De Olhos Lavados

Page 1

de olhos lavados ho matan moos Ant贸nio Jos茅 Borges



de olhos lavados ho matan moos Autor

António José Borges Tradução

Abé Barreto Soares Ilustrações

Piera Zürchter

LISBOA — PORTO e-mail: lidel@lidel.pt http://www.lidel.pt (Lidel on-line) (site seguro certificado pela Thawte)


EDIÇÃO E DISTRIBUIÇÃO

ESCRITÓRIO: Rua D. Estefânia, 183 r/c Dto., 1049-057 Lisboa Internet: 21 354 14 18 – livrarialx@lidel.pt Revenda: 21 351 14 43 – revenda@lidel.pt Formação/Marketing: 21 351 14 48 – formacao@lidel.pt/marketing@lidel.pt Ens. Línguas/Exportação: 21 351 14 42 – depinternacional@lidel.pt Fax: 21 357 78 27 – 21 352 26 84 Linha de Autores: 21 351 14 49 – edicoesple@lidel.pt Fax: 21 352 26 84 LIVRARIAS:

LISBOA: Avenida Praia da Vitória, 14, 1000-247 Lisboa – Telef. 213 541 418 - Fax 213 173 259 – livrarialx@lidel.pt PORTO: Rua Damião de Góis, 452, 4050-224 Porto – Telef. 225 573 510 - Fax 225 501 119 – delporto@lidel.pt

Copyright © Setembro 2009 LIDEL – Edições Técnicas, Lda. Pré-impressão: Milarte Atelier Gráfico, Lda. Impressão e acabamento: Rolo & Filhos II, S. A. – Indústrias Gráficas Depósito legal n.° 298566/09 Ilustrações: Piera Zürchter Esboço facial: Daniel Tércio Capa: José Manuel Reis Ilustração: Piera Zürchter ISBN: 978-972-757-641-8 Este pictograma merece uma explicação. O seu propósito é alertar o leitor para a ameaça que representa para o futuro da escrita, nomeadamente na área da edição técnica e universitária, o desenvolvimento massivo da fotocópia. O Código do Direito de Autor estabelece que é crime punido por lei, a fotocópia sem autorização dos proprietários do copyright. No entanto, esta prática generalizou-se sobretudo no ensino superior, provocando uma queda substancial na compra de livros técnicos. Assim, num país em que a literatura técnica é tão escassa, os autores não sentem motivação para criar obras inéditas e fazê-las publicar, ficando os leitores impossibilitados de ter bibliografia em português. Lembramos portanto, que é expressamente proibida a reprodução, no todo ou em parte, da presente obra sem autorização da editora.


Índice 6

21. (aqui)/(iha ne’e) ................................................................................ 35

1. de novo dividida/fahe malu filafali .................................................... 13

22. (de Baucau à capital)/(hosi Baucau ba kapitál) ................................ 36

2. os obscuros fulgores/nakukun sira naroman nian............................ 14

23. eu sou uma flor.../ha’u nu’udar ai-funan... ........................................ 37

3. a partida.../partida... .......................................................................... 15

24. (corre cavalo selvagem)/(kuda fuik halai).......................................... 38

4. na penumbra da manhã/iha lalatak dadeer nian .............................. 16

25. (olhares diferentes)/(hateke oioin).................................................... 39

5. as linhas de cores.../liña sira kór... .................................................... 17

26. (areia branca)/(areia branca) ............................................................ 41

6. os riscos que o ser humano traça/risku sira ne’ebé ema trasa ne’e .. 19

27. (Lua)/(Fulan) .................................................................................... 43

7. (fim de tarde em Díli)/(rai nakaras iha Dili)........................................ 20

28. (Mama a masca)/(Mama) .............................................................. 44

8. (na hora da revolução...)/(oras revolusaun nian...) ............................ 21

29. busco no espaço.../ha’u buka iha espasu... ...................................... 47

9. (um tempo de Díli)/(tempu ida Dili nian) .......................................... 22

30. (nunca é só)/(nunka mesak) ............................................................ 49

10. em Timor.../iha Timor... .................................................................... 23

31. (terra prometida)/(rai prometida)...................................................... 51

11. (da Baía de Díli)/(Baía Dili nian) ........................................................ 24

32. (por toda a gente)/(ba ema tomak) .................................................. 52

12. (há)/(iha) .......................................................................................... 26

33. (onde estás terra prometida)/(ó iha ne’ebé rai prometida) .......... 53

13. (o assobio)/(hakfu’ik) ........................................................................ 27

