Colibere

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COLIBERE Domingos de Sousa

Um her贸i timorense...



C olibere Domingos de Sousa

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Copyright © Agosto 2007 Lidel – Edições Técnicas, Lda. Fotografia da Capa: Nuno Paulo Fonseca Capa: Ilídio J. B. Vasco Paginação: Elisabete Nunes Impressão e acabamento: Tipografia Lousanense, Lda. Depósito legal n.o 262998/07 ISBN: 978-972-757-490-2

Este pictograma merece uma explicação. O seu propósito é alertar o leitor para a ameaça que representa para o futuro da escrita, nomeadamente na área da edição técnica e universitária, o desenvolvimento massivo da fotocópia. O Código do Direito de Autor estabelece que é crime punido por lei, a fotocópia sem autorização dos proprietários do copyright. No entanto, esta prática generalizou-se sobretudo no ensino superior, provocando uma queda substancial na compra de livros técnicos. Assim, num país em que a literatura técnica é tão escassa, os autores não sentem motivação para criar obras inéditas e fazê-las publicar, ficando os leitores impossibilitados de ter bibliografia em português. Lembramos portanto, que é expressamente proibida a reprodução, no todo ou em parte, da presente obra sem autorização da editora.


Prefácio Liberdade tem-na quem quer. Tive-a morrendo ao nascer. Dizem que a viver se perde liberdade. Não a perdi por viver. Ruy Cinatti (1974) Conheci Domingos de Sousa no Änal de Outubro de 1999 em Darwin (Austrália), onde participámos com Armindo Maia (Ministro da Educação, Cultura e Desporto de Timor-Leste entre 2002 e 2006) e uma perita da UNICEF, na equipa responsável pelo relatório sobre o sector da Educação, que viria a ser discutido em Tóquio em Dezembro de 1999. Durante a duração da Missão – uma semana em Timor-Leste e duas semanas em Darwin – tive oportunidade de aprender com Domingos de Sousa o funcionamento do sistema de educação durante a ocupação indonésia, uma vez que ele permaneceu em Timor-Leste durante aquele período, exercendo a sua actividade na área educativa. Durante esta missão nasceu uma amizade que se foi cimentando em Díli, durante a realização da 2ª Missão do Banco Mundial, em Fevereiro de 2000 e posteriormente ao longo da minha permanência em Timor-Leste, como Adido para a Educação, na Embaixada de Portugal em Díli, de Outubro de 2002 a Fevereiro de 2006. Tive o privilégio de beneÄciar permanentemente do seu apoio e dos seus vastos conhecimentos no domínio da educação, ajuda preciosa para o desempenho das funções que me tinham sido cometidas. A par da sua competência proÄssional, Domingos de Sousa possui uma enorme sensibilidade e uma visão muito clara relativamente à construção da sociedade timorense, de modo a criar condições para que as gerações futuras 3


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possam aceder a melhor educação, melhor saúde e a um país mais solidário. O amor profundo pela sua Pátria, a defesa intransigente da identidade timorense, a forte convicção de que só de mãos dadas a construção do futuro do país pode acontecer sem sobressaltos, sem ódios e sem mais sofrimento, estão espelhados na presente obra. Domingos de Sousa oferece-nos neste magnífico romance, acompanhando o percurso de Colibere, a história do povo anónimo, que de diversas formas contribuiu com a sua vida, com o seu sofrimento para a libertação do país e cujo exemplo merece ter continuidade nas gerações futuras. Esta ficção (ou realidade?), que Domingos de Sousa nos apresenta, é uma viagem de um povo heróico, com início nos últimos anos do colonialismo português. As tradições e a cultura são-nos descritas com um realismo e vivacidade que nos permitem sentir desde os sabores dos frutos do mercado de Manatuto até às alegrias e tristezas do quotidiano de um povo sofrido, mas orgulhoso da sua história. Transporta-nos à visão distante dos Timorenses relativamente à Revolução dos Cravos, que aconteceu do outro lado do mundo, à mágoa sentida pela retirada dos militares portugueses para Ataúro, à luta fratricida, à invasão das forças indonésias, à ocupação do país, à repressão e aos milhares de mortos. Esta viagem atravessa ainda acontecimentos significativos da resistência do povo, desde a recordação do Massacre de Santa Cruz, à atribuição do Prémio Nobel a D. Carlos Ximenes Belo e a Ramos Horta, à prisão de Kay Rala Xanana Gusmão, à realização do referendo e à vitória da tão ansiada Independência. Mas COLIBERE é mais do que esta viagem, é uma lição de amor por um povo e por um país, é a esperança no fim do divisionismo e a aposta num futuro com a participação de todos os timorenses. Como nos diz Domingos de Sousa no final desta obra: “É na paz, na unidade e tranquilidade, na honra, na dignidade e liberdade que Ilimanu deve viver para sobreviver e de mãos dadas construir o seu futuro”. Lisboa, Agosto de 2007 José Revez 4


