Um Quadro de Referência para o Ensino do Português em Timor-Leste

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Um Quadro de Referência para o Ensino do Português em Timor-Leste

ENSINO E APRENDIZAGEM DO PORTUGUÊS PARA FALANTES DE OUTRAS LÍNGUAS

Soraia Lourenço

Direção

Maria José Grosso



Um Quadro de Referência para o Ensino do Português em Timor-Leste

Soraia Lourenço Direção

Maria José Grosso

LISBOA — PORTO e-mail: lidel@lidel.pt http://www.lidel.pt (Lidel on-line) (site seguro certificado pela Thawte)


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E

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Este pictograma merece uma explicação. O seu propósito é alertar o leitor para a ameaça que representa para o futuro da escrita, nomeadamente na área da edição técnica e universitária, o desenvolvimento massivo da fotocópia. O Código do Direito de Autor estabelece que é crime punido por lei, a fotocópia sem autorização dos propriétarios do copyright. No entanto, esta prática generalizou-se sobretudo no ensino superior, provocando uma queda substancial na compra de livros técnicos. Assim, num país em que a literatura técnica é tão escassa, os autores não sentem motivação para criar obras inéditas e fazê-las publicar, ficando os leitores impossibilitados de ter bibliografia em português. Lembramos, portanto, que é expressamente proibida a reprodução, no todo ou em parte, da presente obra sem autorização da editora.


Índice Abreviaturas Utilizadas

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Agradecimentos

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Nota Prévia

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Introdução 1. Objeto de Estudo 2. Parâmetros Atuais do Ensino da Língua Portuguesa em Timor-Leste 3. Estrutura do Livro

7 7

Capítulo 1 1. Situação Linguística e Sociocultural em Timor-Leste 1.1 Contexto Linguístico de 1.2 Contextualização do Português em 1.3 O Sistema Educativo de 1.4 O Fenómeno do Plurilinguismo em

Timor-Leste Timor-Leste Timor-Leste Timor-Leste

Capítulo 2 2. Enquadramento Teórico e Metodologia 2.1 Metodologia

Capítulo 3 3. Formação Contínua de Professores/Formadores em Timor-Leste 3.1 Pressupostos para a Conceção de um Programa de Formação 3.2 Análise dos Dados

Capítulo 4 4. Quadro de Referência para o Ensino do Português em Timor-Leste

9 11 13 14 14 18 20 21 25 26 27 33 34 34 48 69 70

4.1 Contributos para a Conceção de um Quadro de Referência para o Ensino do Português 4.2 Análise dos Dados

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Conclusões

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Bibliografia

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Anexos

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Índices

Mapa 1 Divisão linguística do território. Fonte: web.carta.com (2007) Mapa 2 Línguas maternas por distrito (transcrição). Fonte: Direção Nacional de Estatística, “Timor-Leste 2004 Census Mapping and GPS Operations”, fevereiro de 2005 Mapa 3 Divisão territorial por distritos. Fonte: Ministério do Desenvolvimento e Ambiente – Secretaria de Estado do Turismo, Ambiente e Investimento

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Gráfico 1 Estatística do aumento da população em idade escolar (transcrição). Fonte: Banco Mundial (2003) Tabela 1 Indicadores do sistema educativo desde o Ensino Primário até ao Secundário. Fonte: Relatório do Governo de Timor-Leste de Combate à Pobreza (2006)

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Gráfico 2 Análise do acesso a recursos didáticos Gráfico 3 Análise de necessidades de formação específica Gráfico 4 Análise do aspeto mais problemático na vida escolar Gráfico 5 Análise da necessidade da existência de um currículo nacional Gráfico 6 Análise da língua mais utilizada na sala de aula Gráfico 7 Análise das dificuldades específicas

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Quadro 1 Competências dos aprendentes do grupo I Quadro 2 Competências dos aprendentes do grupo II Quadro 3 Competências dos aprendentes do grupo III Quadro 4 Grelha de autoavaliação traduzida para Tétum Quadro 5 Escala global traduzida para Tétum

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Anexo I Diagnóstico de necessidades do professor de Timor-Leste Anexo II Diagnóstico da competência linguística – Produção escrita A Anexo III Diagnóstico da competência linguística – Produção escrita B Anexo IV Diagnóstico da competência linguística – Produção escrita C Anexo V Competências do utilizador elementar Anexo VI Competências do utilizador independente Anexo VII Competências do utilizador proficiente Anexo VIII Fotografias de alguns professores timorenses do distrito de Lautém

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54 59 61 62 64

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Abreviaturas Utilizadas BM

Banco Mundial

CPLP

Comunidade de Países de Língua Portuguesa

EP

Ensino Primário

EPS

Ensino Pré-Secundário

ES

Ensino Secundário

IPAD

Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento

L2

Língua Segunda

LBSE

Lei de Bases do Sistema Educativo

LE

Língua Estrangeira

LM

Língua Materna

LNM

Língua Não Materna

LO

Língua Oficial

MECTL

Ministério da Educação e Cultura de Timor-Leste

ONU

Organização das Nações Unidas

PALOP

Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa

PEL

Portefólio Europeu de Línguas

PL2

Português Língua Segunda

PLE

Português Língua Estrangeira

PLM

Português Língua Materna

PLNM

Português Língua Não Materna

PRLP

Projeto de Reintrodução da Língua Portuguesa (em Timor-Leste)