34. (vários acordes)/(tali sira oioin) ........................................................ 54

14. (porco feliz)/(fahi haksolok) .............................................................. 28

35. (o que é estranho)/(saida maka sai estrañu) .................................... 55

15. (porque tu és tudo)/(tanba ó ne’e sai nu’udar buat hotu) ................ 29

36. (água em Ubud)/(bee iha Ubud) ...................................................... 56

16. (na oficina de escrita)/(iha ofisina hakerek nian) .............................. 30

37. (vela em Ubud)/(lilin iha Ubud) ........................................................ 57

17. doença vences vences/moras ó manan ba ó manan ba .......... 31

38. (Thai skys – north)/(lalehan Tailándia nian – norte).......................... 58

18. (madre cacau)/(ai samatuku) ............................................................ 32

39. (a dúvida da certeza)/(dúvida serteza nian) ...................................... 61

19. oh ema ai-asa gente de ai-asa/oh ema ai-asa ................................ 33

40. (um outro regresso da Ásia)/(regresu seluk Ázia nian) .................... 62

20. (flores na Ilha das Flores)/(ai-funan sira iha Illa Flores) .................... 34

41. (de olhos lavados)/(ho matan moos)................................................ 63

Nota preambular/Nota preambulár ..........................................................

© LIDEL – EDIÇÕES TÉCNICAS

3


de olhos lavados

a ti

ba ó

ao povo timorense

a Camilo de Araújo Correia pela sóbria mestria do conversador pelas juras que, raio!, me fez

4

© LIDEL – EDIÇÕES TÉCNICAS

ba povu Timor-Leste nian

bodik ba Camilo de Araújo Correia tanba matenek laran moos ko’alia-na’in nian tanba juramentu ne’ebé, figuraun!, halo mai ha’u


ho matan moos

na infância de Timor a energia da alegria ocupa o lugar da fome

iha tempu ki’ikoan Timor nian kbiit laran ksolok nian okupa hamlaha nia fatin

A natureza chama por ti; aprende a observá-la.

Natureza bolu ó; aprende atu observa nia ba.

Voltaire E´pître sur l`agriculture, 1761

Voltaire E´pître sur l`agriculture, 1761

© LIDEL – EDIÇÕES TÉCNICAS

5


de olhos lavados

Nota preambular

São, não raras vezes, obscuros os fulgores e as claridades deste périplo da alma, desta viagem até/do outro lado do mundo. O grosso destes poemas foi escrito entre Janeiro e Maio de 2007. As ilustrações com colagens nasceram alguns meses depois pela atenta imaginação da Piera Zürchter, dedicada habitante da ilha de Ataúro.

Nota preambulár

La’ós dala barak, maka nakukun sira nabilan nó naroman sira husi períplu klamar nian ida-ne’e, husi viajén ida-ne’e to’o ba fatin seluk mundu nian. Parte boot husi poema sira-ne’e hakerek entre fulan Janeiru no fulan Maiu, tinan 2007. Ilustrasaun ho kolajen sira hafoin mosu iha fulan balu nia laran liuhusi imajinasaun atenta Piera Zürchter nian, abitante dedikada husi illa Ataúro.

6

© LIDEL – EDIÇÕES TÉCNICAS


ho matan moos

de olhos lavados é um precioso texto em que se mesclam e se fundem o descritivo e o conceptual, documento vivido e sonhado de uma viagem ao oriente da alma, que capta belas e originais imagens de Díli e sobretudo do coração mágico de Timor, suas montanhas, florestas, praias banhadas de sol e mistério, da sua gente simples e generosa, Baucau, o monte Fatucama, o “espelho líquido do mar”. Viagem iniciática, através do amor, da dádiva e do diálogo com a terra, metafórica visão de um paraíso agreste, da humildade e da escassez, de olhos lavados é bem a revelação de um autêntico poeta, de quem muito há a esperar.

Urbano Tavares Rodrigues

ho matan moos sai nu’udar testu presiozu ida-ne’ebé kahur no halo nabeen deskritivu no konseptuál, dokumentu ida-ne’ebé moris no mehi hosi viajen ida ba klamar nia oriente, ne’ebé kapta imajen orijinál sira ne’ebé furak husi Dili no liuliu husi Timor nia fuan májiku, nia foho sira, ai-laran sira, tasi-ibun sira ne’ebé loron ho mistériu habai hela, nia ema sira ne’ebé simples no laran diak, Baucau, foho Fatucama, “lalenok líkidu tasi nian”. Nu’udar viajen inisiátika, liuhusi domin, husi oferta no mós husi diálogu ho rai, vizaun metafórika husi paraízu agreste ida, husi umildade no hamlaha, ho matan moos ne’e nu’udar revelasaun didi’ak husi poeta auténtiku nian ida, ne’ebé buat barak iha nia atu hetan.