Introdução Moisés disse : “O Senhor ordena o seguinte: que se encha um ômer com maná para ser conservado e, assim, possam as gerações vindouras ver o pão com que vos alimentei no deserto, depois de vos ter tirado do Egipto.” E Moisés disse a Arão: “Pega num vaso, mete nele um ômer de maná, coloca-o diante do Senhor, na Äm de se conservar como lembrança para todos os descendentes”. Êxodo, 16, 32-34.” Mais à frente, o Senhor disse a Moisés: “Escreve este facto no livro, para que a sua recordação se perpetue” Êxodo, 17, 14.” Foi a ordem que o Senhor deu a Moisés para que os Älhos de Israel jamais se esquecessem do seu passado de sofrimentos, da escravatura no Egipto e no deserto e das maravilhas que o Senhor operou por eles. Um ômer com maná foi um testemunho histórico do povo de Israel. Que a geração dos vindouros de Timor-Leste não se esqueça também das humilhações, dos sofrimentos e dos sacrifícios dos seus antepassados que são parte do seu património cultural e histórico. Para que a geração vindoura não se esqueça de que a paz e a dignidade que hoje Timor-Leste usufrui não foi uma oferta gratuita dos deuses, mas sim fruto de grandes sacrifícios regados com lágrimas e sangue de heroicidade. Para que os Älhos de Timor-Leste tenham sempre na mente a grande humilhação que Colibere padeceu como pessoa e como povo na conquista da sua pátria, da sua honra e da sua dignidade. Os avós e os pais devem contar aos seus netos e Älhos as suas histórias 5


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da participação na luta que tiveram. Cada pai deve contar aos seus filhos o sofrimento e as dificuldades pelos quais passaram. Não há história mais interessante do que a própria história pessoal. Ainda crianças, os pais contavam-nos histórias da invasão nipónica, as peripécias pelas quais passaram com muita emoção, a guerra do Manufahi e tantas outras que para nós crianças pareciam mais lendas que histórias. O mesmo deveremos fazer para com os nossos filhos, não apenas oralmente, mas deixando por escrito para que se perpetuem. Todo o Timor-Leste em si é uma história. Os montes, os vales, as ruas, as estradas, as pedras, os regatos, as ribeiras, os precipícios, as praias e o seu mar, todos são um palco desta história, uma história viva e vivida com muita emoção, por todos e por cada um dos timorenses da geração de Colibere. Estávamos em 1986 ou 1987, se não estou em engano, quando numa bela manhã, após a missa das 6.30h da manhã, na Igreja de Motael, o Senhor Padre Alberto Ricardo, hoje D. Alberto Ricardo, me convidou para tomar uma chávena de café na sua residência. Não sei qual foi a origem da conversa, quando ele espontaneamente disse : “– Aquele rapaz que anda pelas ruas de Díli, com bugigangas, ficou transtornado psicologicamente porque matou a mãe. Acusados de darem apoio à clandestinidade, foram desterrados para Ataúro e, durante uma discussão com a mãe, matou-a. Conta-se que eles se amavam mutuamente.” O evento deu para elaborar este romance. Na realidade, atrás daquela desgraça familiar, estava a tragédia do povo de Timor Loro Sa’e. O acto de Colibere não foi mais do que a parte flutuante visível do icebergue no fundo do trágico oceano, no qual Timor-Leste estava submergido. Como Colibere, cada timorense tem uma própria história interessante. É pena que muitas dessas histórias vão ficando no esquecimento. Talvez seja importante estimular a memória e fazer reviver esta epopeia timorense da libertação que é, sem dúvida nenhuma, das histórias da libertação, das mais lindas que o mundo teve e conheceu. Assim como será importante contá-la aos jovens, filhos e netos com aquela mesma emoção com que se viveu. Para que o jovem timorense sinta orgulho e vaidade das façanhas dos seus antepassados e tenha orgulho de ser timorense. E que tire destas histórias lições e incentivos para a vida. 6


