitalar Graduado/ /Consultor Responsável pela Unidade de Monitorização de Epilepsia, Responsável pelos Exames de Medicina Nuclear do SNC, Grupo de Cirurgia da Epilepsia, Serviço de Neurofisiologia, Departamento de Neurociências, Hospital Geral de Santo António (Centro Hospitalar do Porto, EPE) José Augusto Mendes Ribeiro Neurologista e Neurofisiologista; Assistente Hospitalar Graduado de Neurofisiologia, Centro Hospitalar de São João – Porto José Lopes Lima Neurologista; Instituto CUF Porto e SAMS Norte; Professor Associado da Universidade do Porto; Antigo Presidente da Liga Portuguesa Contra a Epilepsia IX


EPilepsia – Conceitos, Diagnóstico e Tratamento

Luís Cardoso Rocha Advogado; Consultor Jurídico da Liga Portuguesa Contra a Epilepsia e da Associação Portuguesa de Familiares, Amigos e Pessoas com Epilepsia (EPI); Presidente da Associação Jurídica do Porto Maria José Diógenes Professora Auxiliar de Farmacologia e Neurociências da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL); Coordenadora de Grupo de Investigação no Instituto de Medicina Molecular, FMUL Nadine Ferreira Assistente Hospitalar, Serviço de Neurologia, Centre Hospitalier Universitaire Ambroise Paré, Mons – Belgique Nuno Canas Neurologista e Neurofisiologista Clínico; Hospital Beatriz Ângelo, Loures; Grupo de Cirurgia da Epilepsia do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental; Assistente Convidado de Farmacologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa Paulo Pinho Costa Investigador do Departamento de Genética do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, Porto; Professor Convidado do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade do Porto Paulo Simões Coelho Assistente de Neurologia, Hospital Pedro Hispano, Unidade Local de Saúde de Matosinhos Ricardo Rego Coordenador da Unidade de Monitorização de Epilepsia, Unidade de Neurofisiologia, Serviço de Neurologia do Centro Hospitalar de São João, EPE Rui Chorão Assistente Hospitalar Graduado de Neurologia, Serviço de Neurofisiologia, Centro Hospitalar do Porto, EPE Rute Teotónio Assistente Hospitalar de Neurologia, Centro Hospitalar de Leiria, EPE

Tiago Rodrigues Assistente Hospitalar de Psiquiatria, Hospital de Vila Nova de Famalicão, Centro Hospitalar do Médio Ave, EPE; Clínica Integrada de Neuropsiquiatria (CLIPE) – Porto

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Sofia Temudo Duarte Unidade de Neuropediatria, Hospital Dona Estefânia; Instituto de Medicina Molecular (iMM Lisboa)


Introdução Carla Bentes José Pimentel As crises epiléticas (CE) são manifestações neurológicas muito frequentes, tanto na prática clínica do neurologista e do neuropediatra, como do internista, intensivista e, em certa medida, também do psiquiatra. Estas traduzem frequentemente, mas não obrigatoriamente, a existência de uma epilepsia, doença que pode ser definida pela presença de uma predisposição persistente para a ocorrência espontânea de CE, com as consequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais daí resultantes. A investigação de uma epilepsia tem como pedra angular a história clínica e a caracterização semiológica das CE (muitas vezes suportada por registo em vídeo). Existem, depois, diferentes exames complementares: laboratoriais, genéticos, neurofisiológicos e neuroimagiológicos (estruturais e funcionais), que poderão ser utilizados criteriosamente com vários objetivos. Um correto diagnóstico diferencial das CE é também um dos aspetos cruciais da prática clínica dos que lidam com esta patologia, evitando o estigma do diagnóstico (ainda tantas vezes presente na nossa sociedade), assim como investigações e tratamentos desnecessários. Em pacientes com epilepsia, uma “segunda doença” está muitas vezes patente , traduzindo uma comorbilidade frequentemente múltipla e de natureza diversa, que condiciona não só o prognóstico como o tratamento da própria epilepsia.

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Temos assistido nas últimas décadas a avanços decisivos e continuados na compreensão dos mecanismos que presidem à génese da epilepsia, às suas múltiplas etiologias, e aos meios complementares de diagnóstico. Também as modalidades terapêuticas, mais concretamente farmacológicas e cirúrgicas, tiveram uma expansão quantitativa e qualitativa, talvez sem paralelo nas outras subespecialidades das neurociências. Nos últimos anos, os Coordenadores deste livro, e certamente, muitos dos Autores dos diferentes capítulos que o compõem, têm observado um número cada vez maior de doentes internados em enfermarias de medicina e de neurologia com CE ou em estado de mal epilético, independentemente da causa. Igualmente o número de consultas de epilepsia no nosso país tem aumentado exponencialmente. Ensinar e aprender a viver com epilepsia e com as suas múltiplas consequências, nomeadamente comorbilidades, défices cognitivos, perturbações psicológicas e estigmatização social, é ainda um desafio não só para todos os profissionais de saúde, mas também para as pessoas com epilepsia e seus familiares e amigos, porque a “epilepsia é muito mais do que ter crises”. XV


EPilepsia – Conceitos, Diagnóstico e Tratamento

Estes factos implicam que aqueles que lidam, de diferentes maneiras e aos mais diversos níveis, com a epilepsia, mantenham um elevado grau de conhecimentos desta patologia, a fim de contribuírem para uma melhoria da qualidade de vida das pessoas com essa doença.

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Agradecemos a todos os Autores deste livro a excelente contribuição para este objetivo, bem como o apoio da Liga Portuguesa Contra a Epilepsia e da Sociedade Portuguesa de Neurologia.

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EPilepsia – Conceitos, Diagnóstico e Tratamento

B

C

A Figura 4.3 – Pág. 38

NF

GFAP

GD, EH

GD, CTR

CA1, CTR

Figura 4.6 – Pág. 42 XVIII

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CA1, EH


extratexto a cores

CTR

HS

DG

CA1

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Figura 4.7 – Pág. 44

Figura 4.10 – Pág. 48 XIX


EPilepsia – Conceitos, Diagnóstico e Tratamento

mite uma correlação clinica e eletrofisiológica que era difícil há alguns anos atrás. No passado, mas em ainda muito frequentemente no presente, os clínicos valiam­‑se das descrições das CE feitas pelos familiares ou pelas próprias PCE, frequentemente imprecisas e incompletas, ficando ao seu critério o diagnóstico de epilepsia. Atualmente, embora não ainda com a frequência desejada, pela dificuldade de acesso a este exame neurofisiológico, é digno de nota que cerca de 20 a 30% das pes‑ soas diagnosticadas como epiléticas e resistentes aos fármacos antiepiléticos (FAE) encaminhadas para centros de monitorização vídeo­‑EEG, não sofrem desta doença13,8. Por vezes, mesmo após o recurso ao vídeo­‑EEG, mantém­‑se a dificuldade de diagnóstico. Por exemplo, as CE frontais com origem nas zonas mais inferiores, frequentemente breves ou muito localizadas, podem ocorrer sem manifestações visíveis ou tradução no EEG. Também a existência de artefactos de movimento no EEG pode dificultar a sua análise18. Não obstante estas dificuldades, o uso desta técnica é uma arma atual poderosa de diagnóstico e tem contribuído fortemente para a compreensão e classificação das CE e das epilepsias21. As convulsões de causa epilética são muitas vezes difíceis de distinguir de quadros conversivos de etiologia psiquiátrica. As doenças do movimento colocam com frequência dificuldade de diag‑ nóstico em relação às epilepsias do lobo frontal. As parassónias manifestam­‑se muitas vezes por manifestações difíceis de distinguir de CE parciais complexas frontais ou temporais. A enxaqueca pode ser confundida com epilepsias sensoriais occipitais. O estado de mal não convulsivo deve ser distinguido dos quadros dissociativos de causa psiquiátrica. Existem fenómenos paroxísticos nas crianças que obrigam, com frequência, à exclusão de epilepsia, como é exemplo o espasmo do choro. Muitos são os exemplos com que o clínico se confronta no dia a dia, sendo fundamental, pelos motivos expostos, um diagnóstico tão célere e preciso quanto possível.

