Geração Cordão

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Índice VII

Índice Prefácio IX Mário Cordeiro Introdução XIX

A FORÇA: As crianças e os jovens 1 O que é a Geração Cordão?

3

A importância da Internet para as relações sociais

5

Os diferentes “self ’s” (eus)

7

As novas tendências: likes, selfies, phubbing, youtubers, bloggers, mukbang 9 Porque é que as crianças e os jovens dizem que é bom estar online? 11 Quais as desvantagens das tecnologias?

13

Sexting, cyberbullying, ciberstalking e grooming

17

Estar online é seguro?

21

Pegada digital

23

Para que serve o smartphone? 25 Entretenimento – jogos, multimédia, compras

27

Crianças e jovens partilham as suas tecnoideias 31 À conversa com… Sofia Valente, educadora 31 À conversa com… Miguel Luz, youtuber 43

Pontos-chave 45

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AS REGRAS: A família 47 Os pais como modelo: presentes e virtuais

49

O fosso geracional digital: os pais estão atualizados?

53

O que os pais precisam de saber

55

O tempo que se passa online 59 O que podem os pais fazer?

61


VIII #GERAÇÃOCORDÃO

Pais e mães partilham as suas tecnoideias 65 À conversa com… Adelaide Sousa, atriz e apresentadora 65 À conversa com… Pedro Fernandes, humorista e apresentador 70

Pontos-chave 72

OS DESAFIOS: A escola 73 A escola está a mudar?

75

Os professores têm de ser acrobatas digitais?

77

Ter ou não ter wi-fi? 79 Literacia digital

83

O professor partilha as suas tecnoideias 85 À conversa com… Carla Jesus, professora 85

Pontos-chave 94

A OFERTA: A rede e a comunidade 95 Globalização e direitos digitais

97

Os riscos: entre a oferta e a procura

99

As dependências

101

Gestão saudável do comportamento online: um projeto de e para todos?

105

Precisamos de um guião de boas-práticas?

109

A comunidade partilha as suas tecnoideias 111 À conversa com… Pedro Fernandes, psicólogo 111 À conversa com… Ângelo Marinho, enfermeiro 123

Pontos-chave 133 Conclusão 134 Contactos úteis 136 Wikipais 138


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Prefácio

Geração X, Geração Y, Geração Z… as letras do alfabeto não chegarão, um dia, para descrever o que são, afinal, os nossos filhos, sobrinhos, alunos, ou apenas as crianças que conhecemos, neste país “à beira-mar plantado”, mas que já se conecta, através das suas raízes e ramos, com todo o mundo, e de uma forma bastante mais rápida do que as caravelas dos Descobrimentos. Curioso… um país que teve tanto trabalho para “dar mundos ao Mundo”, segundo reza a História, agora está, ele próprio, interconectado com esse próprio mundo (e prisioneiro dele?), fale ele português, inglês, mandarim ou qualquer outra língua ou dialeto aborígene. Como passou a ser “anormalmente normal”, temos de fazer sempre as nossas declarações de interesses, para não sermos mal interpretados pelos defensores do politicamente correto ou nos apelidarem de “ trogloditas, adeptos do regresso às cavernas”: bom, que fique claro que sou um feroz defensor e um amplo utilizador da tecnologia, não apenas aquelas às quais chamamos “novas”, como as que, sendo recentes, já são consideradas arcaicas, como um frigorífico ou um micro-ondas… ou a invenção da roda ou da dinamite. Gabo-me, aliás, de ter frequentado, em 1975, no Instituto Superior Técnico, um curso de Fortran-Fast Translator e Computadores, em que se colocavam papéis perfurados numa máquina enorme que os “deglutia” e dava respostas. O meu primeiro computador a sério, em 1987 (depois dos Spectrum ZX), foi um Amstrad que tinha uma “enorme” capacidade no disco: 240 quilobytes (kB)… não daria para armazenar uma simples imagem ou uma música em MP3!


X #GERAÇÃOCORDÃO

Os tempos evoluíram à velocidade da luz (ou quase mais rápidos do que ela). Recordo-me do meu irmão mais velho ter instalado no carro um telemóvel, nos idos anos 80 – eu diria mais que aquilo era um tijolo pousado entre os bancos da frente –, mas, numa viagem que fiz com ele ao norte, fiquei deslumbrado por se conseguirem fazer chamadas para vários locais mas, claro, “dependendo da rede”, e a dita cuja só se apanhava de vez em quando… hoje é a rede que nos apanha, quais peixinhos ingénuos, incautos e indefesos, seja onde estivermos. Lembro-me quando levei o meu Amstrad portátil para a Direção-Geral da Saúde, onde ainda não havia computadores, e como o erro de carregar em “Control-Alt-Del” apagava tudo o que lá estava, e de vez em quando lá se ia o trabalho todo. Backups? O que era isso? Não havia pens ou clouds, e os floppy disks de 5 ¼ albergavam 160 kB, mas o meu computador já tinha uma janelinha para as que viriam, “algures no futuro”: as de 3 ½, que chegavam à “espantosa” capacidade de 720 kB. Serve esta breve introdução, que se refere a uma distância temporal de 30 anos e não, ao contrário do que alguns leitores poderão pensar, ao neolítico mais profundo, para afirmar a minha fé na tecnologia e nos avanços que nos permitem tanta coisa, mas que, como fenómeno inacreditavelmente fenomenal (passo o horrendo pleonasmo) tem efeitos que ainda não entendemos, tem uma parte que nem sequer percebemos ou conhecemos e, finalmente, dando tanta coisa boa, terá obrigatoriamente de ter efeitos secundários menos agradáveis. Todavia, como dizia o outro, não são as armas que matam, mas os seres humanos que primem o gatilho. Não é assim a tecnologia que faz mal (ou bem), mas o uso que lhe damos, e numa questão como esta – acerca de computadores, jogos, consolas, redes sociais, Internet, tudo o mais –, a dimensão dos “prós e contras” é, para ambos os casos, gigantesca. A tecnologia que permite ao Homem, associando a inteligência, o raciocínio, a capacidade de dar respostas a novas questões e a oponência do polegar e posição bípede, que levaram os nossos antepassados a separar-se dos grandes primatas e passarem a ser os seres mais evoluídos da Criação, visa fundamentalmente dois objetivos: fazermos tudo com menos esforço, porque somos um animal fraco, preguiçoso e vulnerável; e ganharmos tempo, fazendo mais rápido, porque temos uma outra dimensão (cultural, ética, estética, artística, relacional, de lazer e de “não


