O Filho Preferido

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Í NDICE Sobre os Autores.................................................................................................. IX Prefácio..................................................................................................................... XIII Introdução............................................................................................................... XV 1 Sonhos e Expectativas Parentais.................................................... 1 Fátima Almeida, Laura Alho e Rui Conceição 2 O Bom e o Mau Polícia......................................................................... 29 Fátima Almeida e Laura Alho 3 Os Suspeitos do Costume.................................................................. 53 Fátima Almeida e Laura Alho 4 O Rei Sem Trono...................................................................................... 69 Fátima Almeida e Laura Alho 5 O Irmão Sanduíche................................................................................. 91 Fátima Almeida e Laura Alho 6 O Benjamim da Família....................................................................... 111 Fátima Almeida e Laura Alho 7 Um Trono Sem Concorrência............................................................ 133 Fátima Almeida, Laura Alho e Patrícia Dias 8 O Meu Filho é Excecional.................................................................... 151 Fátima Almeida e Laura Alho VII


O F i l h o P r efe r i d o

9 Os Filhos do Coração............................................................................ 169 Mauro Paulino, Fátima Almeida e Laura Alho 10 A Infância Roubada............................................................................... 193 Mauro Paulino, Dulce Pires, Fátima Almeida e Laura Alho 11 A Dor de Perder um Filho................................................................... 209 Fátima Almeida e Laura Alho 12 E Quando a Violência Acontece entre Irmãos?........................ 225 Fátima Almeida, Bárbara Santa Rosa e Laura Alho Conclusão................................................................................................................ 241 Notas.......................................................................................................................... 245 Bibliografia............................................................................................................. 251 Posfácio.................................................................................................................... 259

VIII


P REFÁCIO O que devemos fazer quando nos perdemos? O sábio índio respondeu: Fica parado. As árvores à frente e os arbustos ao lado não estão perdidos. Seja onde for que estejas chama-se Agora. […] Fica parado. A floresta sabe onde tu estás. Deixa que ela te encontre. David Wagoner, 1999

Tive o privilégio de nascer de um grande amor e de ter uns pais que mesmo na idade muito avançada me recebiam cheios de alegria como se eu fosse “uma lufada de ar fresco” que irrompia pela sua casa adentro. Talvez por esta razão tenho considerado central todas as contribuições que visam tornar mais acessível a todos a experiência de se ser aceite como se é. A aceitação e o apoio incondicional por parte das figuras parentais foram considerados por muitos (e.g., Rogers, Kohut) como essencial para a edificação da autoestima e do valor pessoal, bem como a base para a possibilidade de mudança e de crescimento pessoal. Este livro, O Filho Preferido, ajuda-nos a responder às questões sobre o que podemos fazer para nos tornarmos pais e filhos mais felizes e capazes de promover a felicidade e o desenvolvimento dos demais. Os Autores defendem que é através do cuidarmos das nossas relações próximas que as mudanças podem acontecer. A narrativa não é avaliativa nem moralizante, mas centrada na compreensão das variáveis implicadas, tentando dar ferramentas sempre fundamentadas na investigação. Perceber como estamos a agir é uma contribuição valiosa para podermos optar sobre a nossa vida de forma mais consciente e responsável. Se este “dar-se conta” for acompanhado por amor (em relação aos nossos pais, a nós e aos nossos filhos) teremos uma sociedade ideal. XIII


O F i l h o P r efe r i d o

Acredito que estamos a mover-nos nessa direção. Esta obra é uma ajuda clara no sentido de tornar todos os nossos filhos nos nossos preferidos. O Filho Preferido é assim um recurso valioso e inspirador porque nos dá exemplos e possibilidades de caminhos para nos ajudar a tornar vivas as palavras do poema de Khalil Gibran: Vossos filhos não são vossos filhos. São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma. Vêm através de vós, mas não de vós. E embora vivam convosco, não vos pertencem. Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos, Porque eles têm seus próprios pensamentos. Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas; Pois suas almas moram na mansão do amanhã, Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho. Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós, Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados. Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas. […] Margarida Pedroso Lima Professora Catedrática da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (FPCEUC)

XIV


I NTRODUÇÃO Preparar o futuro significa fundamentar o presente. Antoine de Saint-Exupéry

O papel de pai ou mãe é, provavelmente, um dos mais exigentes na vida de qualquer pessoa, porque traz consigo uma série de consequências e alterações, mais ou menos profundas, nas rotinas diárias e na vida do casal. No entanto, é também o papel que mais contribui para atingirmos a plenitude enquanto seres humanos e que mais páginas preenche no livro da nossa vida. O sonho da parentalidade começa com a decisão conjunta de ter um filho, e desenvolve-se com cada etapa subsequente do desenvolvimento da criança. Quando os pais o são pela primeira vez, existe um conjunto de pensamentos e receios que vai influenciar os seus comportamentos enquanto pai e a própria educação que irá dar ao(s) seu(s) filho(s). Um dos temas mais sensíveis na parentalidade é a existência de um filho preferido no seio familiar. Pode ser o filho mais velho, por representar o sonho de vida dos pais ou a possibilidade de concretizá-lo; pode ser o filho do meio, pela sua personalidade cativante e/ou semelhante à do seu progenitor; ou pode ser o benjamim, por ser a estrela da família, o elemento mais novo e rejuvenescedor. A existência de um filho preferido é simultaneamente um mito e um facto, além de ser um tema tabu e pouco explorado. Ao longo deste livro, procurando sempre abordar a questão do favoritismo parental, falaremos dos receios e expectativas dos pais em relação à parentalidade, das características dos filhos consoante a ordem de nascimento e de outros temas que consideramos pertinentes e que pretendem sensibilizar os (futuros) pais para alguns desafios inesperados que poderão XV


