“Adquirimos uma língua ao compreendermos mensagens nessa língua”, Stephen Krashen1
Este livro dá continuidade à coleção Histórias do Mundo, preparada para diferentes níveis de proficiência: A1, A2 e B1. Nesta coleção, o nível A2 é contemplado com dois volumes: o presente volume, Histórias do Mundo A2 – Livro com Áudio, no qual se reúnem contos tradicionais originários da América do Sul, África e Oriente; e o Histórias do Mundo
A2 – As Viagens de Sindbad – Livro com Áudio, exclusivamente dedicado à célebre narrativa das viagens de Sindbad, retirada de As Mil e Uma Noites. Aconselha-se a leitura deste último depois de ter lido Histórias do Mundo A2 – Livro com Áudio.
Neste volume, Histórias do Mundo A2 – Livro com Áudio, a narração está ajustada à capacidade de compreensão de um aprendente com cerca de 1 ano de aprendizagem formal do português.
Para o volume de A1, escolheram-se histórias tradicionais muito conhecidas, que constam das coletâneas mais famosas e que deram origem a vários filmes. Neste volume de A2, as histórias são um pouco menos conhecidas, isto porque a capacidade de compreensão de um aprendente de A2 é maior e, nessa medida, ele já não precisa tanto da ajuda que lhe traz o conhecimento prévio do enredo.
Todas as opções de textualização são criteriosamente ponderadas, de modo a dosear o grau de dificuldade da leitura. Pretende-se garantir que o livro seja suficientemente desafiante para estimular a aquisição, mas que também seja facilmente compreensível. Estas opções afetam essencialmente a seleção de vocabulário e a estrutura das frases.
1 Krashen, S. (1989). We acquire vocabulary and spelling by reading: Additional evidence for the input hypothesis. The modern language journal, 73(4), p. 440 (tradução livre).
Quanto ao vocabulário, as histórias deste livro foram construídas tendo como referência as 2000 palavras mais frequentes do português. Acresce a este número um pequeno conjunto de palavras e expressões que fazem parte do contexto específico das histórias.
Acrescentou-se também, propositadamente, algum vocabulário um pouco menos frequente. Todas as palavras consideradas difíceis para um leitor de A2 aparecem explicadas na margem das páginas, através de ilustrações ou breves definições. Estas notas laterais não servem para explicar apenas o sentido de palavras isoladas, mas também o de colocações, locuções e interjeições: “matar a cabeça”, “pregar uma partida”, “ajustar contas”, “virar do avesso”, “cara de pau”, “arre!”, “fogo!”, etc. Os valores pragmáticos muito comuns de algumas palavras do português, tais como “bem”, “então”, “até” e “lá”, também surgem explicitados. Para além das palavras novas que aparecem glosadas pela primeira vez neste volume, considerou-se útil repetir algumas notas que já apareciam no 1.º volume (Histórias do Mundo A1 – Livro com Áudio). Em todo o caso, como cada palavra é explicada apenas uma vez, na sua primeira ocorrência no texto, é aconselhável ler as histórias pela ordem da paginação.
Nas últimas páginas deste livro, o leitor encontra um glossário que reúne todas as palavas glosadas ao longo do livro, distribuídas por ordem alfabética.
Quanto à gramática, excluem-se neste volume as formas verbais de pretérito mais-que-perfeito, conjuntivo e condicional, bem como as formas passivas. As frases curtas mantêm-se, à exceção das frases com múltiplas orações relativas, próprias dos contos acumulativos (“O galo e o casamento”). De notar que estas repetições não são aqui trazidas artificialmente, com o intuito exclusivo de potenciar a aquisição de estruturas gramaticais. Na verdade, elas já fazem parte do registo narrativo dos contos tradicionais.
Após cada história, é apresentado um conjunto de exercícios, acompanhado das respetivas soluções. Estes exercícios permitem ao
aprendente praticar o vocabulário novo e rever estruturas de frases semelhantes às encontradas no conto. Os exercícios variam em dificuldade, desde os que requerem a simples repetição e memorização de palavras, até tarefas mais complexas, que exigem uma análise pormenorizada do texto e convocam habilidades inferenciais. Essa diversidade de exercícios atende tanto aos leitores que gostam de desafios como aos que preferem atividades mais simples.