QECR

Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas

QuaREPE Quadro de Referência para o Ensino do Português no Estrangeiro UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura UNICEF

Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância

UNTL

Universidade Nacional de Timor-Leste

Agradecimentos À Professora Doutora Maria José dos Reis Grosso, pela orientação científica e pelo constante apoio e incentivo, sem os quais este trabalho não teria sido possível. Aos professores timorenses, pela constante partilha cultural e disponibilidade em contribuir para a presente investigação. Aos colegas do PRLP, pela aplicação dos diagnósticos nos distritos de Bobonaro e Manatuto. A todos os que contribuíram de alguma forma para a realização desta investigação. Ao Nuno, pela cumplicidade e paciência demonstradas. © LIDEL EDIÇÕES TÉCNICAS

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Nota Prévia Não podia deixar de surgir, nesta coleção, o espaço dedicado ao ensino da Língua Portuguesa em Timor-Leste. A reflexão acerca da formação de Professores, designadamente de professores de Português em Timor, é imprescindível e urgente. Contextos multiculturais e multilingues, de grande complexidade linguística, têm feito emergir a formação de professores de Português para falantes de outras línguas (PL2/PLE) como a formação fundamental para uma educação em línguas, educação formadora de novos cidadãos que refletem e agem no sentido de criarem uma sociedade mais justa e participativa na resolução dos problemas da comunidade. Timor-Leste é uma sociedade multilingue, com uma diversidade de práticas linguísticas e culturais em transformação. O maior acesso à educação e uma maior oferta de línguas fazem com que o plurilinguismo seja uma das metas reais num futuro próximo. Em Um Quadro de Referência para o Ensino do Português em Timor-Leste, as competências plurilingue e pluricultural surgem como prioridades na transmissão de conhecimentos aos alunos. Para isso, o professor timorense, para além dos saberes científicos, pedagógicos e didáticos e do conhecimento em língua, terá valores e atitudes que visam uma educação para uma cidadania democrática. Num quadro de referência, a relação entre formação de professores e proficiência em Língua Portuguesa reveste-se de particular importância, pois o sucesso escolar dos alunos depende da proficiência em língua do professor, principalmente quando este é, em simultâneo, aprendente de Língua Portuguesa. Um Quadro de Referência para o Ensino do Português em Timor-Leste congrega variáveis que não só nos ajudam a compreender o papel da Língua Portuguesa e do Tétum em Timor, mas também a refletir sobre as propostas apresentadas para a formação de professores em Timor.

Maria José Grosso Diretora da Coleção maio de 2011

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Introdução 1. Objeto de Estudo

Este livro tem como objetivo principal apresentar uma linha de orientação para a construção de um quadro de referência para o ensino do Português em Timor-Leste, contribuindo para a definição de metodologias adequadas ao contexto de ensino/aprendizagem timorense. Nesta perspetiva, o objeto de estudo deste trabalho incide na análise da competência comunicativa dos professores dos Ensinos Primário, Pré-Secundário e Secundário – público aprendente. A referida análise visa também contribuir para a identificação de níveis de proficiência dos aprendentes, permitindo o fornecimento de dados para a elaboração de uma metodologia de ensino da Língua Portuguesa adequada às competências linguísticas apresentadas pelo público aprendente durante o processo de diagnóstico. No contexto de ensino/aprendizagem que atualmente se verifica em Timor-Leste, urge apresentar propostas que possam auxiliar o público-alvo a munir-se de instrumentos que facilitem o desempenho da sua função e a sua plena integração no espaço lusófono. O sucesso da Língua Portuguesa em Timor-Leste está dependente da autonomia e capacidade dos professores timorenses em fomentar o uso da Língua Portuguesa nas escolas que, consequentemente, se alastrará a outros contextos da sociedade. Desta forma, é necessário conciliar à aprendizagem da língua, a formação específica para ensinar nessa língua, tendo como base as necessidades do aprendente numa perspetiva holística. O presente trabalho tem também como propósito refletir acerca da formação de professores, principalmente no que se refere à formação contínua1, quer no âmbito da Didática de Ensino, quer em práticas pedagógicas específicas para a complexidade que o processo de aprender uma língua e, em simultâneo, ensinar nessa mesma língua diferentes áreas disciplinares exige. Para dar resposta a algumas questões que se prendem com as metodologias mais adequadas para implementar eficazmente a reintrodução da Língua Portuguesa em Timor-Leste, procede-se a uma análise das necessidades do público aprendente, assim como a um diagnóstico da sua competência comunicativa na vertente escrita. As motivações linguísticas, culturais e didático-pedagógicas subjacentes à aprendizagem da Língua Portuguesa não se manifestam muito relevantes para esta investigação, pelo que não serão alvo de análise. O facto de a Língua Portuguesa ter o estatuto de língua oficial (LO) e ser a língua de instrução faz com que os aspetos mais subjetivos, relacionados com a apetência manifestada pelo público-alvo para a aprendizagem do Português, passem para segundo plano.