O F i l h o P r efe r i d o

ser-lhes colocados. Em paralelo, falaremos na possibilidade de preferência por um dos filhos e das suas consequências para ambas as partes, atendendo ao que a (pouca) literatura científica aponta e ao que o senso comum transmite. O Filho Preferido nasceu a pensar em si, que deseja ser pai, ou que já o é. Mas também é pensado para os filhos, para os irmãos, familiares e amigos. Trata-se de um livro que junta aquilo que se vive na prática com as teorias propostas por grandes investigadores nacionais e internacionais, apresentando factos científicos, ao mesmo tempo que são partilhados testemunhos reais e instrumentos simples de autodiagnóstico. Antes de iniciar a leitura, enfatizamos desde já um aspeto que deverá ter sempre presente: não há respostas mágicas ou receitas milagrosas, nem uma forma correta de fazer as coisas. Cada um será livre para adotar a estratégia que quiser e que considera ser a mais eficaz para a sua relação e para a educação do(s) seu(s) filho(s). No entanto, asseguramos que quanto mais informado e sensível estiver aos conteúdos aqui apresentados, mais cuidadoso e consciente será (e estará) em relação aos seus comportamentos e às suas práticas educativas parentais bem como às consequências diretas que estas terão sobre o(s) seu(s) filho(s). Ainda que possa ter um filho preferido (e não estamos a dizer que o tenha efetivamente), lembre-se que todos eles são uma extensão de si próprio e, por isso, deve educá-los, protegê-los e amá-los. Desejamos que este seja um livro útil e prático, e que possa ser consultado sempre que desejar. Fátima Almeida Laura Alho

XVI


1

SONHOS E EXPECTATIVAS PARENTAIS

Filhos são as nossas almas, Desabrochadas em flores; […] Filhos, sonhos adorados, Beijos que nascem de risos; Sol que aguenta e dá luz E se desfaz em sorrisos! Florbela Espanca

PORQUE QUEREMOS SER PAIS? Ao longo da vida, cada um de nós assume e desempenha múltiplos papéis sociais. Somos filhos, irmãos, netos, cônjuges, pais, estudantes, profissionais e, um dia mais tarde, seremos avós e reformados. Entre estes papéis, o mais exigente, e aquele que talvez implique maiores transformações, é o papel que desempenhamos enquanto pais. A principal razão para esta exigência prende-se com o facto de, nesse momento, sermos confrontados com as nossas inseguranças, angústias e medos mais profundos, com o nosso futuro, o futuro dos nossos filhos e até mesmo com a nossa própria (i)mortalidade. É o papel que nos faz questionar se estamos preparados para educar e servir de exemplo para aqueles seres pequeninos que trazemos ao mundo, sem termos ao nosso dispor qualquer manual de instruções que nos auxilie nessa tarefa, que é tão árdua quanto enriquecedora. Desconfiamos das nossas próprias competências pessoais, sociais e educativas, e procuramos avidamente fontes de informação diversas que nos permitam ganhar alguma confiança no desempenho desta nova e exigente função. 1


O F i l h o P r efe r i d o

ação constante com o pai (e com a mãe) pode beneficiar de cuidados acrescidos e de diferentes estilos parentais.

É IMPORTANTE TER UM PAI COM GARANTIA PARA TODA A VIDA? Sim, deveras importante! A relação entre pai e filho é diferente da relação entre mãe e filho. No entanto, quer a relação estabelecida entre a criança e a mãe quer a relação entre a criança e o pai têm impacto, de uma forma diferenciada e singular, no seu desenvolvimento. Vejamos de que forma evolui a relação entre o pai e o filho, durante as diferentes etapas do seu desenvolvimento. DURANTE A GRAVIDEZ

Ainda antes do nascimento, o pai começa por assumir uma grande importância no apoio emocional, físico e económico que presta à mãe. Ao envolver-se ativamente na gravidez, reforça a sua autoestima, o amor que tem pela mãe e a ligação ao seu bebé. Por sua vez, a mãe que sente o pai envolvido sofre menos sintomas de depressão durante e depois da gravidez, menos complicações físicas e menor necessidade de medicação durante e após o parto. NO PERÍODO DE PRÉ-PARTO

A presença do pai é fundamental, dando à mãe tranquilidade e segurança. A preparação para o parto não envolve exclusivamente a mãe. É necessário que o pai seja (e esteja) envolvido em todas as fases e saiba o que vai acontecer a seguir. NO PARTO

O parto é um dos momentos mais importantes da vida de um homem. Além de ser a primeira interação com o seu filho, é um momento de 16


O R e i S e m Tr o n o

E, POR FIM, SEREI EU PERFECIONISTA? Terminamos o capítulo com um pequeno exercício de autodiagnóstico do seu comportamento enquanto filho primogénito. QUESTIONÁRIO

Teste o seu nível de perfecionismo, respondendo às questões abaixo, com Sim ou Não, colocando uma cruz (X) na coluna correspondente à sua resposta. Procure ser sincero nas suas respostas. Sim 1.

Tento fazer sempre o meu melhor para agradar aos outros.

2.

Prefiro tomar as rédeas de tudo, porque vou garantir que as coisas ficam bem feitas, mesmo sabendo que me vou prejudicar a mim e à minha família.

3.

Sou muito crítico em relação às outras pessoas, porque espero que elas sejam como eu, ou façam tão bem as coisas quanto eu.

4.

Esforço-me por atingir objetivos que considero impossíveis.

5.

Sinto que os meus pais são demasiado críticos em relação a tudo o que faço.

6.

Meço o meu valor inteiramente em termos de produtividade e de feitos alcançados.

7.

O meu melhor parece nunca ser bom o suficiente para mim.

8.

Nunca estou satisfeito com o que faço.

9.

Muitas vezes, sinto-me dececionado depois de completar uma tarefa por saber que poderia ter feito melhor.

10.

Para mim, é tudo ou nada.

11.

Torno-me defensivo quando sou criticado.

12.