2 | Quando a Epilepsia Simula Outras Doenças

Cerca de 10 % das pessoas diagnosticados com doenças psiquiátricas sofrem, na realidade, de doença neurológica7. As epilepsias do lobo temporal (principalmente envolvendo a amígdala e o hi‑ pocampo) podem causar sintomas emocionais que se confundem com uma doença psiquiátrica. Por exemplo, as crises de riso (gelásticas) ou de choro (dacrísticas) podem confundir­‑se com alterações do humor. Frequentemente, ocorrem nas CE auras psíquicas, como sejam déjà­‑vu, jamais vu, autoscopia ou pensamento forçado. O mesmo para os sintomas de ansiedade ou medo paroxísticos e de curta duração acompanhados de alteração da consciência e confusão terminal, que podem corresponder a crises parciais complexas. Os ataques de pânico, o “confundente ” mais frequente, têm início mais in‑ sidioso, com ansiedade e medo que antecede o ataque de pânico e se mantém ao longo de todo o ata‑ que, o qual é prolongado; não cursa com confusão ou alteração da consciência, e pode acompanhar­‑se também de sintomas como dor precordial, dispneia, sensação de morte iminente e sudação. As epilepsias do lobo frontal, que ocorrem geralmente durante o sono, podem ocasionar com‑ portamentos motores bizarros com envolvimento bilateral assimétrico, irregular, movimentos de pedalagem, rotações da cabeça, do tronco ou da pélvis, cujo diagnóstico diferencial pode ser difícil, nomeadamente com o sonambulismo. 76

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É hábito pensar em situações que simulam epilepsia (os denominados “imitadores” de epilep‑ sia) mas o raciocínio tem, muitas vezes, de ser feito no sentido inverso. A epilepsia é também uma “imitadora” de outras doenças.


EPilepsia – Conceitos, Diagnóstico e Tratamento

Quadro 7.4 – Métodos para Aumentar a Sensibilidade do EEG

Manobras provocatórias (prova de hiperpneia e estimulação luminosa intermitente)   Realização do EEG em estreita relação temporal com um episódio paroxístico   EEG com registo de sono   EEG com privação prévia de sono   Realização do EEG durante os períodos habituais dos episódios paroxísticos   Aplicação de estímulos específicos durante a realização do EEG, no caso de epilepsias reflexas   Repetição de EEG até ao terceiro exame

Quadro 7.5 – Percentagem de Doentes com Atividade Epileptiforme Interictal Desencadeada pela Hiperventilação, Segundo Diferentes Síndromas Epiléticas25 Síndroma epilética

AEI desencadeada pela hiperventilação

Epilepsia generalizada idiopática

80%

Epilepsia generalizada sintomática

50%

Epilepsia focal

6,6%

Existem, no entanto, determinadas situações clínicas que contraindicam a realização desta ma‑ nobra provocatória, pelo risco de isquemia cerebral consequente ao fenómeno de vasoconstrição, por sua vez, reativa à hipocapnia induzida (Quadro 7.6). Quadro 7.6 – Contraindicações para Realização de Teste de Hiperventilação Durante o EEG25

A estimulação luminosa intermitente é um método igualmente útil para ativar descargas epileptiformes, particularmente nas epilepsias generalizadas idiopáticas. A resposta patológica que se procura desencadear denomina­‑se resposta fotoparoxística, consistindo no aparecimento de des‑ cargas generalizadas de ponta­‑onda ou poliponta­‑onda, associadas ou não a manifestações clínicas. A prevalência de fotossensibilidade em doentes com epilepsia varia entre 2% e 10%, e a síndroma em que mais frequentemente ocorre é a epilepsia mioclónica juvenil25. A resposta fotoparoxística tem uma especificidade elevada, dado que a probabilidade de ser provocada num indivíduo sem epilepsia é de cerca de 1 em 400023. 98

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Doença cardíaca ou pulmonar grave   História de enfarte agudo do miocárdio ou AVC recentes   Hipertensão arterial não controlada   Estados de hiperviscosidade sanguínea   Anemia falciforme   Hemorragia subaracnoideia   Estenose carotídea grave   Doença de moya­‑moya


capítulo 8 – eletroencefalograma

fechados e com olhos abertos. Devem ser utilizadas frequências crescentes e decrescentes que possibilitem a definição da “janela de maior probabilidade” de se desencadear atividade paroxística no EEG induzida pelos estímulos luminosos e com menor risco de se desencadearem crises epiléticas (CE). Em caso de dúvida da frequência indutora de paroxismos, repetir­‑se­‑á a estimulação após período de repouso de, pelo menos, 10 segundos. Pode ainda, como alternativa, estimular­‑se com uma frequência diferente em 1 Hz da que provocou a descarga paroxística44.

Figura 8.2 – Exemplo de atividade paroxística induzida por ELI. Frequência do estímulo: 18 Hz. Padrão: Flash preto­ ‑branco. Como está representado no registo do último canal, a descarga paroxística ocorre após a oclusão ocular, que é assinalada por “olhos fechados” e persiste mais de um segundo após terminar a estimulação, definindo uma resposta paroxística “fotoconvulsiva”.

3 | Registos de EEG em Formas Específicas de Crises de Epilepsia

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Os registos de EEG na epilepsia, são realizados, na maior parte dos casos, temporalmente fora das crises de epilepsia. Ou são totalmente fora das crises, dizendo­‑se interictais, ou podem ser imediatamente efetuados após uma crise clinicamente testemunhada, sendo então pós­‑ictais. Além destes registos, de rotina, os EEG podem ser prolongados no tempo para, especificamente, se tentar registar crises. São então denominados registos de longa duração (ou monitorização EEG) em que, além dos períodos interictais, se podem registar fenómenos e períodos ictais e pós­‑ictais. Trataremos das indicações de EEG em condições específicas. Analisaremos sucessivamente a importância do EEG na primeira crise (não febril); nas convulsões febris; nas crises neonatais; nas epilepsias parciais; nas síndromas epiléticas mais comuns: nos espasmos infantis e síndroma de West; na síndroma de Lennox­‑Gastaut; na epilepsia de ausências da infância; nas epilepsias parciais benignas da infância; na síndroma de Landau­‑Kleffner; na epilepsia mioclónica juvenil; no estado de mal elétrico em sono (ESES – electrical status epilepticus in sleep), também deno111


capítulo 8 – eletroencefalograma

Em resumo, as técnicas de SPECT combinadas com EEG são úteis em três circunstâncias:   Estudos interictais sem atividade paroxística simultânea e com hipoperfusão/hipometabolismo;   Estudos interictais com atividade paroxística focal simultânea e com hiperperfusão/hipermetabolismo (eventualmente com hipometabolismo associado);   Estudos ictais com EEG ictal e hiperperfusão/hipermetabolismo.

Em combinação com o EEG têm grande relevância na avaliação (pré­‑cirúrgica) de doentes com epilepsias farmacorresistentes, nomeadamente nas epilepsias parciais, e em particular nas ELT. Como nota final refere­‑se que sendo o SPECT um exame com alguma complexidade de realização e com alguma subjetividade de interpretação, e requerendo contribuições neurofisiológicas e de medicina nuclear, devem ser respeitadas normas técnicas, de uma forma rigorosa, para que os resultados sejam fiáveis e comparáveis entre diferentes grupos. A execução e interpretação devem ser feitas por alguém familiarizado com as técnicas de monitorização vídeo­‑EEG, com a clínica neurológica e com a semiologia das crises epiléticas, e, por isso, o SPECT­‑EEG deve ser realizado em unidades muito diferenciadas.