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Prefácio XI

fazer nada”) que gostamos de cultivar, aliás, que precisamos de cultivar. Foram sempre esses os objetivos dos avanços, paralelamente à compreensão dos fenómenos e ao “ir além”, seja no micromundo, seja no espaço exterior e no Universo. Dos vírus que vemos com os microscópios eletrónicos às danças das galáxias que o Hubble nos mostra, tudo é deslumbrante. E o ser humano gosta de se deslumbrar, de contemplar, de pensar e de sonhar. “Como bola colorida entre as mãos de uma criança”, escreveu Gedeão, a propósito do “mundo que pula e avança”. A Internet e a rede móvel são das invenções mais fabulosas da Humanidade, com potencialidades fascinantes – algumas ainda a descobrir –, e por isso é também natural que tenham alguns efeitos secundários, designadamente com potencial de perigo. Uma das questões por vezes ignoradas ou menosprezadas, é o facto de permitirem uma enorme comunicação, mas que não é real, no sentido em que é possível falsear idade, nome, aptidões, conhecimentos, e até sentimentos e afetos. Sabemos como é tentador, para as crianças e os adolescentes, fazerem-se passar por mais velhos e dar azo, por exemplo, ao seu desejo de expressão da sensualidade, pelo gozo que lhes dá estes momentos de faz-de-conta, de vertigem, de experimentação do limite, e também pela hipótese de entrarem num autêntico jogo de sedução. Estas vertentes são, aliás, as “vertentes da vida” ou de qualquer desporto, a par do “jogo de oposição”, tantas vezes também visto nas redes sociais, em que, a propósito de um qualquer fait divers surgem catilinárias, reações viscerais e de ódio, expressões e frases que nunca alguém diria, olhos nos olhos, a alguém, muito menos a um conhecido, amigo ou até familiar. “Rasgam-se vestes” por tudo e por nada… Quando pensamos em riscos da comunicação e desta forma específica de comunicação (seja por telemóvel, seja por Internet e pelas suas variadas redes sociais), não nos esqueçamos que este tipo de atitude, de “ousar sem expor” sempre fez parte da condição humana, ou não haveria, então, máscaras de Carnaval. Contudo, a amplitude, banalização e universalização do fenómeno é que é transcendente, tanto mais que ainda é bastante incompreendido porque se generalizou e amplificou antes mesmo de se poder estudar cientificamente. Um exemplo banal: só há escassos anos se concluiu que o uso de telemóveis, em adultos, não causava cancro cerebral… mas se os estudos tivessem demonstrado o contrário? Que faríamos nós, que temos um ou dois desses aparelhos nos bolsos e nos ouvidos?!


XII #GERAÇÃOCORDÃO

Não haverá hoje, obviamente, nenhuma criança ou adolescente que não conheça a palavra Internet (ou, na sua forma mais carinhosa e trivial – a “net”), ou a palavra “telemóvel”. Serão provavelmente raros os que nunca os utilizaram, nem que fosse por apenas alguns momentos e, arriscava, a larga maioria terá acesso fácil, em casa ou na escola (ou, atualmente, em qualquer espaço social – restaurantes, cafés, jardins públicos – ou usando a rede de dados móveis), a longos períodos de “navegação” cibernáutica e a comunicação constante. Aliás, os novos servidores e a possibilidade de contratos, cujo preço é independente das horas de utilização, permitiram um acesso generalizado, ao longo do dia, sem acréscimos de custos e sem ocupação da rede telefónica. É claro que um fenómeno destes, com a magnitude de tudo o que implica, não podia deixar de criar paixões e ódios, antagonismos, debates e reflexões de vária ordem, fundamentando opiniões e previsões, desde as mais catastrofistas às francamente otimistas, muitas vezes carregadas de excesso de ingenuidade. Assim, se, por um lado, temos o privilégio de viver estes tempos maravilhosos em que se universalizam as tecnologias que representam saltos qualitativos no desenvolvimento humano, por outro, estamos também a assistir aos efeitos físicos, psicológicos e sociais deste mesmo fenómeno. Com um pormenor adicional: os acontecimentos desenrolam-se tão rapidamente que, no espaço temporal de identificarmos um problema e pensarmos as melhores estratégias para o resolver, já a realidade mudou e novas questões surgiram – o caso das redes sociais é paradigmático… pensar em Facebook, que há escassos anos era uma novidade, já é visto pelas crianças e adolescentes como um pensamento “cavernícola”: “Então o pai não sabe que há o Instagram, o WhatsApp, o Twitter, o YouTube?” e, pelo menos, cerca de 50 (sim, 50!) mais redes. Daí a necessidade de estimularmos a nossa capacidade de antecipação e de resposta, sem prejuízo de uma análise profunda e lúcida das situações, segundo uma metodologia científica de grande rigor – mesmo que mais lenta do que a voracidade mediática. Isto para não cairmos em armadilhas, como é a de tomarmos como verdades ideias feitas ou preconceitos que, depois, se vêm a revelar serem falsos. Porventura, falar de “revolução cultural” pode não ser exagero, com tudo o que a Internet implica na saúde, educação, relações interpessoais, aquisição de conhecimentos,