Tenho padrões de expectativas elevados em relação a tudo.

13.

As pessoas dizem que sou extremamente organizado.

14.

Sou capaz de não ter horários de trabalho, como qualquer pessoa, para conseguir concluir todas as tarefas a que me proponho.

Não

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O F i l h o P r efe r i d o

Sim 15.

A minha vida é planeada ao detalhe.

16.

Sou um workaholic (i.e., trabalhador compulsivo).

17.

Gosto de ter controlo sobre tudo.

18.

Evito atividades em que posso não ter sucesso.

19.

Sinto que as outras pessoas me impõem exigências irrealistas.

20.

Tenho tendência para adiar as coisas para o mais tarde possível.

Não

Interpretação dos resultados: Confira agora os seus resultados.

88

Mais de 15 respostas Sim

Mais de 10 respostas Sim

Menos de 7 respostas Sim

Cuidado! A sua vida está afetada pelo seu perfecionismo extremo, que se estende também às suas relações. Questione-se acerca da sua felicidade/infelicidade. Procu­ re adotar estratégias que lhe permitam ser mais flexível consigo próprio e com os outros. A vida não deve ser uma fonte constante de preocupação. Se achar que não consegue ultrapassar este problema sozinho, peça ajuda especializada.

Está no bom caminho para se transformar num perfecionista triste. Isto significa que o seu nível de perfecionismo precisa de ser moderado, antes que tenha consequências na sua saúde mental. Tente perceber se há alguma área específica da sua vida que é mais afetada por esta sua característica e tente ajustar-se um pouco.

A vida também precisa de uma certa organização. Pelo menos é o que todas as pessoas equilibradas acham. O seu nível de perfecionismo é moderado, o que não causa muitos transtornos no seu funcionamento geral.


O R e i S e m Tr o n o

O ABC DO FILHO MAIS VELHO…

Académico, altruísta, ansioso, assertivo, austero, autoconfiante, bem­ ‑sucedido, compenetrado, comunicativo, concentrado, conformado, consciente, conservador, convencional, crítico, determinado, disciplinado, empenha­ do, erudita, escrupuloso, exigente, inteligente, líder, maduro, obediente, organizado, paciente, perfecionista, picuinhas, pontual, protetor, racional, realizado, responsável, sério, sociável, stressado, talentoso, tolerante.

A NÃO ESQUECER Ser o filho mais velho pode ser considerado um fardo para o próprio ou uma preciosa ajuda para os pais, no caso de estes poderem delegar-lhe algumas tarefas e incutir-lhe mais responsabilidades. O destronamento do filho mais velho, que até então era filho e detentor único das atenções dos pais, ocorre quando o segundo filho nasce. Em boa verdade, o processo de transformação das relações entre os elementos da família começa quando é anunciado ao primogénito a notícia de que irá ter um irmão. Esta revelação pode, no imediato, gerar algumas reações de insegurança e ciúme. A chegada de um irmão dá origem a um conflito que terá contingências vitalícias. Ninguém escolhe os irmãos nem a altura certa para os ter, mas é com eles que se vão partilhar experiências e histórias de vida. As relações entre irmãos são as mais duradouras que podemos ter durante a nossa existência.

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O F i l h o P r efe r i d o

Apesar de, muitas vezes, viverem na sombra do irmão mais velho e do benjamim da família, ter esta ordem de nascimento faz com que consigam ter mais margem de manobra para preguiçar ocasionalmente sem ninguém dar por isso. São competitivos, leais e têm muitos amigos. Contudo, chamamos a atenção para um aspeto muitas vezes negligenciado pela literatura e que tem vindo a ser por nós enfatizado: não existe apenas um fator que contribui para o desenvolvimento da personalidade de alguém, ou seja, a ordem de nascimento não determina inequivocamente a sua personalidade. É preciso atender a um conjunto de variáveis que, inevitavelmente, irão influenciar a construção da personalidade dos filhos.

QUE MITOS E FACTOS SE CONHECEM SOBRE O FILHO DO MEIO? Como vimos anteriormente, os filhos do meio podem ter características de personalidade diferentes da restante fratria. Conheçamos alguns mitos associados a estes filhos.

MITOS E FACTOS Não recebe tanta atenção por parte dos pais como os restantes irmãos. Este mito parece ter algum fundamento, pelo sentimento de ausência de um papel específico no seio familiar, especialmente após o nascimento do irmão mais novo. Os filhos do meio nunca esperam uma atenção parental completa, pois sabem que têm de a dividir quer com os irmãos mais velhos, quer com os irmãos mais novos. A contrapartida é que a diminuição de estímulos a que estão expostos poderá levar a que as suas capacidades nunca sejam exploradas ao máximo. A negociação das atenções e espaços com os primogénitos potencialmente dominadores e benjamins sedentos

