Sociologia da Família e do Género

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10,5mm

14,5cm x 21cm

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Ao longo do livro são abordados, entre outros, os seguintes temas:

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Variação dos modelos familiares e de vida em comum Divórcio Parentalidade Lugar da criança na família moderna Estatuto dos idosos Principais linhas de força dos comportamentos de género Persistência de assimetrias com reflexos na vida conjugal, profissional, e no domínio da participação pública feminina

Obra apoiada por: ISBN 978-989-693-053-0

9 789896 930530

ISABEL DIAS

Isabel Dias I Doutorada em Sociologia. Professora Associada com Agregação na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) – Departamento de Sociologia. Investigadora no Instituto de Sociologia da FLUP. A sua atividade de investigação tem-se centrado na problemática da violência doméstica, nas suas múltiplas vertentes, e tem desenvolvido, de igual modo, intensa pesquisa nos domínios da família, do género e do envelhecimento. Autora de livros, capítulos de livros e vários artigos científicos sobre violência doméstica, género e envelhecimento, publicados em revistas nacionais e estrangeiras. Tem coordenado e participado em diversos projetos de investigação de âmbito nacional e internacional.

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Partindo dos contributos da Sociologia da Família e do Género, esta obra analisa dois objetos fundamentais: as dinâmicas familiares e as relações sociais de género nas sociedades contemporâneas. Está organizada em três grandes partes: a primeira dá conta da identidade e das orientações epistemológicas da Sociologia da Família e do Género, a segunda é dedicada ao estudo de grandes temas desta área disciplinar e a terceira incide sobre a problemática do género, socialização e construção de identidades, mobilizando-se para a sua análise quer as teorias sociológicas do género, quer as principais teorias feministas contemporâneas. Trata-se de um livro que visa contribuir para uma formação ampla dos estudantes interessados neste domínio de especialização, fornecendo, também, elementos e conteúdos básicos aos profissionais que lidam diretamente com as questões da família e do género nos mais diversos contextos de intervenção, como é o caso dos sociólogos, assistentes sociais, psicólogos, antropólogos, agentes da saúde e da justiça, entre outros. Acima de tudo, esta obra pretende fornecer aos estudantes, académicos, profissionais e ao público, em geral, instrumentos teóricos, metodológicos e operacionais que lhes permitam analisar, de forma crítica e reflexiva, as relações familiares e de género nas sociedades atuais.

SOCIOLOGIA DA FAMÍLIA E DO GÉNERO

SOCIOLOGIA DA FAMÍLIA E DO GÉNERO

14,5cm x 21cm

SOCIOLOGIA DA FAMÍLIA E DO GÉNERO ISABEL DIAS


Edição PACTOR – Edições de Ciências Sociais, Forenses e da Educação Av. Praia da Vitória, 14 A – 1000-247 Lisboa Tel: +351 213 511 448 pactor@pactor.pt www.pactor.pt Distribuição Lidel – Edições Técnicas, Lda. Rua D. Estefânia, 183, R/C Dto. – 1049-057 Lisboa Tel: +351 213 511 448 lidel@lidel.pt www.lidel.pt Livraria Av. Praia da Vitória, 14 A – 1000-247 Lisboa Tel: +351 213 511 448 * Fax: +351 213 173 259 livraria@lidel.pt Copyright © 2015, PACTOR – Edições de Ciências Sociais, Forenses e da Educação Marca registada da FCA – Editora de Informática, Lda. ISBN edição impressa: 978-989-693-053-0 1.ª edição impressa: novembro 2015 Paginação: Carlos Mendes Impressão e acabamento: Tipografia Lousanense, Lda. – Lousã Depósito Legal n.º 400812/15 Capa: José Manuel Reis Imagem de capa: © Ra2 Studio Todos os nossos livros passam por um rigoroso controlo de qualidade, no entanto aconselhamos a consulta periódica do nosso site (www.pactor.pt) para fazer o download de eventuais correções. Não nos responsabilizamos por desatualizações das hiperligações presentes nesta obra, que foram verificadas à data de publicação da mesma. Os nomes comerciais referenciados neste livro têm patente registada. Reservados todos os direitos. Esta publicação não pode ser reproduzida, nem transmitida, no todo ou em parte, por qualquer processo eletrónico, mecânico, fotocópia, digitalização, gravação, sistema de armazenamento e disponibilização de informação, sítio Web, blogue ou outros, sem prévia autorização escrita da Editora, exceto o permitido pelo CDADC, em termos de cópia privada pela AGECOP – Associação para a Gestão da Cópia Privada, através do pagamento das respetivas taxas.


