Instinto Feminino (9789897529559)

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Vencedor do Prémio

Vasco da Gama

Lobo Xavier 2023/2024

RUI MOREIRA DE CARVALHO I PAULA VEIGA

INSTINTO FEMININO

O uso da língua oficial no empoderamento da mulher moçambicana

SOBRE OS AUTORES

RUI MOREIRA DE CARVALHO

Nasceu em Moçambique em 1962. É engenheiro de máquinas ma rítimas (Escola Superior Náutica Infante D. Henrique), mestre em Eco nomia e Gestão da Ciência e Tecnologia (ISEG) e doutorado em Gestão (Iscte – Instituto Universitário de Lisboa).

Integrou os quadros da Empresa Geral de Fomento de 1991 a 2009. Entre 1992 e 1995, foi adjunto do Secretário de Estado do Comércio. De 1996 a 1997, foi desk office do CDI (Centre pour le Développement Indus triel) em Bruxelas (Bélgica). De 1997 a 2003, esteve na IPE – Investimen tos e Participações Empresariais, sendo o seu delegado em Moçambique entre 2000 e 2003. De 1998 a 2006, assumiu funções de administração em diversas empresas, entre outras a Generg SGPS (Portugal), a Com panhia Caju de Nacala (Moçambique) e a Prolagos (Brasil). Foi docen te universitário do IESSF (Porto), do Iscte – Instituto Universitário de Lisboa (Lisboa), da Universidade Politécnica (Maputo, Moçambique), da Universidade Veiga de Almeida (Rio de Janeiro, Brasil) e da Universidade Estácio de Sá (Rio de Janeiro, Brasil). Atualmente, é Professor Associado do Instituto Superior de Gestão e da Universidade Lusófona.

É autor dos livros O Impacto das Novas Tecnologias de Informação no Comércio Alimentar (Cosmos, 2000), Compreender África (Temas & Debates, 2003, também editado no Brasil pela Fundação Getúlio Var gas, Rio de Janeiro, em 2005), Parcerias (Booknomics, 2009 – 4.a edição), Compreender + África (Temas & Debates, 2010 – 2.a edição), Força das Coisas (Bnomics, 2014 – 2.a edição), Dilema das Alianças – Defesa do

Humanismo na Era da Inteligência Artificial (Lidel – Edições Técnicas, 2023 – 4.a reimpressão) e Deveres da Corporate Governance (Lidel – Edi ções Técnicas, 2024 – 2.ª reimpressão).

Desde maio de 2017, é Presidente da Direção da Câmara de Comér cio Portugal Moçambique. Desde fevereiro de 2009, é quadro superior da Caixa Geral de Depósitos. Integrou o Conselho Geral da Escola Superior Náutica Infante D. Henrique de 2013 a 2017. Foi Presidente do Conselho Fiscal da SAD do Sporting Clube de Portugal de junho de 2013 a novem bro de 2018.

Nasceu em Moçambique em 1972. É professora na área do Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde ob teve os graus de licenciada, mestre e doutora.

O seu percurso académico e profissional está indiscutivelmente li gado à Universidade de Coimbra, em particular à Faculdade de Direito, onde começou como assistente estagiária em 1996, se tornou assistente em 2003, professora auxiliar em 2012 e professora associada em 2020. A única vez que lecionou noutra instituição foi entre 2003 e 2005, como assistente convidada do Instituto Superior Bissaya Barreto – Fundação Bissaya Barreto, em Coimbra, tendo dado aulas de Direito Internacional Público e Europeu.

Após a licenciatura, começou por ser estagiária do Gabinete do Secretário‑Geral do Comité Económico e Social Europeu da União Eu ropeia, em Bruxelas (1996). Regressada a Portugal e à “sua” Faculdade de Direito, foi requisitada e suspendeu o contrato para desempenhar funções de adjunta do Secretário de Estado da Administração Inter na no XIII Governo Constitucional (1998 e 1999). De 1999 a 2001, foi vogal da Comissão Nacional de Proteção de Dados, mas renunciou ao mandato para regressar à Faculdade de Direito e prosseguir os graus académicos. Entre 2003 e 2015, devido à sua investigação de mestrado na área do Direito do Espaço, foi a delegada substituta portuguesa ao

Subcomité Jurídico do Comité das Nações Unidas para o Uso Pacífico do Espaço Exterior.

Ao longo dos últimos anos, tem lecionado nos cursos de licenciatura, mestrado e doutoramento nas áreas do Direito Constitucional e do Di reito Internacional, com especial atenção aos Direitos Humanos. Desde 2021, desempenha as funções de subdiretora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Nesse mesmo ano, foi eleita vogal do Conse lho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais pela Assembleia da República. Em 2022, foi designada juíza ad hoc junto do Tribunal Euro peu de Direitos Humanos e membro do Conselho Geral do Centro de Estudos Judiciários.

É autora de numerosas publicações em revistas jurídicas, de capítulos em obras conjuntas e dos livros O que Faz de um Presidente da República um Presidente Republicano? Paradigmas (Imprensa da Universidade de Coimbra, 2014), O que Faz do Presidente da República Portuguesa um Presidente Republicano? Estatuto Constitucional (Petrony, 2018) e Direito Constitucional e Direito Internacional no Contexto do Constitucionalismo Global – Um Roteiro Pedagógico (Petrony, 2020).

ENQUADRAMENTO

Analisamos a difusão da língua oficial portuguesa na capacitação da mulher moçambicana como indutora do desenvolvimento. A riqueza étnica‑cultural de Moçambique identifica cerca de 21 idiomas diferen tes. Esta riqueza tem um elevado imposto sucessório: como ensinar uma língua oficial que os pais não conhecem sem os professores adequados? Os professores primários são a “espinha dorsal” do desenvolvimento. A promoção de modelos apropriados de educação bilingue permite um convívio virtuoso da língua familiar com a língua oficial. Existem assime trias no acesso à educação entre regiões, género e formações sociais. Em certas regiões, as mães não têm capacidade para apoiar a ida dos filhos à escola. A pobreza retira‑lhes o poder que a autoridade, enquanto edu cadoras, lhes confia. A falta desse poder não é só uma questão jurídica, moral e ética; também é económica. Uma demografia próspera pode fo mentar uma economia orientada para a competitividade das pessoas e das empresas. Associações entre pequenos comerciantes e agricultores, nomeadamente cooperativas de crédito, habilitam o empreendedorismo. Os pagamentos em dinheiro (substituindo a troca direta) pela população rural (monetarização da economia) desenvolvem a criação de excedentes e, assim, o mercado doméstico. Há evidências de que a mulher utiliza “dinheiro móvel” na criação de pequenos negócios e integra grupos de poupança. Para um crescimento inclusivo e perene, as finanças e a eco nomia (empreendedorismo/instituições) devem apoiar o investimento e o consumo desde a base da pirâmide social. As rádios comunitárias têm um enorme potencial de difusão de informação. O uso de novas tecno logias nos modelos de educação bilingue na fase de inserção das crianças

nas escolas pode fomentar a aprendizagem da língua portuguesa, mitigar o abandono escolar, reforçar a identidade e a coesão nacional e promover a competitividade. A educação potencia a produtividade e o capitalismo inclusivo. O modelo de crescimento deve considerar que as empresas in tegrem programas de responsabilidade social em parceria com os líderes locais focados no empoderamento da mulher. A mulher, enquanto espo sa, mãe e família, saberá, através do seu instinto, fazer uso das oportuni dades para uma construção coletiva.