Urbano Tavares Rodrigues

© LIDEL – EDIÇÕES TÉCNICAS

7


de olhos lavados

de olhos lavados, de António José Borges, é para mim a revelação de um poeta que nos põe com tremenda eficácia a nu, diante dos olhos, os passos de uma viagem real, dividido entre as pulsões de ir e de ficar, entre a saudade prévia à partida e a saudade imediata à chegada, entre o apego a dois mundos antípodas em que o drama é só se pertencer verdadeiramente a um deles. Um livro com uma carga notável de autenticidade, servido por uma linguagem depurada mas invulgarmente capaz de emocionar.

A. M. Pires Cabral

ho matan moos, António José Borges nian, ba ha’u sai nu’udar revelasaun poeta ida nian ne’ebé hato’o mai ita ho efikásia maka’as ba deskoberta, iha matan laran, kona-ba pasu sira viajen reál ida nian, ne’ebé fahe entre ánsia atu bá no hela nian; entre saudade prévia ba partida nian no saudade imediata ba xegada nian, entre ligasaun forte ba mundu antípoda rua ne’ebé drama ne’e sei pertense loloos ba sira-ne’e ida de’it. Livru ida-ne’e nu’udar livru ida ho karga autentisidade notável nian, ne’ebé uza linguajen ida maka purifikadu, maibé la fó kbiit atu emosiona hanesan bain-bain.

A. M. Pires Cabral

8

© LIDEL – EDIÇÕES TÉCNICAS


ho matan moos

Comments on Tozé Borges’ Collections of Poems Tozé Borges’ poems in this collection try to depict to us snapshots he took during his journey to Asia. I notice that, once again, Timor-Leste became one of his main focuses of his snap-shooting. Reading through all of his poems makes me come to a conclusion that Tozé, after all, is a man who never feels tired of taking poetic pictures with his pen. Timor-Leste’s beauty, particularly its fascinating beaches attracted Tozé’s attention very much. They made him fell enchanted. I became deeply evoked by the image of the sea he depicted in the following two particular lines (poem 21): “aqui o mar é poeta/ corre a oferecer os versos/ brilhando para reflectir os sentimentos que não são ditos.” As a response to this, I will say that I am, in solitude, ready to welcome the sea acting like a poet showering me with its foams of verses. Díli, November 2008 Abé Barreto Soares Poet/Interpreter/Translator

Komentáriu kona-ba Tozé Borges nia Kolesaun Poema sira Tozé Borges nia poema sira iha kolesaun ida-ne’e buka atu deskreve mai ita kona-ba foto sira ne’ebé nia hasai durante nia viajen ba Ázia. Dala ida tan ha’u nota katak Timor-Leste sai nu’udar ninia fóku prinsipál ida hosi hasai foto sira-ne’e. Bainhira lee hotu ninia poema sira-ne’e halo ha’u hasai konkluzaun ida katak Tozé ne’e, afinál, nu’udar ema ida-ne’ebé nunka sente kole atu hasai fotografia poétika ho nia kaneta. Timor-Leste nia beleza, partikularmente nia tasi-ibun sira ne’ebé fasinante, atrai tebetebes Tozé nia atensaun. Tasi ibun sira ne’ebé fasinante ne’e halo nia sente enkantadu. Ha’u sinti evokadu ho klean hosi imajen tasi nian ne’ebé nia deskreve iha liña espesífiku tuirmai (poema 21): “iha ne’e tasi sai nu’udar poeta/ ne’ebé halai atu oferese versu sira/ refleta sentimentu sira ne’ebé la fó hatene sai.” Hanesan resposta ba buat ne’e, ha’u sei hatete katak ha’u, iha solitude, prontu atu simu tasi ne’ebé atua hanesan poeta ida-ne’ebé fakar nia furin sira versu nian mai ha’u. Dili, Novembru 2008 Abé Barreto Soares Poeta/Durubasa/Tradutór © LIDEL – EDIÇÕES TÉCNICAS