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A RETER: RETER: A Neste capítulo demonstramos a importância dos registos eletroencefalográficos isolados ou associados a outras técnicas (vídeo, SPECT), na definição das crises e na classificação sindromática da epilepsia. Reforçamos a noção que só uma apreciação clínica cuidada e a realização de exames adequados permitem melhorar o diagnóstico e tomar as decisões terapêuticas adequadas. Os pontos seguidamente enunciados, que englobam várias das recomendações da Liga Portuguesa Contra a Epilepsia, devem ser considerados quando se investigam e tratam os doentes com epilepsia:   Como regra geral, o registo EEG deve ser dirigido pela anamnese, devendo ser efe-tuado em circunstâncias semelhantes às que determinaram as crises. Deve ser realizado tão cedo quanto possível, isto é, nas primeiras horas após a primeira cri‑ se, ou o mais tardar nas 24 a 72 horas após esse evento e em condições semelhantes àquelas em que o evento ocorreu. A probabilidade de detetar atividade epilepti‑ forme num EEG é maior se for efetuado nesses intervalos. Quando registada, a atividade epileptiforme no EEG pode ser usada para avaliar o risco de recorrência de crises, e ajuda a determinar a necessidade de manutenção do tratamento.   Em rotina (EEG convencional) é um instrumento fundamental para a confirma‑ ção do diagnóstico de epilepsia, podendo, pelo padrão gráfico e/ou eletroclínico, permitir caracterizar as crises e ajudar a classificar a epilepsia. Mas, não deve ser usado isoladamente para o diagnóstico e, se for normal, não exclui o diagnóstico de epilepsia.   O EEG faz parte integrante da avaliação de uma criança (ou de um adulto) com uma primeira crise não febril. Em caso de negatividade de um EEG de rotina, no caso de forte suspeita de epilepsia, deve­‑se efetuar uma sequência de registos que pode ser necessária para se obterem respostas positivas: EEG de rotina; EEG de rotina com trecho de sono; EEG de rotina com sono após privação parcial de sono; registo EEG de longa duração com monitorização de vídeo. (continua) 131


EPilepsia – Conceitos, Diagnóstico e Tratamento

dados clínicos e da mvídeo­‑EEG. Tais estudos, para além de poderem guiar o pós­‑processamento dos estudos estruturais por RM previamente realizados, permitem orientar a colocação de elétro‑ dos intracranianos e a realização de estudos eletrofisiológicos invasivos que são considerados gold standard para confirmar a área epileptogénica antes da cirurgia da epilepsia. Certas técnicas avançadas de RM como o método de análise morfométrica baseada no voxel (VBM – voxel­‑based morphometric analysis) e estudos de perfusão por arterial spin­‑labeling consti‑ tuem métodos promissores. Tem sido desenvolvida investigação com estes métodos no sentido de detetar lesões epileptogénicas ocultas, tais como focos de displasia cortical. O método de análise morfométrica baseada no voxel (VBM) é uma técnica automatizada de RM desenvolvida para estudar as diferenças na morfologia do cérebro. Na epilepsia tem sido utili‑ zada para detetar diferenças na distribuição relativa da substância cinzenta e da substância branca9, permitindo identificar malformações do desenvolvimento cortical de difícil deteção (Figura 9.7). Permite também fazer sobressair zonas com padrão giral anómalo e zonas com menor definição da interface entre substância cinzenta e substância branca, sendo, portanto, útil na deteção de casos de displasia cortical focal10.

A

B

Figura 9.7 – Análise morfométrica baseada no voxel (VBM), que realça a existência de forma subtil de heterotopia subcortical em banda (A). Na imagem estrutural (B), a alteração manifesta­‑se por discretas imagens lineares subcorti‑ cais bifrontais com sinal idêntico ao da substância cinzenta. Fonte: caso gentilmente cedido pelo Prof. Horst Urbach, do Hospital Universitário de Freiburg – Alemanha.

O mapeamento cortical por ressonância magnética funcional (IRMf ) e a tractografia dos fei‑ xes de substância branca por tensores de difusão (DTI) são métodos particularmente úteis, respeti‑ vamente, nos casos em que o padrão ictal ou a lesão se situam perto de córtex eloquente, ou quando se situam na vizinhança de feixes de substância branca de importância crítica. A IRMf procura localizar o córtex eloquente a ser poupado no planeamento da cirurgia da epilepsia, com a intenção de minimizar defeitos neurológicos pós­‑operatórios (Figura 9.8). Em‑ bora se registem avanços no mapeamento não invasivo usando IRMf, o mapeamento cortical uti‑ lizando elétrodos implantados no espaço subdural é ainda considerado a técnica de eleição para determinar com precisão a relação entre a zona epileptogénica e as áreas corticais eloquentes. 144

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A técnica de perfusão por arterial spin­‑labeling pode constituir uma alternativa ao SPECT com a vantagem de não utilizar moléculas radioativas, nem mesmo gadolínio11.


capítulo 10 – comorbilidades

5 | Comorbilidades Sistémicas Alterações ósseas

As PCE apresentam um risco de sofrerem uma fratura claramente superior ao da população em geral. Este facto tem várias causas, incluindo as quedas associadas a alguns tipos de crises, défi‑ ces motores e/ou visuais relacionados com a doença de base, alterações da coordenação que podem ocorrer como efeito secundário de alguns FAE, mas, também, alterações do metabolismo ósseo13-15. Estas alterações parecem relacionar­‑se significativamente com o tratamento antiepilético e com a sua duração. A perda de massa óssea afeta pessoas de ambos os sexos e de todas as idades13, e está documentada em vários estudos para os FAE 1.ªG (fenobarbitol, fenitoína, carbamazepina, valproato). Para os FAE de segunda geração (FAE 2.ªG), a informação disponível é muito limita‑ da, mas foram descritas alterações, por exemplo, para a oxcarbazepina13. Estas poderão ser ainda mais importantes se a pessoa apresentar outros fatores de risco, nomeadamente uma história fa‑ miliar positiva, idade avançada, alterações hormonais na mulher (por exemplo, pós­‑menopáusicas), outras comorbilidades que, diretamente ou pela necessidade de outros fármacos (como por exem‑ plo corticoides), aumentem esse risco, hábitos tabágicos ou etílicos, ausência de exercício físico ou dietas pobres em cálcio e vitamina D2,13­‑15. Existem vários mecanismos através dos quais os FAE podem alterar o metabolismo ósseo. Um dos mais discutidos é o da indução enzimática13. Os FAE indutores conduziriam a níveis menores de vitamina D, com redução da absorção de cálcio, hiperparatiroidismo secundário, rea‑ bsorção óssea e perda de massa óssea. Este mecanismo não explica, no entanto, como é que FAE não indutores, como o valproato de sódio, também levam a alterações ósseas. Outros mecanismos incluiriam a acidose metabólica, no caso dos FAE inibidores da anidrase carbónica, a diminuição da absorção intestinal do cálcio, a resistência à paratormona, a deficiência de calcitonina, a inter‑ ferência no metabolismo da vitamina K, as alterações hormonais, o aumento da homocisteína, ou um efeito direto nas células ósseas13,15.