O QUE PRETENDEMOS ESTUDAR

Em 1999, um ano após as primeiras eleições autárquicas em Moçam bique, um estudo bastante debatido na altura questionou se as autarquias iriam “andar com uma bengala emprestada”, isto é, apoio internacional, em vez de “andar com as suas próprias pernas”, com base em recursos próprios e em transferências do governo central (Borowczk & Weimer, 2012, p. 103; Soiri, 1999, p. 1). Mais de três décadas depois, Moçambique continua a ocupar o 185.º lugar entre 191 países no Índice de Desenvol vimento Humano (IDH) do United Nations Development Programme (UNDP, 2022), com 73,1% da população a viver em situação de pobreza multidimensionali.1

Revisitando a questão de Soiri (1999) sobre o alívio da pobreza, os seus agentes indutores e as suas propostas de mitigação, questionamos se as mulheres moçambicanas se assumem como agentes do seu desenvol vimento.

O modelo de desenvolvimento de Moçambique tende a promover as simetrias entre as populações rurais e urbanas e uma falta de autoridade na assunção do poder. Neste trabalho, partimos da observação, na litera tura, de que a educação e o empoderamento da mulher produzem efeitos no alívio da pobreza. Sabemos que o alívio da pobreza é um processo

i Indicador baseado na metodologia de Alkire e Foster (2011), que agrega 21 variáveis que abarcam dimensões como a participação no mercado de trabalho, a educação, a privação material, a privação social, a saúde e a habitação.

complexo, de longa duração e não livre de hesitações e inconsistências (Eaton et al., 2011; Weimer, 2012).

Hanlon e Smart (2008, p. 154) observam que “os pobres são pobres porque não têm dinheiro”, recordando que, para os mais pobres, o di nheiro é essencial para garantir as necessidades básicas em termos de alimentação, abrigo e vestuário e para evitar a miséria total e o luto, além de que pode ajudar a iniciar atividades geradoras de renda em pequena escala, atenuando situações críticas de empobrecimento. Como pistas de apoio, os autores sugerem intervenções direcionadas, incluindo proteção social sob a forma de transferências de renda (para os mais pobres e mar ginalizados) e programas de obras públicas para aqueles com capacidade de trabalho – com referência ao facto de que existem evidências de que os pobres usam as transferências de renda de forma construtiva e de que as mesmas estimulam os mercados locais e facilitam o desenvolvimento (Hanlon & Smart, 2008).

Repetir o que tem sido feito, refinando as soluções, é importante, mas não resolve o problema. Partilhamos o apelo de Hanlon e Smart (2008), no sentido de uma reorientação das políticas para maior focalização nos setores produtivos como instrumento de alívio da pobreza.

Este foco deve contemplar a organização social suportada nas pes soas da base da pirâmide. E consideramos que esse desiderato pode ser prosseguido com o empoderamento da mulher, através de uma melhor universalização da língua oficial portuguesa em Moçambique enquanto instrumento de identidade regional, de coesão nacional, de inclusão so cial e de ganho de valor.

Mapa de Moçambique (cidades).

© André Koehne. A utilização deste ficheiro é regulada nos termos da licença da Creative Commons – Atribuição-CompartilhaIgual 3.0 Não Adaptada, https://commons.wikimedia. org/wiki/File:Mozambique_map_cities.png.

TÉCNICAS

COMENTÁRIOS

LIDEL

Joaquim Alberto Chissano

Antigo Presidente da República de Moçambique e Patrono e Presidente da Fundação Joaquim Chissano

Apraz‑me felicitar o Professor Doutor Rui Moreira de Carvalho e a Professora Doutora Paula Veiga, autores deste ensaio intitulado Instinto Feminino: O uso da língua oficial no empoderamento da mulher moçambicana.

Esta obra académica faz uma abordagem abrangente, inovadora e sa lutar sobre como o empoderamento da mulher tem desempenhado um papel importante nos esforços para o alívio da pobreza em Moçambique, ao fazer convergir dois aspetos concorrenciais e vitais – cultura e língua – e que influenciam e determinam um terceiro: o desenvolvimento humano.

Não há dúvidas de que a língua, como veículo de comunicação, trans porta consigo a essência da cultura que é a “nossa maneira de ser e estar” individual, na comunidade, na sociedade e na construção do Estado ‑nação, como os autores muito bem referem neste brilhante ensaio.

A mulher moçambicana, como elemento nuclear da família em Mo çambique, mereceu atenção especial ao longo do processo histórico do país, como uma atora central e incontornável do processo de desenvolvi mento nacional, cuja emancipação é uma das chaves para a libertação e o progresso de Moçambique.

É por esta razão que a expressão que defende que “Educar uma mu lher é educar uma Nação” é bastante profunda e de enorme alcance, pois

a educação e o empoderamento da mulher têm um efeito multiplicador extraordinário ao nível da família e da sociedade em geral.

A língua portuguesa, enquanto língua oficial na República de Moçambique, a par das línguas nacionais que estruturam a sociedade moçambicana, é um complemento importante para a integração, o em poderamento e a inclusão da mulher moçambicana no processo em cur so da construção do “Moçambique que queremos”.

Recomendo, por isso, a leitura atenta desta obra, coautorada pelo Professor Doutor Rui Moreira de Carvalho e pela Professora Doutora Paula Veiga, em que a academia se revela uma charneira essencial para o mundo real de hoje e o sonho de amanhã.

Felicidade Sandra Machatine Ten Jua

Juíza Conselheira do Tribunal Supremo de Moçambique, Prémio Alumni Joaquim Chissano e Embaixadora Honorífica da Universidade de Coimbra

Honrada com o convite do Professor Rui Moreira de Carvalho e da Professora Paula Veiga para tecer algumas palavras sobre a obra Instinto Feminino, constatei tratar se de uma introspeção à nossa sociedade mo çambicana que aflora as suas mais variadas experiências, com particular enfoque nas camadas vulneráveis, designadamente mulheres, crianças, idosos e população rural, e salienta que os temas sobre o desenvolvimen to local e o alívio à pobreza estão interligados, pelo que a promoção da produtividade, da prosperidade e do bem estar das comunidades assume capital importância.