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Prefácio XIII

acesso aos saberes e, de igual modo, na gestão dos tempos, da memória, dos hábitos de leitura, lazer e desporto, entre outras. Alguém disse, um dia que a melhor definição para a Internet era “uma rede de comunicações na qual, se alguém tiver algo de interessante para comunicar, pode dizê-lo a toda a gente, em qualquer parte do mundo, no mesmíssimo instante, assim como se quisermos procurar alguma informação ou facto, poderemos fazê-lo da nossa casa, também no mesmo instante, e esteja essa informação onde estiver”… tudo isto a um custo quase negligenciável... – o que nos deixa algumas dúvidas sobre a possibilidade de produzir informação tríada e de qualidade sem ter de a pagar ao preço justo... Mas, no fundo, a Internet é como, se fosse “uma praça pública medieval, onde se acumula um sem fim de bancas e tendas onde tudo se vende e tudo se compra”, ou “um enorme centro cultural e comercial organizado à maneira dos armazéns londrinos Harrod’s, onde nada é impossível de comprar, desde um alfinete até um elefante”. Curioso saber que a Internet nasceu nos princípios dos anos 70, como produto imediato da “Guerra Fria”. É verdade. Por muito que doa aceitar isto, a “net” desenvolveu-se a partir da tecnologia informática militar da Defesa americana, quando da escalada belicista de há 30 anos. Há sempre efeitos colaterais benignos e malignos de qualquer coisa, e o investimento militar feito nos Estados Unidos, com os consequentes orçamentos “generosos”, acabaram por trazer, entre muitas desgraças, um enorme benefício à humanidade. Foi a preocupação do Pentágono em relação à eventual vulnerabilidade dos sistemas de informação, face a um hipotético ataque nuclear soviético, que determinou o desenvolvimento da ARPA (Advanced Research Projects Agency), que concebeu um sistema descentralizado, a “net”, que unia os computadores de quatro universidades, pelo que um ataque a um deles não inutilizaria o sistema, dado que os outros continuariam a funcionar. Em 1972, a ARPAnet já unia 40 computadores em outros tantos centros científicos, os quais comunicavam através de um sistema de correio eletrónico. Perante a eficácia e facilidade do modelo, rapidamente a ideia começou a estender-se a outros locais fora dos Estados Unidos, e para lá das fronteiras dos objetivos militares. Mais do que uma ligação física entre computadores – computadores são também os telemóveis, em todas as suas vertentes, iPads, etc. – que permite uma rede de comunicações alternativa e qualitativamente


XIV #GERAÇÃOCORDÃO

diferente das restantes (telefone, telemóvel, satélite, entre outros), a Internet distingue-se por ter adotado uma linguagem comum, resultante de um protocolo de comunicação (TCP/IP), que permite que um computador, esteja ele onde estiver, possa entender-se com outro, independentemente também do sistema operativo utilizado – uma espécie de “esperanto” em linguagem máquina. A partir dos primeiros passos, os avanços foram exponenciais, até chegarmos ao que temos hoje, já melhor do que tínhamos ontem e, provavelmente, muitíssimo aquém do que veremos amanhã – este “amanhã” não é apenas uma metáfora, mas “amanhã”, mesmo, porque os avanços são a esta velocidade. Para lá do correio eletrónico e da informação universitária – que representaram o começo –, todo um mundo rapidamente se abriu e se revolucionou, designadamente em atividades que, tradicionalmente, eram realizadas de outras formas – basta pensar em ler jornais, ir ao banco, pagar contas da casa, reservar lugares para concertos ou hotéis, comprar bilhetes de avião ou saber as farmácias de serviço e os restaurantes que estão abertos, entre tantas e tantas outras soluções que poderia enumerar e que todos nós conhecemos do nosso dia a dia. Para lá das páginas pessoais, em que cada um, em inteira liberdade, fala do que quer, cria grupos de debate, mostra os seus achados profissionais, produtos para vender, hobbies, preferências, características e até as suas intimidades e perversões, vícios e virtudes, o mundo relacionado com a Internet e com a comunicação telefónica (SMS, etc.) tornou-se um agente consumidor de largas e largas horas que, mesmo sem se fazerem juízos de valor sobre a informação que se consome (e que é apenas informação e não conhecimento ou sabedoria), permitem “navegar” por bancos de dados infinitos, à escala universal e a um preço quase irrelevante. Desde a legislação americana às atividades do clube de adoradores de girafas, tudo se pode conhecer e obter. Just click! Todos os dias, mais e mais pessoas partilham informação e saberes – uns produzem-na, outros usam-na, e muitos fazem as duas coisas, simultaneamente. A “aldeia global” está, finalmente, concretizada, no que foi, talvez, um dos maiores saltos qualitativos dos milhões de história da Humanidade, e um passo de gigante no caminho do aperfeiçoamento que a condição humana tenta alcançar.


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Prefácio XV

Ora as crianças e adolescentes, como pessoas e cidadãos que são, como estudantes ou trabalhadores, como adeptos de lazeres e praticantes de artes, como seres curiosos e atualizados, e como comunicadores por excelência, não podiam ficar arredados desta revolução. Que também é deles e para eles. A “Sociedade de Informação” permitiu-nos democratizar a sociedade e universalizar essa democratização, aumentar o acesso aos bens culturais, informativos, recreativos e ao conhecimento e partilhar o poder e diversificar as fontes de informação, deixando de estar sob a alçada de um qualquer controlo. A liberdade de criação de informação e de comunicar essa mesma informação romperam com as barreiras e obstáculos políticos, e deram um golpe fatal nas estruturas que mantinham as ditaduras e os regimes iníquos: o obscurantismo e a ignorância. Um dos pontos essenciais a debater na questão da comunicação e da Internet, é que “informação é poder”, e partilhar o poder (leia-se, partilhar a informação) nem sempre é fácil para quem tem de ceder esse precioso instrumento. Por outro lado, a partilha deste poder pode ser confundida, erradamente, com perda de autoridade ou desaparecimento das hierarquias. Daí o receio de alguns adultos – pais e educadores – de que “os adolescentes naveguem demais pela Internet”, e múltiplas vezes com toda a razão, porque entramos num mundo do qual só conhecemos a ponta do icebergue – a dark web é assustadora! – e a facilidade com que crianças e adolescentes dominam este “engenho” e a sua criatividade neste domínio (e a facilidade com que nele se movem) fazem-nos sentir ultrapassados e desasados, e, por vezes, perdidos. A pseudossabedoria, imediata e efémera, que tem o ponto alto nas frivolidades e vacuidades das redes sociais, a que não necessita da experiência vivida, muda rapidamente de pontos cardeais e as fraquezas dos adultos podem ser mais facilmente descobertas, para o que contribui a maior escolaridade das gerações mais novas. Torna-se, assim, por vezes, mais difícil gerir o ecossistema familiar e escolar com as bases e regras antigas. Mas, é claro, uma coisa é informação, outra é sabedoria. Segundo especialistas na matéria observa-se, atualmente, um excesso de informação disponível, com acréscimos exponenciais em grande escala, embora mais de quatro quintos dessa mesma informação sejam viciados, factualmente


