HIPNOSE CL Í N I C A teoria, pesquisa e prática
coordenação
JOSÉ M. MARTO / MÁRIO P. SIMÕES
Índice
Lista de autores....................................................................................................
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Agradecimentos....................................................................................................
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José M. Marto
A voz dos especialistas........................................................................................ XIII Carlos Fernandes da Silva, Joel Priori Maia
Siglas..................................................................................................................... XXI Introdução............................................................................................................ XXIII Parte I. Hipnose e corpo.....................................................................................
1
Capítulo 1. Hipnose: Um pouco de história...................................................
3
Capítulo 2. Hipnose: Um recurso terapêutico de profunda exigência..........
31
Capítulo 3. Aspetos psiconeurofisiológicos da hipnose em situação clínica..
47
Capítulo 4. Elementos anatómicos e neurofuncionais do estado hipnótico..
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José M. Marto
José M. Marto
Mário P. Simões, Joana Monteiro
José M. Marto, Joel Priori Maia, Eduardo Pereira
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Hipnose Clínica: Teoria, Pesquisa e Prática
Capítulo 5. Hipnose na história da anestesia: Considerações históricas e metodologias de atuação clínica.................................................................. 121 J. Figueiredo Lima, Luzalba Krebs
Capítulo 6. Analgesia, anestesia e hipnose: Aplicação prática..................... 137 Cristina Carmona, José M. Marto
Capítulo 7. Hipnose clínica em gastrenterologia: Os caminhos já percorridos. 165 Eduardo Pereira
Parte II. Hipnose e inconsciente......................................................................... 193 Capítulo 8. Exploração hipnótica do inconsciente: Curando as feridas emocionais........................................................................................................ 195 Alice Cabral, José M. Marto
Capítulo 9. Hipnose em quadros clínicos da ansiedade à depressão........... 211 Sofia Bauer
Capítulo 10. Psicoterapia Trajetória de Vida: Hipnose clínica do individual ao grupal na comunidade positiva.................................................................. 227 Mário P. Simões, Marisa Oliveira, Helena Águeda Marujo, Luís Miguel Neto, José António Ribeiro
Anexo: Vinhetas clínicas...................................................................................... 251 José M. Marto
Índice remissivo.................................................................................................... 257
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Lista de autores
Alice Cabral – psicóloga clínica. Mestre em Psicologia do Desenvolvimento Huma‑ no; hipnoterapeuta. Docente no Curso de Pós‑Graduação em Hipnose Clínica e Experimental do Instituto de Formação Avançada da Faculdade de Medicina de Lisboa. Cristina Carmona – médica, assistente hospitalar graduada em Anestesiologia, pela carreira interna do Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca. Coordenadora da Uni‑ dade de Dor Aguda e de Pós-Operatório do Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca, desde 2009. Pós-graduação em Hipnose Clínica e Experimental, no Instituto de Formação Avançada da Faculdade de Medicina de Lisboa.
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Eduardo Pereira – médico gastrenterologista, responsável pela área da ultrassono‑ grafia do Serviço de Gastrenterologia do Hospital Amato Lusitano, em Castelo Branco. Professor‑coordenador da Escola de Saúde do Instituto Politécnico de Castelo Branco na área da Fisiologia Humana. Pós‑graduado em Hipnose Clí‑ nica Médica. J. Figueiredo Lima – médico anestesista. Presidente do Colégio da Especialidade de Anestesia e Anestesiologia da Ordem dos Médicos. Membro do Conselho Con‑ sultivo e Ético e Científico da IMAGINAL – Associação Portuguesa de Hipnose Clínica e Experimental. Helena Águeda Marujo – professora convidada do Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas (ISCSP) da Universidade Técnica de Lisboa, inserida no Ni‑ celo de Gestão de Recursos Humanos. Doutorada em Psicologia, especialidade de Psicoterapia e Aconselhamento Educacional, é, atualmente, cocoordenadora do Executive Master em Psicologia Positiva Aplicada, a decorrer no ISCSP, e membro do Board of Directors da International Positive Psychology Association e
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Hipnose Clínica: Teoria, Pesquisa e Prática
da direção e comissão científica da APEIPP – Associação Portuguesa de Estudos e Intervenção em Psicologia Positiva. Joana Monteiro – licenciada em Ciências da Saúde. Mestre em Medicina. Joel Priori Maia – psiquiatra. Presidente da Associação de Hipnose do Estado de São Paulo. Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Hipnose. Docente convidado dos cursos de pós‑graduação em Hipnose Clínica e Experimental na Faculdade de Medicina de Lisboa. Membro da IMAGINAL – Associação Portuguesa de Hipnose Clínica e Experimental, membro associado da Associação Paulista de Medicina, da Associação Brasileira de Psiquiatria, da Associação Brasileira de Hipnose e da Sociedade de Hipnose Médica do Rio de Janeiro. Assessor técnico e médico do Hospital São Cristóvão. José António Ribeiro – atualmente reformado, foi professor convidado da Universida‑ de Lusófona, Lisboa, onde lecionou na área da Antropologia. Faz parte da direção da IMAGINAL – Associação Portuguesa de Hipnose Clínica e Experimental. José M. Marto (coordenador) – psicoterapeuta de orientação transpessoal. Docente convidado nos cursos de pós-graduação em Hipnose Clínica e Experimental da Faculdade de Medicina de Lisboa. Coordenador de cursos em Hipnose Clínica no Hospital Amato Lusitano, em Castelo Branco. Cofundador da Alubrat – As‑ sociação Luso-Brasileira de (Psicologia) Transpessoal, em Portugal. Cofundador da IMAGINAL – Associação Portuguesa de Hipnose Clínica e Experimental e atual vice-presidente da Assembleia-Geral e membro do Conselho Consultivo Ético e Científico. Membro da Associação de Hipnose do Estado de São Paulo, da European Transpersonal Association e da International Board of Regression Therapy. Didata nas áreas de Hipnose Clínica e de Terapia pela Reestruturação Vivencial e Cognitiva. Interesses científicos: estudos da consciência, aprendi‑ zagem sob estados modificados de consciência (em especial durante o transe hipnótico), estados anómalos da consciência, psicossomática e hipnose na dor global numa vertente multifatorial e multidimensional. Luís Miguel Neto – professor convidado do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade Técnica de Lisboa, onde leciona na área de Gestão de Recursos Humanos. Especializado em Terapia Familiar, possuindo um EdD pela University of Massachusetts. Atualmente, é cocoordenador do Exe‑ cutive Master em Psicologia Positiva Aplicada, a decorrer no ISCSP, e membro do Board of Directors da International Positive Psychology Association e da direção e comissão científica da APEIPP – Associação Portuguesa de Estudos e Intervenção em Psicologia Positiva.