As perspetivas e o resultado da pesquisa decorrentes deste estudo es clarecem que ações como a promoção da educação, a inclusão financeira, a redução das desigualdades nos rendimentos, o estímulo ao crescimento económico, bem como as estratégias de desenvolvimento local, têm tido destaque como sendo fundamentais para aliviar a pobreza, devendo toda a atuação basear se na ordem jurídica nacional. Note se que a primeira Constituição da República Popular de Moçambique, elaborada em 1975, deu corpo e manteve como desiderato a igualdade de género perante a lei, prescrevendo os princípios reguladores dos direitos, dos deveres e das relações entre homens e mulheres.

Este princípio foi retomado e consolidado na Constituição da Re pública de 1990, seguida da de 2004 e ora vigente, não obstante as al terações pontuais. Entretanto, mantendo a igualdade perante a lei em todos os domínios da vida política, económica, social e cultural, assim como do direito ao trabalho e à iniciativa empresarial. Neste contexto, resulta evidente a necessidade de potenciar particularmente as mulhe res, quer nos meios de produção quer com a ferramenta fundamen tal consubstanciada na educação e na aprendizagem da língua oficial

portuguesa, adotada após a Independência Nacional, precisamente como fator de unidade entre as várias etnias existentes de norte a sul de Moçambique.

A análise contextualizada dos vários casos concretos apresentados, sem perder de vista a comparação com os países da região e os estudos económicos internacionais, constituiu um elemento que, sem dúvida alguma, contribui para melhor compreender as dinâmicas de pobre za nas comunidades, nas famílias e nos indivíduos. Deste ponto, pode depreender se de que, para os autores deste livro, a valorização das lín guas locais potencia igualmente a preservação da cultura e da identidade, proporcionando uma plataforma para expressar experiências, conheci mento e perspetivas.

Deste estudo pode igualmente perceber se que, através da aprendi zagem da língua portuguesa, sem prejuízo do uso e da valorização das línguas locais no contexto familiar e local, as mulheres podem não só participar ativamente nos processos de desenvolvimento das suas comu nidades, mas também envolver se ativamente na preservação e na trans missão das suas tradições, conhecimentos e práticas culturais, ajudando ‑as a afirmar se e a superar desafios relacionados com a discriminação e a subalternização da sua condição enquanto mulheres. Neste sentido, constato que a ferramenta “língua oficial” é essencial para o empodera mento da mulher e amplia a sua participação na sociedade.

Para os autores desta obra, Moçambique é país pluriétnico, pluricul tural e, consequentemente, plurilingue, à semelhança da maioria dos paí ses africanos, em particular os da região austral, onde Moçambique se insere. Por isso, caracteriza se pela convivência de diversas línguas, sem prejuízo do português como idioma oficial do país. Todavia, a existência de várias línguas é significativa, refletindo a diversidade cultural e desem penhando um papel importante na identidade do nosso povo.

Considero que a língua oficial portuguesa adotada em nada preju dica, na medida em que, mercê do ensino bilingue introduzido no país em 2003, potencia se a educação das crianças na sua língua materna (ou língua primeira, como referido pelos autores). Por outro lado, confere o empoderamento da mulher, ao permitir que nas suas atividades como

mãe, educadora, esposa e profissional esteja ao mesmo nível, assim como na área de trabalho ou de empreendedorismo, não obstante as dificulda des que enfrenta para o acesso ao financiamento.

Pelas razões aqui apresentadas, certamente não esgotadas e que se desvelam no conteúdo dos capítulos da obra, com muito apreço felici to os autores pela pesquisa resultante do estudo e materializada neste livro, retratando aspetos relevantes da nossa sociedade. Relevo sobretu do os aspetos relativos ao desenvolvimento das comunidades locais e do tecido económico/empresarial, com enfoque no empoderamento da mu lher, bem como nas micro e nas pequenas empresas. Assim, recomendo a leitura e a divulgação da presente obra.

Deputada, Vice Presidente da Comissão de Ética Parlamentar da Assembleia da República de Moçambique, Conselheira do Center for United Nations Constitutional Research, Docente da Universidade Católica de Moçambique

Quanta riqueza de informação encontrei nesta obra! Instinto Feminino fez‑me refletir sobre a economia que evolui ao longo do tempo, mol dada por tendências de longo prazo e características semipermanentes da realidade moçambicana. Como moçambicana, vivo uma realidade geográfica que me aproxima das minhas mães e irmãs que se encontram a cerca de 3000 km da capital do país, que é definitivamente marcado pelo uso da capulana – essa amiga que nos envolve o corpo, nos cobre na doença e na alegria. Que nos auxilia nos cuidados a termos com os nos sos filhos desde a nascença; essa herança que decora as nossas mesas, as nossas camas e faz de porta nas nossas casas de banho adaptadas à nossa maneira. Se nem os quase 3000 km de costa nos distanciam, a diversidade étnica e linguística marcante no nosso país, com mais de 40 línguas fa ladas, encontra amparo no português, nossa herança colonial e adotado como língua oficial de Moçambique.

Moçambique enfrenta desafios geográficos, com a capital localizada no extremo sul e a maior concentração populacional, ao norte tendo mais de 30 milhões de habitantes, dos quais mais de 50% são mulheres. Ima ginemos quantas capulanas são necessárias no mercado para realçar a beleza ímpar da mulher, quer nas zonas rurais quer nas urbanas…

Se há negócio que a nossa sociedade nunca deixaria cair é o comér cio da capulana. Se o português nos une e faz girar a comunicação nas instituições formais do Estado, nas províncias do norte, nomeadamen te Niassa, Cabo Delgado e Nampula, temos outros elementos que nos tornam únicas, como o musirho (o nosso creme natural que nos ama cia a pele), o macua, o nianja, o maconde, o kimwani, parte das mais de 40 línguas a que me referi anteriormente.

Se o português nos ata o “cordão umbilical” na educação formal, con duzida pelo sistema nacional de educação, nas províncias do centro de Moçambique – Tete, Zambézia, Manica e Sofala – o tchitchewa, o lómue, o echuabo, o sena, o ndau contribuem para enriquecer os nossos laços irmanados nas nossas línguas locais. Ao pretendermos comercializar o feijão bóer, a carne de cabrito, a farinha de milho, os nossos tubérculos e mariscos, com destaque para o camarão do banco de Sofala, levantamos bem alto a bandeira de que somos orgulhosamente “xingondos”, como nos apelida o Sul.