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A avaliação destas alterações na prática clínica é feita, sobretudo, através da tomodensitometria óssea e do doseamento sérico da vitamina D, ambos os métodos preditores do risco de fratura2. No entanto, para alguns autores a indicação para realização de tomodensitometria seria limitada a doentes com aumento do risco de fratura13, enquanto que para outros deveria ser realizada como avaliação de rotina em todos os doentes em tratamento prolongado (mais de 3 a 5 anos) com os FAE enumerados15,18. O doseamento de paratormona e de marcadores específicos do metabolismo ósseo tem um papel importante na investigação científica ou na avaliação de casos clínicos particu‑ lares, mas não existe recomendação para a sua utilização de rotina na prática clínica13. O tratamento deverá começar por um maior conhecimento por parte dos clínicos e das PCE da existência desta comorbilidade, de forma a serem instituídas medidas preventivas. Estas passam, fundamentalmente, por evitar sempre que possível o uso de FAE com maior potencial para induzir alterações do metabolismo ósseo em pessoas já com outros fatores de risco, por uma dieta adequa‑ da em cálcio e vitamina D, ou toma de suplementos, se necessário, pela prática de exercício físico regular, e pela alteração de alguns hábitos, como por exemplo os tabágicos e os etílicos13. O tratamento deve ser reservado a pessoas que apresentem um risco elevado de fraturas ósseas. Este risco é definido não só pela presença de alterações da densidade mineral óssea (osteopenia ou osteoporose), mas pela coexistência de outros fatores de risco para fraturas, como a idade e o 153


capítulo 11 – viver com epilepsia

Em caso de emergência

É útil, em caso da PCE carecer de socorro em local onde é desconhecida, trazer consigo uma bracelete ou um bloquinho onde conste a doença em causa, a medicação e os contactos em caso de emergência. É também proveitoso que o telemóvel disponha dos contactos necessários em caso de emergência.

Equipamento de proteção

A questão da utilização de lentes de contacto ao invés de óculos é controversa, pois os vidros inquebráveis e as armações mais modernas minimizam os impactos decorrentes de quedas. Nas pessoas com numerosas crises atónicas ou tonicoclónicas é recomendável o emprego de capacetes, cotoveleiras e joelheiras.

3 | Segurança em Casa Mobiliário

Em casa devem evitar­‑se as superfícies de contacto ásperas. Em regra, tapetes e/ou alcatifas são mais seguros do que tijoleira ou outras superfícies duras. Os objetos abandonados no chão podem constituir perigo em caso de queda sobre eles. Não se devem deixar fios elétricos espalhados no chão, pois, quando puxados, podem provocar incêndio ou queimaduras. As arestas cortantes dos móveis poderão ser almofadadas ou evitadas (especial atenção às mesas de vidro). As maçanetas das portas potencialmente contundentes podem ser protegidas. A utilização de cadeiras com braços pode evitar quedas, por exemplo. Proteja­‑se a lareira com portas ou anteparas próprias quando há um fogo aceso. Uma PCE de difícil controlo não deve ser deixada sozinha numa divisão da casa quando a lareira está acesa. Os mesmos conselhos são aplicáveis ao uso de braseiras.

Eletrodomésticos

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Devem usar­‑se aquecedores de ambiente que não corram o risco de cair ou de “extravasar” o seu conteúdo. Recomenda­‑se a aquisição de aparelhos elétricos e eletrodomésticos com interruptores de fe‑ cho automático e a desligar os aparelhos aquecidos imediatamente após o seu uso, pondo­‑os fora do alcance até esfriarem. Se possível, a PCE deve utilizar aparelhos com aquecimento, tais como ferros de engomar, secadores de cabelo, alisadores de cabelo e aparelhos para frisar, apenas quando acompanhada.

Portas e janelas de segurança

Colocar portas e janelas de segurança para evitar que as crianças caiam em escadas, no caso de terem automatismos ou de os próprios progenitores terem uma crise2. 163


EPilepsia – Conceitos, Diagnóstico e Tratamento

2 | Quando Começar o Tratamento com Fármacos Antiepiléticos A ILAE defende que o diagnóstico de epilepsia e a decisão de tratar são dois aspetos a avaliar separadamente. Tratar uma primeira crise é controverso. Estudos observacionais apontam que 40 a 50% das crises recorrerão num período de 2 anos2. O problema é que não são conhecidas as taxas de recorrência da maioria das etiologias para, assim, reconhecendo um risco superior a 60%, iniciar um fármaco antiepilético (FAE). Os fatores preditores do risco de recorrência de segunda crise mais consistentemente encon‑ trados foram as etiologias secundárias a lesão, a presença de défices no exame neurológico e as alterações no EEG. Todos estes podem ajudar o clínico na identificação de grupos de alto risco de recorrência (>60%) versus grupos de baixo risco (>30%) de recorrência, sendo naqueles sensato iniciar tratamento após a primeira crise2. Quanto às síndromas epiléticas, deve ser iniciada terapêutica antiepilética após a primeira cri‑ se, pois o risco de recorrência é alto. Existem, no entanto, algumas, de que a epilepsia benigna com pontas centrotemporais (BECTS) é um exemplo, para as quais, dada a baixa frequência e benigni‑ dade das crises, pode ser razoável discutir com os familiares a decisão de não medicar. É preciso ainda levar em conta os riscos associados às crises, entre os quais estão os trauma‑ tismos físicos múltiplos, incluindo os cranioencefálicos, o sofrimento psicossocial, e a morte súbita inesperada em epilepsia (SUDEP – sudden unexpected death in epilepsy), cuja incidência rondará 1/500 a 1/1000 doentes com crises epiléticas por ano.

Todos os FAE têm efeitos secundários e o tratamento perdurará no mínimo 2 a 3 anos. Acresce que, embora se reduza o risco de recorrência, não existe evidência clara que o trata‑ mento precoce previna o curso de uma determinada epilepsia para a farmacorresistência. O tratamento da epilepsia com FAE é sintomático, ou seja, visa o controlo das crises. Não existe evidência para o seu uso no tratamento profilático. Nenhum FAE provou ter ação antiepilepto‑ génica ou seja, que a sua introdução imediatamente após insulto neuronal impedisse o desenro‑ lar do processo epileptogénico conducente ao aparecimento da epilepsia. Antes de se instituir a terapêutica farmacológica, é preciso rever com a pessoa com epilepsia (PCE) possíveis fatores precipitantes, como a privação do sono, a ingestão de álcool e outras drogas de abuso, a febre, e os estímulos que podem despertar crises reflexas. Estas ocorrem em síndromas epiléticas, ou de forma independente, e são provocadas por estímulos sensoriais visuais, táteis e/ou auditivos. A mais frequente epilepsia reflexa é a fotossensível, mas a epilepsia da leitura, a epilepsia da água quente do banho e a epilepsia induzida pela música constituem exemplos de outras tantas. Evitar a estimulação luminosa intermitente, usar controlo remoto para ligar e apagar a televisão, manter distância dos écrans do computador e da televisão estando sempre com a luz acesa, evitar jogar jogos de computador por longos períodos, usar óculos com filtro e evitar luz estroboscópica nas discotecas são atitudes que podem ajudar a prevenir e a controlar estas crises (ver Capítulo 11 – “Viver com epilepsia”). 172

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Quando o médico decide tratar com FAE, assume também com o doente todas as consequên‑ cias que daí advêm, tais como: lidar com o diagnóstico e com a doença, com a autoestima, com o estigma e com as repercussões sociais que a epilepsia acarreta, entre outras, ao nível do emprego, da família e da condução.