ÍNDICE PREFÁCIO.................................................................................................................................................VII INTRODUÇÃO.........................................................................................................................................XI PARTE I – S OCIOLOGIA DA FAMÍLIA E DO GÉNERO: OBJETO E IDENTIDADE DISCIPLINAR................................................................................................................... 1 1 SOCIOLOGIA DA FAMÍLIA E DO GÉNERO: IDENTIDADE E ORIENTAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS...........................................................................................................................................3 PARTE II – GRANDES TEMAS DA SOCIOLOGIA DA FAMÍLIA E DO GÉNERO......... 5 A. FAMÍLIA, SOCIEDADE E CULTURA: VIDA FAMILIAR E RELAÇÕES DE GÉNERO NA MODERNIDADE......................................................................................... 7 2 FAMÍLIA COMO CONSTRUÇÃO SOCIAL: DISCURSOS SOBRE A FAMÍLIA....... 9 3 VARIAÇÃO E DIVERSIDADE DOS MODELOS FAMILIARES: PROBLEMAS DE COMPARAÇÃO.....................................................................................................................13 Variações nas estruturas familiares: o contributo da História Social.......................15 4 FAMÍLIA E TEORIA SOCIAL: PERSPETIVAS TEÓRICAS E ABORDAGENS METODOLÓGICAS.....................................................................................................................19 E. W. Burgess: da instituição ao companheirismo...........................................................21 T. Parsons: família nuclear e segregação dos papéis sexuais.....................................22 A perspetiva de W. Goode.......................................................................................................25 A mudança de paradigma nos anos 1970 ........................................................................27 As décadas de 1980 e 1990.....................................................................................................29 B. FAMÍLIA NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS: TENSÕES E DESAFIOS....39 5 FAMÍLIA, CONJUGALIDADE E RUTURAS.......................................................................41 A proposta de L. Roussel..........................................................................................................42 Divórcio: a outra face da conjugalidade.............................................................................45 Divórcio: teorias explicativas...................................................................................................49

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6 FAMÍLIA E PARENTALIDADE: O LUGAR DA CRIANÇA............................................55 O sentimento de infância.........................................................................................................56 Infância e modernização: a função da criança.................................................................58 7 FAMÍLIA E ENVELHECIMENTO: O ESTATUTO DOS IDOSOS.................................65 Olhares sobre a velhice.............................................................................................................65 Envelhecimento: definições, componentes e perspetivas...........................................67 As relações entre gerações......................................................................................................69 Família e cuidados na velhice..................................................................................................71

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Sociologia da Família e do Género PARTE III – GÉNERO, SOCIALIZAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES...........75 8 GÉNERO E SEXO.........................................................................................................................77 Definições.......................................................................................................................................77 Identidade de género................................................................................................................78 9 ORIGENS DO QUESTIONAMENTO SOBRE O GÉNERO............................................81 Das mobilizações feministas ao Segundo Sexo................................................................81 10 TEORIAS SOCIOLÓGICAS DO GÉNERO: DOS ANOS 1960 AO PRESENTE......87 Teorias de nível macrossociológico......................................................................................87 Estrutural-funcionalismo...................................................................................................87 Teoria do conflito..................................................................................................................89 Teoria dos sistemas..............................................................................................................90 Teorias de nível microssociológico.......................................................................................91 Interacionismo simbólico..................................................................................................91 Etnometodologia..................................................................................................................91 11 TEORIAS FEMINISTAS CONTEMPORÂNEAS................................................................93 12 A DIVERSIDADE DE PERSPETIVAS FEMINISTAS.........................................................97 Teorias das diferenças de género..........................................................................................98 Feminismo cultural...............................................................................................................98 Teorias explicativas...............................................................................................................99 Análises existenciais e fenomenológicas...................................................................100 Teorias da desigualdade de género...................................................................................100 Feminismo liberal...............................................................................................................101 Teorias da opressão de género............................................................................................105 Feminismo psicanalítico...................................................................................................106 Feminismo radical..............................................................................................................108 Feminismo socialista.........................................................................................................111 Teoria feminista da intersecionalidade.......................................................................115 Feminismo pós-modernista...................................................................................................116 13 GÉNERO, FAMÍLIA, TRABALHO E ACESSO AO ESPAÇO PÚBLICO...................121 A inserção das mulheres no mercado de trabalho.......................................................122 Trabalho feminino e segregação ocupacional................................................................123 A participação política das mulheres: obstáculos e desafios...................................127 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................................131 REFERÊNCIAS.......................................................................................................................................133 ÍNDICE REMISSIVO...........................................................................................................................143