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Lista de autores
Luzalba Krebs – médica anestesista. Chefe de serviço do Departamento de Anestesia do Hospital de Santa Maria. Mário P. Simões (coordenador) – professor agregado de Psiquiatria e Saúde Mental e de Introdução às Ciências da Consciência da Faculdade de Medicina de Lisboa. Diretor do curso de pós-graduação em Hipnose Clínica e Experimental da Facul‑ dade de Medicina de Lisboa. Cofundador da Alubrat – Associação Luso-Brasileira de (Psicologia) Transpessoal e atual presidente da Mesa da Assembleia-Geral. Cofundador da IMAGINAL – Associação Portuguesa de Hipnose Clínica e Expe‑ rimental e atual presidente da Mesa da Assembleia-Geral. Membro do Conselho Científico da Fundação Bial e de várias revistas científicas. Autor de diversas publicações e projetos, nomeadamente da obra Psicologia da Consciência – Pesquisa e Reflexão em Psicologia Transpessoal e do projeto Psicoterapia Trajetória de Vida e da sua Oficina para as áreas de Educação, Empresarial e Social. Marisa Oliveira – psicóloga pela UFMG (Brasil), com equivalência profissional pela Universidade de Lisboa. Coautora da Psicoterapia Trajetória de Vida e Oficina Trajetória de Vida. Pós-graduação em Hipnose Clínica e Terapia de Reestru‑ turação Vivencial e Cognitiva (TRVC) na Faculdade de Medicina de Lisboa. Mestranda em Executive Master Positive. Doutoranda em Psicologia Positiva. Terapeuta Floral. Coautora do livro Tratado de Saúde Holística. Membro da direção da Alubrat – Associação Luso‑Brasileira de (Psicologia) Transpessoal e da IMAGINAL – Associação Portuguesa de Hipnose Clínica e Experimental.
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Sofia Bauer – psiquiatra, com formação em hipnoterapia ericksoniana. Diretora do Instituto Milton Erickson de Florianópolis. Coordenadora de vários cursos de Hipnoterapia, no Brasil. Docente convidada dos cursos de pós‑graduação em Hipnose Clínica e Experimental ministrados em Portugal, sob a responsabilidade da IMAGINAL – Associação Portuguesa de Hipnose Clínica e Experimental e da Faculdade de Medicina de Lisboa.
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A voz dos especialistas
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m 2006, na obra Essentials of Clinical Hypnosis: An Evidence-Based Approach, da autoria de Steven Jay Lynn e de Irving Kirsch (2006), destacava-se já que a “[h]ypnosis has good empirical support or at least seems promising to: smoking cessation, eating disorders and obesity, depression, anxiety disorders, posttraumatic stress disorder, pain management, behavioural medicine, and dentistry”. Porém, e não obstante a eficácia demonstrada, não deixa a hipnose de continuar a gerar forte incredulidade nos meios académicos e nos mais diversos setores profissionais da saúde (entre médicos, enfermeiros e psicólogos). Na verdade, diversas são as crenças que alimentam esta realidade. As crenças míticas acerca da hipnose – uma vez mais, por ignorância da evidência disponível –, como é o caso, nomeadamente, da crença infundada de que, ao interrogar sob hipnose um suspeito de crime, este falará a verdade. E as próprias crenças, igualmente sem evidência, de que, e por exemplo, a hipnose é um fenómeno oculto, paranormal ou uma fraude sem escrúpulos para explorar “espíritos fragilizados”.Ora, acontece que esta atitude é, naturalmente, inaceitável, na medida em que a aceitação ou a rejeição de uma técnica terapêutica ou de uma abordagem clínica deverá basear-se, apenas, na evidência e não na opinião (doxa) ou na crença do próprio profissional. E se é eficaz, se tem aplicações específicas e se possui um melhor rácio em termos de “custo-benefício” – em comparação com outras abordagens –, recusar o seu uso é, naturalmente, deveras antiético. A hipnose é, de facto, um efeito psicofisiológico e psicossocial indubitavelmente evidente, com, como vimos, diversas aplicações nos campos da XIII
Hipnose Clínica: Teoria, Pesquisa e Prática
medicina, da enfermagem e da clínica psicológica: permite racionalizar custos de saúde, potencia efeitos de terapêuticas médicas, psicológicas e de enfermagem e melhora aspetos comportamentais relacionados com as aprendizagens escolares e com o próprio rendimento no trabalho. No entanto, é a explicação de tal efeito que, além de ser raramente referido, é, precisamente, um dos problemas que atrasam a aceitação sem reservas da hipnose como ferramenta clínica. Afinal, (também) ainda não há uma teoria convincente que reúna todos os sólidos achados empíricos e experimentais obtidos, recolhidos ao longo dos últimos cem anos. Daí que as principais teorias continuem a padecer de um paradigmático problema de fundo: inscrevem-se ou num paradigma dualista (cartesiano) ou no vigente paradigma do realismo (monista) material. Os cientistas recolhem dados – o que a natureza fornece de forma espontânea ou quando é “provocada” pelos testes experimentais – e com eles constroem factos (do latim factum, “fabricado”), descobrem leis – relações funcionais entre variáveis –, elaboram modelos para testar a natureza, enunciam hipóteses e edificam teorias, que mais não são do que narrativas (verbais ou matemáticas) que contam não só como as coisas são como também o próprio devir das mesmas, com o recurso a leis e a factos. Os modelos são simplificações propositadas construídos com o objetivo de facilitar o estudo das relações funcionais entre variáveis, segundo o princípio da parcimónia. E, naturalmente, à medida que os estudos avançam, os modelos complexificam-se, a fim de aumentarem a precisão das previsões. Porém, o modo como os cientistas recolhem dados, constroem factos, descobrem leis, elaboram modelos e edificam teorias assenta num conjunto de ideias e de valores que uma determinada comunidade humana partilha – o paradigma. O paradigma é, na verdade, a face filosófica da atividade científica. Nas palavras de Johannes Hessen (1987:19), “como reflexão sobre o comportamento teórico, sobre aquilo a que chamamos ciência, a filosofia é teoria do conhecimento científico, ‘teoria da ciência’.”. Passando à frente do dualismo cartesiano, o realismo material – também conhecido como realismo científico –, distingue-se, mormente, por cinco grandes princípios: a objetividade forte, o determinismo causal, a localida-
