Cap. 1
Preâmbulo
No decurso das últimas 2 décadas, a Psicologia Clínica e, posteriormente, a Neuropsicologia Clínica e Forense têm feito parte permanente da minha vida. Ao longo dos últimos anos, e ao longo de vários caminhos (Braga, Lisboa, Aveiro, Salamanca – Espanha, Porto, Covilhã), tenho passado milhares de horas em aprendizagem com os melhores professores e pacientes que poderia desejar ter comigo em aulas e em consultas de Neuropsicologia e Psicoterapia. Como docente universitário, tenho aprendido imenso com os meus alunos. Tenho aprendido que existem jovens maravilhosos, capazes de uma abnegação sem limites, de uma capacidade crítica e construtiva ensurdecedora e com uma capacidade de dádiva e de respeito comovente. Mas, ao mesmo tempo, quando avalio a minha intervenção como terapeuta e docente, verifico que algo está muito mal com a nossa sociedade! Digo “nossa”, porque não consigo dissociar a sociedade daquilo que cada um de nós é e contribui direta ou indiretamente para aquilo a que a maioria das pessoas chama de “sociedade”, como se estivesse a falar de uma dimensão completamente estranha, independente, e para a qual nenhum de nós tivesse contribuído.
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Indigno-me muitas vezes quando ouço expressões tão conhecidas como: “A culpa é da sociedade”, “De que adianta apenas uma pessoa querer mudar uma sociedade inteira?”, “Eu? Que posso eu fazer? A culpa é da sociedade! Já disse, sozinho não consigo fazer nada!”. Confesso, quando, no início do meu desenvolvimento académico e científico, me deparava com este tipo de convicções, ficava algo incrédulo com o que ouvia e via, mas não tinha os recursos emocionais e psicológicos que, hoje, julgo ter. Ficava a observar, não concordando, a passiva movimentação das massas.
Preâmbulo
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E, por isso, esta obra não pode deixar de ser um cântico aos meus pais e a todos os pais e educadores que têm a seu cargo a construção de um mundo habitável, respeitável e sustentável.
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Termino este longo preâmbulo com a citação de um dos grandes revolucionários dos nossos tempos, Al Gore, que mesmo não tendo sido eleito – como muitos reclamam, injustamente – para a presidência dos Estados Unidos da América, encetou a sua própria revolução pessoal para a consciencialização de um mundo sustentável e habitável por todos os seres humanos: “Temos de ir longe – rapidamente. E tal significa que temos de encontrar, o mais rápido possível, uma forma de mudar a consciência do mundo sobre aquilo que estamos a enfrentar, exatamente, e porque temos de trabalhar para resolvê-lo.”5
Citação original: “We have to go far — quickly. And that means we have to quickly find a way to change the world’s consciousness about exactly what we’re facing, and why we have to work to solve it”. Retirado de http://en.wikiquote.org/wiki/Al_Gore.
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Cap. 2
E tudo começa no berço!
Caso Clínico I João (nome fictício) chega à minha consulta com cerca de 16 anos e meio. Vem acompanhado pelo pai. Ambos encontram-se visivelmente em sofrimento. Mas fica claro, desde o primeiro contacto no consultório, que o sofrimento dos dois parece ser em duas dimensões diferentes: o pai trouxe o filho à consulta a pedido do jovem e parece genuinamente preocupado; todavia, ao mesmo tempo, agastado por o filho estar em sofrimento. O filho, esse, parecia um pequeno homem, frágil, emagrecido, bem cuidado, mas despido daquela áurea de vitalidade que se costuma ver num jovem em pleno desenvolvimento.