capítulo 13 – Fármacos Antiepiléticos: Mecanismos de Ação e Farmacocinética

Astrócito

GLU GABA-T

GLN

GABA

GAT

Tiagabina

r to B ce Re GABA

GAD

GABA

GLU

Estiripentol

A

Terminal Pré-sináptico

GLN

GABA

ico pt r GABA to ná ce ssi Re xtra e

Valproato GABA Gabapentina Pregabalina

Vigabatrina

GABA GABA

Recetor GABAA

Neurónio Pós-sináptico

GABA

Benzodiazepinas Barbitúricos GABA Tiagabina

GAT

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Figura 13.4 – Representação esquemática de uma sinapse inibitória. O ácido gama­‑aminobutírico (GABA), principal neurotransmissor inibitório no cérebro adulto, é produzido por descarboxilação intraneuronal do glutamato. Após a sua libertação na fenda sináptica, a sua ação termina rapidamente, através da remoção pelos transportadores de GABA de alta afinidade, presentes no astrócito e na terminação pré­‑sináptica. No astrócito o GABA é catabolizado pela GABA transaminase (GABA­‑T), inibida pela vigabatrina. A inibição do transporte de GABA pela vigabatrina aumenta os níveis extracelulares de GABA e assim o grau de ativação de recetores GABAA peri­‑ e extrassinápticos que, devido à sua composição em subunidades, têm alta afinidade para o GABA e dessensibilização lenta. O influxo de Cl­‑ através destes recetores leva à hiperpolarização neuronal de um modo sustentado e deste modo à redução da excitabilidade. A inibição da GABA­‑T pela vigabatrina, ao aumentar as concentrações intracelulares de GABA no astrócito, rediz a capacidade de transporte de GABA pelos GAT, já que este transporte ocorre em função do gradiente de GABA. Deste modo, a vigabatrina contribui também para o aumento da inibição tónica GABAérgica mediada por ativação de recetores GABAA extrassinápticos. Algumas evidências apontam para a potenciação da ativação dos recetores GABAA extrassinápticos pela ativação de recetores GABAB, metabotrópicos acoplados a proteínas Gi. As benzodiazepinas e os barbitúricos são moduladores alostéricos positivos do recetor GABAA, aumentando a afinidade dos recetores sinápticos para o GABA. As setas a preto indicam bloqueio ou inibição e as setas a branco indicam ativação ou facilitação da ativação. GLU: glutamato; GLN: glutamina.

O aumento da inibição tónica mediada por GABA nos neurónios talamocorticais causa uma hiperpolarização destes e uma alteração do padrão de disparo de um padrão regular para um pa‑ drão em rajadas (bursts) por anular a inativação (desinativação) dos canais de cálcio tipo T (ver a secção “Bloqueadores de canais de cálcio”) e/ou por ativação de canais ativados por hiperpola‑ rização permeáveis a catiões (ver Figura 13.3). Este processo tem sido associado à epilepsia de ausências11,12. De facto, um aumento da inibição tónica mediada por GABA, associada a uma hipofunção dos transportadores de GABA (GAT) no astrócito, é condição necessária e suficiente 185


EPilepsia – Conceitos, Diagnóstico e Tratamento

4 | Manejo dos Fármacos Antiepiléticos Como tem vindo a ser referido, convencionou­‑se dividir os FAE à nossa disposição para utili‑ zação oral em dois grandes grupos, de acordo com o perfil temporal da respetiva comercialização. Assim temos os FAE 1.ªG, mais antigos, comercializados até às décadas de 70 e 80 do século pas‑ sado, e os FAE 2.ªG, que apareceram no mercado a partir dos anos 90. Dos primeiros fazem parte a CBZ, o VPA, a PHT e o clobazam (CLB), talvez os mais utilizados hoje em dia; e o PB, o clo‑ nazepam (CZP), a PRM e a etossuximida (ESM). Dos segundos, a LTG, o TPM, o LEV, a PGB, a OXC, a rufinamida (RFN), a ZNS, o acetato de eslicarbazepina (ESL) e a lacosamida (LCM). Por razões que se prendem com fatores de toxidade e/ou falta de eficácia clínica, a VGB, o FBM e a tiagabina (TGB) deixaram de ter utilização como FAE de primeira linha. A retigabina (RTG) foi comercializada recentemente para o tratamento em adição das crises focais complexas nos adultos. Idealmente, o FAE a escolher para o tratamento das crises epiléticas/ síndromas epiléticas de novo deverá obedecer a alguns parâmetros (Quadro 14.5). A cumprirem­‑se estes objetivos, a PCE terá um controlo duradoiro das crises, sem efeitos adversos ou interações medicamentosas IM importantes e, como consequência, aderirá mais facilmente ao tratamento36-38. Quadro 14.5 – Características Determinantes da Escolha de um Fármaco Antiepilético

Eficácia para o tipo particular de crise epilética/síndroma epilética   Melhor perfil de tolerabilidade e de segurança   Melhor perfil de tolerabilidade e de segurança   Titulação rápida a fim de atingir rapidamente a dose de manutenção ideal

A primeira decisão a tomar é a qual o grupo (primeira ou segunda geração) de FAE a escolher para começar a tratar uma PCE. Uma vez que a eficácia clínica é semelhante para os dois grupos, a decisão tem de ser feita caso a caso. No que respeita à presença de potenciais efeitos adversos ou interações medicamentosas, a balança pende favoravelmente para os FAE 2.ªG. A rapidez de titulação pode ser similar, isto é, encontramos FAE dos dois grupos com perfis semelhantes neste aspeto. O mesmo se passa para o número de tomas diárias, facto sempre importante na adesão da PCE à terapêutica, uma vez haver formulações de libertação prolongada entre os FAE 1.ªG. Finalmente, se entrarmos em linha de conta com aspetos meramente economicistas (preço dos fár‑ macos), a balança pende claramente para os FAE 1.ªG37,41. As especificidades das escolhas de FAE decorrentes de grupos etários ou situações particulares serão abordadas nos capítulos respetivos. Quanto à comparação direta da eficácia clínica e do perfil de segurança entre FAE, os ensaios randomizados e controlados são sobretudo regulatórios, realizados com o objetivo de fins de licen‑ ciamento para terapêutica de adição, e não incluem nenhum entre FAE 2.ªG42. De entre 13 ensaios randomizados realizados, dois foram entre a CBZ e a LTG; um entre a PHT e a LTG; um entre a OXC e a CBZ; um entre a OXC e o VPA; um entre a GBP e a CBZ; um entre o TPM e a CBZ; 214

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Tal como todos os ensaios realizados sob eficácia clínica e tolerabilidade dos FAE, e à imagem do que acontece para a elaboração de recomendações sobre o mesmo tema, utilizaremos neste ca‑ pítulo a classificação, antiga, das crises epiléticas da ILAE de 198139 e a das síndromas epiléticas, também da ILAE, de 198940.