A compreensão do oral é também essencial para a aprendizagem de uma língua. Por isso, este livro, assim como os outros desta série, inclui uma versão áudio dos contos e de alguns exercícios. A leitura e gravação deste livro foi feita por um locutor profissional. A disponibilização das faixas áudio é feita através de QR Codes. Quanto aos pequenos áudios referentes aos exercícios de compreensão oral, além dos respetivos QR Codes, eles estão também disponíveis para download no site da Lidel, em www.lidel.pt/pt/download-conteudos/. No final do livro, podem ser encontradas as transcrições destes exercícios.
O objetivo principal da leitura de Histórias do Mundo é estimular os aprendentes de português a desenvolver a sua proficiência linguística através da leitura abundante. Em casa, em viagem ou numa sala de espera, o aprendente pode facilmente aproveitar o seu tempo, lendo e ouvindo estas histórias, aumentando, assim, o tempo de exposição à língua.
No entanto, isso não exclui a possibilidade de o professor utilizar este recurso nas suas aulas. Dado que o livro é composto por diversos textos independentes, o professor pode aproveitar a pré-leitura feita pelos alunos em casa para, na aula, realizar atividades segmentadas e intensivas de gramática e de vocabulário.
As narrativas apresentadas em Histórias do Mundo A2 – Livro com Áudio são recriações inspiradas nas histórias da cultura popular de várias regiões do mundo (América do Sul, África, Oriente…), que, certamente, captarão a atenção tanto de crianças como de adultos.
Boas leituras!
1 Escutar: ouvir.
2 Arbustos
3 Serpente
4 Cabra
5 Burro
6 Chegar ao pé: chegar perto.
7 Fazer uma vénia 1
8 Figo
1. O macaco malandro
No tempo em que os animais falavam, e as plantas escutavam1 , havia um bonito jardim com muitas espécies de arbustos2 e árvores de fruto. Esse jardim era tão grande que, para se ir de uma ponta à outra, era preciso meio dia. Nele viviam muitas espécies de animais: papagaios, girafas, serpentes3, zebras, cabras4 , burros5 , pandas, coalas e um macaco. Os animais podiam comer a fruta de todas as árvores, mas havia uma condição: deviam chegar-se ao pé6 da árvore em questão, fazer-lhe uma vénia7, dizer o nome dela e pedir “por favor”. Quando, por exemplo, a girafa queria comer figos8 , chegava-se ao pé da figueira e dizia:
– Ó figueira, ó figueira, deixa-me provar9 o sabor dos teus figos, por favor!
Se a cabra tinha vontade de comer uvas10, devia chegar-se ao pé da videira e dizer: – Ó videira, ó videira, deixa-me provar o sabor das tuas uvas, por favor!”
Ora11 , isto passou-se numa época em que os animais já começavam a ter alguma dificuldade com as palavras.
Por isso, os animais desta história tinham de fazer um grande esforço12 mental para se lembrarem do nome das árvores e dos seus frutos.
No canto13 oeste14 do jardim, havia uma casa de madeira onde vivia uma velhinha muito velha que sabia o nome de todas as árvores, de todas as plantas e de todas as ervinhas15 . E, no canto este do jardim, estava a árvore mais maravilhosa de todas. Os seus ramos estendiam-se16 no ar em todas as direções, as suas folhas eram em forma de coração e os seus frutos, vermelhos e redondos, brilhavam ao sol. O aroma17 destes frutos espalhava-se18 por todo o jardim.
Como é natural, todos os animais desejavam provar os frutos desta árvore. No entanto, havia um problema: a árvore tinha um nome muito complicado, com muitas sílabas 19 , e os animais não o conseguiam memorizar 20 . Eles bem 21 iam a casa da velha e a velha bem lhes dizia e repetia o nome da árvore e do seu fruto, mas, no caminho, desde o canto oeste até ao canto este, os animais esqueciam - se da palavra.