XVI #GERAÇÃOCORDÃO

errados, inconclusivos, incompletos ou irrelevantes. Mais: a triagem entre a informação importante e o “lixo” informativo é por vezes muito difícil. Por outro lado, deter informação, só por si, não é sinónimo de capacidade de atuar. Há que formar conhecimento, assumir uma atitude, revelar uma intenção e, finalmente, desempenhar um comportamento. Em todos estes passos todos, ou para o seu êxito, é necessária sabedoria, ou seja, o tempero e a maturidade da experiência – é aqui que os adultos entram, não por serem simplesmente “adultos”, mas por estarem cá há mais anos e “terem já visto muita coisa”... Uma questão que intriga os pais, relativamente aos filhos, é “o que é que eles andam lá a fazer...”. A resposta só pode ser uma: “Muita coisa!” Porque, de facto, a Internet e a comunicação tanto podem ser usadas como fonte de conhecimentos científicos e necessidade de contactar alguém – processo indispensável à formação e ao ensino/aprendizagem –, como espaço de entretenimento, criatividade, de lazer e prazer, cultura, comunicação e ampliação de horizontes... Ou tantas vezes de perda de tempo, de talentos, de “mais do mesmo” e de, desculpem os termos, “palermice e alarvidade generalizada”. Seria ingénuo ou imprudente pensar-se que um fenómeno desta natureza não iria causar uma imensa perturbação na vida das pessoas, embora, neste contexto, a palavra “perturbação” não tenha que ser, necessariamente, lida de uma maneira negativa. Se pensarmos na avalanche de informação e comunicação, nas possibilidades infinitas de “viagens” e de navegação, de parceiros e de tertúlias, no alcance planetário das mensagens que enviamos e recebemos, é quase de admirar como é que não passamos, todos nós, o dia todo “agarrados” à net! Levanta-se, então, uma “pequeníssima” questão – será que o nosso cérebro (e o nosso corpo) está desenhado para receber tanta informação, num tempo recorde, sem os necessários processos de depuração, reflexão, acareação com a experiência, desenvolvimento de conceitos práticos e tantas outras vertentes do ensino-aprendizagem? As overdoses, de medicamentos, substâncias, elementos, etc., causam danos graves nas pessoas. Que dizer do excesso de informação, sobretudo quando os espaços de latência para a sua gestão são quase nulos? E ainda outra “pequena” pergunta: “Com o contínuo fluxo de informação atualizada, não ficará


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Prefácio XVII

a “velha” informação (leia-se: a de há 5 minutos…) condenada a perder a sua relevância e a desaparecer? Por outro lado, sabe-se, da vivência atual, baseada em processo de aprendizagem que tem obedecido mais ou menos ao mesmo paradigma, que as coisas não valem apenas por ser novas, mas mais por serem boas? O desprezo e o ostracismo a que as pessoas de idade estão frequentemente votadas, por parecerem já não ter “nada a dar” nesta sociedade revela bem como a sabedoria está a ser substituída pela informação, numa tremenda e inquietante confusão de conceitos. Será que este fenómeno vai criar “um homem novo” em total rompimento com o anterior? Quando se observa a realidade quase que parece que sim. Quando se vê que o nosso genoma é igual ao que era há milhões de anos ficamos com algumas dúvidas. Finalmente, sabendo que crianças e adolescentes (sobretudo nos primeiros cinco anos e depois entre os 10 e os 16 anos) são seres ultrassensoriais, que precisam de usar todos os sentidos, de agir corporalmente, de exercitar o olfato, o tato, o paladar, ao reduzirmos a sua existência (em casa, nas aulas, nos tempos livres) a um mero audiovisual, não estaremos a humilhar o ser humano, a castrar a criatividade; a criar pessoas que deixam de saber como se relacionar com os outros, com o mundo físico, com a Natureza; que deixam de saber argumentar, de olhar os outros nos olhos, de pagar o preço da relação e de ter alguém que os contrarie, de não poder “deletar” essa pessoa carregando num botão ou fugir do relacionamento?… Esse é um dos enormes perigos, a “virtualização” do mundo, de tão redutor que o conceito é. Temos tudo para dignificar e exaltar o ser humano, mas estamos correndo sérios riscos de o remeter para patamares, civilizacionais e concetuais, muito anteriores e – permitam-me a opinião pessoal – francamente redutores e ofensivos à condição humana. Outra questão que envolve crianças, adolescentes e adultos, é a prisão que se construiu relativamente a ter de estar sempre comunicável. Os próprios têm sentimentos de culpa se não estiverem ligados, se não há rede ou se o telemóvel está sem bateria; os outros reclamam e verberam: “Liguei e não atendeste!”, como se fosse a última das ofensas ou como se nem à casa de banho já se pudesse ir! Onde está o direito à solidão, à intimidade, ao contacto com a Natureza, ao namoro, ao encantamento, à relação com o outro sem interferências de terceiros, à contemplação? Porque desistimos de conjugar o verbo “estar”?