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Finalmente, quero aproveitar a oportunidade para fazer chegar esta história a todos, nomeadamente aos meus amigos e àqueles que informalmente me contaram o sofrimento que passaram nas prisões ou nas salas da interrogação, ou que viram outros seu colegas passar. Alguns deles relataram-me com sorrisos nos lábios e com um certo humorismo, como se aquilo que pessoalmente enfrentaram ou passaram fosse assunto para se rir. Creio que as feridas que deixaram profundas marcas na alma ficaram curadas. Oxalá que assim seja. A outros, na animação das conversas, as palavras saíam a saca-rolhas. Pelos seu olhos, podia-se compreender as humilhações e o sofrimento que enfrentaram. Espera-se que todos os traumatismos deixados pelas guerras e desentendimentos de 1975, 1999 e de 2006 se curem o mais rapidamente possível e que não se repitam. O povo de Timor Loro Sa’e não pode passar a vida apenas a curar as chagas deixadas pelas guerras e desentendimentos. Ele tem um futuro por construir. Díli, 14 de Junho de 2006

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Colibere representa o aspecto psicológico da luta da resistência, ainda desconhecida para muita gente, talvez para muitos jovens de hoje. O objectivo de Colibere não é a retaliação nem a vingança, como à primeira vista poderia parecer, mas que o timorense conheça a história da libertação nos seus diversos prismas e na sua totalidade e que a reconciliação seja racional, baseada no conhecimento consciente das realidades históricas. Colibere repercute o sacrifício e o heroísmo das mães e das mulheres timorenses que, no silêncio e na resignação, deram uma grande contribuição à luta pela libertação. É proveitoso que o timorense tenha sempre na memória as humilhações pelas quais passou, como pessoa e como povo, na conquista da sua pátria, da sua honra e da sua dignidade e, sobretudo, para que todos os timorenses se sintam orgulhosos da sua luta, das façanhas dos seus antepassados (homens e mulheres) e se sintam orgulhosos de serem timorenses. Tudo isto faz parte integrante do património histórico da luta timorense.

Domingos de Sousa Domingos Francisco de Jesus de Sousa nasceu em Laleia, Manatuto, em 1947. Cursou Filosofia no Seminário Maior de Évora (Portugal) entre 1968 e 1972, estudou Ciências da Educação no Instituto de Educação de Professores, pertencente aos Jesuítas, em Jogjacarta (Indonésia) entre 1980 e 1985 e fez Mestrado na área da Educação na Universidade de Pittsburgh, na Pensilvânia (E.U.A.) entre 1988 e 1990. Foi membro do Conselho Nacional da Resistência Timorense (CNRT) e Presidente do Fórum da Associação dos Licenciados Timorenses pelo Referendo e Desenvolvimento de Timor (FORSAREPETIL). Presentemente, desempenha a função de Secretário Permanente do Ministério da Educação e da Cultura no Governo da República Democrática de Timor-Leste. ISBN: 978-972-757-490-2


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