Se, no passado, a ofensa era certa, hoje, olhamos para o sul e as suas províncias de Inhambane, Gaza, Maputo Província e Maputo Cidade e, como que “metendo todos no mesmo saco”, sentenciamo‑los como mat changanas. A nossa diversidade linguística, despontando a sul as línguas ronga, changana, xítsua, quase que em nada reduz a compreensão do Ou tro e a irmandade entre os moçambicanos. Repare‑se que, não obstante a nossa riqueza étnico‑linguística, quando o assunto é “dividir o mal pelas aldeias” das oportunidades, não podemos esconder que o espírito de per tença faz‑se sentir e que cada um tende, instintivamente, a dar de comer em primeiro aos seus. Não iliba a ninguém o facto de ter nascido no sul, no centro ou no norte: aquilo que é define‑se pelas suas origens. Caiu‑lhe o cordão umbilical em Maputo? Oh! O assunto é seu – cá para nós, se tem misturas para lá do rio Save, não passa “impune”, é xingondo; e vice‑ ‑versa, se o episódio se deu quando os pais foram em missão de serviço ao norte, será, aos olhos daqueles, sempre um viente. Engana‑se quem acha que isso nos retira a alegria a cada data festiva dos heróis maiori tariamente do sul do país. Vamos, todos nós, xingondos, matchanganas, nortenhos, como quiserem chamar‑nos, juntos, ao som de Kapa Dech, Elsa Mangue, Mussa Rodrigues, Twenty Fingers, Massukos e de tantos outros que marcam a nossa música ligeira moçambicana, vamos dançar e, nos nossos vestes de cores garridas feitos à base de capulana, abanamos as nossas bundas gordas e transpirados gritamos “Viva Moçambique!”. Que este texto inspire a todos a explorar o potencial do “instinto fe minino” na transformação da economia, da política e da sociedade. Jun tos podemos moldar um futuro mais justo e igualitário.

João Nuno Calvão da Silva Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e Vice‑Reitor da Universidade de Coimbra para as Relações Internacionais

Vivemos num mundo de crescentes desigualdades económico sociais que nos envergonham enquanto Humanidade e justificam a emergência de populismos e extremismos perigosos para a democracia.

Neste quadro global de aprofundamento do fosso entre ricos e po bres, a obra Instinto Feminino destaca muito bem a importância da edu cação para a correção da injustiça social e para a promoção da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.

Ao realçar o papel fundamental da educação e também da língua portuguesa (a mais falada no hemisfério sul; valioso ativo cultural, político diplomático e económico), Rui Moreira de Carvalho e Paula Veiga, moçambicanos por afeto e de nascimento, deixam um contri buto essencial para o desenvolvimento desse extraordinário país que é Moçambique.

Médico. É, desde maio de 2023, o Representante Especial e Chefe do Gabinete da Organização das Nações Unidas para a África Ocidental e o Sahel (UNOWAS) de António Guterres, Secretário‑Geral da Organização das Nações Unidas. Foi Ministro da Saúde (entre 1986 e 1994) e Ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Moçambique (entre 1994 e 2005)

Através da obra conjunta Instinto Feminino – O uso da língua oficial no empoderamento da mulher moçambicana, os Professores Rui Moreira de Carvalho e Paula Veiga fazem uma proposta valiosa, simples e eficaz de abordagem de um desafio bem identificado, no processo mais abran gente do desenvolvimento de Moçambique. Trata‑se da educação da mu lher, mais especificamente da importância e da necessidade de a capacitar para ter domínio da língua portuguesa. Ora, sendo o domínio de uma língua adquirido através da educação (formal ou informal), os autores advogam, portanto, a atenção que se deve prestar à educação da mulher.

Contudo, esta educação, e o consequente domínio da língua por tuguesa, não é um fim em si próprio, mas uma ferramenta, uma ala vanca para a mulher se desenvolver a si própria, a sua família e a sua comunidade, inserindo‑se, assim, melhor no contexto da atividade eco nómica do seu país.

Com recurso a estudos e estatísticas relevantes, os autores traçam o quadro do desenvolvimento humano no país, particularmente da mu lher, e indicam fatores que persistem em “empurrá‑la” para o baixo nível em que se encontra. Dedicam a sua atenção à mulher pobre, geralmente rural e pouco ou nada escolarizada, mas com elevado potencial de par ticipação de relevo em atividade económica que, eficazmente, combata a pobreza em que vive.

Como docentes que são, os autores sabem que a educação é um campo muito vasto, complexo e multidimensional, por isso, para esta mulher alvo do seu ensaio, escolheram a aprendizagem da língua

portuguesa como um meio eficaz para a ajudar a sair da pobreza. Na verdade, este desiderato pode ser alcançado, a um custo relativamente baixo, com recurso ao arsenal das tecnologias de informação e comu nicação disponíveis.

Munida desta ferramenta, a mulher passa a ter acesso à informação que lhe permite alargar o seu horizonte de vida e de trabalho, melhoran do ambos. Por exemplo, ela pode ter acesso a informações suscetíveis de ajudar a melhorar as suas atividades profissionais, bem como a expe riências de vida de outras mulheres de condição similar à sua, de outras partes do mundo, que poderá adotar ou nelas se inspirar.

Sendo adotada, a proposta de Rui Moreira de Carvalho e Paula Veiga deve ser aplicada de forma sistemática, numa perspetiva de médio e lon go prazo, como complemento aos esforços de alfabetização e educação da mulher.

Estão de parabéns os autores desta obra, que é expressão de solida riedade destes eminentes docentes universitários para com a mulher mo çambicana.

Escritor, nascido na Beira, Moçambique, em 1965

Um estudo sobre o papel das mulheres em Moçambique é sempre uma luz que traz visibilidade para metade de uma nação. Essa metade é, na verdade, maior do que o todo. Sobre as mulheres moçambicanas pesa o presente e o futuro do país.

O acesso à língua oficial de Moçambique é um fator‑chave para uma maior inclusão social e económica e uma maior cidadania. As leis do país são claras, justas e modernas. O direito à igualdade de género está defi nido em teoria e na legislação. Mas a vida não recebe ordens de papéis.

E a realidade é bem amarga para as mulheres: a desigualdade de opor tunidades começa logo na escola primária. Seis em cada dez meninas não terminam a escola básica. Uma em cada duas meninas casa‑se antes dos 18 anos e 14% antes dos 15 anos. A maioria torna‑se mãe antes dos 19 anos. Começam a ser mães quando ainda são filhas.

Marginalizadas e invisibilizadas, as mulheres habitam a periferia do mundo. A obra Instinto feminino, de Rui Moreira de Carvalho e Paula Veiga, é um contributo valioso para o retrato dos desequilíbrios e das desigualdades que pesam sobre a mulher moçambicana.

A epígrafe que abre o estudo, da autoria da tanzaniana Efu Nyaki, antecipa a grande mensagem contida no estudo: “Metade do mundo são mulheres. A outra metade os filhos delas”. A frase tornou‑se conhecida em todo o mundo, sendo uma espécie de bandeira para a afirmação da igualdade de género. Não deixa de ser curioso que esta mulher – de lín gua materna africana como a maior parte das mulheres africanas – tenha adquirido competência na língua portuguesa, algo que grande parte das moçambicanas ainda não alcançaram. Efu Nyaki criou no Brasil um cen tro de terapia holística. Uma outra terapia é necessária para curar os ma les do nosso mundo. Para tão grandes doenças são necessários pequenos remédios. E este estudo sugere um desses caminhos.

dos filhos, se possível na escola, sendo que uma elevada percentagem não conhece a língua oficial e os professores não conhecem a sua.