XVIII #GERAÇÃOCORDÃO

Se, realmente, a tecnologia e a comunicação têm como objetivo dar-nos tempo e facilitar a preguiça e o lazer (e a nossa interioridade e desenvolvimento reflexivo pessoal), fazer cada vez “mais do mesmo” é um tiro no pé. Que esta geração – e todas as outras, afinal – saibam usar bem o que têm e entender a dimensão e as diversas facetas deste fenómeno, designadamente quando se entra nos “capítulos” da ciberpatologia, ciberadição ou ciberbullying. Como em tudo, não se pode dizer que a Internet ou os telemóveis, à semelhança de outros meios de comunicação, são bons ou maus. Tudo depende da utilização que se lhes dá e do partido que se tira deles, bem como do que se deixa de fazer por estar nesta atividade. Fazer da Internet, como certas pessoas fazem, um bode expiatório que explica todos os “males do mundo”, é uma maneira errada, ineficaz e hipócrita de os adultos se demitirem do seu verdadeiro papel e de esconderem as suas verdadeiras ineficiências. A Internet e a comunicação móvel são um dos meios mais fabulosos de comunicação e de informação, e como tal não podem ser vilipendiados. Seria o mesmo que mandar apagar o sol só porque há pessoas que têm cancro da pele provocado pelos raios ultravioletas. Tudo na vida tem duas faces, mas se ensinarmos as crianças e os adolescentes a “domar a net e os instrumentos de comunicação”, a serem consumidores exigentes, críticos e criteriosos, se os estimularmos para atividades alternativas, do seu interesse e à sua medida, e se realçarmos e cultivarmos, todos os dias, a riqueza das relações humanas e no que estas têm de insubstituível, designadamente na transmissão de sabedoria e do “prazer de estar com o outro”, talvez se evitem fundamentalismos de qualquer sinal e se possa extrair da net e das novas formas de comunicação o que realmente de formidável elas têm para nos dar. No fundo, o que deve estar em causa na análise do problema – Internet, telemóveis, comunicação, virtualidade dessa comunicação – é a dignidade da pessoa e a forma de civilização que desejamos, baseada no respeito por nós próprios e pelos outros. Cezaredas, março de 2017 Mário Cordeiro Pediatra


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Introdução

Comunicar nos dias de hoje é um processo com formas e contextos completamente diferentes dos que existiam no século passado. As pessoas comunicam e relacionam-se mais. Por vezes, essa quantidade é acompanhada de qualidade (ou seja, relacionam-se melhor). Mas, outras vezes, vence o não dito, o mal-entendido ou o conflito, ainda que experienciem esta comunicação online, a quilómetros de distância uns dos outros. Desde 1989, com o início da World Wide Web (vulgarmente conhecida por WWW, ou simplesmente Web) que se começou a navegar num mundo de possibilidades online. As vantagens de estar em rede com o mundo são muitas e para pessoas de todas as idades. Permite um acesso melhor e maior à informação e ao conhecimento. Permite a troca de mais mensagens escritas, faladas e ao vivo. Permite momentos de lazer consigo próprio e com os outros. Mas também origina fenómenos e desafios à escala global. Quem não se lembra do Pokémon Go, o jogo que deixou o mundo louco levando milhões de pessoas para a rua à caça de criaturas virtuais? E os engraçados desafios ice bucket challenge, harlem shake, mannequin challenge, que têm movimentado milhares de pessoas, conhecidas e anónimas, não só por causas nobres e solidárias, mas também por simples divertimento? Desde a massificação do acesso às tecnologias e à Internet que estamos todos mais ligados. E é esta ligação que está na base da Geração Cordão. Uma geração ligada por um cordão invisível, porque já há wi-fi, mas que faz perdurar a necessidade de estar conectado, de não estar sozinho. Desta geração


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fazem parte, principalmente, os jovens, que não se conseguem desligar, nem por um segundo, e para quem os smartphones são indiscutivelmente uma extensão de si próprios. Durante a escrita deste livro decorreu a Web Summit, em Lisboa, onde se juntaram milhares de pessoas à volta da tecnologia. A dimensão desta cimeira permite ver a importância que a tecnologia tem e terá nas profissões do futuro. E a Geração Cordão está a preparar-se para isso. Mas será que está a ser preparada para conseguir integrar esse desafio com a necessidade de sobreviver socialmente? Chegou então o momento de refletirmos em conjunto sobre o modo como as vantagens e os riscos de navegar online contribuem para o desenvolvimento dos nossos jovens (e crianças) e para a (re)construção das nossas famílias. A reflexão que este livro oferece sobre a gestão dos comportamentos online interessa a todos. Não é um livro contra a tecnologia ou a Internet. É, sim, um guião (sem que por isso tenha formato de guião) que pretende ajudar pais, professores e a comunidade em geral a descobrir quais são os desafios para um consumo saudável da Internet.


O que é a Geração Cordão? Muitos são os termos utilizados para retratar as novas gerações: “Geração Millennials”, “Nativos digitais”, “Geração Z”, “Geração Magalhães”. Ao longo deste livro vamos, de forma inovadora e pela primeira vez, retratá-los como “Geração Cordão”. Porquê? Por dois motivos essenciais. Atualmente a adolescência prolonga-se até mais tarde, cerca dos 30 anos, o que faz com que se mantenham as amarras, a ligação, o cordão, à família nuclear. Também se criou a ideia de que os jovens estão sempre ligados. Para alguns, a tecnologia, materializada no smartphone ou tablet, é uma extensão de si próprios. É uma ligação com um cordão invisível, da qual nunca se separam. Lidamos com uma Geração Cordão por não se conseguir desligar, nem por um segundo, em substituição de nada, que seria estar com eles próprios e com os outros.