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O Irmão Sanduíche

de atenção pode contribuir para o desenvolvimento de competências de diplomacia nos filhos do meio, que, muitas vezes, conseguem pacificar as discussões familiares e desenvolver uma maior resistência a stressores externos (i.e., uma maior capacidade para lidar com situações exteriores que geram ansiedade e stress). Ajuda menos os pais e os irmãos. Um dos mitos mais frequentes sobre esta ordem de nascimento sugere que os filhos do meio se sentem menos próximos dos pais e menos ligados à família do que os primogénitos ou os benjamins. Assim, nos casos em que os pais e os restantes irmãos precisam de apoio ou suporte (e.g., emocional, financeiro) normalmente são primogénitos ou os benjamins que providenciam este auxílio (também pela crença de que, sendo os favoritos em detrimento dos restantes irmãos, são também aqueles que devem ter esta responsabilidade). No entanto, este mito é contrariado pelo desenvolvimento de laços afetivos profundos entre pais e irmãos ao longo do seu tempo de convivência. Além disso, a literatura tem vindo a demonstrar que estes não são menos orientados para a família nem compensam a falta de proximidade familiar com relações íntimas ou sexuais52. Contudo, algumas investigações recentes têm vindo a demonstrar que os filhos do meio têm menos probabilidade de nomear um parente como a pessoa que lhes é mais próxima e a quem recorrem para procurar apoio emocional e financeiro. Este efeito encontra­ ‑se tanto em rapazes, como em raparigas. Não se vê como o filho preferido dos pais. Quando questionados sobre quem é o filho preferido dos pais, os filhos do meio tendem a responder que o favorito da mãe é o filho primogénito, enquanto o favorito do pai é a filha benjamim53. Sente-se preso e pressionado por cima e por baixo. Ter irmãos mais velhos e mais novos faz com que os filhos do meio se sintam inadaptados, sem controlo sobre as situações ou como alguém que não tem uma palavra a dizer. Enquanto todos os outros parecem estar a tomar as decisões, eles têm de se sentar, observar e obedecer54. Podem, por isso, sentir-se como um peixe fora de água, acentuando a sua rebeldia e desconfiança em relação aos outros. Mais do que em qualquer outra ordem, é importante

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O F i l h o P r efe r i d o

E, POR FIM, SER O FILHO MAIS NOVO DA FAMÍLIA FEZ DE MIM ALGUÉM INFANTIL? A literatura científica tem apontado a infantilidade como característica-chave dos filhos mais novos. Faça um pequeno exercício de autodiagnóstico e perceba se, efetivamente, essa característica está ou não patente na sua personalidade. QUESTIONÁRIO

Responda às seguintes questões, com V (verdadeiro) ou F (falso). Procure ser sincero nas suas respostas. V

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1.

Estou sempre à procura de alguém que cuide de mim.

2.

Consigo expressar as minhas opiniões livremente.

3.

Sempre tive (e continuo a ter) tudo o que quero.

4.

Sinto que têm em consideração as minhas opiniões.

5.

Espero sempre ser prontamente atendido onde quer que vá.

6.

Não sou mimado.

7.

Faço sempre o que me apetece, mesmo que os outros não concordem comigo.

8.

Não implico nem me zango com os meus irmãos se eles me contrariarem.

9.

Gosto de ser sempre elogiado pelos meus feitos.

10.

Os meus irmãos nunca sentiram ciúmes de mim.

11.

Gosto de ser popular na escola e no trabalho.

12.

Não me sinto constantemente rejeitado e/ou preterido.

13.

Sinto-me inferiorizado em relação aos meus irmãos.

F


O Benjamim da Família

V 14.

Não faço questão de que toda a gente repare em mim e me seja dirigida toda a atenção.

15.

Não gosto que me imponham limites.

16.

Aceito bem as críticas que me fazem e aceito ouvir um “não”.

17.

Gosto de ser o centro das atenções.

18.

Sei admitir quando não tenho razão.

19.

Sinto-me frustrado se não obtiver tudo o que quero e da forma que quero.

20.

O meu relacionamento com os meus pais e irmãos mudou muito desde a infância. Já me sinto igual a eles.

F

Cotação: Preencha a tabela de acordo com as seguintes pontuações. Comportamento infantil N.º da questão

V – 1 ponto

F – 0 pontos

N.º da questão

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

16

17

18

19 Total:

V – 0 pontos

F – 1 ponto

20 Total:

129


O F i l h o P r efe r i d o

Interpretação dos resultados: Contabilize os seus pontos somando o total obtido em ambas as colunas e verifique no quadro abaixo em que nível se encontra. De 15 a 20 pontos

De 9 a 14 pontos

Menos de 9 pontos

Cuidado! Está no patamar onde os comportamentos desadequados para a sua idade se manifestam frequentemente. Para seu próprio bem, precisa de mudar a maneira como se relaciona com os outros, ou nunca se livrará do rótulo de mimado, tenha a idade que tiver! Tente ser mais empático com os outros e adotar estratégias que lhe permitam ter relações interpessoais saudáveis.

Se a sua pontuação está neste patamar, alertamos para ter cuidado, pois facilmente se pode tornar uma criança grande, dificultando o seu relacionamento com os outros e a maneira como as outras pessoas o veem. Aconselhamos que analise individualmente todas as afirmações em que pontuou e que perceba o que pode mudar.

A pontuação obtida indica que o seu comportamento não é infantil e que é uma pessoa equilibrada, que sabe respeitar os outros e que conhece o lugar que ocupa.

O ABC DO FILHO MAIS NOVO…

Amigável, atrevido, aventurei­ ro, bem-humorado, charmoso, chato, competitivo, criativo, curioso, desajustado, desobediente, encantador, espontâneo, exibicionista, ex­ trovertido, hipersensível, impetuoso, indulgente, infantil, irres­ ponsável, manipulador, matreiro, mimado, ousado, persistente, perspicaz, popular, pró-social, realizado, rebelde, reguila, sim­ pático, simples, sociável, superprotegido, ternurento.

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U m Tr o n o S e m C o n c o r r ê n c i a

disso, ser filho único também não é a mesma coisa do que ser filha única, como iremos ver.

COMO SE DESENVOLVE A PERSONALIDADE DO FILHO ÚNICO? Em muitos aspetos, a personalidade dos filhos únicos assemelha-se à personalidade de um filho primogénito. No entanto, existem pequenas diferenças que os tornam especiais. Primeiro, em nenhum momento do seu desenvolvimento tiveram de competir com irmãos para obter atenção, aprovação ou recursos por parte dos pais, como se pode ver abaixo no nosso testemunho.

TESTEMUNHOS Nós, filhos únicos, não necessitamos de partilhar o pouco tempo familiar com outros irmãos, que também requerem atenção. No carro, temos sempre a possibilidade de cantar sem que o irmão ou a irmã refilem. Os brinquedos são só nossos, por isso não corremos o risco de nos estragarem as coisas. O quarto é uma zona de refúgio, ideal para a nossa privacidade, porque ninguém lá entra sem a nossa permissão. O que é dos nossos pais é nosso, o que nos transmite uma enorme segurança. Acreditamos que a nossa ligação à família é muito grande, o que nos exacerba o medo de perder alguém e de ficarmos sós.