O MODELO DE ENSINO BILINGUE COMO INDUTOR DE DESENVOLVIMENTO

Para Benson (1997, p. 1), em Moçambique, uma das principais causas do abandono escolar era o problema da língua usada nas escolas. Segun do o INE (2019, p. 88), apenas 14,2% das crianças com idades compreen didas entre os 5 e os 9 anos falam com frequência a língua portuguesa em casa. Também é nesta etapa que se assiste à maior percentagem do aban dono escolar. É neste sentido que parece existir unanimidade quando à necessidade de articular a aprendizagem da língua materna (língua pri meira [L1]) com a língua oficial (língua segunda [L2]), através do ensino bilingue. Para Aleixo (2021, p. 58), o conceito de ensino bilingue refere ‑se ao “processo de aquisição de conhecimentos científicos feito em duas línguas, que tem como o centro do processo a escola, e no caso concreto a escola primária”.

De acordo com Stround e Tuzine (1998, pp. 9‑10), “a questão da lín gua surgiu como um problema importante para as nações em vias de desenvolvimento ao lidarem com a sua independência do domínio colo nial”. Acerca desta temática, Aleixo (2021, p. 2) questiona: “Como garan tir a educação à população a quem outrora esse direito era vedado? Como criar uma identidade nacional que unisse as pessoas das várias etnias em volta de objetivos comuns?”

Os fundadores da nação moçambicana tinham, seguramente, essas preocupações, aquando da sua independência, em 1975. E a extrema debilidade em recursos humanos e económicos “facilitou” [entenda‑se, obrigou] a escolha do modelo de ensino tendo como opção a língua do colonizador: não eram conhecidas alternativas realistas.

Três décadas depois, e após uma guerra civil, o currículo do ensi no básico, adotado em 2004, introduziu o ensino bilingue, preconizando que, da 1.ª à 3.ª classes, a língua materna, ou seja, a L1, da criança seja

para a população adulta, tendo em perspetiva as restrições de tempo e as demandas económicas e sociais concomitantes, inerentes a esta fase do ciclo de vida”.

TABELA 1.1 Situação sociolinguística de alguns países africanos

País

Independência

Início do ensino bilingue Línguas nativas faladas Línguas usadas no ensino

* Em 27 de abril de 1994, com o fim do regime de Apartheid, a maioria negra toma o poder na África do Sul.

Adaptado de Aleixo (2021, p. 24) e World Bank (2024).

É à luz desta sugestão de pragmatismo do INE de Moçambique que nos vamos focar no empoderamento da mulher, para saber administrar a sua autoridade e poder, entre o secular e a modernidade na sua educação e dos que consigo dependem ou convivem. Eis o que denominamos de “instinto feminino”.

FUNDAMENTAÇÃO DO ESTUDO

Este trabalho assenta em dados quantitativos com informação sobre o mapeamento, o perfil e as determinantes para a monitorização da po breza em Moçambique. Procuramos enquadrar esta informação através

CRIAÇÃO DE VALOR SOCIAL E EMPRESARIAL

Existe um crescente interesse no papel das forças do mercado, como a estratégia de negócio, o empreendedorismo e a inovação para enfren tar os desafios da sociedade, nomeadamente a pobreza, a desigualdade e a sustentabilidade ambiental (George et al., 2012; Porter & Kramer, 2011).

A literatura acerca da base da pirâmide explora os potenciais contri butos das empresas, multinacionais e locais, para a redução da pobreza e a inclusão social nas economias de baixos rendimentos (Dembek et al., 2019; Kolk et al., 2014; Prahalad, 2004). As estratégias da base da pirâ mide aspiram a criar valor social para as partes interessadas, sendo que por valor social se entende a criação de resultados sociais, económicos e ambientais adequados e perenes (Caldwell et al., 2017; Freudenreich et al., 2019; Lashitew et al., 2020; Nahi, 2016; Yang et al., 2017).

As empresas podem retirar benefícios através do desenvolvimento de novas capacidades que integrem os seus recursos com os de atores exter nos ou através da prossecução de colaborações que abram novas fontes de inovação e crescimento (Rivera‑Santos et al., 2012; Sanchez & Ricart, 2010). Para as empresas multinacionais, trabalhar com atores locais cria uma maior compreensão do mercado local e das condições institucionais (Rivera‑Santos et al., 2012), o reconhecimento pela comunidade do seu papel social (Dahan et al., 2010; Lashitew & van Tulder, 2019) e legitimi dade enquanto investidores.

No entanto, as estratégias de criação de valor para as partes interes sadas, com interesses difusos e nem sempre coerentes e transparentes, tendem a ser complexas e exigem intrincados mecanismos de governa ção para coordenar atividades entre as partes interessadas (Seitanidi & Crane, 2013). Estas estratégias são particularmente dispendiosas e arris cadas nas economias emergentes, caracterizando‑se por “vazios institu cionais”, referindo‑se à fraqueza e, em alguns casos, à completa ausên cia de instituições formais necessárias para a elaboração e a execução de contratos (Mair & Marti, 2009). A governação ineficiente e a ausência de

África terá, em breve, a maior população em idade ativa do mundo, que poderá suprir a crescente escassez global de talentos através da ter ceirização de serviços (Figura 3.1). África acrescentará 796 milhões de pessoas à força de trabalho global e acolherá a maior e mais jovem popu lação até 2050 (McKinsey Global Institute, 2023, p. 26). Trata‑se de uma enorme oportunidade.

FIGURA 3.1 Evolução da força de trabalho (idade entre 14 e 64 anos)

População em idade (entre 14 e 64 anos)

1,5 biliões

1 bilião 500 milhões

Adaptado de McKinsey Global Institute (2023, p. 21).

O crescimento da economia é uma consequência do manuseamento eficiente dos fatores de produção. No fundo, estes espelham o ambiente dos negócios. A noção de produtividade é complexa e depende, numa primeira abordagem, da otimização dos recursos, ou seja, cresce sempre que se consegue produzir mais a partir da mesma quantidade de recur sos. Assim, a produtividade pode crescer através tanto do aumento da eficiência do processo produtivo, sem alterar o que é produzido, como do aumento do valor dos bens e dos serviços produzidos, ou ainda se houver uma combinação de ambas as possibilidades.

EMPODERAMENTO DA MULHER

A literatura sobre empoderamento destaca “recursos” e “agência” como os dois componentes mais comuns do empoderamento. Contudo, tende‑se a considerar os recursos como um meio para alcançar o empode ramento, embora agência e recursos não sejam facilmente separáveis no desenvolvimento de indicadores de capacitação (Malhotra et al., 2002), existindo o conceito de agência central. Podemos definir agência como a capacidade de um indivíduo (ou grupo) para fazer escolhas efetivas e transformá‑las em resultados desejados. As mulheres são, geralmente, desfavorecidas no que diz respeito à sua capacidade de fazer escolhas efi cazes numa série de domínios. No entanto, o arbítrio é intrinsecamente importante e influencia outras esferas de empoderamento, incluindo a transformação de recursos em resultados de bem‑estar (Do & Kurimoto, 2012; Kwarteng & Sarfo‑Mensah, 2019; Quisumbing, 2003).