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Veja-se o exemplo de Marta, uma jovem de 14 anos. Numa manhã de segunda-feira, Marta saiu de casa bem cedo com a mãe, que costumava levá-la à escola. No meio do trânsito teve o primeiro instinto de pegar no smartphone e falar com os amigos. E é neste momento que se gera o pânico – deixou o smartphone em casa! Implorou à mãe que voltasse a casa. O que se seguiram foram duas horas atribuladas para esta mãe, com o objetivo único de tranquilizar


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a filha, para que esta conseguisse manter o contacto com os amigos, que estariam mesmo ao seu lado na sala de aulas. A mãe deixou-a na escola para que não se atrasasse, voltou a casa, e regressou à escola para lhe entregar o smartphone. Chegou atrasada ao trabalho, irritada, mas impotente na adoção de outra solução para o pedido da sua filha. Ao fim de uma hora, Marta já estava no intervalo, online, a trocar fotos com as amigas. A este fenómeno chamamos FOMO (fear of missing out), isto é, o medo de perder pitada. Entram em pânico se ficam sem bateria no smartphone. Esquecer-se deste apêndice é impensável. Passou a ser um substituto da memória; fica lá tudo registado. Apenas têm de se lembrar como encontrar o que precisam de utilizar. É possível fazer quase tudo num smartphone. Para os jovens, deixou de existir time out. Se puderem, nunca param de estar online. Após um dia de escola, às seis da tarde, tudo continua com muita intensidade. Quem tiver desligado, ao chegar à escola no outro dia de manhã já perdeu todas as conversas no Facebook, no Twitter, no Snapchat, no WhatsApp, a troca de fotos no Instagram, entre outras coisas. Ou seja, está desatualizado. Recordo a história de um jovem de 13 anos, João, deprimido e em sofrimento. Um adolescente a viver todos os desafios típicos desta fase da vida. O seu problema central estava relacionado com o desejo de ter Facebook que era vedado pelos pais. Uma guerra difícil. Como ele dizia,“não entendo, todos os meus amigos têm!”. Sentia-se desenquadrado da sua realidade, dos seus pares, quase fora da vida de adolescente.


A importância da Internet para as relações sociais Para os jovens, pertencer a um grupo é essencial. É a forma de socializarem e de estarem vivos. Podemos falar em socialização digital, presencial e mista. A socialização mista, com supervisão parental adequada à idade, é considerada a mais saudável. Todas as plataformas nas quais se pode comunicar online vieram trazer muitas oportunidades de: ■■ Não estar só; ■■ Receber a atenção do outro; ■■ Partilhar o que é privado e às vezes até íntimo; ■■ Ser direto e autêntico; ■■ Desenvolver competências sociais, ainda que digitais; ■■ Aproximar, apesar da distância física; ■■ Ter mais registos e memórias.

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A timidez muitas vezes é ultrapassada pelo primeiro contacto online. Estar por trás de um computador, tablet ou smartphone, sem mostrar a cara, pode facilitar. Às vezes, simplesmente para iniciar uma conversa com um colega da escola, começando assim uma relação de maior proximidade, em que a Internet é a mediadora. Para os mais velhos é muitas vezes apelidada de casamenteira… A capacidade de ir cultivando as relações online e offline é característica desta Geração Cordão, que faz uso das ferramentas que tem disponíveis.


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João, de 16 anos, conheceu Maria, de 14 anos, online, através de amigos do Facebook. Foram conversando, online. Mas já se conheceram presencialmente? Não, mantêm uma relação próxima, mas online. Para quem ouve João, é difícil perceber isso, pois pela forma como fala, parece que já fizeram muitas coisas juntos. E até é verdade, mas através da troca de fotos e mensagens, do FaceTime e do Skype. Os riscos passam por transportar os jovens só para uma socialização digital. E aí permanecerem. Ao vivo, não conseguem conversar, não conseguem manter contacto visual. E assim não concretizam uma das tarefas da adolescência que lhes trará competências essenciais para ingressar no mercado de trabalho. Perdem a oportunidade de serem espontâneos, de experimentarem estratégias diferentes para a resolução de conflitos e de lidarem com a frustração. Deixam de viver em direto as emoções positivas que estar em contacto com os outros pode trazer. Se bem que nem todos concordem com isso, a Internet veio trazer vantagens para as relações amorosas. Agora há a possibilidade de saber a localização da chamada, de falar a olhar para o outro, de partilhar fotos do que se está a fazer, com quem se está, em que direção se vai. Um mar de possibilidades que permite um controlo à distância. Para uns é indiferente, para outros uma verdadeira amarra e, por isso, preferem não usar as tecnologias, ou, pelo contrário, ter relacionamentos somente virtuais. O que os estudos nos dizem é que, ao fim de um certo tempo de se experimentar apenas relacionamentos virtuais (quer seja unicamente na esfera relacional ou também na esfera sexual [cibersexo]), existe uma necessidade que não é colmatada: o toque, o cheiro, a presença. Para um desenvolvimento saudável, a Geração Cordão necessita de ter acesso a pelo menos uma socialização mista: digital e presencial.


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À conversa com… Miguel Luz, youtuber Miguel Luz – Natural de Sintra, nasceu em 1998, tem 18 anos e faz vídeos desde os 10 anos. Começou porque sempre teve vontade de fazer coisas, criar algo a partir do que sentia, e por influência de uns programas de televisão para crianças, começou a filmar-se com um amigo e a pôr as parvoíces na Internet.

Conversámos sobre as vantagens e os riscos da tecnologia, sobre como um youtuber integra a tecnologia na sua vida e como preserva a sua privacidade. Deixa no final uma dica para os jovens. Para os jovens quais são as grandes vantagens da tecnologia? A Internet é um bicho complexo. Tem um poder brutal para nos poder ligar aos outros, mas ao mesmo tempo todo esse leque de possibilidade faz com que, no geral, nos fechemos sobre nós próprios e sobre o nosso ecrã. Um artista de hip-hop que admiro, o Childish Gambino, tem um álbum inteiro dedicado a esta temática. Por um lado, a Internet tem a vantagem de permitir que nós, os jovens, possamos conhecer muito mais pessoas do que as que conheceríamos apenas através de oportunidades na vida real. Mas com essa nova maneira de manifestar o nosso lado social, que vem desde o início dos tempos, acabamos por desprezar, mesmo que pouco, a vida real. Eu vejo-o como duas realidades distintas que podem ser conjugadas apenas até um certo ponto.