Depois, como são únicos, as atenções estão totalmente voltadas para eles. De acordo com vários estudos, as elevadas expectativas, o escrutínio constante e o controlo exagerado por parte dos pais e familiares fazem com que o filho único procure constantemente mostrar o que vale. Se 135


O F i l h o P r efe r i d o

tiver a perceção de que não corresponde a essas expectativas, desenvolve um sentimento escondido de inferioridade e lança-se numa procura incessante pela perfeição. Também a falta de autonomia e de independência que daí advêm vão influenciar a sua maneira de ser.

TESTEMUNHOS No nosso caso, enquanto raparigas, só pudemos sair sem a companhia de um adulto a partir dos 18 anos e com autorização prévia! Ir ao cinema, ir a um festival de música ou a um concerto, ou andar na rua até mais tarde, só ao fim de semana e no máximo até à meia-noite. Ir de férias com os amigos, só se os pais destes também fossem. Tínhamos de dizer sempre para onde íamos, com quem e a que horas voltávamos. De preferência, tínhamos de ligar para casa quando chegássemos e quando saíssemos do local. A independência e a autonomia chegaram, por isso, muito tarde. Além disso, não havia ninguém com quem desabafar em casa. Na escola, não tínhamos ninguém para nos defender e proteger. Na falta das brigas normais entre irmãos, foram os nossos pais que mais sofreram com as nossas explosões de (mau) humor.

Acresce ainda o facto de passarem muito tempo com adultos, mais do que qualquer outra ordem de nascimento. Este contacto acarreta aspetos positivos e negativos. Pelo lado positivo, o filho único raramente é ignorado e tem acesso a tempo de qualidade e de suporte, quando comparado com outras crianças. Contudo, a maior convivência com adultos pode interferir no desenvolvimento intelectual e da personalidade, bem como na adaptação a contextos sociais das crianças que não têm irmãos. Os filhos únicos podem, por isso, tornar-se adultos em ponto pequeno, comportando-se e agindo como tal desde cedo. No entanto, acreditamos que os filhos únicos de hoje beneficiam de uma melhor educação e maior compreensão por parte dos pais, que não os pressionam tanto, tornando-se pessoas mais equilibradas, mais agradáveis, com grande poder de iniciativa e com elevada autoestima. 136


O M e u F i l h o é E xc e c i o n a l

É possível ter uma licença especial, que pode ser estendida até um limite de 4 anos, quando a criança é portadora de deficiência90. Caso o seu filho seja uma criança diferente, e por essa razão tenha de permanecer em casa prolongadamente ou até deixar o emprego para cuidar dele, poderá pedir o subsídio por assistência de 3.ª pessoa, sendo que este só será possível quando a deficiência da criança é atestada. Nessa situação, terá ainda direito a uma bonificação do abono de família. Caso seja essencial para o seu filho frequentar uma creche ou um jardim de infância para superar o atraso de desenvolvimento, poderá recorrer aos estabelecimentos oficiais ou às IPSS e equiparadas. Se estes não existirem na sua zona de residência, poderá recorrer a um subsídio para frequência de um estabelecimento particular lucrativo, desde que a orientação seja dada por um profissional reconhecido pelos serviços oficiais.

COMO AJUDAR EM FAMÍLIA? Lembre-se sempre de que para as crianças é um alívio saber que os pais encontram alguma fonte de felicidade na sua vida, que não passa somente pelo que eles são ou fazem pelos seus progenitores, o que faz com que não tenham de se esforçar permanentemente para os verem contentes. Além disso, para os irmãos, é uma fonte de grande mal-estar constatar que os pais sentem uma constante infelicidade em consequência da incapacidade do irmão e que, muitas vezes, apesar do que lhes oferecerem, não conseguem diminuir essa dor. Em geral, há uma referência à mãe infeliz da infância e abundam as recordações de uma mãe que renunciou à vida, se sacrificou pelo filho diferente e deixou de procurar motivos de gozo e felicidade próprios. Aqui ficam algumas dicas úteis:

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O F i l h o P r efe r i d o

DICAS Demonstre amor e carinho pelos seus filhos sem qualquer receio. Dedique tempo de qualidade aos seus filhos. Assegure aos seus filhos que a deficiência não tem qualquer ligação com o que eles fizeram ou deixaram de fazer, mesmo que esta confirmação externa não apague totalmente a culpa. Não culpabilize os seus filhos, chamando-os constantemente à atenção por algo que fizeram ou deixaram de fazer. Procure esclarecer as muitas dúvidas e preocupações em torno das limitações, das causas, dos tratamentos e do prognóstico. Expresse e partilhe com os seus filhos os sentimentos negativos presentes na relação fraterna, demonstrando-lhes que são comuns a todas as relações entre irmãos, para que não se sintam meninos maus.

Lembre-se sempre que a felicidade e o bem-estar familiar dependem do seu equilíbrio e da perceção de felicidade e bem-estar que transmite ao seu companheiro e aos seus filhos, que mesmo sendo mais novos já conseguem sentir o pai e a mãe como felizes ou infelizes e qual a causa (real ou imaginada) desses sentimentos. Em último caso, não percebendo a verdadeira razão, os filhos normais tendem a culpabilizar-se pelos sentimentos dos pais e, em caso de divórcio, pela rutura da relação.

A NÃO ESQUECER Neste capítulo, abordámos uma questão sensível e relevante que, regra geral, causa algum desconforto quando pensamos nela enquanto (futuros) pais, pois coloca em causa uma possibilidade que não consideramos quando decidimos ter filhos.