Depois de ouvir os dois, concluímos que o jovem apresentava sintomas depressivos e necessitava de ser acompanhado. O pai aceitou e marcou-se a segunda consulta, contudo, notava-se que
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3. Durante os 15 dias subsequentes, a mãe deveria ir dia-sim-dia-não à hora do almoço, desenvolvendo-se o processo da mesma forma como descrito no ponto 2. 4. A partir da última data apontada, a mãe deveria passar a ir apenas de 5 em 5 dias, durante 2 semanas, o que daria 1 dia em cada uma das 2 semanas. Fruto da conjugação de esforços e da evidente maturidade da Carla para perceber a importância da sua própria colaboração em todo o processo psicoterapêutico, a criança foi evoluindo como previsto, sendo capaz de voltar a tomar as refeições no infantário, em condições normais, como antes do início do processo terapêutico. Neste momento, encontra-se completamente assintomática, quer quanto aos vómitos, quer quanto às cefaleias. Foi de essencial importância a disponibilidade da educadora para aceitar a alteração das rotinas diárias do infantário, permitindo a presença da mãe à hora das refeições (mesmo sendo contra os regulamentos internos). Também a mãe conseguiu aderir ao exigente programa, que acarretou alterações significativas na sua rotina diária durante cerca de 1 mês e meio.
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Reparem no paradoxo: que pai/mãe estaria a ser sensato ao obrigar o filho a lidar com algo que lhe é penoso (sem que, para isso, seja necessária ajuda especializada), se aos próprios adultos é reconhecido o direito, por juntas médicas, a não se apresentarem ao serviço por não serem capazes? A única diferença é o diagnóstico: no caso da criança aqui apresentada, estamos a falar de uma perturbação de ansiedade; no caso da depressão, estamos a falar numa perturbação do humor. A liberdade, com amor firme e disciplina positiva, deve ser implementada desde o nascimento, mas devemos ter cuidado com a forma como “ensinamos” a liberdade aos nossos filhos.
Isso leva-nos ao próximo ponto deste capítulo.
E do berço, que educação devemos dar aos nossos filhos? Este é o segundo ponto que não quero deixar de abordar. Antes de escrever este manifesto, vi-me tentado a não fazê-lo. Nos últimos anos como psicoterapeuta (para além da minha atividade como professor universitário e formador e, principalmente, como pai), pensei se deveria, ou não, continuar a calar a minha perceção de que alguns pais necessitam desesperadamente de ajuda para poderem educar os seus filhos e ajudá-los a crescer de forma equilibrada, como crianças que são e homens que serão, eles próprios em busca da sua felicidade. Cansei-me de, como obriga a minha consciência, me embrenhar na maioria absoluta dos casos em que se verificam práticas parentais ina-
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infância, os terapeutas, a família, etc. podem ajudar. Da próxima vez que, com os seus “5 a 6 metros”, a sua voz de “gigante” e a sua “força descomunal”, procurar corrigir e castigar o seu filho, pense nele e dê-lhe muitos, mas mesmo muitos carinhos. Ame-o e não se vai arrepender.
É a partir do berço que se constrói um desenvolvimento sustentável Tem-me ocorrido, ao longo dos vários anos de intervenção psicoterapêutica junto de várias populações de utentes, um tema bastante divulgado e propagandeado: a ideia de que se qualquer um de nós fizesse um esforço, tomasse as atitudes corretas, orientasse a sua vida de forma estável e consciente, desde que nasce e ao longo do seu desenvolvimento, então, a felicidade individual estaria quase assegurada e os momentos de maior fragilidade ou de tristeza seriam apenas isso, pequenos momentos.
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Ora, o que parece ocorrer, na maioria de nós, é algo um pouco diferente. A maioria de nós parece travar uma batalha consigo própria para que essa busca pela felicidade seja uma constante, mas, aparentemente, apenas até uma certa altura da vida. Depois, com o tempo, com as experiências, as dificuldades vão-se acumulando e vamos percebendo que viver é uma tarefa árdua e que, por vezes apenas em determinados momentos ou fases da nossa vida é que nos sentimos efetivamente felizes e realizados. Se refletirmos bem, veremos que muitas das nossas angústias vêm do facto de esperarmos sempre demasiado dos acontecimentos. Esperamos sempre que tudo aquilo que fazemos, todas as pes-
Cap. 3
Desenvolvendo altruísmo na criança
Caso Clínico III Vato, criança de 8 anos, sexo masculino, filho único de um jovem casal (mãe de 27 e pai de 37 anos). Motivo da observação/Intervenção Foi referido para consulta psicológica pela neurocirurgiã responsável, em virtude de apresentar graves problemas comportamentais de desrespeito a figuras de autoridade, danos em propriedade alheia, furto, crueldade com animais e indisciplina.