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E quais os riscos? É claro que também há perigos na Internet, demasiada exposição pode não ser a melhor opção numa plataforma em que nem sabemos quem está a olhar para nós. Digo eu que ponho vídeos na Internet, por vezes


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até a usar batom para encarnar uma personagem qualquer, que centenas de milhares de pessoas veem. Mas não ligue, eu não percebo nada disto. Como é possível preservar a privacidade quando se tem o estatuto de youtuber? Às vezes acho que gostava de ser mais livre em relação à Internet. Inconscientemente abdico da minha própria liberdade ao estar a ver o telemóvel durante o dia, e acabo por sentir que, cá no fundo, há uma necessidade de ver o que é que me twittaram ou dar um scroll rápido no Instagram só para ver o que se está a passar. Provavelmente isso vem da nossa essência enquanto animais sociais, não sei. Mas nem sempre é agradável. A Internet acaba por ser como uma droga: sabe bem consumi-la, mas lá no fundo sabemos que não devíamos estar na cama às 10 da manhã logo a mandar aquilo para as sinapses do cérebro. A diferença é que é menos provável acabarmos num beco de Lisboa a morar num caixote do lixo por consumir demasiada Internet. No máximo ficamos a viver na estação do Rossio perto do Starbucks para conseguir apanhar wi-fi à pala. Não é fácil. Pelo menos para mim que não sou um puto que goste de dar nas vistas ou de me exibir. É claro que gosto de conhecer pessoas que gostam das minhas coisas, é brutal, mas muitas vezes na rua o simples pensamento que me estão a reconhecer nem sempre é confortável, e sendo eu uma pessoa muito observadora, que repara em tudo, às vezes até reparo demais. Mas lá está, para quem gosta de se sentir observado e de ser o centro das atenções acho que não há problema em ter esta exposição que passa da Internet para a vida real. Que dicas pode dar àqueles jovens que querem dar os primeiros passos nesta área? O que respondo sempre a quem me pergunta isso é: sê tu próprio e traz alguma coisa nova. Eu sei que soa a cliché, mas nesta altura da minha longa vida de 18 anos cheia de experiências e contemplação, os clichés começam a fazer sentido.


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O que podem os pais fazer?

Os pais não podem ficar descansados porque instalaram a ferramenta da supervisão parental. Têm de estar lá, observar, acompanhar, falar com os filhos sobre o que acontece online. A promoção de uma gestão saudável da tecnologia em família deve passar-se precocemente, em tenra idade. Isto terá o mesmo efeito que tem a influência social das crianças junto dos pais quando, na escola, aprendem a reciclar, a fazer uma ementa saudável, ou a importância do exercício físico. A modulação de práticas educativas saudáveis terá de se estender à tecnologia. Pais, isto é um alerta para todos vós, que são o modelo dos vossos filhos. Existem pais que espelham a necessidade de estar sempre com o telemóvel na mão – é claro que existem situações de urgência profissional, para responder a emails –, mas a imagem que passam aos filhos é de que podemos estar sempre com um ecrã à frente a fazer o que gostamos. Não há ferramenta melhor do que o diálogo, neste caso sobre a tecnologia. Impõe-se um diálogo participado e de co-construção de soluções à medida de cada família, das necessidades, das rotinas, dos ritmos e das idades de cada membro do núcleo familiar. O debate sobre o que fazer quanto à exposição das crianças e jovens aos ecrãs não é de agora. Remonta aos tempos do aparecimento da televisão. Há um autor francês, Serge Tisseron, que propõe a regra do 3, 6, 9, 12. Isto quer dizer que só a partir dos três anos deveríamos deixar as crianças ver televisão; aos seis anos podem contactar com jogos offline, e de grupo; aos nove anos podem


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iniciar as suas pesquisas online, mas supervisionadas; e aos 12 anos podem iniciar de forma mais autónoma o contacto com a tecnologia. Fiquem descansados, pais e educadores no geral, já não vamos a tempo de cumprir com esta regra. Aos três anos, todas as crianças já viram pelo menos um filme de desenhos animados da Disney. Aos seis anos, já todas as crianças sabem mexer num tablet e fazer download de jogos em inglês. Aos nove anos, cerca de um terço já tem página no Facebook – os que não têm, consultam o perfil dos pais e são fiéis assíduos no que toca a postar fotos. Aos 12 anos, a grande maioria já domina todas as plataformas apelidadas de redes sociais, jogam online e alguns até já começaram a entrar no mundo das apostas. Ainda vamos a tempo, sim, de começar de forma precoce a apontar as claras vantagens e riscos das tecnologias. Se durante anos insistimos que têm de comer a sopa porque faz bem à saúde, com certeza que não nos importamos de passar anos a dizer que têm de brincar mais na rua, com os pares, ao faz-de-conta, e que a televisão e os tablets têm um período específico e controlado de antena. À semelhança dos bolos e guloseimas – que já todos sabemos que só podem ser consumidos em festas e dias especiais, com conta, peso e medida. A grande novidade é que os pais podem instituir um dia sem a tecnologia. Ou seja, cada família institui o número de dias que lhe servir enquanto regra ou exceção. Várias vezes quando se sugere uma atividade em família, as respostas são: “Hum, não é possível.”, “Mas levo o telefone para ouvir música.”, “Assim acompanho o resultado do jogo!” ou “Ah, mas assim não consigo responder aos emails!”. Quando a sugestão é só uma ida ao parque em família ou uma caminhada… Os pais estão habituados a fazer muitas negociações, acordos, e a gerir divergentes formas de pensar, por isso será fácil incluir essa competência na gestão da tecnologia. Quando um filho pequeno agarra no smartphone ou tablet dos pais, pode ser uma aventura com sérios custos para os pais. Há um mar de possibilidades de coisas que podem correr mal quando não houve uma introdução às TIC – apagam contactos, mudam os ícones de sítio, descarregam aplicações pagas, aderem a serviços, fazem chamadas, enviam


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A escola está a mudar?