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A voz dos especialistas
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de, o monismo material ou físico e o epifenomenalismo (Groswami, 1983). Princípios estes que são, na realidade, postulados metafísicos. E não são, de igual modo, opções culturais. Como é óbvio, este paradigma tem granjeado, indubitavelmente, espetaculares resultados. Contudo, também não deixam os cientistas de assumir o princípio filosófico de que a acumulação de anomalias pode obrigar a uma mudança de modelos, de teorias e, ainda, de paradigma – ainda que nunca a uma mudança gratuita ou por moda. Ora, as descobertas realizadas no campo da mecânica quântica constituem-se como uma inesgotável fonte de anomalias e de paradoxos passíveis de serem resolvidos, se mudarmos de paradigma – para um monismo idealista –, ainda que sem mudarmos os métodos de investigação. Os recentes estudos sobre a neurociência da consciência – aspeto central do efeito hipnótico – têm acrescentado mais anomalias e paradoxos insolúveis que serão resolvidos com a adoção deste novo paradigma. Analisemos Amit Goswami (1993: 21): “[T]he crux of the matter is consciousness … etymologically, the word consciousness derives from the words scire (to know) and cum (with).”. E continua o mesmo autor: “Consciousness is ‘to know with’ … the term implies nonlocal knowing; we cannot know with somebody without sharing a nonlocal connection with that person.”. Segundo o monismo idealista, os objetos materiais, como é o caso de uma pedra, e os objetos mentais, como a própria ideia de uma pedra, são ambos objetos na consciência. E, numa experiência de uma pedra e numa outra experiência da própria perceção da mesma, há também um sujeito, o experienciador. A consciência é uma experiência total, totalizadora, que une tudo num entrelaçamento. O awareness1 representa o “espaço” em que os objetos mentais aparecem e se movem. A consciência é uma realidade completa e com dupla face: um awareness em que aparecem e se movem objetos mentais e um espaço-tempo em que aparecem e se movem outros tantos objetos materiais. Afirma Amit Goswami (1993: 201): “To monistic idealists all things are in and of consciousness.”. Assumindo-se este paradigma, não só se resolvem os paradoxos quânticos e da consciência como também será possível encontrar uma teoria unificada da hipnose. Se a utilização do vocábulo em inglês nos é permitida, já que, na verdade, não encontramos um sinónimo adequado, em português, capaz de respeitar a respetiva definição operacional. 1
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Hipnose Clínica: Teoria, Pesquisa e Prática
E enquanto se aguarda por uma teoria consistente e unificada, a hipnose deverá ser usada de modo protocolado, baseando-se as decisões na evidência. Em medicina, em enfermagem e em psicologia, usam-se, na realidade, muitas “ferramentas”, relativamente às quais, em rigor, não se conhecem os mecanismos. A ciência (em geral) vai, por vezes, à frente da técnica e da tecnologia, sem que o consumidor de ciência perceba a utilidade dos conhecimentos produzidos. Outras vezes, é a técnica e a tecnologia que vão à frente, sem nenhuma explicação científica. A humanidade aprendeu a produzir, a guardar, a distribuir e a usar a eletricidade muito antes de saber em que consistia esta última. A nanotecnologia foi, durante décadas, mera ficção científica. E o próprio ácido acetilsalicílico também foi usado, durante décadas, sem serem conhecidos os respetivos mecanismos. A hipnose é um efeito que ocorre, espontaneamente, nos animais humanos e não humanos. Por exemplo, uma pessoa pode estar concentrada num programa de televisão deveras interessante. Alguém pode dizer-lhe algo e a pessoa (pelo menos, aparentemente) não ouve. Porém, passados uns minutos, a pessoa pede que o outro repita o que disse; ou seja, ouviu, ainda que não tenha prestado, naquele momento inicial, a devida atenção. O transe hipnótico é um estado de excessiva concentração da atenção num determinado item, é um estado de sobre-exclusão atencional. No transe hipnótico, o sujeito não está a dormir; está, isso sim, absolutamente alerta; porém, também é verdade que se encontra num chamado funil atencional, a que corresponde, naturalmente, um particular padrão eletroencefalográfico. Este estado modificado de consciência gera uma dinâmica encéfalo-corporal singular, em que ocorrerão variadas mudanças psicofisiológicas e psicossociais bem como outras anomalias, incompreensíveis para o senso comum. Porém, “science is uncommon sense” (Oppenheimer, 1954). Efetivamente, no transe hipnótico, há uma coerência de fase no eletroencefalograma associada à consciência pura (Orme-Johnson & Haynes, 1981). O hipnólogo recorre a procedimentos que induzem, artificialmente, o transe hipnótico, prolongando-o e usando-o quer para atuar, terapeuticamente, quer para interrompê-lo. Com este manual, esperamos, assim, que a prática e a reflexão sérias, em torno da hipnose, suscitem, cada vez mais, não só projetos de investigação científica como também uma progressiva e uma integrativa construção de modelos, passíveis de se afigurarem XVI
A voz dos especialistas