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1 SOCIOLOGIA DA FAMÍLIA E DO GÉNERO: IDENTIDADE E ORIENTAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS

A Sociologia da Família e do Género afirma-se por si própria, mas não é completamente independente, na medida em que expressa o debate sobre a mudança teórica operada na Sociologia enquanto disciplina mãe (Almeida, 1992:193). Em Portugal, a Sociologia encontrou “inicialmente algumas resistências na sua afirmação como disciplina académica e no seu reconhecimento como profissão” (Fernandes, 1996:9). Para os responsáveis pelo Regime, a Sociologia “era geralmente considerada inútil e abstrusa. Era também e sobretudo perigosa, suspeita e subversiva” (Nunes, 1988:37). Só após o estabelecimento da democracia, no nosso país, e a introdução de uma nova prática científica é que se opera a sua verdadeira radicação e desenvolvimento (Fernandes, 1996:9; Almeida, 1992). Com Abril de 1974, a Sociologia institucionaliza-se, adquire o estatuto de disciplina autónoma, entra nas Universidades e assume contornos de uma profissão (Idem).

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Evocar algumas das orientações pedagógicas de Bourdieu (1985; 1987), com as devidas proporções, no âmbito do ensino-aprendizagem da Sociologia da Família e do Género, parece-nos importante dada a sua vocação de transmissão, social e historicamente situada, de conhecimentos sobre diversos temas, possibilitando a adoção de múltiplos modos de leitura, teórica e empiricamente fundamentados sobre os fenómenos das dinâmicas familiares e das relações sociais de género nas sociedades contemporâneas. Na verdade, foi esta a grande preocupação que esteve na origem da organização do livro em três grandes áreas temáticas. A primeira incide na análise das transformações da família e das relações sociais de género em contexto de modernidade. Analisa-se o processo de modernização da família e das questões de género em Portugal e na Europa, sem deixar de ter por referência a família de outrora, embora de forma menos mistificada. A segunda diz respeito à análise de um conjunto de temas caros à Sociologia da Família, designadamente a problemática da conjugalidade e das 3


Abordar o tema da família e das relações de género nas sociedades contemporâneas abre um vasto campo de análise e reflexão, convocando para o seu estudo problemáticas e saberes transversais. A Sociologia da Família contemporânea tem vindo a prestar cada vez mais atenção às dinâmicas familiares e aos comportamentos de género através da análise dos indicadores sociodemográficos. Encarando a família como um dos protagonistas dos processos de mudança social, a referida disciplina tenta entender o impacto de tais comportamentos na emergência de novas formas de organização da vida em comum e de novos padrões de relacionamento entre o género feminino e o masculino. As últimas décadas são testemunhas de uma profunda transformação dos modelos familiares. A livre escolha do cônjuge, a desinstitucionalização e laicização do casamento, a democratização das relações familiares, a proliferação das uniões de facto, da monoparentalidade e da recomposição familiar, o aumento da taxa de divorcialidade, por exemplo, revelam que a família contemporânea não só mudou como se tornou mais exigente (Dias, 2007:150). Nos nossos dias, a imagem da mulher no lar é menos frequente, a repartição dos papéis sexuais é mais incerta e variável, as crianças fazem, cada vez mais, a sua aprendizagem fora do círculo familiar e veem os pais separarem-se. São mais elevadas as taxas de divórcio e de recasamento, subiram os valores da coabitação; desceram os valores da fecundidade e aumentou a esperança média de vida (Idem). Tais mudanças não só se inscrevem no processo de “transformação estrutural” vivido pela sociedade portuguesa após abril de 1974 (Machado e Costa, 1998:17), como são reveladoras da vitalidade dos laços familiares contemporâneos. Os indicadores sociodemográficos (INE, 2002, 2012; Eurostat, 2008) demonstram que as sociedades contemporâneas caminham para uma pluralidade de modelos de vida em comum (e.g., casais hetero e homossexuais, famílias de adoção, recompostas, monoparentais, unipessoais); as gerações têm hoje oportunidade de reforçar os laços que as unem devido a uma maior convivência no tempo (verticalização); os indivíduos divorciam-se mais, mas voltam a casar (monogamia serial); podem optar por uma vida a sós ou com pessoas aparentadas de outra geração, sem que isso signifique abdicar dos seus projetos pessoais, familiares ou profissionais. Demonstram, por fim, que a presença massiva da mulher no mercado de trabalho vem colocar novos desafios a uma relação que, sendo aparentemente natural – mulher e prestação de cuidados à família –, está profundamente imbuída de pressupostos normativos e ideológicos (Dias, 2007; Perista, 2002). Apesar de, nos últimos anos, as atitudes relativas aos papéis de género terem sofrido algumas mudanças positivas, ainda persistem diferenças de classe relativas ao papel da mulher no espaço doméstico, familiar e no mercado de trabalho. Neste sentido, importa salientar que a noção de género, primeiramente associada ao reconhecimento das identidades femininas e masculinas, proporá então uma pluralidade de modelos nos quais o sexo é apenas um dos componentes de identidades sexuadas (Fournier, 2005). O género desempenha um papel central na construção democrática das nossas sociedades e na capacidade de articular interesses económicos e interesses humanos, interesses individuais e interesses da família (Dias, 2007:164; Singly, 2000).