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Os Filhos do Coração

pretendem da relação com os pais e com os irmãos e com a sua forma de lidar com as emoções e conflitos. Tornar-se o filho preferido do pai ou da mãe depende de muitos fatores, como já vimos nos capítulos anteriores. Por conseguinte, e face à ausência de estudos principalmente na população portuguesa, consideramos que a resposta à questão permanece inexistente. Em jeito de conclusão, não podemos deixar de referir que com a adoção: Aprendemos que o coração tem três portas e que por todas elas cabe o afeto dado, dia e noite, àqueles que nos escolheram, àqueles que acabamos por escolher. Guerra, 2014, p. 245

E que o sucesso do processo depende da vontade de abrir estas portas, tanto pelos pais, como pelas crianças adotadas.

ENTREVISTA Terminamos o presente capítulo com uma entrevista a uma mãe biológica e adotiva que gentilmente aceitou partilhar a sua experiência neste papel. 1. Qual a razão que a levou a adotar os seus filhos? Quando adotei as minhas crianças, já tinha dois filhos biológicos com 8 e 11 anos. Não pretendíamos ter mais filhos, mas reuníamos determinadas condições, tanto económicas, como de ambiente e equilíbrio familiar, e maturidade enquanto casal, que nos pareceram ser essenciais para receber uma criança e dar-lhe a oportunidade de ser criada fora da instituição. Acabámos por trazer duas crianças, dois rapazes que eram irmãos por parte da mãe e que estavam dentro do limite de idade pretendido. Embora não tenhamos

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escolhido as crianças, preenchemos um questionário onde mencionámos o que pretendíamos. 2. Acha que o momento em que os adotou foi adequado ou deveria ter sido mais cedo? Para nós, foi o momento certo. Conseguimos, inclusivamente, que eles tivessem idades próximas um do outro (embora tivessem interesses e percursos de vida diferentes). No entanto, penso que teria sido mais suave se tivéssemos adotado só uma criança. 3. Considera que as crianças adotadas são iguais às outras crianças, ou, por outro lado, são mais problemáticas? As crianças adotadas são diferentes, pois foram enganadas, maltratadas, negligenciadas por adultos, o que cria nelas uma certa desconfiança. Se estabeleceram algum vínculo com a mãe, ou com qualquer familiar, esse familiar desapareceu e isso marcou-as. Por essa razão, é preciso construir uma relação de confiança nesse sentido. No meu caso, e por serem crianças já crescidas, foi necessário trabalhar e incutir muitas coisas e em pouco tempo. Às vezes, era difícil, porque prevaleciam os vícios que já estavam enraizados nas crianças. 4. Sente que tem preferência por algum dos seus filhos? Qual a razão? São todos diferentes, mesmo os filhos biológicos. Agora que já estão todos crescidos (têm 34, 31, 30 e 27 anos), sinto que qualquer um deles se preocupa comigo. Quer relativamente aos filhos biológicos, quer aos adotados, considero que o que interfere na nossa preferência tem que ver, sobretudo, com quem nós estabelecemos uma melhor empatia. Momentos menos agradáveis todos tiveram, assim como estarem mais ou menos próximos de mim. 5. Os irmãos sentem que os filhos adotados são filhos preferidos? Isso, não. O que foi acordado com os meus filhos biológicos, por já serem crescidos, foi que a partir do momento que qualquer criança viesse viver connosco, não ia ser fácil para ninguém, mas que jamais se poria a questão de serem devolvidos à instituição como se fossem livros. Estes meus filhos, também por serem os mais velhos, tiveram um papel extraordinário na inserção e inclusão dos mais novos.

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A INFÂNCIA ROUBADA

O amor é o processo de eu conduzi-lo delicadamente de volta a si mesmo. Antoine de Saint-Exupéry

Ser pai ou mãe nos dias de hoje adivinha-se uma tarefa difícil. Para além de terem de cumprir as expectativas dos avós, da família e até mesmo da sociedade, os pais têm de aprender a cuidar dos seus filhos e a orientá-los numa época plena de mudanças. Acrescem ainda as expectativas em relação à própria criança, que desde cedo tem de crescer e adquirir novas aprendizagens de forma rápida e precoce, como se o seu rápido desenvolvimento físico e cognitivo fosse indicador de inteligência, de sucesso e de felicidade futuros. Neste sentido, atualmente não é difícil encontrar crianças adultas: vestem-se, comportam-se e, em alguns casos, pensam como tal. E os seus comportamentos e atitudes são aplaudidos por todos os que as rodeiam, como se de um grande feito se tratasse. Como vimos em capítulos anteriores, os pais adotam práticas educativas de acordo com as vivências que eles próprios tiveram e com aquilo que são no momento presente. Mas nem sempre as práticas parentais adotadas são as mais benéficas para a criança, podendo comprometer seriamente o seu desenvolvimento sadio. Independentemente de os pais adotarem estas práticas de forma consciente ou não, importa refletir sobre as consequências que daí poderão resultar para os seus filhos. A infância da criança pode, por isso, sofrer desvios relativamente ao que é esperado. Ao longo de gerações, podemos encontrar diversos fatores que comprometem o desenvolvimento da criança e que persistem ainda nos dias de hoje116, nomeadamente quando: 193


O F i l h o P r efe r i d o

EXEMPLOS Recorrentemente, uma menina de 8 anos é obrigada a fazer de correio entre a mãe e o pai, mesmo estes a viverem na mesma casa. Uma menina de 9 anos é a confidente da mãe, quando esta vai para o seu colo chorar. Uma mulher de 38 anos é mãe de dois filhos (de 5 e 7 anos) e diz que a grande vantagem de ter filhos é estes darem-lhe carinho.