como contributos de relevância indiscutível para a construção de uma teoria unificada. Lembrando Kurt Lewin, só há boa prática com uma boa teoria. E, na realidade, este tão rico manual, Hipnose Clínica: Teoria, Pesquisa e Prática, surge como um livro sério, no panorama nacional, no que diz respeito à hipnose e às suas aplicações. Trata-se, na verdade, de um manual rigoroso, que apresenta não só os processos psicossociais e psicofisiológicos característicos do efeito hipnótico como também as próprias preocupações éticas e recomendações deontológicas atinentes à prática profissional da hipnose clínica. Além disso, convém destacar, igualmente, o facto de os autores fundamentaram os textos em trabalhos científicos fidedignos, atuais e reconhecidos pela comunidade científica. Não temos qualquer hesitação: este manual garantirá uma sólida prática da hipnose. Os autores e os organizadores do manual são hipnólogos experimentados, honestos, conhecedores das potencialidades e das limitações da hipnose, com preocupações ética e deontológicas e de rigor científico. Disto não temos, de facto, a menor dúvida. Aqui fica, portanto, a nossa maior garantia sobre esta obra de inestimável valor.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Goswami, A. (1993). The self-aware universe – how consciousness crates the material world. New York: A Jeremy P. Tarcher. Hessen, J. (1987). Teoria do conhecimento. Coimbra: Arménio Amado. Lynn, S. J. & Kirsch, I. (2006). Essentials of Clinical Hypnosis: An Evidence-Based Approach. Washington: American Psychological Association. Oppenheimer, R. (1954). Science and common understanding. New York: Simon and Shuster. Orme-Johnson, T. & Haynes, C. (1981). “EEG phase-coherence, pure consciousness, creativity and TM-sidhi experience”. Neuroscience, 13, 211-217.
Carlos Fernandes da Silva
(Professor Catedrático da Universidade de Aveiro)
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Hipnose Clínica: Teoria, Pesquisa e Prática
A
hipnose, como a conhecemos hoje, inscreve-se, definitivamente, no ramo das Ciências da Saúde, inserindo-se, cada vez mais, na medicina, na odontologia e na psicologia. O seu crescimento deve-se aos dedicados esforços de um conjunto de entusiastas que, longe de se acomodar ao progresso conquistado nas últimas décadas, continua a sua árdua luta, realizando cursos, palestras e reuniões em diversas universidades, associações e demais instituições, aprofundando a natureza da hipnose, dilatando os seus próprios limites e procurando novas explicações suscetíveis de expandir os seus horizontes. Dir-se-ia que a hipnose é, grosso modo, a expansão do conhecimento acerca dos fenómenos que acontecem nos labirintos do comportamento. Tão nova quanto antiga, a hipnose de cunho marcadamente científico é, com efeito, uma arte quer na sua ciência quer na sua aplicação. E é precisamente isto que provoca a nossa curiosidade e aguça o nosso pensamento, fazendo-nos vibrar com os seus resultados, obtidos não só através de anamnese como também através do próprio estímulo do sujeito, por meio da palavra, que é pronunciada de forma débil, rítmica, monótona e persistente. Desta forma, atingimos – e, geralmente, sem trauma – os patamares situados abaixo dos limiares da consciência do sujeito. E os dados obtidos podem ser utilizados, precisamente, como sugestão para adaptar os próprios comportamentos do sujeito à realidade. É, enfim, como se transformássemos os seus problemas em solução, o que, no mínimo, é fascinante. Porém, não é suficiente o conhecimento das técnicas, assim como também não o são os cursos e as palestras ministrados, já que existem, nesta área, diversas lacunas, tais como, por exemplo, a inexistência de um bom texto para estudo ou de uma boa obra em que nos possamos apoiar para ampliar o nosso conhecimento sobre a própria aplicação da hipnose. De facto, poucos são os manuais que permitem o desenvolvimento deste nosso saber dentro do rigor científico exigido por essa ciência e por essa arte. Em boa hora surgiu, assim, este manual – Hipnose Clínica: Teoria, Pesquisa e Prática –, da lavra de dois entusiastas, José M. Marto e Mário P. Simões, que vem colmatar, precisamente, tais lacunas. Com a participação de alguns companheiros, estes autores construíram uma obra de inegável qualidade didática, em que é feita uma fundamentada apologia da utilização
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A voz dos especialistas
da hipnose na aprendizagem e na aplicação em psicoterapia e em clínica, em geral. Primando esta obra, mormente, pela apresentação de explicações de natureza não só teórica como também prática, que permitem ao profissional aplicar, no paciente, os conhecimentos adquiridos a partir de uma sua diligente leitura, a relevância da mesma é, portanto, indiscutível. Esta obra é, na verdade, um verdadeiro reservatório de conhecimentos e, como tal, deve acompanhar o dia a dia do hipnoterapeuta. Foi feita para ser lida, estudada e, enfim, utilizada com o objetivo de ensinar e de divulgar a hipnose como técnica atual de aplicação em quase todos os ramos das Ciências da Saúde. Este livro constitui-se, assim, como um verdadeiro deleite para os que se interessam pela hipnose, aprimorando os seus conhecimentos no tratamento dos seus semelhantes, através de um procedimento natural e, consequentemente, não-invasivo e indolor. Joel Priori Maia
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(Psiquiatra, Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Hipnose)
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Hipnose: Um pouco de história
de que o paciente tenha a consciência de que não tem somente um passado extremamente importante; também tem um presente que é mais importante e um futuro ainda mais importante do que o presente e o passado. Porém, nem sempre foi assim. E terá sido, certamente, devido ao conflito de para‑ digmas que a hipnose chega aos nossos dias rodeada de mitos e de concei‑ tos falsos, que dificultam a sua disseminação e a sua aceitação, no seio da comunidade profissional. Daí a importância de procurar conhecer os traços gerais da sua trajetória histórica, de Mesmer a Erickson.