Nas áreas rurais, a possibilidade de se trabalhar por conta própria como assalariado é cerca de 150% maior para os homens e de 300% para as mulheres, em relação à zona urbana. Em termos da escolaridade, a probabilidade de se trabalhar por conta própria desce drasticamente com o aumento da escolaridade e da riqueza, sugerindo que as atividades por conta própria são, de facto, mais precárias e menos protegidas do que as dos assalariados (INE, 2023b, p. 58).

Consequentemente, as mulheres, em especial nos grupos de ren dimentos mais baixos, tendem a ser mais cautelosas e avessas ao risco quanto ao montante de financiamento e ao risco empresarial que estão dispostas a assumir (Akter et al., 2016; Islam et al., 2014). As mulheres revelam‑se mais inclinadas a ponderar estes riscos em relação aos poten ciais impactos para as famílias, caso não consigam pagar os empréstimos (Oxfam India, 2017). Um fator determinante da adoção do risco é a con fiança, ou melhor, a falta de confiança no trabalho das instituições, que se verificou ser menor entre as mulheres (Manta, 2019). Isto leva à procura de alternativas.

Rosário e colaboradores (2008, p. 37) recordam que as mulheres par ticipam mais frequentemente em associações do que os homens, mas,

socioculturais, particularmente no Norte, inibem as raparigas de partici parem em pé de igualdade nos esforços educativos atuais (Tvedten et al., 2008).

EDUCAÇÃO

Entre 1997 e 2007, verificou‑se um crescimento de frequência esco lar generalizado em todos os níveis de ensino. De 2007 a 2017, as taxas de escolarização do ensino primário decresceram significativamente, não acompanhando o crescimento populacional, que se estima em 3% por ano. Assim, a percentagem de crianças entre os 6 e os 10 anos de idade que frequentam o ensino primário do 1.º grau baixou de 58% em 2007 para 41% em 2017, e o número de crianças nesta faixa etária que não vão à escola cresceu de 1,34 milhões de crianças em 2007 para 2,55 milhões em 2017. De modo semelhante, a percentagem de crianças no grupo etá rio entre os 6 e os 12 anos que frequentam o ensino primário baixou de 62% em 2007 para 47% em 2017 (INE, 2023c, p. 2).

Em 2017, cerca de 28% dos jovens com 15 a 19 anos e 32% da popu lação entre os 25 e os 29 anos declararam não saber ler e escrever (INE, 2023c, p. 118). A quebra maior de frequência escolar dá‑se nas idades entre os 6 e os 8 anos, precisamente na fase de “ligação” entre a língua dos manuais académicos (língua portuguesa) e a língua autóctone. Não raras vezes, os professores primários não falam os dialetos nativos e os pais das crianças não falam a língua portuguesa.

Em relação à escolaridade, parece haver uma certa tendência de au mento na possibilidade de união/casamento entre homens de maior es colaridade. Para as mulheres, a tendência é exatamente oposta: a proba bilidade de união/casamento baixa à medida que a escolaridade aumenta, possivelmente porque mulheres com maior escolaridade são capazes de prover para si mesmas e não dependem de um marido/companheiro pro vedor (INE, 2023b, p. 23).

Em que medida a escolaridade dos pais, especialmente a das mães, é repassada aos filhos? Tal questão, além de se referir à educação como

A PRODUTIVIDADE COMO INSTRUMENTO DE CRIAÇÃO DE VALOR

SOCIAL

TABELA 3.6 Principais línguas faladas pela população com 5 ou mais anos de idade, em 2010 e 2017

N.º Línguas

1 Macua

Cabo Delgado, Nampula, Niassa, Zambézia, Sofala

2 Português 11,54 16,58 17,76 15,49 Todas as províncias

3 Xichangana 10,62 8,63 8,00 9,20 Gaza, Maputo, Maputo Cidade, Niassa, Inhambane

4 Ci-sena 8,30

5 Lómue

Manica, Sofala, Tete, Zambézia

Nampula, Niassa, Zambézia

6 Echuabo 6,24 4,72 4,64 4,80 Sofala, Zambézia

7 Cinianja 5,71 8,05 8,12 7,99 Niassa, Tete, Zambézia

8 Xindau 4,43 3,76 3,56 3,94 Manica, Sofala

9 Xítsua 2,96 3,76 3,58 3,93 Gaza, Inhambane, Maputo, Sofala

Adaptado de INE (2010, 2019, p. 82).

O facto de cerca de metade da população não saber falar a língua portuguesa ou não a conhecer cria desvantagens no processo educacional e na sua competitividade no mercado de trabalho. Mas também dificulta assumir, por todos, o importante conceito de nação, enquanto baluarte de um Estado independente e soberano.

A LEGITIMIDADE DO ESTADO ‑NAÇÃO

Um projeto de Estado‑nação é dinâmico e autoconfigurável. O fac to de um governo dar início à constituição de um Estado‑nação13 não implica necessariamente que a tarefa seja completa com sucesso. A sua evolução pode ser interrompida e também sofrer retrocessos. Tal como aconteceu na Europa14, mesmo períodos longos de tentativas de integra ção podem não ser suficientes (Nilson & Abrahamsson, 1998, p. 250).

O conceito de desenvolvimento predominante – a modernização através do denominado progresso técnico – previa que África seguiria o mesmo caminho que a Europa, mas mais tardiamente. O Estado‑nação como forma de gestão adquiriu quase o estatuto de “direito natural”. Se a existência do Estado‑nação europeu não se revelou irredutível, a posição do Estado‑nação africano é mais precária. Na maior parte dos casos, ele ainda não está constituído. Isto tem consequências quando se pretende analisar o colapso político e administrativo que está a decorrer em alguns destes jovens Estados.

Na maior parte dos países africanos, em que a identificação da po pulação com o Estado‑nação ainda é muito fraca, cada política que falha representa uma crise também para as possibilidades de desenvolvimen to do Estado‑nação. Um Estado‑nação em decadência só a custo poderá constituir um enquadramento suficientemente forte para o desenvolvi mento de um sistema multipartidário e democrático que funcione (Car valho, 2010, p. 90).

A democracia parlamentar é a forma de governo que surgiu com o aparecimento dos Estados‑nação e da industrialização na Europa. Os sistemas multipartidários equilibravam os grupos de interesses na so ciedade, diluindo as tensões trazidas pelo desenvolvimento económico. Tentou‑se, assim, corrigir os desequilíbrios sociais, de dimensão regional, à medida que surgiam.