No início do processo de avaliação, a criança apresentava elevada disfuncionalidade, representada por comportamentos como: desobediência clara em relação à mãe; ofensas verbais e comportamentais dirigidas à mãe de cada vez que não são satisfeitos os seus desejos e vontades (comprar objetos ou alimentos – doces,
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uma simples queda na relva causa mais do que pequenos arranhões e feridas. E é com essas quedas que a criança desenvolve a preocupação consigo própria e com os outros. Assim, cabe aos pais o incentivo de envolver a criança em situa ções de interação onde o toque e o calor humano, de forma segura, possam estar presentes de forma naturalmente desenvolvida e não imposta à força.
Regra dos quatro “R” para ensinar boas maneiras às crianças Dois autores dedicados ao estudo e desenvolvimento de estratégias para um relacionamento equilibrado das famílias sugerem que se utilize a regra dos quatro “R” para ensinar boas maneiras às crianças (Jones & Burns, 2011).
Cap. 4
Empatia: a arte de “viver” os outros
Os cientistas sociais há muito que demonstram interesse pela educação cívica de crianças e adolescentes, embora os estudos sobre o assunto tenham diminuído durante as últimas 3 ou 4 décadas (Campbell, 2001) e, eu diria mesmo, escasseado até à atualidade. Neste capítulo, debruçar-nos-emos sobre um tópico fundamental para o desenvolvimento infantojuvenil equilibrado: a compreensão do potencial da empatia.
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Aprender a sentir empatia ou a compartilhar coisas, emoções, pensamentos e sentimentos com outras pessoas faz parte daquilo que faz das crianças agentes sociais eficazes na adaptação aos outros e na interação proativa e pró-social. É sabido que as crianças com maiores níveis de empatia são mais sensíveis aos outros e mais propensas a envolverem-se em comportamentos socialmente desejáveis em grupo (Findlay, Girardi & Copian, 2006).
Cap. 7
Respeito social
Ao contrário do que se poderia esperar numa obra cujo título principal é E Tudo Começa no Berço!, neste capítulo abordarei o tema do respeito social da forma como me é apresentado na maioria das vezes, como psicoterapeuta: quando o problema já está instalado. Senti isso de forma muito clara quando lançámos o livro Educar sem Bater (Maia, 2011). Algumas pessoas diziam-me: “Está bem, compreendo o que quer dizer com a disciplina positiva, com o não educar através da violência, que isso leva à perda de respeito pelos membros familiares envolvidos, etc. Mas como lidar com esta geração de jovens e jovens adultos que estão completamente descontrolados? Não respeitam ninguém. E, ainda por cima, ainda gozam se tentamos educá-los.”. Ora, claro que concordo que estamos a falar de um problema real e muito complexo. Nessa altura, o problema já está instalado de forma muito enraizada. Por isso, defendo que se deve utilizar disciplina positiva e amor firme desde o berço. Mas e nos casos em que os pais e professores me procuram para trabalharmos estas situações de descontrolo, ou seja, quando o problema já está instalado?
Caso prático em contexto escolar Recebi recentemente uma mensagem de correio eletrónico de uma amiga, professora, com quem tenho desenvolvido alguns trabalhos ao nível de projetos psicopedagógicos, e que transcrevo de seguida: “Olá, Luís, Gostaria de partilhar contigo algumas considerações/dúvidas relativamente à sessão de Psicologia Positiva que decorreu no dia X do mês Y na escola Z. Assisti com o colega à sessão da tarde, porque acompanhamos uma das turmas que participava na sessão.