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1.7.1. De Mesmer
a
Erickson: Uma
trajetória
O século XVIII foi palco do aparecimento das primeiras luzes, no que diz respeito ao que recebe hoje a designação de hipnose. Ao desenvolver a teoria da doença e da cura com base na existência de um fluido vital, Mesmer cria o chamado magnetismo animal: a doença resultaria de uma distribuição ineficaz ou obstruída do fluido; a cura, por sua vez, seria obtida através da respetiva desobstrução. Mais especificamente, para que houvesse a cura, Mesmer passava as mãos pelo corpo dos pacientes ou magnetizava objetos inanimados, em que os pacientes teriam de tocar ou que teriam de abraçar. O objetivo era o de conduzir os pacientes a um estado de histeris‑ mo e de convulsões, seguido de sonolência, indicador de que o fluido estaria a ser redistribuído e a cura a acontecer (Lopes, 1999: 1000). Além disso, Mesmer fazia um acompanhamento dos seus pacientes e atingia uma gran‑ de percentagem de curas, obtendo, assim, grande reputação profissional, o que provocou, nos seus colegas, enorme animosidade. Em 1784, a Acade‑ mia Francesa criou uma comissão – formada, entre outros, por Benjamim Franklin, Lavoisier e Guillotin – encarregada de investigar Mesmer. Comis‑ são esta que declarou que os efeitos atribuídos ao magnetismo animal eram, afinal, o resultado da imaginação do paciente, acusando Mesmer de fraude. Todavia, a verdade é que tais especialistas não chegaram a perceber que as responsáveis pelas curas eram as próprias sugestões dadas (Erickson, Hershman & Secter, 1994: 20). Já durante o século XX, com Braid, a teoria do magnetismo animal é refutada e substituída pelo termo “hipnotismo”. Braid utilizava a hipnose de uma forma direta e autoritária. Durante o es‑
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Elementos anatómicos e neurofuncionais do estado hipnótico
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conjunto é constituído pelos seguintes grupos de unidades: ramo coclear do VIII par craniano, sistema límbico, formação reticular do tronco cerebral, neurotransmissores e córtex cerebral. Os grupos de unidades neurofuncionais intervêm como base anatomofisiológica, em determinados níveis de ativida‑ des comportamentais, sem que se esqueça, porém, a interdependência e a coordenação das partes entre si e o conjunto que formam com a estrutura que representa cada ser humano. Em suma, no homem, as funções vitais e o comportamento exigem a ação do sistema nervoso e é nele que encontramos as bases anatomofisiológicas dos processos psíquicos. Desde que consideremos o que ocorre durante a hipnose como uma ati‑ vidade psíquica e neurofisiológica integrada e interativa, é, de facto, fácil compreender‑se que as vias e as estruturas nervosas regulam, dirigem, enca‑ minham e permitem a produção do estado de transe. O estado de hipnose em que o paciente se encontra, quando sob a ação de estímulos provocados por um hipnotizador – e que é semelhante ao sono, ainda que dele se diferencie devido à ocorrência de uma série de fenómenos de variada natureza –, resul‑ ta, precisamente, da interação entre o profissional e o paciente. Muitos são os estímulos que podem ser utilizados pelo hipnotizador; porém, o instrumento fundamental desta inter‑relação é, geralmente, a palavra, pronunciada de modo débil, rítmico, monótono e persistente. Forma de comunicação esta que tem de ser ouvida, entendida e compreendida pelo paciente, para que este seja levado do estado hipnoide aos mais profundos graus do procedimento hipnótico, de acordo com a sua suscetibilidade e a sua sensibilidade. No decorrer da metodologia, o paciente pode evoluir desde a catalepsia palpe‑ bral ao relaxamento muscular geral, podendo, ainda sob hipnose, conversar, produzir a designada escrita automática, atingir etapas mais profundas, encontrar‑se em anestesia superficial ou profunda e entrar em hipermnésia. Este é, então, o quadro apresentado pelo paciente sob hipnose: aparência de sono profundo com manutenção, através da palavra do hipnotizador e da audição inteligente do hipnotizado, da inter‑relação acima descrita. Ora, esta aparência levou Pavlov (1961) a considerar a hipnose como uma fase do sono natural, como uma inibição induzida, que se difunde em toda a corticalidade, mantendo‑se, entretanto, um ponto vígil, superexcitado, ligado
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Hipnose Clínica: Teoria, Pesquisa e Prática
à palavra do operador. Nos estudos de Moraes Passos (1975) e de Moraes Passos & Labate (1998), ficou demonstrado, através de um estudo eletro‑ encefalográfico, que a hipnose, pesem embora as semelhanças, distingue‑se também do sono, devido ao facto de apresentar uma série de fenómenos que a caracteriza como um estado intermediário entre a vigília e o sono natural. O avanço tecnológico‑científico aumentou as possibilidades de se escla‑ recer a natureza da hipnose. Atualmente, a tónica é colocada, particular‑ mente, no diagnóstico de imagens, como as obtidas através da tomografia e da ressonância magnética (RM). Estudos mais recentes relacionam a participação fundamental do sistema hipotálamo‑hipófise‑adrenal na modulação observada sob hipnose das funções endócrinas, metabólicas e imunológicas. Estudos estes que são confirmados através de pesquisas sobre a modulação em subpopulações de células T de defesa e sobre a sua expressão na produção de interferon gama e interleucina 2, além do cortisol, hormona adrenocorticotrópica (ACTH) e beta‑endorfinas em voluntários sob hipnose (Wood et al., 2003). Stephen Kosslyn, da Universidade de Harvard, e David Spiegel, da Uni‑ versidade de Stanford, coordenaram, em 1997, e em conjunto com radiolo‑ gistas do Hospital Geral de Massachusetts e do Memorial Hospital de Nova Iorque, uma série de pesquisas em que foi utilizado a PET e em que foram analisadas as imagens de pacientes com alto grau de suscetibilidade hipnó‑ tica (Melo, 2000). Nestes estudos, foi solicitado aos participantes, hipnotiza‑ dos, para identificar cores em quadros não-coloridos e para distinguir cores em quadros coloridos. No primeiro caso, foram ativadas as áreas do cérebro relativas à perceção da cor. A atividade cerebral detetada demonstrou ser de menor intensidade quando os participantes eram convidados a identificar cores cinzentas. No entanto, a área relativa à perceção da cor do hemisfério cerebral esquerdo apresentou mudanças somente quando os participantes estavam hipnotizados. Já o hemisfério cerebral direito registava o que os participantes eram solicitados a “ver”, independentemente da focalização da sua atenção. O hemisfério cerebral direito parece responder, assim, ao estímulo que a imagem determina, enquanto o esquerdo precisa do estímulo da hipnose para responder.