capítulo 15 – Indicações para tratamento cirúrgico

3 | As Epilepsias Tratáveis por Cirurgia Grupos etiopatológicos

Existe uma enorme variedade de etiologias e condições patológicas potencialmente associadas a epilepsia crónica farmacorresistente em que a cirurgia pode estar indicada. Não pretendendo fazer uma listagem exaustiva, apresentamos aqui os grupos mais comuns, baseados na experiência do nosso grupo e na análise de grandes séries de cirurgias ressetivas 22,23,24:   Esclerose temporal mesial – De longe o grupo mais comum, representando mais de metade das séries cirúrgicas em muitos centros;   Tumores de baixo grau (long­‑term epilepsy associated tumors) – Maioritariamente ganglio‑ gliomas e tumor disembrioplástico neuroepitelial (DNT – dysembryoplastic neuroepithelial tumor); outros tumores de baixo grau mais raros, mas potencialmente associados a epilepsia refratária, incluem: astrocitoma pilocítico, astrocitoma subependimário de células gigantes, glioma angiocêntrico, gangliocitoma, e astrocitoma isomórfico;   Malformações do desenvolvimento cortical (MDC) – Maioritariamente displasias corticais focais. Outras MDC encontradas menos frequentemente em séries cirúrgicas: polimicrogi‑ ria, heterotopia nodular periventricular, hemimegalencefalia e túberes corticais;   Lesões vasculares – Maioritariamente cavernomas. Outras causas: síndroma de Sturge­ ‑Weber , malformações arteriovenosas;   Lesões inflamatórias – Essencialmente o caso da encefalite de Rasmussen;   Lesões glióticas sequelares – De causa diversa (traumática, isquémica, infeciosa);   Ocasionalmente, num mesmo doente, são encontradas duas lesões potencialmente epilep‑ togénicas distintas. Quando uma delas é esclerose temporal mesial, usa­‑se o termo “pato‑ logia dual”, reservando­‑se o termo “patologia dupla” para as situações em que nenhuma das duas lesões corresponde a esclerose do hipocampo;   Em alguns casos, não se encontra à partida uma etiologia clara, mas é possível definir cla‑ ramente a zona epileptogénica. Nos doentes deste grupo que acabam por fazer cirurgia ressetiva, a anatomia patológica encontra muitas vezes displasias corticais subtis, contudo não é invulgar que os achados histopatológicos sejam inespecíficos. Em cirurgias de carácter paliativo, o leque de patologias é potencialmente ainda mais diverso, abarcando grande parte do espetro das síndromas epiléticas, à exceção, obviamente, de formas benignas e autolimitadas de epilepsia.

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Classificação dos resultados cirúrgicos

Na maior parte das publicações de resultados cirúrgicos, os desfechos são classificados de acordo com as “categorias de Engel” ou de acordo com a proposta da ILAE25. Em regra, são con‑ siderados resultados especialmente favoráveis aqueles que o doente fica sem crises incapacitantes (referindo­‑se este termo geralmente a crises com perda de consciência e/ou queda), incluindo na‑ turalmente doentes em remissão completa, mas também aqueles em que persistem crises parciais simples (quase sempre significando auras isoladas). A maior parte das séries publicadas descrevem os resultados pelo menos 1 ano após a cirurgia, uma grande parte 2 a 5 anos após cirurgia e algumas 10 ou mesmo 15 anos após a intervenção. Nas secções seguintes as referências a resultados de séries cirúrgicas com 5 ou mais anos de seguimento serão designadas como “a longo prazo”. 227


capítulo 16 – Avaliação pré-cirúrgica

Em comparação com os adultos, as crianças podem mais frequentemente apresentar um padrão eletrofisiológico ictal bastante complexo e potencialmente gerador de equívocos. Sabe­‑se que crianças com lesões estruturais presentes desde uma fase muito precoce e localizadas ou pelo menos lateralizadas em relação a um dos hemisférios, podem ter epilepsias bastante graves asso‑ ciadas a um padrão e a uma semiologia ictal aparentemente generalizada, sem que isso constitua uma contraindicação à cirurgia da epilepsia ou esteja associado, por si só, a um pior prognóstico cirúrgico31,32.

Outras técnicas neurofisiológicas – EEG de alta densidade, Magnetic Sourcing Imaging, EEG/RMf e métodos de análises de fonte

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Embora não usadas por rotina e disponíveis apenas em alguns centros de cirurgia de epilepsia, algumas técnicas neurofisiológicas adicionais têm sido desenvolvidas com o objetivo de otimizar a seleção de candidatos cirúrgicos e fornecer informação complementar na determinação da zona irritativa e/ou de início ictal. Vejamos:   EEG de alta densidade – Não é mais do que um EEG de superfície, em que o número de canais utilizados durante o registo é maior (em geral 128 ou 256) do que o tradicional, per‑ mitindo uma maior resolução espacial. Esse aumento de número de canais pode restringir­ ‑se a uma dada área de interesse onde se supõe estar a zona epileptogénica33;   Magnetic sourcing imaging (MSI) – É uma técnica que conjuga a resolução espacial da RM­‑CE com a informação funcional e neurofisiológica fornecida pela magnetoeletroen‑ cefalografia (MEG). A MEG é uma técnica não invasiva que tem por base a deteção da presença de múltiplos pequenos campos magnéticos gerados pela atividade neuronal corti‑ cal, permitindo a identificação e caracterização da presença de atividade neuronal cerebral fisiológica e patológica. A MSI, ao resultar do corregisto da RM­‑CE com a MEG, pode fornecer informação muito útil no que diz respeito a uma mais precisa localização da ati‑ vidade paroxística interictal e, como tal, da zona irritativa. Dado o curto tempo de registo, só em cerca de 5% dos casos poderá também ajudar na determinação da zona de início ictal. Ao registar a atividade elétrica cerebral induzida por determinados estímulos, nome‑ adamente visuais ou acústicos, pode também ser uma ferramenta a considerar aquando do mapeamento cortical, contribuindo para a determinação das áreas eloquentes envolvidas na realização de tarefas específicas3,34;   EEG/RMf – A RM funcional quando usada em simultâneo com o EEG permite uma feliz associação da resolução temporal do primeiro com a resolução espacial do segundo. É sabido que a alteração do ratio de concentração de oxi­‑hemoglobina/desoxi­‑hemoglobina e, subsequente efeito BOLD, encontra­‑se intimamente dependente da intensidade da atividade neuronal35. A avaliação da correlação existente entre as modificações de fluxo sanguíneo e oxigenação regional em resposta a um aumento da atividade neuronal síncrona presente em eventos epileptogénicos interictais encontra­‑se na base da mais­‑valia que este corregisto adquire numa mais precisa delimitação da zona irritativa36;   Método de análise de fontes – É uma técnica que conjuga modelos cerebrais realísticos (do próprio doente ou não) e algoritmos de resolução do problema inverso, de forma a criar mapas de voltagem da atividade paroxística interictal e subsequente localização de dipolos. De entre os algoritmos de análise destacam­‑se, por exemplo, o LORETA, sLORETA e o MUSIC. A sua utilidade é tanto maior quanto maior for o número de elétrodos utilizados 245


capítulo 17 – modalidades cirúrgicas

Cirurgia da epilepsia temporal

As formações temporomediais onde se originam grande parte das epilepsias focais são estrutu‑ ras de desenvolvimento embrionário mais antigo, arqueo e paleocortical, que integram os circuitos límbicos (Figura 17.4). Estas formações incluem6,20,84,94,106,122: a formação do hipocampo (corno de Amon, fímbria, gyrus dentado), a amígdala, o parahipocampo (quinta circunvolução temporal) com o subículo (transição para o hipocampo) e o córtex entorrinal (parte anterior até ao sul‑ co rinal). Pelas suas características citomieloarquitetónicas (alocórtex) e funcionais, as formações temporo­‑mediais são mais suscetíveis às alterações que geram, propagam e mantêm a epilepsia. À sua volta encontram­‑se as estruturas paralímbicas que incluem o córtex perirrinal (à frente do sulco rinal) até ao polo temporal e o corpo do parahipocampo. O restante lobo temporal, nomeadamente a parte lateral e a inferior, com origem neocortical e estrutura isocortical tal como os outros lobos do cérebro, têm menor suscetibilidade epileptogénica. Cingulum Elétrodo 3387 no NAT Radiações talamocorticais

Núcleo anterior do tálamo (NAT)

Fórnix

Feixe mamilotalâmico Comissura branca anterior Corpo mamilar

Hipocampo Amígdala

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Figura 17.4 – Representação tridimensional das principais estruturas do circuito límbico com base em tractografia por RM. Ver figura a cores em extratexto.