4 FAMÍLIA E TEORIA SOCIAL: PERSPETIVAS TEÓRICAS E ABORDAGENS METODOLÓGICAS

Vimos, nos capítulos anteriores, que não é possível identificar um caminho único de transformação da família nas sociedades ocidentais, assim como não é, de igual modo, possível introduzir uma ordem precisa na história da construção da teoria sobre a família. De qualquer maneira, Burr et al. (1979:3) identificaram quatro grandes orientações neste processo, designadamente o período da pré-pesquisa científica (antes de 1850), dominado por pré-noções, crenças e provérbios populares, assim como por especulações filosóficas sobre a família; o período do darwinismo social (1850-1900), que produziu um conjunto de saberes acerca da evolução social do casamento e das formas de família numa perspetiva histórica e institucional; o da ciência emergente (1900-1905), no qual se tenta superar as especulações acerca da família recorrendo-se a dados empíricos sobre a variedade dos padrões familiares das sociedades contemporâneas; por último, a fase da construção de teoria científica sistemática (desde 1950).

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Na fase de construção de teoria científica sistemática, toma-se consciência do stock de conhecimentos produzidos, procede-se à identificação dos quadros concetuais disponíveis para o estudo da família, faz-se o inventário dos seus postulados teóricos e a sua codificação em teorias parciais ou auxiliares, e, por fim, desenvolvem-se estratégias para a construção e formalização de teorias acerca dos fenómenos familiares (Idem). No presente capítulo optou-se pela análise das teorias contemporâneas da família. Pretende-se que os leitores tenham contacto com as teorias e os autores que mais consistentemente investigaram na área da Sociologia da Família e do Género. À luz da obra de Leandro (2001:115), visa-se ainda alcançar dois objetivos inter-relacionados: ilustrar de que forma alguns sociólogos da família atuais retomaram um certo número de problemáticas já tratadas há um século e mais pelos precursores da Sociologia; analisar de que forma se 19