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Hipnose Clínica: Teoria, Pesquisa e Prática
A hipnose é mais do que um placebo. Está cientificamente validada e, por isso, é cada vez mais utilizada (Hilgard, 1975). Uma das vantagens radica na sua flexibilidade. Mas, afinal, como pode ser utilizada a hipnose em procedimentos cirúrgicos? De facto, existe um volumoso conjunto de in‑ formação que confirma a sua utilização, antes, durante e após a cirurgia: i) no pré‑operatório, a hipnose pode ajudar a aliviar a ansiedade e a apreensão sobre os atos anestésicos e cirúrgicos; ii) no intraoperatório, a hipnose pode induzir analgesia e anestesia, reduzindo a utilização de agentes farmacológi‑ cos; iii) por sua vez, no pós‑operatório, pode melhorar o recobro. Na verdade, as sugestões pós‑hipnóticas podem modificar o limiar da dor – e, portanto, a redução de administração de analgésicos – e interferir na anátomo‑biologia da consciência. A monitorização da hipnose tem sido realizada, frequente‑ mente, através de diversos métodos clínicos e laboratoriais. O índice bies‑ pectral (BIS), aliado à monitorização clínica, tem sido, precisamente, um dos métodos mais utilizados, quando a hipnose é usada em cirurgia (Hankala, 2001). Com efeito, tem‑se concluído, por um lado, que a monitorização da hipnose facilita a própria compreensão do conceito de anestesia farmacoló‑ gica e que, por outro, a monitorização da função cerebral será rotineira, a curto prazo, em todas as salas de operações. Diversos estudos clínicos referem, na verdade, que a analgesia, sugeri‑ da pela hipnose, pode ser utilizada com numerosas vantagens em doentes sofrendo de dor crónica, de queimaduras, de doenças oncológicas, de dores advenientes de cirurgias de diversa natureza, de aspirações de medula óssea, de endoscopias, de analgesia do parto e de stress pós‑traumático (Kihlstrom, 2000; Benhaiem, 2002; Hrezo, 2001; Puigcerver, 2001). Uma recente meta ‑análise sobre a eficácia da hipnose como complemento de atos anestésicos conclui, precisamente, que esta última é uma técnica segura, desde que usada adequadamente, e com resultados vantajosos, em diversos procedi‑ mentos cirúrgicos (Montgomery et. al., 2002), ocupando um interessante espaço no contexto particular da anestesiologia. Neste sentido, devem ser fomentados o ensino e o treino, no âmbito dos programas curriculares da Faculdade de Medicina.
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Analgesia, anestesia e hipnose: Aplicação prática
6.2. A NALGESIA, ANESTESIOLOGIA E HIPNOSE: QUE (INTER)RELAÇÃO?
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Ao longo dos séculos XX e XXI, tem sido reforçada, na cultura ocidental, a necessidade de intervir sobre a dor, já que, além de ser uma forma de promover, de manter e de recuperar a saúde, tal também se tornou numa obrigação social e numa obrigação ética, de modo a prevenir o sofrimento a ela associado e a otimizar a qualidade de vida, atendendo, naturalmente, ao aumento das patologias que evoluem para a cronicidade. Este sofrimento é, enfim, a afetiva resposta negativa à dor, gerada nos centros nervosos supe‑ riores (por exemplo, sistema límbico) ou por estados afetivos associados (tais como a depressão, o medo, o isolamento e a ansiedade). Ora, a aplicação da hipnose na anestesiologia e na analgesia, tanto na dor aguda como na dor crónica, pode interferir, precisamente, quer nos mecanismos de ação da dor quer nos sintomas a ela associados e, na verdade, tem vindo a despertar um interesse crescente junto de profissionais de saúde e de entidades coor‑ denadoras da prestação destes mesmos cuidados. Para tal, têm contribuído vários fatores: • A visão holística e multifatorial da dor, já referida; • O controlo, ainda inadequado, de muitos quadros de dor, apesar da multiplicidade de técnicas analgésicas utilizadas; • O aumento exponencial dos custos relacionados com a saúde; • A necessidade de terapêuticas analgésicas não-invasivas e com a au‑ sência de efeitos secundários; • A necessidade de terapêuticas analgésicas exequíveis em regime am‑ bulatório e que não privem o doente das suas atividades quotidianas e das suas vidas familiar, profissional e social; • A fundamentação científica da hipnose na anestesiologia e na analgesia, já que é significativamente crescente o número de estudos prospetivos e aleatórios sobre os benefícios da hipnose na analgesia, consubstanciada por estudos de imagem que demonstram as alterações neurofisiológicas das áreas cerebrais que medeiam o fenómeno da dor (córtex somatos‑ sensorial, hipocampo, amígdalas, sistema límbico), durante o estado hipnótico (Derbyshire et al., 2004). 143
Hipnose Clínica: Teoria, Pesquisa e Prática