9 Provar: comer ou beber um bocadinho de alguma coisa para lhe sentir o sabor.
10 Uvas
11 Ora: usa‑se no início da frase para indicar que se vai acrescentar uma informação importante.
12 Esforço: tentativa de fazer alguma coisa que é difícil.
13 Canto (neste contexto): parte de um espaço quadrado ou retangular, onde duas paredes se encontram.
14 Oeste
15 Ervinhas: pequenas ervas (planta muito comum que cobre o chão).
16 Estender‑se (neste contexto): crescer ao longo do espaço.
17 Aroma: cheiro.
18 Espalhar‑se: uma coisa espalha‑se quando está presente numa área cada vez maior.
19 Sílaba: parte de uma palavra com uma vogal (ou ditongo) ou uma vogal e consoante.
20 Memorizar: aprender ou fixar na memória.
21 Bem (neste contexto): fazer uma coisa muitas vezes, mas sem resultado.
7. Baba Yaga
Era uma vez, numa terra distante, um camponês1 e a sua mulher. O casal tinha dois filhos gémeos2: um menino e uma menina. Um dia, a mulher morreu e o camponês chorou durante dias, meses, um ano e outro ano. Como consequência, a sua casa estava numa grande desordem3 . Então, o pobre homem achou que devia casar-se outra vez. E assim fez. Com a nova mulher, o camponês teve mais cinco filhos. Esta mulher mimava 4 muito os seus próprios filhos, mas detestava os gémeos. Por isso, fazia de tudo para os ver sofrer. Ralhava - lhes 5 por tudo e por nada 6 , mandava - os sempre fazer os trabalhos mais
1 Camponês: pessoa que trabalha no campo, na agricultura.
2 Gémeo: uma de duas crianças, nascidas ao mesmo tempo, da mesma mãe.
3 Desordem: situação em que nada está em ordem.
4 Mimar: tratar uma criança muito bem e dar‑lhe tudo o que ela quer.
5 Ralhar: criticar alguém severa mente, sobretudo uma criança, por alguma coisa que ela fez de errado.
6 Por tudo e por nada: frequen temente e por razões pouco importantes.
Técnicas, Lda.
Pareciam tarefas fáceis, mas não eram. Aliás, eram missões impossíveis. Quando a menina foi ver, eram 50 pares de meias, todas com dois e três buracos. Mas não havia agulha37 nem linha38 naquela casa. Quando o menino foi ver, a banheira39 era enorme e não havia bacia40 para acartar41 a água. Apenas um crivo42 . Os dois irmãos, desesperados com a sua situação, sentaram-se no chão, a chorar. E as lágrimas corriam-lhes pelas faces abaixo. Nisto, à volta deles, apareceram dois ratinhos que, a chiar43 , disseram:
– Menina, não chores. Dá-nos um biscoito a cada um e nós ajudamos-te.
A menina já nem se lembrava de que tinha um saco de biscoitos. Abriu-o e deu um biscoito a cada ratinho.
Os ratinhos não sabiam coser meias, mas tinham boas ideias:
– Agora – disseram eles –, enfias44 uma meia dentro de outra para desencontrares45 os buracos.
Ao fazer o que os ratos lhe disseram, a menina conseguiu fazer desaparecer os buracos, sem ter de os coser.
Passado um bocado, pousaram na janela dois pássaros que, a piar, disseram ao menino:
– Rapazinho, não chores. Dá-nos algumas migalhas de biscoito e nós ajudamos-te.
O menino desfez um biscoito e deu as migalhas às avezinhas. Os pássaros não sabem encher banheiras, mas têm boas ideias:
37 Agulha
38 Linha
39 Banheira
40 Bacia
41 Acartar: transportar.
42 Crivo
43 Chiar: fazer um som agudo e continuado.
44 Enfiar: meter; colocar dentro.
45 Desencontrar: quando uma coisa não se encontra com outra, essas duas coisas desencontram se.
46 Barro: tipo de terra que se mistura com água e se leva ao forno para fazer pratos, potes, bacias, etc.; argila.
47 Pasta (neste contexto): argila misturada com água.
48 Forrar: cobrir uma superfície interior de um recipiente com um material (papel, pano, barro, cimento...).
49 Pote
50 Fatia: pedaço horizontal de comida, que foi cortada de uma peça maior.
– Agora, vai buscar um pouco de barro46 e água. A seguir, faz uma pasta47. Amassa-a bem. Forra48 o crivo com ela e deixa-a secar.