No âmbito da segunda área temática pretende-se analisar um conjunto de dimensões estruturantes da organização da vida familiar, conjugal e parental, assim como as tensões e desafios daí decorrentes. Começamos pela formação da conjugalidade e a problemática do divórcio nas nossas sociedades. Neste sentido, evocamos os estudos de um conjunto de autores já citados, como é o caso de Singly (1993; 2000), Kaufmann (1993; 1992), Leandro (2001), Torres (2001; 2002a), Aboim (2006), Roussel (1980; 1991) entre outros; mas também recordamos a análise introdutória ao nível de alguns indicadores macrossociais de mudança operada no domínio dos comportamentos familiares. Tendo por base tais indicadores, demonstra-se que a família foi, desde os anos 1960, alvo de um duplo movimento: primeiro, uma fase de um familismo renovado marcado por uma nupcialidade elevada, por um menor número de nascimentos fora do casamento e pelo aumento de casais com filhos; seguida de um movimento de modernização, marcado pela inversão das tendências referidas (Almeida et al., 1998:51). As formas de constituição e organização da conjugalidade apresentam sinais de reforço da informalização do laço conjugal e de pluralização dos modos de transições possíveis nos percursos familiares, acrescendo-os de momentos de rutura e de recomposição, em conformidade com uma visão menos institucional da relação a dois e da própria família (Aboim, 2006:69). Tende-se a casar menos, cada vez mais tarde e mais frequentemente pelo civil. A informalização da vida em casal não só se reforçou entre os dois últimos momentos censitários (2001, 2011), como em 2011 se traduziu no aumento das uniões de facto tanto nos casais sem filhos (5,8%), como nos casais com filhos (7,5%). No caso dos casais de facto com filhos, o aumento deve-se principalmente ao peso dos casais recompostos (59,2%) (INE, Censos, 2001, 2011). Assiste-se, assim, a uma descolagem entre casamento e parentalidade. A proporção de crianças nascidas fora do casamento formal acontece, como vimos, no contexto de coabitação conjugal e não de monoparentalidade. Os nascimentos fora do casamento formal hoje não são expressão das dificuldades de acesso à conjugalidade, mas da sua informalização. Tais atitudes marcam o carácter modernista das conjugalidades (informais), ao mesmo tempo que são reveladoras da desinstitucionalização e desvalorização estatutária do casamento (Idem). De acordo com Leandro (2001:101), o casamento civil e religioso sem ser praticado por todos, continua a ser a forma mais corrente de entrar na vida conjugal em Portugal. Todavia, para Aboim (2006), o traço central da vida familiar, no presente, reside numa vida conjugal e parental estruturada de modo mais informal. A esta tendência junta-se o peso da divorcialidade crescente. A par do afastamento face ao casamento institucional, a possibilidade de rutura emerge como uma característica do casamento moderno. Importa, então, fornecer algum enquadramento teórico para a compreensão do conjunto de mudanças assinaladas.


6 FAMÍLIA E PARENTALIDADE: O LUGAR DA CRIANÇA

Analisou-se, no capítulo anterior, como as normas de conjugalidade (e de divorcialidade) parecem ser caracterizadas pela dialética da fusão (ou comunidade total), na qual opera, hoje, o jogo dos capitais pessoais tanto para confortar a fusão, como para a limitar. Vimos, também, que o movimento geral que os historiadores e os sociólogos indicam é o do recolhimento do indivíduo da comunidade para a família. Tal processo de individualização opõe inicialmente dois conjuntos: as coletividades de vizinhança e a família nuclear, isto é, um grupo estável onde a finalidade é a propriedade económica e a procriação. Este primeiro recolhimento prolonga-se num segundo movimento de individualização, quando o valor casal assume mais importância do que a família depois de lhe estar associado. O sentimento de fusão interpessoal encontra-se aqui no seu máximo, mesmo quando se opera a cisão entre família e conjugalidade.

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Uma terceira etapa do referido processo manifesta-se quando emerge a tensão entre o desejo de realização no casal e a submissão aos seus constrangimentos. Esta tensão exacerba-se tanto mais quanto os atores dispõem, como hoje, de importantes objetivos económicos, culturais e profissionais com valor de troca no exterior do casal. É nesta conjuntura que se exacerba a tensão latente entre os modos de troca: o que quer submeter os seus bens ao casal e o que afirma o primado da autonomia do eu. Aqui o que está em jogo passa a ser a questão da extensão, na duração (estabilidade) ou no espaço social (propriedades individuais sujeitas à autoridade do casal) (Kellerhals et al., 1982a). Convém salientar que, quando se evoca o recolhimento sobre a família, não se trata tanto do desenvolvimento da nuclearidade (estrutura demográfica dos lares), mas do sentimento doméstico. Importa então analisar de que forma a vaga crescente de sentimentalidade que invadiu a família teve, igualmente, tradução na melhoria e intensificação das relações entre os pais e os filhos e na mobilização de toda a família à sua volta. 55