Na literatura científica, é já possível encontrar, de facto, múltiplos estu‑ dos de aplicação da hipnose na clínica, sendo vários, e como anteriormente referido, prospetivos e aleatórios, o que lhes dá maior credibilidade, permitin‑ do controlar fatores enviesados. A grande maioria dos estudos tem demons‑ trado que a hipnose é vantajosa no tratamento da dor, quando comparada com as terapêuticas comuns ou com as técnicas não‑hipnóticas, tais como o controlo da atenção e as medidas de suporte, e de igual eficácia, quan‑ do comparadas com técnicas com elementos hipnóticos, tais como o treino autogéneo, a atenção empática e as terapias cognitivas do comportamento (Jensen & Patterson, 2006; Lang et al., 2006). O efeito analgésico associado à hipnose expressa‑se em diversas manifes‑ tações da dor. Na dor crónica, é responsável pela diminuição da intensidade, da duração, da frequência da dor e do uso de analgésicos. Na dor aguda, por sua vez, é responsável pela diminuição da utilização de outras terapêuticas analgésicas – tais como fármacos, com eventual redução de custos para a unidade de saúde (Montgomery, 2007) – e pela própria redução da ansiedade, do tempo de permanência hospitalar, parecendo acelerar o próprio estádio I do trabalho de parto. Em alguns estudos, a monitorização e a avaliação foram feitas com o recurso a escalas de medição de dor, nomeadamente a escala analógica ou visual. Ainda de acordo com esses mesmos estudos, não existem características demográficas, como, inclusive, a própria idade (Spie‑ gel, 1978), que excluam o uso da hipnose como técnica analgésica, à exceção dos doentes que apresentem profundas alterações cognitivas e da própria recusa do doente. A idade adulta, o grau de sugestibilidade, a capacidade de experienciar imagens vividas e a técnica de auto‑hipnose são facilitadoras, mas, ainda assim, não determinantes nem significativamente associadas ao resultado final da hipnose sobre o doente. Quanto à motivação para parti‑ cipar no tratamento hipnótico, esta pode ser mais relevante na dor aguda do que na dor crónica (Patterson & Ptacek, 1997). Na abordagem da dor crónica, metade dos estudos existentes mostra que a utilização de sugestões não‑analgésicas, tais como a melhoria do sono, o reforço da autoestima, da tranquilidade e da confiança interior, está associada à própria redução, em 50%, da duração da dor. Em relação à dor aguda, e quando comparada com técnicas de relaxamento muscular simples (sem sugestão associada), também 144
Hipnose clínica em gastrenterologia: Os caminhos já percorridos
7.4. HIPNOTERAPIA NAS PATOLOGIAS GASTRINTESTINAIS 7.4.1. Síndrome
do intestino irritável
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O tratamento das doenças gastrintestinais por hipnose clínica está entre as aplicações médicas mais investigadas, nas duas últimas décadas, tendo em conta esta forma de abordagem. O primeiro estudo aleatório e controlado sobre os seus efeitos na síndrome do intestino irritável (SII) foi publicado no Lancet, em 1984, pelo grupo de Manchester – Reino Unido, pertencente à unidade de hipnoterapia agregada ao Serviço de Gastrenterologia e lidera‑ do por Whorwell. Esta investigação revelou, pela primeira vez, a excelente melhoria dos sintomas desta síndrome em doentes resistentes à terapêutica convencional, quando submetidos à hipnose (Whorwell et al., 1984). Como consequência, outros trabalhos se seguiram, mais de 15, incluindo publica‑ ções com origem nos Estados Unidos da América. As suas conclusões, em geral, apontam para uma melhoria sintomática, acima dos 80%, mormente, na ausência de fatores associados, como é o caso das doenças psiquiátricas. A melhoria é, em muitos casos, imediata e mantida, ao contrário do que é habitual com o tratamento convencional (Galovski & Blanchard, 2002; Whorwell et al., 1987). A experiência publicada demonstra que a hipnoterapia alivia rapidamente os sintomas desta síndrome, que se encontra agrupada nas perturbações fun‑ cionais digestivas (Roma III). Contudo, não existem dados que confirmem a evidência do seu benefício em estádios iniciais da doença. Alguns trabalhos recentemente publicados podem demonstrar, quantitativamente, o que foi referido, propondo, inclusive, explicações fisiopatológicas. A investigação “Hypnotherapy in the treatment of irritable bowel syn‑ drome: methods and results in Amsterdam” (Vidakovic‑Vukic, 1999) incluiu 27 doentes refratários à terapêutica habitual. Dois suspenderam, prematu‑ ramente, as sessões de hipnose e apenas um doente se manteve sintomático. Como conclusão, os autores confirmam que a hipnoterapia é um método de valor complementar ao tratamento convencional. 175
Hipnose Clínica: Teoria, Pesquisa e Prática
No trabalho intitulado “Hypnotherapy and therapeutic audiotape: effec‑ tive in previously unsuccessfully treated irritable bowel syndrome?” (Forbes et al., 2000), os autores comparam os efeitos da hipnoterapia dirigida ao intestino com a utilização de uma cassete com uma gravação de 30 minutos, a usar pelo doente no domicílio e especialmente concebida para este fim, contendo informações sobre a doença, sugestões sobre formas de reduzir o stress, métodos de induzir o relaxamento estruturado e alguns elementos sobre auto‑hipnose. A gravação encoraja a aceitação dos sintomas e explica o eixo cérebro/intestino, tendo sido gravada pelo mesmo especialista que fez as sessões de hipnoterapia. Além disso, está construída com pausas de contemplação, ainda que sem música ou quaisquer outros sons. Este estudo aleatório e controlado, que incluiu 52 doentes com SII refratário à terapêu‑ tica convencional, estendeu‑se ao longo de 12 semanas e incluiu seis sessões de hipnoterapia ou de utilização da cassete gravada. Os autores concluíram que, apesar de manifestar uma eficácia inferior à da hipnoterapia dirigida ao intestino, o uso da cassete também deve ser recomendado, tendo em conta a facilidade de aplicação e o baixo custo, ficando a hipnose clínica para os casos de insucesso. Os autores consideraram, ainda, que este método tera‑ pêutico pode ser mais adequado do que a terapêutica convencional aplicada de forma isolada e do que as próprias cassetes de relaxamento. No