13 Como foi o caso, em África, após a cessação da colonização.

14 Os casos da ex‑Jugoslávia, da ex‑Checoslováquia e da ex‑União das Repúblicas Socialistas Soviéticas são disso exemplo.

contrário, o vírus ocidental, uma vez inoculado numa outra sociedade, é difícil de eliminar. O vírus persiste, mas não é fatal; o paciente sobrevi ve, mas jamais é o mesmo. Os dirigentes políticos podem fazer história, mas não fogem à história. Produzem países dilacerados: não podem criar sociedades ocidentais. Infectam o país com uma esquizofrenia cultural que se torna a sua característica continuada e definidora”.

A LÍNGUA OFICIAL DE UM PAÍS

Samuel Huntington (1999, p. 28) recorda‑nos de que “no mundo pós‑Guerra Fria as diferenças mais importantes entre os povos não são ideológicas, políticas ou económicas. São culturais. Os povos e as nações estão a tentar responder à mais básica questão que os seres humanos enfrentam: Quem somos nós? E respondem a esta pergunta da forma mais tradicional, tendo como referência o que mais conta para eles. As pessoas definem‑se em termos de ascendência, religião, língua, história, valores, costumes e instituições. Identificam‑se com grupos culturais: tri bos, grupos étnicos, comunidades religiosas, nações e, a um nível mais amplo, civilizações. As pessoas usam a política não só para promoverem os seus interesses, mas também para definirem a sua identidade. Só sabe mos quem somos quando sabemos quem não somos e, frequentemente, contra quem somos”.

A língua é um bem constitucionalmente protegido pela Constituição Moçambicana. Com efeito, se o artigo 9.º reconhece a existência de várias línguas nacionais, o artigo 10.º estatui que é o português a língua oficial de Moçambique16. Esta destrinça entre língua e língua oficial tem, na sua base, a existência de minorias dentro de uma comunidade, com o intuito da promoção da unidade e da integração de todos. De resto, é na mesma Constituição, e de acordo com a mesma linha de pensamento, que se en contra estatuído o “pluralismo jurídico” (artigo 4.º), em que se afirma que

16 Segundo o artigo 9.º (“Línguas nacionais”), “O Estado valoriza as línguas nacionais como patrimó nio cultural e educacional e promove o seu desenvolvimento e utilização crescente como línguas veiculares da nossa identidade” e, de acordo com o artigo 10.º (“Língua oficial”), “Na República de Moçambique a língua portuguesa é a língua oficial”.

E se as relações humanas têm que ver com conquistar amigos e in fluenciar as pessoas, então a geopolítica tem que ver com conquistar alia dos e influenciar países. Para tal, é imperioso “saber viver” no mercado mundial. Mas como?

Tal como as pessoas e as empresas, os governos não devem atuar de forma isolada numa atitude de “orgulhosamente sós”. A concorrência in ternacional exige parcerias. A cooperação efetiva é facilitada quando os atores partilham valores ou estão de acordo com as finalidades do proje to. Assim, o conhecimento da escala de valores dos atores e do seu grau de compatibilidade constitui um elemento‑chave para a construção de alianças de sucesso.

No entanto, as alianças não podem ser encaradas como uma “pana ceia”. As suas consequências não são necessariamente positivas e podem saldar‑se por um reforço de situações de dependência. Têm, pois, de ser geridas com cuidado, num quadro de equilíbrio instável entre a coopera ção e a autonomia, uma vez que as fronteiras relacionais se vão redefinindo em função, designadamente, das interações entre os parceiros, das respeti vas intenções estratégicas e da evolução das suas competências específicas.

Como fazer, então? Ganhando a confiança da população, da socie dade civil e dos governos. Para José Gil (2009), a confiança em si – que o adolescente, perdido, não possui – só se ganha quando se dá a possibi lidade de realizar, ou seja, de ver o resultado da sua ação. E esta tem de ser suportada numa visão focada no futuro, que estará presente na mente das pessoas. Mas como gerar confiança sem forçar ou tomar iniciativas voluntaristas e artificiais?

Não se cria confiança “por decreto”. É preciso que a confiança nasça naturalmente, e não a partir de uma atitude calculada. Ora, a confiança, em si mesmo, não é uma atitude, mas acompanha a própria força de exis tir. Por exemplo, como se ganha a confiança de uma criança fechada so bre si ou desconfiada? Falando‑lhe de modo que ela cesse de pensar que tem ali uma ameaça em potência, falando‑lhe de algo que lhe interessa, criando um terceiro termo mediador que abra a criança para o mundo e transfira a sua atenção de nós para um objeto de mútuo interesse e, eventualmente, construindo com ela esse objeto, um jogo, um brinquedo

“A língua portuguesa, enquanto língua o cial na República de Moçambique, a par das línguas nacionais que estruturam a sociedade moçambicana, é um complemento importante para a integração, o empoderamento e a inclusão da mulher moçambicana no processo em curso da construção do 'Moçambique que queremos'. “

“A língua portuguesa, enquanto língua o cial na República de Moçambique, a par das línguas nacionais que estruturam a sociedade moçambicana, um complemento importante para a integração, o empoderamento e a inclusão da mulher moçambicana no em curso da construção do 'Moçambique queremos'. “

“A língua portuguesa, enquanto língua o cial na República de Moçambique, a par das línguas nacionais que estruturam a sociedade moçambicana, é um complemento importante para a integração, o empoderamento e a inclusão da mulher moçambicana no processo em curso da construção do 'Moçambique que queremos'. “

língua portuguesa, enquanto língua o cial na República de Moçambique, a das línguas nacionais que estruturam a sociedade moçambicana, é um complemento importante para a integração, o empoderamento e a inclusão da mulher moçambicana no processo em curso da do 'Moçambique que queremos'. “

Joaquim Alberto Chissano

Joaquim Alberto Chissano

Joaquim Alberto Chissano

Antigo Presidente da República de Moçambique, Patrono e Presidente da Joaquim Chissano

Antigo Presidente da República de Moçambique, Patrono e Presidente da Fundação Joaquim Chissano

Joaquim Alberto Chissano Antigo Presidente da República de Moçambique, Patrono e Presidente da Fundação Joaquim Chissano

Antigo Presidente da República de Moçambique, Patrono e Presidente da Fundação Joaquim Chissano

“Considero a língua o cial portuguesa adotada em nada prejudica, na medida em que, mercê do ensino bilingue introduzido país em 2003, potencia-se a educação das crianças na sua língua materna (ou língua referido pelos autores).”

“Considero que a língua o cial portuguesa adotada em nada prejudica, na medida em que, mercê do ensino bilingue introduzido no país em potencia-se a educação das crianças sua língua materna (ou língua primeira, como referido

“Considero que a língua o cial portuguesa adotada em nada prejudica, na medida em que, mercê do ensino bilingue introduzido no país em 2003, potencia-se a educação das crianças na sua língua materna (ou língua primeira, como referido pelos autores).”