Não. A escola está igual. Passa, naturalmente, por remodelações, mas não se distancia muito da sua essência. O que está em mudança são os professores e os alunos, fruto de uma sociedade que também mudou. Essa mudança tem influenciado de muitas formas o que se entende como a escola de hoje em dia – um local que deveria ser um encontro de saberes. Já temos as salas de aulas do futuro. Cheias de ecrãs – nas mesas, nas paredes, e até portáteis. As velhas secretárias e os amigos constantes papel e caneta estão a ser empurrados para fora da escola. Mas ainda há muitas resistências. Alguns esquecem-se de que sempre tivemos um modelo de escola em formato telescola. Agora temos mais uma ferramenta à disposição: as tecnologias de informação e comunicação (TIC), que até dão nome a uma disciplina de que os alunos costumam gostar, e que traz inúmeras vantagens. Desde logo o acesso à informação é mais rápido e há a possibilidade de aceder a conteúdos variados. O cenário mais comum será o da diversidade de utilização das TIC nas escolas. Há relatos de alunos, pais e professores sobre o uso deste instrumento de forma regular, e da sua importância enquanto ferramenta essencial. No entanto, não há, nas escolas, uma coerência quanto ao uso das TIC. Existem diferenças dentro da mesma escola e até nas aulas de um mesmo professor consoante a turma e ano letivo. Quais são, afinal, as orientações?


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É muito importante que haja um debate nas escolas quanto às questões éticas que estão envolvidas nas pesquisas que os alunos fazem. O acesso ao conhecimento é tão rápido, que muitas vezes não há tempo para perceber e digerir a informação. Isso é notório, por exemplo, na apresentação de alguns trabalhos que perderam parte da história, em que a investigação não foi bem feita. Não estão a aprender a importância de consultar sites seguros e fidedignos no que diz respeito à informação que publicam. E não é de estranhar que até encontrem informação contraditória online. Há regras. E há que lhes passar esta mensagem, valorizando sempre que sabem fazer melhor do que o simples plágio. Há que lhes explicar que o que é vantajoso não é a rapidez com que acedem ao conhecimento, mas antes a maior acessibilidade em tempo útil a várias fontes de conhecimento. Estaremos a passar bem a mensagem? O conhecimento tem o seu tempo para ser adquirido, entendido e cimentado, e as tecnologias só trouxeram mais rapidez de acesso, não podem ser um substituto da sua compreensão.


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Precisamos de um guião de boas-práticas? A resposta a esta pergunta é clara: sim. Precisamos de, em conjunto, fazer o mesmo que se faz, por exemplo, para a alimentação saudável, para a prática do exercício físico e para as outras dependências. Não há um único guião para toda a aldeia global adotar e seguir. Assim como não há um único tipo de protetor solar. Há que fazer uma adequação face às necessidades, tempo, espaço e nível de desenvolvimento. O desafio que lançamos é que em cada comunidade se organize e crie um local de debate, onde vários atores possam participar e dar o seu contributo sobre o que pode ser uma gestão saudável da tecnologia. Deixamos algumas linhas orientadoras para o desenvolvimento desse projeto na comunidade, que poderá ser considerado um plano municipal de gestão do uso da tecnologia: ■■ Construir uma equipa de projeto com técnicos de diferentes áreas (educação, psicologia, sociologia, entre outras áreas), motivada para a área da promoção do uso saudável da tecnologia; ■■ Realizar um diagnóstico de situação – com avaliação dos comportamentos online da comunidade, percorrendo todas as faixas etárias; ■■ Esboçar um plano de ação mediante as necessidades e as vulnerabilidades diagnosticadas, que passa por dois eixos essenciais – o eixo da promoção da saúde e o do tratamento: –– No eixo da promoção da saúde será importante criar espaços de debate sobre o uso da tecnologia. Uma das


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Wikipais Blogger – pessoa que tem uma página web onde apresenta textos sobre determinados temas e gostos pessoais. Chat – “sala” de conversação online, onde se comunica por escrito e em tempo real. Cyberbullying – partilha de conteúdos agressivos online com o objetivo de destruir a imagem de alguém, causando grandes danos psicológicos. Cyberstalking – ato de perseguir e ameaçar alguém por via online. Dependências da tecnologia – envolvimento em atividades online, de forma persistente e intensa (tempo, falta controlo), resultando na redução dos interesses, com consequências emocionais, sociais e académicas/profissionais. Emojis – bonecos compostos por imagens e/ou letras que trazem emoções para as mensagens escritas (os mais conhecidos são os smiles). FOMO (fear of missing out) – medo de perder “pitada” do que se passa nas redes sociais. Geração Cordão – geração de crianças e jovens que não consegue desligar das tecnologias nem por um segundo e que abrange alguns jovens adultos da Geração X, os jovens da Geração Y (Millennials), todas as crianças e jovens da Geração Z, bem como as gerações que se seguem. Para a Geração Cordão, o ecrã passou a ser interativo e a moldar o seu desenvolvimento. Além do consumo excessivo da tecnologia, há uma outra característica que a define: um prolongamento da sua ligação à família nuclear do ponto de vista emocional e económico, retardando a sua autonomização. Grooming – quando um adulto se faz passar online por um jovem, ganhando assim a sua confiança, e dando início a uma relação de exploração emocional e sexual, em que opera a manipulação e a chantagem. Jogos online – o jogador tem de investir dinheiro para comprar os jogos, ter a versão atualizada, comprar componentes adicionais, e existem jogos em que há uma real aposta a dinheiro. Existem campeonatos online, disputados entre várias equipas e com hora marcada.


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Pontos-chave “Que a chave nos deixe abrir a reflexão para estes pontos de partida…”

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■■ A Geração Cordão tem necessidade de estar tecnologicamente ligada por dentro e por fora. ■■ Não se pode viver sem tecnologia, sob pena de correr o risco de ser infoexcluído. ■■ É importante existir uma socialização mista: presencial e digital. ■■ Há que ter consciência das vantagens e dos riscos das tecnologias de acordo com o nível de desenvolvimento. ■■ É fundamental haver um diálogo permanente sobre os perigos online. ■■ As crianças e os jovens podem contribuir com as suas ideias para a construção de um guião sobre a gestão saudável da tecnologia.


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