8 GÉNERO E SEXO

As duas primeiras partes do livro inscrevem-se no quadro de inteligibilidade científica e metodológica de um conjunto de temas caros à Sociologia da Família. O objetivo desta terceira parte é precisamente a análise de um tema transversal à Sociologia: as relações sociais de género. Para o efeito, será convocado o contributo das teorias de género, com destaque para o seu uso por parte das teorias feministas. Serão analisados alguns domínios de aplicação das referidas teorias, nomeadamente o estudo da relação entre género, trabalho profissional feminino e acesso ao poder público. Vimos anteriormente que o conceito de género é dificilmente abordável através de paradigmas fixos, por isso, a sua análise é interdisciplinar. Tal significa que tem sido objeto de análise em inúmeros campos disciplinares, desde a Antropologia, História, Filosofia, Psiquiatria, Psicologia Social, Literatura até à própria Sociologia. No caso da Sociologia, o seu interesse já se encontrava entre alguns dos clássicos da disciplina como, por exemplo, K. Marx (1818­‑1883) e F. Engels (1820-1895) que transformaram a divisão sexual do trabalho em objeto de análise do materialismo histórico.

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Definições Importa, em primeiro lugar, avançar com a distinção entre sexo e género. O primeiro refere-se à identidade biológica da pessoa e significa que se é homem ou mulher. Porém, apesar de o sexo biológico estabelecer um padrão de expectativas de género, ele nem sempre corresponde à identidade de género. Além disso, o facto de se nascer homem ou mulher não significa que ele ou ela venha a ser masculino ou feminino. O sexo enquanto diferença inscrita no corpo não engendra nem mecânica, nem naturalmente as incarnações e distinções a que estamos habituados a associar às categorias masculinas e femininas (Guionnet e Neveu, 2005). 77


10 TEORIAS SOCIOLÓGICAS DO GÉNERO: DOS ANOS 1960 AO PRESENTE

Uma boa parte do trabalho que vincula o feminismo com as teorias sociais existentes centra-se no género. Neste domínio, podemos identificar as teorias de género de nível macro e de nível microssociológico. Apresentam-se primeiro as teorias de nível macrossociológico, designadamente o estrutural-funcionalismo, a teoria do conflito e a teoria dos sistemas neomarxista. De seguida, são estudadas as teorias de nível microssociológico, a saber: o interacionismo simbólico e a etnometodologia.

Teorias de nível macrossociológico Estrutural-funcionalismo A representante atual mais relevante da teoria do género funcionalista é Johnson (1989). Como feminista e funcionalista admite, desde logo, o fracasso do funcionalismo clássico para dar conta da situação das mulheres nas sociedades atuais. Refere que a teoria parsoniana sobre a família, de forma geral, marginaliza as questões da desigualdade social, da dominação e da opressão devido à sua excessiva preocupação com a ordem social. A autora considera que a variedade analítica e a complexidade do funcionalismo parsoniano se devem conservar na análise das questões de género devido ao enorme alcance analítico desta teoria multifacetada. Na linha de muitos neofuncionalistas, Johnson (1989) explora a relevância do género na teoria de Parsons (1956; 1968), designadamente:

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●● A noção de papel como unidade básica do sistema social; ●● A orientação instrumental do papel masculino, por oposição ao papel expressivo feminino; ●● A família como uma instituição em relação com outras instituições; 87


12 A DIVERSIDADE DE PERSPETIVAS FEMINISTAS

Neste capítulo, inicia-se, de forma mais aprofundada, o estudo das teorias feministas contemporâneas. Neste sentido, vimos que a teoria feminista contemporânea é composta por um sistema geral de ideias cujo objeto é descrever e explicar as experiências humanas do ponto de vista das mulheres. Apresenta-se, de seguida, uma espécie de “mapa” da teoria feminista, com vista à classificação deste complexo corpo de trabalho intelectual. A tipologia apresentada sustenta-se na pergunta básica que une todas as teorias feministas: “qual é a situação das mulheres nas nossas sociedades?” (Ritzer, 2002; Beltrán e Maquiera, 2005). Cada perspetiva teórica feminista tentou encontrar uma resposta adequada a tal questão. Em função do tipo de resposta identificam-se diferentes teorias feministas, designadamente: ●● Diferença de género (feminismo cultural; biológico; institucional e socialização; sociopsicológico); ●● Desigualdade de género (feminismo liberal; feminismo marxista); ●● Opressão de género (feminismo psicanalítico; feminismo radical; feminismo socialista); ●● Opressão estrutural (feminismo socialista; teoria intersetorial) – o feminismo pós-modernista não concetualiza o seu trabalho em função da questão básica acima referida, por isso, é tratado autonomamente.