Ao fazer o que os pássaros lhe disseram, o rapaz construiu um pequeno pote 49 e com ele pôde acartar a água para encher a banheira. E encheu - a rapidamente.
51 ‑lha: contração de lhe com a
52 Lamber: passar a língua por uma superfície.
Na soleira da porta da casa de Baba Yaga, estava agora um gato preto com uns olhos muito grandes. O gato não disse nada. Não precisou. A menina, quando o viu, pegou numa faca, cortou uma grossa fatia50 de presunto e deu-lha51 . Depois de comer e de se lamber52 , o gato disse por fim:
– Meninos, prestem atenção. Vou dizer-vos como é que vocês hão de sair daqui.
Fez uma pausa. Lambeu-se outra vez e continuou:
53 Toalha
54 Pente
55 Vassoura
56 Bosque: pequena floresta.
57 Espinhos
– Esta noite, trago-vos uma toalha53 e um pente54 .
Quando ouvirem a Baba Yaga a ressonar, vocês saem de repente a correr porta fora. Muito provavelmente, ela vai dar conta e vai atrás de vocês. Nessa altura, vocês deixam cair a toalha. A toalha vai imediatamente transformar-se num rio muito largo. Mas não acabei. A velha, como é bruxa, tem uma vassoura55 voadora. Provavelmente, vai conseguir atravessar o rio. Se ela continuar a perseguir-vos, vocês deixam cair o pente.
O pente vai transformar-se num bosque56 com muitos arbustos cheios de espinhos57. Aqui, meus amigos, a bruxa fica para trás de certeza.
Exercícios
1. Em Echipo, vivia uma família feliz. Ouve e assinala as frases que correspondem àquilo que ouviste.
a) A menina vivia com os pais e os irmãos.
b) Na casa da menina, todos se davam bem.
c) A menina andava na escola.
d) A casa da menina era na aldeia, junto ao rio.
e) A menina e os pais viviam isolados.
2. Um dia, a vida da família da menina alterou‑se. Ordena as frases. Escreve os números de 1 a 5.
a) Ao longo dos dias, a saúde da mãe piorava.
b) A seguir, chamou a menina e disse-lhe que ia morrer.
c) A mãe da menina ficou muito doente.
d) No fim, a mãe deu o espelho à menina.
e) Como não melhorava, a mãe tirou um espelho do armário.
3. A mãe fez uma recomendação à menina. Qual foi? Rodeia a fala que transmite essa recomendação.
a) Ofereço-te este espelho.
c) Eu vou partir deste mundo…
b) Pega no espelho todas as noites e olha através dele.
d) Eu estarei no espelho e tu poderás ver-me.
4. Qual era o objetivo da mãe ao dar o espelho à menina?
5. Quando é que a menina olhou para o espelho pela primeira vez?
Associa à opção correta.
a) A menina olhou, pela primeira vez, para o espelho
(1) no dia em que a mãe lho deu.
(2) na noite do funeral da mãe.
(3) no dia em que a mãe adoeceu.
6. O que acontecia quando a menina pegava no espelho, todas as noites?
Assinala a resposta correta.
a) Ela pensava ver o seu próprio rosto.
b) Ela realmente via a cara da sua mãe quando era mais jovem.
c) Ela conversava com a sua mãe todos os dias à noite.
d) A figura do espelho fazia-lhe uma vénia.
e) Ela pensava que via a mãe dentro do espelho.
7. Um dia, depois de conversar com o pai, a menina ficou muito triste. Porquê?
8. Para cada alínea, assinala a frase correspondente.
a) A menina vivia numa mentira consoladora
(1) A mentira contribuía para a menina sofrer menos.
(2) A mentira fazia sofrer a menina ainda mais.
b) O mundo ficou virado do avesso
(1) A menina perdeu a tranquilidade em que vivia e ficou desesperada.
(2) A menina ficou feliz e tranquila por conhecer a verdade.
9. Como reagiu a menina no dia seguinte?
Preenche os espaços com as palavras abaixo.
fruto verdade lembrar espelho venerar
A menina aceitou a (1), mas disse ao pai que iria continuar a (2) a imagem da mãe no (3). Disse-lhe também que ela era o seu (4) e a imagem do seu rosto refletida no espelho servia para ela se (5) da mãe.