A parentificação instrumental diz respeito a uma participação da criança no sustento da família, no cuidado dos seus membros e na gestão do lar123. A criança tem, por isso, de despender o seu tempo na realização de tarefas diversas (e.g., limpar, cozinhar, ir às compras, cuidar de irmãos ou de familiares doentes), em vez de se dedicar às suas atividades de criança (e.g., brincar, jogar, socializar com amigos). Vejamos um exemplo.

EXEMPLO O Pedro tem 12 anos e é responsável por acordar mais cedo, preparar a irmã de 4 anos, e ir levá-la e buscá-la ao infantário, que não fica a caminho da sua escola.

POR QUE RAZÃO OS PAIS TENDEM A PARENTIFICAR OS FILHOS? A parentificação pode ocorrer de forma consciente ou inconsciente por parte dos pais. Quando ocorre de forma consciente, tende a ter por base uma série de crenças encaradas como verdadeiras sobre a forma como se educam as crianças e que suportam tais práticas educativas (e.g., um pai que considera necessário o cumprimento severo e rígido 196


C ONCLUSÃO Todas as frases do livro da vida, se lidas até ao fim, terminam numa interrogação. Fernando Pessoa

Chegámos ao fim desta aventura partilhada. Ao longo dos 12 capítulos que aqui apresentámos, demos-lhe a conhecer um conjunto variado de informação científica (e de vivências pessoais diretas ou indiretas) que consideramos ser útil para quem deseja saber mais sobre a parentalidade e os desafios que lhe são inerentes, e que promove a reflexão e a prática de medidas para o desenvolvimento sadio dos seus filhos, e para o seu próprio crescimento enquanto (futuro) pai ou mãe. A existência de um filho preferido é um tema delicado e que divide as pessoas. Se por um lado há evidências de que existe um filho preferido – cuja preferência tem a ver com variáveis abordadas ao longo do livro, tais como a posição da fratria, a semelhança com um dos progenitores, a existência de um filho mais vulnerável, o sexo do filho –, por outro, ninguém quer assumir essa preferência com medo que os outros filhos se sintam preteridos e menos amados, deteriorando assim as relações familiares. Em contrapartida, existem também teorias que mostram que a questão da preferência por um filho é um mito e que o termo preferência está incorreto. Segundo estas teorias, é a afinidade e a partilha de interesses ou características comuns entre um filho e um progenitor que reforça a ideia de haver preferência e que pode conduzir à conclusão errada de que um filho é mais amado do que outro. Além disso, existem pais que afirmam que a preferência pode ser dividida, isto é, que podem preferir um filho em relação a determinadas características e podem preferir outros que reúnem características diferentes. 241


O F i l h o P r efe r i d o

Basta olharmos à nossa volta e, no seio das nossas próprias famílias, podemos encontrar sinais que indicam a existência de um filho preferido (leia-se, com o qual se tem maior afinidade). Se questionarmos diretamente os pais, eles podem-no assumir abertamente ou podem negar a pés juntos, com receio do estigma e das consequências que tal revelação pode causar dentro e fora da família (e.g., comunidade, sociedade). Da mesma forma, se perguntarmos aos filhos qual dos pais preferem, eles podem assumir a sua preferência ou, devido à desejabilidade social e ao receio de magoar um dos pais, podem simplesmente dizer que gostam de ambos os pais da mesma forma e que não têm um preferido. A ideia da preferência filial é semelhante à da preferência parental – ninguém quer ferir suscetibilidades. A nosso ver, aquilo que nos interessa verdadeiramente com esta obra não é tanto responder se a existência de um filho preferido é um mito ou uma realidade – porque continua a ser um tema aberto a discussão entre vários investigadores e pais – mas, sim, perceber que independentemente de os pais poderem ter uma inclinação por um filho (ou de cada pai ter uma inclinação por um filho diferente), todos os filhos devem ser tratados de forma justa e amados incondicionalmente. O pai é diferente da mãe e os irmãos são diferentes entre si. Assim sendo, cada um tem a sua própria personalidade e identidade, e na diferença se encontra o amor. Tentámos apresentar as teorias mais recentes, por serem as mais aceites e discutidas atualmente, mas não existe consenso entre os investigadores. Variáveis como a cultura, o estatuto social, o nível de escolaridade dos pais, as experiências de vida, os traços de personalidade e a própria educação dos pais, parecem ter repercussões diretas nos filhos. A ideia de que as características de personalidade de cada filho variam mediante a ordem que ocupam na fratria, gera alguma discórdia e até mesmo desconfiança. O leitor poderá ter-se identificado com tudo o que aqui apresentámos, com algumas partes ou, pelo contrário, poderá até ter sentido que pouco se adequava a si. Isso não significa que as conclusões das investigações que apresentámos estejam erradas. Significa tão­‑somente que o leitor é uma das muitas exceções, cujas características fogem àquilo que parece ser comummente verificável. Foi precisa242


Conclusão

mente com esse intuito que decidimos criar instrumentos de autodiagnóstico que lhe permitam confirmar (ou descobrir) características da sua personalidade e/ou indicadores do seu comportamento. E a verdade é que, embora todos partilhemos características comuns, somos sempre seres únicos e com particularidades muito próprias e diferenciadoras em relação às outras pessoas. Numa linguagem acessível e com vários exercícios propostos, tentámos assim tornar O Filho Preferido num livro atrativo e envolvente para o leitor. Caso pretenda saber mais sobre algum assunto específico que lhe tenha despertado interesse, convidamo-lo a consultar a secção das referências bibliográficas utilizadas para a escrita deste livro. Existe muita informação nacional e internacional à qual pode ter facilmente acesso. Desejamos que O Filho Preferido lhe tenha trazido respostas, mas que também lhe tenha suscitado perguntas, porque esse é o objetivo de qualquer livro: levar-nos à reflexão e incitar-nos a procurar saber sempre mais. E agora que chegou ao fim, lembre-se que, sempre que quiser, pode voltar ao início! Fátima Almeida Laura Alho