Na terapêutica cirúrgica da epilepsia temporomedial procede­‑se à remoção, ou desconexão, das formações temporomediais de forma seletiva (amígdala, hipocampo, parahipocampo, córtex entor‑ rinal) ou em conjunto com o restante lobo temporal (lobectomia), pelo menos com a parte anterior deste. A comparação entre séries com ou sem lobectomia mostra resultados controversos no que respeita ao controlo da epilepsia e à morbilidade neuropsicológica, possivelmente porque contem‑ plam casuísticas diferentes. Por isso, no Hospital de Santa Maria (CHLN, EPE) privilegiamos a cirurgia seletiva que é menos mutilante e preserva o neocórtex temporal; reservamos a lobectomia para os casos, sobretudo pediátricos, em que há também alterações imagiológicas temporais neo‑ corticais, nomeadamente no polo temporal; nestes casos fazemos habitualmente excisão das for‑ mações temporomediais com extensão ao polo temporal (polectomia). A excisão temporomesial, seletiva ou não, inclui a remoção da parte lateral da amígdala (a parte medial desta continua­‑se sem limite bem definido com o pálido e não deve, por isso, ser removida), do córtex entorrinal, da for‑ 265


capítulo 18 – epilepsia na idade pediátrica

Com o avanço da genética, o cariotipo, o estudo por array­‑cgh e estudos de genética molecular são parte integrante também do diagnóstico em epilepsia. Por último, a pesquisa de doenças metabólicas terá que ter em conta o despiste atempado das doenças potencialmente tratáveis.

6 | Classificação das Crises Epiléticas Podem classificar­‑se de acordo com a localização da descarga neuronal, as manifestações clí‑ nicas, a etiologia, a idade de início, e as manifestações eletroencefalográficas. Como já referido (ver Capítulo 3 – “Epidemiologia”), em 1981 surge a classificação das CE da ILAE, que tem vindo a ser revista, datando de 2010 a última revisão, e na qual a divisão fundamental continua a ser entre crises focais e generalizadas, tendo em vista a origem/localização da descarga neuronal. Os tipos de CE apresentam especificidades que têm a ver com a idade, traduzindo o grau de maturação cere‑ bral respetiva. São, assim, diferentes morfológica e eletroencefalograficamente as crises do período neonatal, do primeiro ano de vida, e as que surgem entre os 2 e os 6 anos.

Crises epiléticas no período neonatal

As CE no período neonatal devido à imaturidade cerebral, mielinização e sinaptogénese inci‑ pientes, apresentam padrões morfológicos específicos. Identificam­‑se crises clónicas, tónicas, mio‑ clónicas e subtis. As crises generalizadas tonicoclónicas são quase impossíveis nesta idade, porque a imaturidade cerebral traduz­‑se em marcada lentificação na propagação da atividade paroxística. As crises clónicas apresentam boa correlação eletroclínica, mas todas as outras, mesmo com vídeo­ ‑EEG podem ser difíceis de identificar. As crises subtis, que se apresentam como movimentos de mastigação, apneias, nistagmo, ou pedalagem, são as que apresentam pior correlação eletroclínica. Também é frequente detetarem­‑se padrões eletroencefalográficos claramente críticos sem mani‑ festações clínicas, especialmente após início de terapêutica antiepilética (TAE). É o denominado fenómeno da dissociação eletroclínica, e estes padrões de EEG críticos são considerados CE para efeitos terapêuticos.

Crises epiléticas na infância (1 mês a 24 meses)

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Com a progressão da mielinização e da conectividade num cérebro hiperexcitável, as crises fo‑ cais com generalização secundária tornam­‑se mais frequentes e aparecem os espasmos, geralmente agrupados e precedidos por crises focais, morfologicamente com padrão em extensão, flexão e mis‑ tos. No caso de serem secundários a lesão estrutural, a localização da lesão tem a ver com a idade de início. Assim, se a lesão for occipital, manifestam­‑se por volta dos 3 meses, se for parietal e/ou temporal, pelos 6 meses; e, se frontal, a partir dos 10 meses. A sequência normal da mielinização traduz­‑se na forma de apresentação e tempo de aparecimento das CE.

Crises epiléticas (2 a 6 anos)

Neste período mantém­‑se a hiperexcitabilidade cerebral, e aparecem, então, as crises gene‑ ralizadas, nomeadamente as ausências, geralmente com um perfil benigno e autolimitado. Mas aparecem também outros tipos de crises generalizadas, como as tónicas e atónicas, que se podem 285


EPilepsia – Conceitos, Diagnóstico e Tratamento

sérico dos FAE pode apoiar a tomada de decisão. Também a associação de FAE, procurando uma politerapia racional, não deve ser ignorada. Finalmente, nos casos de epilepsia refratária, a hipótese de cirurgia da epilepsia não pode ser excluída. Novamente, é importante realçar a intervenção nas outras áreas funcionais alteradas no ICE, nomeadamente na patologia psiquiátrica, e na manutenção da independência para a realização das atividades da vida diária. Uma preocupação importante ainda nos ICE deve ser a adesão à terapêutica. No estudo VACS #428, cerca de 50% dos idosos doentes não cumpriam a medicação adequadamente, aspeto que deve ser controlado ativamente1,28. Por fim, uma pergunta, embora sem resposta clara, é se é seguro suspender a medicação an‑ tiepilética a ICE após um período livre de crises, que deve ser sempre de, pelo menos, 2 anos. Não havendo resposta baseada na evidência científica, e sendo reconhecido o risco de morbilidade associada a CE nos idosos, a maioria destas pessoas acaba por se manter indefinidamente sob me‑ dicação antiepilética, embora com muito baixa evidência para esta prática clínica1,26,28. A RETER:   Epidemiologicamente, a faixa etária dos idosos constitui um grupo muito importante na epilepsia. Nesta faixa etária, progressivamente mais importante, do ponto de vista social e demográfico, há um aumento marcado da incidência e de prevalência de epi‑ lepsia, predominando as crises epiléticas estruturais/metabólicas.   Também as crises sintomáticas agudas são frequentes no idoso, tendo como causas o trauma encefálico, a doença cerebrovascular, a abstinência de fármacos/drogas, as causas metabólicas/infeciosas e as infeções do SNC.   As causas mais frequentes de epilepsia nesta faixa etária são a doença vascular cere‑ bral, a demência, o trauma encefálico e as neoplasias.   A clínica das crises epiléticas pode ser mais subtil, com menos semiologia motora e mais sintomas pouco específicos. A incidência de estado de mal epilético é também superior, e a sua morbimortalidade associada diretamente à idade.   A clínica mais subtil e as comorbilidades frequentes nesta faixa etária exigem especial atenção ao diagnóstico diferencial entre crises epiléticas e outros eventos paroxísticos, e entre crises sintomáticas agudas e epilepsia. O seu diagnóstico correto é essencial para um plano terapêutico adequado.

Do ponto de vista terapêutico, a abordagem e tratamento do idoso com epilepsia deve basear­‑se na melhor evidência científica disponível. Contudo, exige também o conhe‑ cimento dos processos fisiológicos de envelhecimento, das suas consequências, das principais morbilidades desta faixa etária, bem como das características farmacoló‑ gicas dos fármacos antiepiléticos, de forma a escolher o mais adequado e com menos potencial de iatrogenia.