“Considero que a língua o cial portuguesa adotada em nada prejudica, na medida em que, mercê do ensino bilingue introduzido no país em 2003, potencia-se a educação das crianças na sua língua materna (ou língua primeira, como referido pelos autores).”

Felicidade Sandra Machatine Ten Jua

Felicidade Sandra Machatine Ten Jua

Felicidade Sandra Machatine Ten Jua

Juíza Conselheira do Tribunal Supremo de Moçambique, Prémio Alumni Joaquim Chissano e Embaixadora Honorí ca da Universidade de Coimbra

Felicidade Sandra Machatine Ten Jua Juíza Conselheira do Supremo de Moçambique, Prémio Alumni Joaquim Chissano e Embaixadora Honorí ca da Universidade de Coimbra

Juíza Conselheira do Tribunal Supremo de Moçambique, Prémio Alumni Joaquim Chissano e Embaixadora Honorí ca da Universidade de Coimbra

Juíza Conselheira do Tribunal Supremo de Moçambique, Prémio Alumni Joaquim Chissano e Embaixadora Honorí ca Universidade de Coimbra

“Quanta riqueza de encontrei nesta obra!

“Quanta riqueza de informação encontrei nesta obra!

“Quanta riqueza de informação encontrei nesta obra!

Que este texto inspire a todos a explorar o potencial do 'instinto feminino' na transformação da economia, da política e da sociedade. Juntos podemos moldar um futuro mais justo e igualitário.”

“Quanta riqueza de informação encontrei este texto inspire a todos a explorar o potencial do 'instinto feminino' na transformação da economia, política e da sociedade. Juntos podemos moldar um futuro mais justo e igualitário.”

Que este texto inspire a todos a explorar o do 'instinto feminino' na transformação da economia, da política e da sociedade. Juntos podemos um futuro mais justo igualitário.”

Que este texto inspire a todos a explorar o potencial do 'instinto feminino' na transformação da economia, da política e da sociedade. Juntos podemos moldar um futuro mais justo e igualitário.”

Ivone Soares

Ivone Soares

Deputada, Vice-Presidente da Comissão de Ética Parlamentar da Assembleia da República de Moçambique, Conselheira do Center for United Nations Constitutional Research, Docente da Universidade Católica de Moçambique

Ivone Soares Deputada, Vice-Presidente da Comissão de Ética Parlamentar da Assembleia República de Moçambique, Conselheira do Center for United Constitutional Research, Docente da Universidade Católica de Moçambique

Deputada, Vice-Presidente da Comissão de Ética Parlamentar da Assembleia da República de Moçambique, Conselheira do Center for United Nations Constitutional Research, Docente da Universidade Católica de Moçambique

Ivone Soares Deputada, Vice-Presidente da Comissão de Ética Parlamentar da Assembleia da República de Moçambique, Conselheira do Center for United Nations Constitutional Research, Docente da Universidade Católica de Moçambique

“Neste quadro global de aprofundamento do fosso entre ricos e a obra Instinto Feminino muito bem a importância da educação para a correção da injustiça social e para a promoção da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.”

“Neste quadro global de aprofundamento do fosso entre ricos e pobres, a obra Instinto Feminino destaca muito bem a importância da educação para a correção da injustiça social e para a promoção da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.”

“Neste quadro de aprofundamento do fosso entre e pobres, a obra Instinto Feminino destaca muito a importância da educação para a da injustiça social e para a promoção da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.”

“Neste quadro global de aprofundamento do fosso entre ricos e pobres, a obra Instinto Feminino destaca muito bem a importância da educação para a correção da injustiça social e para a promoção da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.”

Nuno Calvão Silva

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e Vice-Reitor da Universidade de Coimbra as Relações Internacionais

João Nuno Calvão da Silva Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e Vice-Reitor da Universidade de Coimbra para as Relações Internacionais

João Nuno Calvão da Silva Professor da Faculdade de Direito Universidade de Coimbra e da Universidade de Coimbra para as Relações Internacionais

João Nuno Calvão da Silva Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e Vice-Reitor da Universidade de Coimbra para as Relações Internacionais

educação é um campo muito vasto, complexo e multidimensional, por isso, para esta mulher do seu ensaio, escolheram a aprendizagem da língua portuguesa como um meio e caz para a ajudar a sair da pobreza.”

“A educação é um campo muito vasto, complexo e multidimensional, por isso, para esta mulher alvo do seu ensaio, escolheram a aprendizagem da língua portuguesa como um meio e caz para a ajudar a sair da pobreza.”

“A é um campo muito vasto, complexo e multidimensional, isso, para esta mulher alvo do seu ensaio, escolheram a aprendizagem da língua portuguesa como um meio e caz para a ajudar a sair da pobreza.”

“A educação é um campo muito vasto, complexo e multidimensional, por isso, para esta mulher alvo do seu ensaio, escolheram a aprendizagem da língua portuguesa como um meio e caz para a ajudar a sair da pobreza.”

Leonardo Simão

Simão

Médico, Representante Especial e Chefe do Gabinete Organização das Nações Unidas para a África Ocidental e o Sahel (UNOWAS) António Guterres, Secretário-Geral Organização das Nações Unidas

Leonardo Simão Médico, Representante Especial e Chefe do Gabinete da Organização das Nações Unidas para a África Ocidental e o Sahel (UNOWAS) de António Guterres, Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas

Leonardo Simão Médico, Representante Especial e Chefe do Gabinete da Organização das Nações Unidas para a África Ocidental e o Sahel (UNOWAS) de António Guterres, Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas

Médico, Representante Especial Chefe do da Organização das Unidas a África Ocidental e o Sahel (UNOWAS) de António Guterres, da Organização das Unidas

epígrafe que o estudo, da autoria tanzaniana Efu Nyaki, antecipa a grande mensagem contida no estudo: ‘Metade do mundo são mulheres. A outra metade lhos delas’. A frase conhecida em todo o mundo, uma espécie de bandeira para a a rmação da género.”

“A epígrafe que abre o estudo, da autoria da tanzaniana Efu Nyaki, antecipa a grande mensagem contida no ‘Metade do mundo são mulheres. A metade os lhos delas’. A frase tornou-se conhecida todo o mundo, sendo uma espécie de bandeira para a a rmação da igualdade de género.”

“A epígrafe que abre o estudo, da autoria da tanzaniana Efu Nyaki, antecipa a grande mensagem contida no estudo: ‘Metade do mundo são mulheres. A outra metade os lhos delas’. A frase tornou-se conhecida em todo o mundo, sendo uma espécie de bandeira para a a rmação da igualdade de género.”

“A epígrafe que abre o estudo, da autoria da tanzaniana Efu Nyaki, antecipa a grande mensagem contida no estudo: ‘Metade do mundo são mulheres. A outra metade os lhos delas’. A frase tornou-se conhecida em todo o mundo, sendo uma espécie de bandeira para a a rmação da igualdade de género.”

9 789897529559

ISBN 978-989-752-955-9 www.lidel.pt

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Mia Couto Escritor

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