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P OSFÁCIO UM TÍTULO «ENGANADOR» O filho preferido, um tema tabu, mas será real? Um grupo de psicólogos e médicos de renome dá vida a este livro, e gosto do seu objetivo: “promover a felicidade nos outros”. O cuidado das relações, é essa a ferramenta. Parte-se do princípio de que todos os nossos filhos são preferidos, mas não será uma utopia? Agrada-me lê-lo em português, congratulando-me com as citações e com o objetivo de vir a tornar-se num livro útil. Há mais de 35 anos, um pai veio ao meu consultório de psicologia e disse-me: “acho que o segundo não é meu”. O filho dele não o saberá, mas acabou por ficar marcado. Nem todos os pais quiseram sê-lo, e nem todos os que foram pais o deveriam ter sido, pois o pré-parto, no qual nos tornamos mães ou pais, é também emocional. Torna­‑se, portanto, pertinente abordar o mito da mãe/pai perfeito, partindo do princípio de que será igualmente necessário lidar com depressões pós-parto e sentimentos contraditórios. Avanço na minha leitura e deparo-me com um primeiro quadro esclarecedor, com frases curtas mas cheias de razão, de senso comum e de experiência, que contradizem temas e formulações erróneas, sendo igualmente importantes os testemunhos, que nos aproximam das verdades subjetivas e quotidianas. Continuo a ler e sinto-me agradecido pelo convite para partilhar o muito que aprendi com profissionais, pais, filhos e avós. Os filhos precisam de carinho e conforto nas suas vidas, até que possam compartilhá-los com os seus descendentes. Existe ainda um debate fictício entre quantidade e qualidade de tempo partilhado com os filhos (ou com os filhos dos nossos filhos). Trata-se de mitos da parentalidade e de temas que dão lugar à reflexão, mas serão estes mitos realmente todos falsos? Convidaria as Autoras para um debate sincero sobre o assunto. 259


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Sim, claro, preparação e predisposição para sermos bons progenitores, bem como para constatarmos e questionarmo-nos sobre expressões como “o meu filho está sempre em primeiro lugar”. O livro possui coerência interna: o segundo nascimento de um filho, o âmbito sistemático, as múltiplas relações ou a sempre diversa personalidade de cada filho, levando-nos posteriormente a uma reflexão acerca dos diversos estilos parentais, que por serem conhecidos não se tornam menos importantes. É certa a observação de Carina Teixeira, quando afirma “Não digo que um pai ame mais um filho que outro, mas pode preferir a personalidade de um dos filhos […]”. Filhos, filhos, filhos, mal-amados, superprotegidos, preferidos. Um destaque especial para os temas da forma de comunicação e da aliança parental, seguindo-se um inquérito sobre o estilo parental predominante. Bem como outra questão não menos pertinente: o comportamento dos pais é diferente de acordo com o sexo dos filhos? Ou outras como: o sexo dos filhos tem influência no seu próprio comportamento? Encontramos ainda os seguintes temas: a ordem de nascimento e a sua hipotética relação com a personalidade, as tomadas de decisão, a diferença de idades e de sexo, o nascimento de gémeos e a morte de um irmão. Trata-se, por isso, de um livro extenso, com um conteúdo que vai muito para além do título. O divórcio ou o rei destronado são outras das questões abordadas, assim como a da personalidade do filho “do meio”, e que prazer ler em português a afirmação “foram anos de brincadeira”! E, como seria de prever, passamos a focar a atenção no benjamim da família. “A harmonia fraternal é pura ilusão”, uma frase que serve de ponto de partida para a abordagem do conflito. Chegado ao tema do filho único (eu sou e continuarei a sê-lo), é com prazer que vejo desmistificada a ideia de sermos egoístas, antissociais e problemáticos, dedicando-se ainda todo um capítulo a um tema de extrema importância, como é o da criança que nasce com uma qualquer deficiência ou necessidade especial. 260


P o s fá c i o

Não gostaria de tornar estas linhas num índice comentado, nem tão-pouco desvendar tudo o que pode ser encontrado no livro, mas sim sublinhar o que nos deixa escrito Sá ao afirmar que: “Os verdadeiros pais são aqueles que assumem a responsabilidade pela criança e cuidam dela no dia-a-dia”. E permitam-me que acrescente que nem todas as crianças são fáceis de educar, e que nem todos os pais estão habilitados para educar todos os tipos de crianças. Por exemplo, no que diz respeito às crianças adotadas, a experiência mostrou-me que as dificuldades acrescem face a situações como a síndrome do hospitalismo, a síndrome alcoólica fetal, os problemas de vínculo e apego, as expectativas, a transferência de responsabilidades para a família biológica, ou o facto de o filho procurar garantias de que nunca ficará desamparado. Vou aproximando-me do final: a infância não é o futuro, mas sim o presente, visto que somos o que ficou da criança que fomos. Outro aspeto importante: devemos dizer não ao mundo Disney, pois existem muitas crianças que não são felizes, e muitos lares conflituosos. O livro oferece ainda conselhos para educar os filhos e aborda uma temática terrível, a mais terrível: a perda de um filho, a perda de um irmão, havendo também espaço para tratar da violência entre irmãos, assim como do assédio escolar, do suicídio infantojuvenil e dos abusos sexuais. Mas chegou o momento de ler as conclusões, notas e referências bibliográficas. Estas linhas podem ser entendidas como um prólogo ou um epílogo, não importa, pois trata-se apenas de uma análise, do reconhecimento de um Doutor em Psicologia, um Doutor em Ciências da Saúde, um Pedagogo, um Terapeuta, um Professor da Universidade Complutense de Madrid, um Psicólogo da Procuradoria do Tribunal Superior de Justiça de Madrid, o primeiro Defensor do Menor em Espanha e Presidente da Rede Europeia de Defensores do Menor. Obrigado por este texto. Javier Urra Doutorado em Psicologia Clínica 261


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