(continua) 316

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O EEG e a RM assumem­‑se fulcrais na avaliação do idoso com epilepsia, mas não devem ser ignorados os exames que permitem fazer o diagnóstico de eventos que não são crises epiléticas ou crises sintomáticas agudas.


capítulo 22 – patologia psiquiátrica na epilepsia

Quadro 22.1 – Possíveis Mecanismos para a Associação entre Epilepsia e Patologia Psiquiátrica

Neuropatologia comum   Predisposição genética   Perturbações do neurodesenvolvimento   Efeitos neurofisiológicos da descarga ictal   Inibição ou hipometabolismo nas imediações do foco epilético   Epileptogénese secundária   Alteração da sensibilidade dos recetores   Alterações endocrinológicas secundárias   Consequência de tratamento médico ou cirúrgico da epilepsia   Impacto psicossocial da epilepsia

Classificação das perturbações psiquiátricas na epilepsia

As manifestações psiquiátricas nas PCE nem sempre se enquadram nos critérios de diagnós‑ tico definidos pelos sistemas internacionais de classificação das perturbações psiquiátricas, como o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM­‑5) ou a International Classification of Diseases (ICD­‑10). Para ultrapassar esta limitação, a ILAE propôs em 2007 um modelo de classificação integrador e adaptado às características destes doentes.5 Globalmente, as perturbações psiquiátricas podem ser classificadas de acordo com os subgrupos identificados no Quadro 22.2. Quadro 22.2 – Classificação das Perturbações Psiquiátricas em Pessoas com Epilepsia 1.  Comorbilidade psiquiátrica: ­– As características clínicas são indistintas das que ocorrem na população geral ­– Obedecem aos critérios de diagnóstico da ICD ou DSM 2.  Psicopatologia como forma de apresentação das crises epiléticas: ­– Os sintomas neuropsiquiátricos ou comportamentais são uma das manifestações do fenómeno ictal 3.  Perturbações psiquiátricas específicas da epilepsia: ­– As características clínicas são distintas das que ocorrem na população geral ­– Não preenchem critérios de diagnóstico da ICD ou DSM

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4.  Perturbações psiquiátricas iatrogénicas: ­– A psicopatologia é induzida pelo tratamento antiepilético

Os sintomas psiquiátricos podem ser descritos de acordo com a relação temporal com as crises epiléticas. Dividem­‑se entre peri­‑ictais (relacionados com a própria crise, podendo subdividir­‑se em pré­‑ictais, ictais e pós­‑ictais) e interictais (independentes da crise).1,6

Comorbilidade psiquiátrica

As PCE podem somar à epilepsia qualquer perturbação psiquiátrica em contexto de comor‑ bilidade. As prevalências de patologia psiquiátrica em PCE são superiores à população geral. Num 329


capítulo 23 – Estado de mal epilético

Tabela 23.1 – Mecanismos Fisiopatológicos do Estado de Mal Epilético

Segundos

Fosforilação proteica Alterações nos canais iónicos Libertação de neurotransmissores

Segundos a minutos

Diminuição da ativação de recetores inibitórios (GABA) e aumento de excitatórios (NMDA, AMPA)

Minutos a horas

Expressão de neuropéptidos: aumento da substância P excitatória; diminuição do neuropéptido Y inibitório

Dias a semanas

Alterações genéticas e epigenéticas → epileptogénese

Alterações cerebrais e complicações sistémicas Hiperglicemia Acidose lática Taquicardia, arritmia Hipertensão Dilatação pupilar Hipertermia Falência da autorregulação cerebral Hipoglicemia Alterações iónicas Leucocitose Acidose respiratória e metabólica Disfunção hepática e renal (por rabdomiólise, mioglobulinúria) Hipoxia Hipotensão Disfunção cardíaca e respiratória Lesão e morte cerebral

Compensação

Mecanismos de epileptogénese (modelos animais)

Descompensação

Tempo

6 | Diagnóstico Clínico e EEG O diagnóstico clínico do EM convulsivo é relativamente linear, tendo em conta as exuberantes manifestações motoras convulsivas. O EEG, apesar de útil neste subtipo, é indispensável no diag‑ nóstico do EMNC, pois os sinais clínicos (a existirem) são subtis e inespecíficos e frequentemente indistinguíveis clinicamente de semiologias de natureza não epilética. Embora seja considerado indispensável para o diagnóstico de EMNC, não existem presentemente critérios EEG baseados na evidência para este diagnóstico49­‑54. Padrões EEG similares podem ser observados em várias patologias não epiléticas, gerando uma confusão que estará ainda longe de uma solução definitiva. O Quadro 23.4 apresenta os critérios operacionais mais recentes54.

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Quadro 23.4 – Critérios Neurofisiológicos de Estado de Mal Não Convulsivo54 Doentes sem encefalopatia epilética conhecida:   Descargas epileptiformes >2,5 Hz ou   Descargas epileptiformes ≤ 2,5 Hz ou atividade teta/delta rítmica (>0,5 Hz) e um dos seguintes: – Melhoria clínica e eletroencefalográfica após AE EV ou – Fenómeno clínico ictal subtil durante os padrões de EEG mencionados – Evolução espaço temporal típica Doentes com encefalopatia epilética conhecida:   Aumento na proeminência ou frequência das características anteriormente mencionadas   Melhoria clínica e eletroencefalográfica após AE EV Nota: Descargas epileptiformes – pontas, polipontas, ondas abruptas, complexos onda abrupta­‑onda lenta. 357


capítulo 24 – o mundo da epilepsia à luz dos direitos e deveres atuais

No caso concreto da epilepsia, esta não é uma doença de declaração obrigatória, ou seja, não faz parte da tabela de doenças de declaração obrigatória, prevista na Portaria n.º 1071/98, de 31 de dezembro, de acordo com o Código da 10.ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças.

Questão 2. Será que tenho de informar a minha entidade patronal que sofri um agravamento do estado da minha epilepsia? Ou então o médico do tra‑ balho?

Existe uma regra básica na relação laboral e que é a de o trabalhador ter o dever de informar o seu empregador sobre aspetos relevantes para a prestação da sua atividade laboral (Cf. Art.º 106.º do Código do Trabalho).

Se existirem factos que influenciem decisivamente as tarefas que vão ser desempenhadas, até mesmo na altura da sua contratação ou se o trabalhador vir o seu estado de saúde agravado pela epilepsia e com possibilidade de influenciar negativamente a prestação da sua performance laboral (nomeadamente, por se aperceber que não tem condições para desempenhar determinada tarefa, pondo em risco a sua integridade física ou a de outros colegas no local de trabalho), tem a obriga‑ ção jurídica de transmitir esse facto à sua entidade patronal, sob pena de responder civilmente por todos os danos que provocar no seu local de trabalho. O empregador deverá de imediato contactar os serviços de saúde no trabalho para que sejam feitos os respetivos exames. Aliás, convirá informar que o trabalhador está obrigado a transmitir, com verdade, ao médico do trabalho todos os dados relativos à sua saúde, inclusivamente, que tem epilepsia, sem receio de que tal informação venha a ser transmitida ao seu empregador, dado que o médico de trabalho tem a obrigação legal e deontológica de manter segredo profissional sobre a mesma, apenas podendo comunicar ao empregador se aquele trabalhador está ou não apto para o desempenho profissional pretendido.

Questão 3. Posso sofrer algum processo disciplinar por ter uma crise epilé‑ tica no local de trabalho?

Não, um processo ou procedimento disciplinar aberto contra um trabalhador pressupõe que exista uma conduta ilícita, consciente e culposa desse trabalhador, a qual merecerá que seja ajuizada e eventualmente aplicada uma sanção disciplinar, que pode ir desde a simples repreensão até ao despedimento sem qualquer indemnização ou compensação.

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Ora, uma crise epilética como, por exemplo, uma convulsão tonicoclónica, pressupõe um com‑ portamento inconsciente e não culposo por parte da pessoa com epilepsia, pelo que o trabalhador não pode ser sancionado pela doença, nem pelos seus sintomas e consequências. Além do mais, se fosse possível sancionar disciplinarmente o trabalhador pela doença, estaria a ser discriminado negativamente, o que não é permitido, entre outros artigos, pelo Art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa.

Questão 4. Posso ser despedido do meu emprego com justa causa por ter epilepsia?

Não, em regra o trabalhador não pode ser objeto de um despedimento com justa causa por padecer de epilepsia, na medida em que tal despedimento implica um comportamento consciente e 391



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