trabalho “Hypnosis treatment for severe irritable bowel syndrome: investigation of mechanism and effects on symptoms” (Palsson et al., 2002), foram avaliados 42 doentes, distribuídos por dois grupos, portadores de formas graves desta síndrome. Foram submetidos a duas sessões semanais de hipnose, acompanhadas de audição no domicílio de cassetes previamente gravadas. Os sintomas principais nos doentes dos dois grupos melhoraram substancialmente. Os autores concluíram que a hipnose melhorou a sinto‑ matologia através da redução dos fatores de stress e de somatização, mas não por alteração dos parâmetros fisiológicos da sensibilidade retal, tónus da musculatura lisa visceral ou funcionamento do sistema nervoso autónomo. A investigação “Long term benefits of hypnotherapy for irritable bowel syndrome” (Gronsalkorale et al., 2003) é um estudo prospetivo, que incluiu 204 doentes, que foram seguidos durante 6 anos. Deste universo, 145 (71%) doentes responderam, inicialmente, à hipnoterapia; entre estes, 117 man‑ 176
Hipnose Clínica: Teoria, Pesquisa e Prática
presente. No plano prático, isto significa que as experiências de interação social, que fazem parte da história de cada indivíduo, vão ficando registadas e vão também sendo utilizadas para reconhecer e para interpretar determi‑ nados estímulos relevantes, no ambiente social. Ao convocar uma memória de um determinado momento do passado, trazemos, então, à consciência informação vivida, cognitiva e emocionalmente, naquele momento específico do tempo, ou seja, entramos em contacto com um determinado estado de ego – concebendo‑se o “ego” como a unidade do self (Mansfield, 2000) – que corresponde a um momento específico da história pessoal: por exemplo, um estado de ego infantil, que pode estar em conflito com as necessidades do estado de ego mais adulto (Watkins & Watkins, 1997). De acordo com várias teorias psicológicas, tais como o behaviorismo, o cognitivismo e a psicologia positivista, o ser humano revela uma tendência para replicar o passado na vida presente, na sua vertente mais feliz ou miserável. Ora, esta tendência de reproduzir temas do passado acontece, também, no mundo mental da pessoa. A tendência para a depreciação de si próprio é um exemplo concreto e negativo dos efeitos deste processo de perpetuar, inconscientemente, as ex‑ periências precoces. O sentimento de baixa autoestima tem raiz no passado, adquirindo‑se na interação com figuras significativas, cuidadoras da criança. Este sentimento é, assim, reflexo de uma programação negativa induzida pe‑ los julgamentos negativos emitidos por parte dos agentes educativos. Rotular o comportamento de uma criança, recorrendo‑se a categorias de bom/mau, certo/errado, bonito/feio, entre outras, pode originar padrões de pensamento depreciativos em relação a si mesma, uma vez que o pensamento infantil é concreto, integrando as sugestões verbais num sentido literal. Assim, no pensamento, um juízo negativo, emitido por parte de um agente educativo, pode ser interiorizado sob a forma de padrões de pensamento, que se vão reproduzindo no interior da pessoa, promovendo um determinado sentimento interno de medo, que, exteriormente, pode expressar‑se através do medo de novas experiências, de enfrentar desafios, de ter sucesso, de desempenhar tarefas específicas no quotidiano (Hadley & Staudacher, 1985).
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HIPNOSE CLÍNICA teoria, pesquisa e prática
A hipnose apresenta uma longa e complexa história iniciada na Antiguidade, com aplicações mágico-religiosas e curativas. Atualmente, como hipnose clínica, possui diversas aplicações na área de saúde somática e mental. Recentemente tem despertado um interesse clínico crescente e, da parte de neurocientistas, como objeto de investigação e modelo de funcionamento da consciência, sendo ambas as perspetivas cientificamente comprovadas. A título de exemplo, múltiplos estudos ao cérebro humano em estado hipnótico indicam profundas mudanças no modo como se processa informação, como pretende destacar um dos capítulos deste livro. Diversas são as evidências científicas publicadas sobre a validade da hipnose clínica em várias patologias gastrintestinais, destacando-se os benefícios terapêuticos na síndrome do intestino irritável e na dor abdominal crónica. A despertar o interesse das sociedades científicas, as doenças por disrupção imunológica são temas também abordados nesta obra. A hipnose é, agora, cientificamente reconhecida como uma forma segura, eficiente e pouco dispendiosa a acrescentar aos modelos da prática clínica anestésica. Na odontologia, por exemplo, pode ser utilizada para controlar a ansiedade e a dor. Em situações traumáticas emocionais poderá ser um catalisador na reorganização de recursos internos dos doentes. São estes aspetos que se procuram apresentar neste livro, no qual esse “misterioso salto” na mente é posto em foco, na busca do seu esclarecimento à luz das modernas conquistas da psicologia e da neurofisiologia, sobretudo da relação de cura mente/ /corpo. Este é o grande mérito deste livro, que ajuda os profissionais de saúde a entender o que é a hipnose clínica e a sua imensa utilidade. Glossário de termos técnicos e com as correspondências para Português do Brasil disponível em www.lidel.pt
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Edição apoiada por: ISBN 978-972-757-973-0
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