9


de olhos lavados

António José Borges de olhos lavados O livro inicia-se sob o signo de um sentimento ambíguo, de uma alma dividida entre a sedução da partida e a dor da lonjura, entre a perda do que se deixa na terra de berço e «as incógnitas expectativas» de um outro além de pressentida «paixão tocante». «Assim a ida sorri à tristeza/ e diz-lhe que sossegue/ na soleira da porta da alma», afirma o poeta, convicto de que «os riscos que o ser humano traça/ são linhas do diário da humanidade». Isso se cumpre nessa terra que sangra, Timor, como chaga de todos os homens do universo. Timor, terra de belíssimos contrastes naturais, da profundeza serena do mar e das cores que ressaltam, «sondando mistérios», «pintando de branco-branco as nuvens expectantes». Assim descreve o poeta essa terra sacrificada e torturada pela ambição dos homens, ouvindo histórias de guerra e de terror, de vinganças em espiral, enquanto lá longe vislumbra uma mulher passeando embriagada com vestígios da masca. Por isso, como numa prece, o sujeito poético deseja que a tranquilidade venha banhar definitivamente «a ilha crocodilo», «enquanto a baía cresce liquidamente os tons de mar» e tudo volte a ser «aquilo que vai sendo todos os dias» com as suas mulheres no afã diário, os meninos correndo descalços e um sorriso que não desaparece no povo timorense, apesar das querelas dos homens. Essa é a força da resistência e a esperança do futuro. O poeta mergulha nas águas das praias, banhando a baía e afunda-se no leito dos bungalows de Baucau. Ergue-se ao ver e ao ouvir o trote dos cavalos selvagens e vendo-os nessa libertina e louca corrida, vê-se e revê-se neles. Nessa terra onde a fome domina o homem, a masca «pode resolver o problema/ de uma fome mal aturada», mas «ficando para trás o tempo das milícias tresloucadas», renasce o mito da terra prometida, «respirando Camões e Pascoaes», num mundo de amor. Em 41 poemas, António José Borges, com linhas de beleza, transmite as cores, as vozes, os sons que emanam da terra, num cântico telúrico em homenagem a essa bela terra de Timor-Leste. «de olhos lavados» é uma «ars poética», na qual o autor se ergue como personagem, viajando de um continente para outro continente, numa ida e regresso, descrevendo com notável sabedoria o que lhe dita a sensibilidade, num hino telúrico, renovando-se como homem e poeta. Por isso, ele regressa «de olhos lavados», apto para outros voos cada vez mais ousados. Neste seu primeiro livro de poesia, ressoando ainda a voz do cronista de «Timor – as rugas da beleza», António José Borges reafirma-se como escritor e poeta, deambulando na poesia com o mesmo à vontade como o faz na crónica ou no ensaio, oferecendo-nos, em esplendor, um texto de grande qualidade. Elsa Rodrigues dos Santos Presidente da Sociedade da Língua Portuguesa