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Importa salientar que, à medida que os sociólogos se foram orientando para a exploração das questões de género, utilizou-se de um modo específico uma parte do corpo existente da teoria sociológica como ponto de partida para o que se denomina de Sociologia do Género. Ainda que o termo género seja usado eufemisticamente em Sociologia para as “mulheres”, a Sociologia do Género é o estudo da construção social dos papéis masculinos e femininos, sua identidade e relações (Guionnet e Neveu, 97


13 GÉNERO, FAMÍLIA, TRABALHO E ACESSO AO ESPAÇO PÚBLICO

Para concluir a terceira parte do presente livro são estudadas as relações entre género, família, trabalho e acesso das mulheres ao espaço público, mais concretamente a sua participação política. Começamos por situar na segunda metade da década de 1970 o início do tratamento e análise da família e do trabalho como realidades interdependentes. Doravante generalizou-se o conceito de sistema trabalho/família que ilustra precisamente o carácter complementar destas duas instituições, fazendo com que as experiências vividas em cada uma delas se repercutam reciprocamente (Núncio, 2008:17). Dá-se um claro alargamento do campo de análise sociológica, passando a olhar-se para o trabalho e a família como conjuntos complementares e não estanques.

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As investigações acerca da pressão da articulação entre vida familiar e profissional tiveram ainda como consequência direta a afirmação, sobretudo a partir da década de 1990, de uma nova e importante área de estudos orientada especificamente para as dimensões organizativas, da conciliação quotidiana dos tempos para a família e para o trabalho, para as estratégias familiares adotadas nesta matéria e, por último, para os usos do tempo e as diferenças de género neste âmbito (Idem). As diferenças de género na análise da relação entre trabalho e vida familiar têm sido largamente estudadas, em particular pelas correntes feministas, como anteriormente foi demonstrado. O tema da conciliação entre vida familiar e trabalho afirma-se com maior intensidade a partir de 1990, como correlato da defesa de uma mudança de paradigma ao nível das relações sociais de género e do questionamento da maternidade e da família, no quadro das correntes feministas mais recentes (Adkins e Skeggs, 2004). A análise desta problemática prossegue demonstrando-se que é inegável ao longo da história da Humanidade que as mulheres, tal como os homens, têm contribuído para a reprodução do mundo social. Contudo, a distribuição de 121


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Ao longo do livro são abordados, entre outros, os seguintes temas:

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Variação dos modelos familiares e de vida em comum Divórcio Parentalidade Lugar da criança na família moderna Estatuto dos idosos Principais linhas de força dos comportamentos de género Persistência de assimetrias com reflexos na vida conjugal, profissional, e no domínio da participação pública feminina

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Isabel Dias I Doutorada em Sociologia. Professora Associada com Agregação na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) – Departamento de Sociologia. Investigadora no Instituto de Sociologia da FLUP. A sua atividade de investigação tem-se centrado na problemática da violência doméstica, nas suas múltiplas vertentes, e tem desenvolvido, de igual modo, intensa pesquisa nos domínios da família, do género e do envelhecimento. Autora de livros, capítulos de livros e vários artigos científicos sobre violência doméstica, género e envelhecimento, publicados em revistas nacionais e estrangeiras. Tem coordenado e participado em diversos projetos de investigação de âmbito nacional e internacional.

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Partindo dos contributos da Sociologia da Família e do Género, esta obra analisa dois objetos fundamentais: as dinâmicas familiares e as relações sociais de género nas sociedades contemporâneas. Está organizada em três grandes partes: a primeira dá conta da identidade e das orientações epistemológicas da Sociologia da Família e do Género, a segunda é dedicada ao estudo de grandes temas desta área disciplinar e a terceira incide sobre a problemática do género, socialização e construção de identidades, mobilizando-se para a sua análise quer as teorias sociológicas do género, quer as principais teorias feministas contemporâneas. Trata-se de um livro que visa contribuir para uma formação ampla dos estudantes interessados neste domínio de especialização, fornecendo, também, elementos e conteúdos básicos aos profissionais que lidam diretamente com as questões da família e do género nos mais diversos contextos de intervenção, como é o caso dos sociólogos, assistentes sociais, psicólogos, antropólogos, agentes da saúde e da justiça, entre outros. Acima de tudo, esta obra pretende fornecer aos estudantes, académicos, profissionais e ao público, em geral, instrumentos teóricos, metodológicos e operacionais que lhes permitam analisar, de forma crítica e reflexiva, as relações familiares e de género nas sociedades atuais.

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