10

© LIDEL – EDIÇÕES TÉCNICAS


ho matan moos

António José Borges ho matan moos Livru ne’e hahú iha signu sentimentu ambigu ida nia okos, husi klamar ida maka haketak malu entre sedusaun atu la’o nian no mós laran taridu ba rai hela dook nian, entre lakon ba buat ne’ebé soe hela iha rai moris fatin nó “esperansa sira ne’ebe nakukun” iha fatin seluk iha dók ne’ebá husi “paixaun tokante” ida-ne’ebé sente tiha ona. «Nune’e, kala’o hamnasa ba laran tristi/ no dehan ba nia atu hakmatek an/ iha klamar nia odamatan okos», poeta ne’e afirma, ho konviksaun katak «risku sira nebe’e ema hakerek/ hanesan liña sira diáriu humanidade nian». Buat ne’e sei kumpri iha rai ida-ne’ebé fakar raan, Timor, hanesan kanek ema hotu nian iha mundu rai klaran. Timor, rai murak tebes hó natureza ida bé la hanesan, husi tasi nia klean hakmatek nó kores sira maka malorek, «buka hatene mistérius», «pinta hela nó kór mutin kalohan sira ne’ebé hein». Nune’e poeta ne’e deskreve rai sakrifikadu no torturadu ida-ne’e hosi ambisaun ema sira-nian, rona istória sira funu no terror nian, vingansa sira ne’ebé kleuk tun-kleuk sa’e, enkuantu iha dook ne’ebá mosu ema feto ida pasiar hela no lanu todan ho vestíjiu sira mama malus nian. Tanba ne’e, hanesan iha harohan ida, sujeitu poétiku ne’e hakarak katak hakmatek ne’e mai hari’is definitivamente “iha illa lafaek”, «enkuantu baía ne’e haboot an ho kór tasi nian ne’ebé bokon», buat hotu sei filafali hanesan «buat ne’ebé nu’udar loroloron nian» hamutuk ho feto sira-nia fatigadu loroloron, labarik mane sira ho ain tanan halai ho hamanasa ida-ne’ebé la lakon iha povu Timor-Leste nian, maske nia iha ema sira-nia haksesuk leet. Ne’e maka kbiit rezisténsia nian no esperansa futuru nian. Poeta ne’e luku iha bee tasi-ibun sira-nian, hari’is iha baía no mout iha fatin toba bungalow sira Baucau nian. Nia foti nia an atu haree no rona kuda fuik sira-nia la’o lalais no haree sira livre iha korrida fuik ne’e, haree buat ne’e no haree filafali buat ne’e iha kuda sira. Iha rai ida-ne’e, ne’ebé hamlaha domina ema, mama malus «bele rezolve problema/ husi hamlaha ida maka la tahan», maibé «husik hela ba kotuk tempu aat milisia sira nian» moris hikas mitu rai prometida nian, «dada iis dadaun ba Camões no Pascoaes», iha mundu domin nian. Iha poema haatnulu resin ida (41) nia laran, António José Borges, ho liña sira beleza nian, transmite kór sira, lian sira, son sira ne’ebé mosu husi rai mai, iha knananuk telúriku hodi halo omenajen ba rai murak Timor-Leste ne’e. «ho matan moos» ne’e nu’udar “ars poética”, ne’ebé autór ne’e sei hamrik hanesan personajen, hala’o viajen hosi kontinente ida ba kontinente seluk, iha la’o sai ida bá fila hikas nian, deskreve ho sabedória ne’ebé notável buat ne’ebé nia sensibilidade hateten, iha inu telúriku ida, hafoun nia an rasik hanesan ema no poeta. Tanba ne’e, nia fila ho “matan moos”, ho kapasidade atu semo ho barani liután. Iha nia livru poezia ba dahuluk ne’e, sei hananu hela lian kronista «Timor – as rugas da beleza», António José Borges nian, ne’ebé afirma filafali nia an hanesan eskritór no poeta, ne’ebé iha poezia ho vontade ida hanesan wainhira nia halo iha krónika ka iha ensaiu, hodi oferese mai ita, iha esplendór, testu ida ho kualidade boot. Elsa Rodrigues dos Santos Prezidente Sosiedade ba Lian Portugés © LIDEL – EDIÇÕES TÉCNICAS

11


de olhos lavados

Não é poeta quem quer. Não está ao alcance de todos esse exercício paleográfico de ler a caligrafia da alma – exige-se uma especial liberdade, capaz da urgência de transcrever a palavra essencial para plasmar na folha branca as cores e as emoções que nos inquietam sem qualquer tipo de autorização. E o poeta não está autorizado a fugir à sua condição, muito menos à coragem de se despir, para expor aos homens as cores com que pinta o mundo que carrega dentro de si. Entretanto debita-se, sem nexo, sem horas, ausente, ou, entrega-se à respiração dos dias e aos sóis que o rodeiam, para neles encontrar os fios condutores da sua poesia, para não pintar golfinhos nas florestas nem javalis nas ondas do mar – disse Horácio que «a quem escolher assunto de acordo com as suas possibilidades, nunca faltará eloquência nem tão-pouco ordem luzida.». O que aqui temos, neste primeiro livro de poesia de António José Borges, é o resultado dessa entrega incondicional. Afinal, nada mais do que o alinhar de emoções, inquietudes ou afectos de um paleopoeta habituado a respirar o diálogo entre um rio e as suas montanhas, que de repente se encontra do outro lado do mundo à conversa com um mar cujas ondas ditam palavras obrigatórias, olhares diferentes, culturas estranhas à pele do observador, que lhe acariciam ou queimam a alma – essa dor e esse novo amor, esses retratos de Timor. Afinal, falámos de emoções, que não sendo novas, o homem que as escreve transforma em poesia – esse livre recreio de palavras roubadas ao limbo que nos obrigam ao exercício da procura, à construção do puzzle em que reside o prazer da descoberta labiríntica da alma do poeta – e é um exercício enorme este que aqui temos “de olhos lavados” a cada página, a cada imagem com que nos confronta o espelho literário deste escritor. José Braga-Amaral La’ós poeta sé maka hakarak. Ema hotu laiha alkanse ba ezersísiu paleográfiku sira ne’ebé atu lee klamar nia kaligrafia – ezije liberdade espesiál ida, atu bele transkreve ho urjénsia lia-fuan esensiál ida atu hakiak kór sira iha surat tahan mutin nia laran no emosaun sira ne’ebé halo ita la hakmatek sein iha tipu autorizasaun ruma. No poeta la hetan autorizasaun atu halai ba nia kondisaun, oituan liu ba nia korajen atu hamolik an, atu hateten ba ema sira kór sira maka nia pinta mundu ne’ebé nia lori iha nia laran. Entretantu, nia deve nia an, hakotu an, laiha oras, hadook an, ka, entrega an ba iha loron sira-nia respirasaun no ba loro-matan sira ne’ebé hale’u nia atu nune’e nia bele hetan iha sira fiu kondutór sira-nian ba nia poezia, atu labele pinta ikan golfiñu sira iha ai-laran no mós fahi fuik sira iha laloran sira tasi nian – Horácio hatete katak “sé maka eskolle asuntu tuir nia posibilidade, sei la falta elokuénsia nein mós orden nabilan ida ba nia”. Saída maka ita hetan, iha livru poezia António José Borges nian ba dahuluk ne’e, nu’udar rezultadu entrega inkondisionál ida. Afinál, laiha tan buat ida liu, maka atu aliña emosaun sira deit, la hakmatek sira ka afektu sira paleopoeta ida-ne’ebé abitua tiha ona respira diálogu ida entre mota ida no nia foho sira, ne’ebé derepente ba hela iha fatin seluk iha mundu nia sorin balun seluk, ko’alia ho tasi ida-ne’ebé nia laloran sira hanorin liafuan obrigatória sira, hateke sira ne’ebé la hanesan, kultura sira ne’ebé estrañu ba iha observadór nia kulit, ne’ebé hamaus nia ka sunu nia klamar – terus ida-ne’e no domin foun ida-ne’e, hirak-ne’e retratu sira husi Timor. Afinál, ita ko’alia kona-ba emosaun sira, ne’ebé la’ós foun ona, ema ne’ebé maka hakerek transforma tiha ba poezia – passatempu livre ida-ne’e ho lia-fuan sira ne’ebé na’ok husi limbu obriga ita atu halo ezersísiu hodi buka, ba iha konstrusaun liafuan-kruzada sira-nian ne’ebé prazer hela ba atu deskobre labiríntika klamar ninian husi poeta – no nu’udar ezersísiu boot ida maka ita iha “ho matan moos” ba pájina ida-idak, ba imajen ida-idak ne’ebé konfronta ita ho lalenok literáriu eskritór ida-ne’e nian. José Braga-Amaral 12

© LIDEL – EDIÇÕES TÉCNICAS


ho matan moos

1. de novo dividida a alma chora a face triste da realidade da partida sempre ambígua sedutora

1. fahe malu filafali klamar ne’e tanis ba oin triste realidade nian partida nian laran rua-rua beibeik no halo fuan monu

vai para longe e sofre procura a visão do conforto no horizonte do destino

ba iha dook, no terus buka vizaun konfortu iha orizonte destinu nian

busca-o na paisagem mental na senda de um paliativo já sentido

buka vizaun konfortu ne’e iha paizajen mentál iha dalan paliativu nian ida ne’ebé sente tiha ona

não é a compreensão que lhe dão nem o contentamento do respeito que diminui a agudeza deste sentimento

la’ós komprensaun ida maka hato’o mai la’ós laran-haksolok respeitu nian ne’ebé hamenus kroat sentimentu ida-ne’e nian

são lágrimas o corpo não sente esse momento inato da ambição humana essa que nos enlouquece nos tornou seres insatisfeitos na eternidade presente

nu’udar matan-been isin ne’e la sente momentu inerente ambisaun umana nian ida-ne’e momentu ida-ne’e maka bele habulak ita halo ita sai la laran-haksolok iha eternidade prezente nian

não viajar nunca nem desejar

la nunka hala’o viajen no mós la hakarak

eis a felicidade talvez

ne’e maka laran-ksolok bele karik mós nune’e © LIDEL – EDIÇÕES TÉCNICAS

13



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.