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A formação contínua de que se fala consiste numa atualização (“reciclagem”) de âmbito científico e que terá de ser administrada em serviço.

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Um Quadro de Referência para o Ensino do Português em Timor-Leste

A investigação que se propõe realizar não pretende abranger o ensino da Língua Portuguesa noutros contextos da sociedade, tais como estudantes, Administração Pública e população em geral, pois não seria possível abarcar num mesmo estudo públicos com especificidades tão diferentes e que exigiriam também metodologias específicas. De acordo com as teorias mais recentes de políticas de língua do Conselho da Europa (Byram, M. et al., 2002; Ricegáin, P. e Lüdi, G. (2003), Trim, J., 2001; Willems, G. M., 2002), ou com base nas orientações do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (QECR), que surgiu no âmbito da Didática das Línguas, de modo a fornecer linhas de apoio aos ensinantes, considera-se que a análise das necessidades de cada público aprendente, assim como o domínio onde vai utilizar a língua, devem estar na base da conceção de metodologias de ensino adequadas e adaptadas ao público em questão, a fim de garantir o sucesso dessa aprendizagem. A abordagem comunicativa das línguas desenvolvida por Bachman (1990) foi, igualmente, um contributo para repensar métodos e técnicas de ensino e aprendizagem de línguas utilizados, contrariando o que era usado até então (Bachman, L. F., 1990). Canale e Swain (1980) apresentam propostas no âmbito da abordagem comunicativa, no que se refere ao ensino da língua segunda, que surgem como um excelente contributo para o desenvolvimento das propostas apresentadas neste trabalho. O ensino da Língua Portuguesa que tem sido praticado pelo Projeto de Reintrodução da Língua Portuguesa em Timor-Leste (PRLP)2 não assentou, até 2007, nestes princípios3. Só no ano letivo 2007/2008 houve uma divisão do público aprendente, apenas com base na situação profissional, separando a população em geral4 das restantes classes profissionais, uma vez que, até à referida data, a língua era ensinada com os mesmos objetivos5. No entanto, continuam a frequentar numa mesma turma de Língua Portuguesa, em conjunto com os professores, os representantes de outras classes profissionais, igualmente privilegiadas na sociedade timorense atual, tais como funcionários da Administração Pública, polícias, enfermeiros, militares, entre outros, aos quais se exige as mesmas competências linguísticas, independentemente do domínio onde pretendam atuar.

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O ensino da Língua Portuguesa em Timor-Leste tem sido ministrado por diferentes instituições, nomeadamente ONG, Missões Religiosas e Cooperação Brasileira. No entanto, o PRLP é o projeto com maior responsabilidade nesta missão, uma vez que surge no âmbito da Cooperação Portuguesa a Timor-Leste e tem como principais financiadores o Ministério da Educação (GAERI) e o Ministério dos Negócios Estrangeiros (IPAD). 3 O PRLP iniciou a sua missão em Timor-Leste no ano 2000, dedicando-se igualmente às escolas, mas neste caso aos alunos. Os professores portugueses ensinavam a disciplina de Língua Portuguesa aos alunos de diferentes ciclos. A partir de 2002, os professores do PRLP saíram das escolas, excetuando alguns casos especiais em Díli, tendo o PRLP dirigido o ensino da Língua Portuguesa para os professores e outros adultos de diferentes campos profissionais, nos moldes atuais (níveis de formação de Língua Portuguesa e Bacharelato – 2004), que foram sofrendo adaptações conforme as necessidades manifestadas. 4 A expressão “população em geral”, usada neste contexto de ensino, refere-se a agricultores, pescadores, vendedores, motoristas, desempregados, domésticas e jovens com idade superior a 17 anos, que tenham terminado a sua escolaridade. 5 O processo de ensino da Língua Portuguesa misto era praticado desta forma até 2007/2008 em todos os distritos, com a exceção de Díli, onde surgem situações esporádicas de ensino da Língua Portuguesa para fins específicos, visando o domínio de atuação desses aprendentes.

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Introdução

Reconhecendo que o processo através do qual se reintroduz a Língua Portuguesa apresenta falhas de base na sua execução, tais como a falta de apoio científico para os professores portugueses que desempenham a tarefa de formar os professores timorenses, assim como falta de formação específica. A inexistência de um programa curricular formalmente pré-definido, assim como a ausência de um projeto concreto, onde estejam delineados objetivos e níveis de desenvolvimento são também uma realidade, além de que os resultados se estão a revelar muito morosos. A morosidade dos resultados deve-se, sobretudo, ao facto de os primeiros professores timorenses que ingressaram no Curso de Bacharelato terem concluído a sua formação em Língua Portuguesa ao fim de 6 anos6. Conscientes de que a grande maioria desses cursos começaram a existir, na maioria dos distritos, no ano letivo 2006/2007, os professores deixarão o ensino a curto prazo7, logo que o direito à reforma seja concedido pelo Estado timorense, pois os responsáveis pelo PRLP têm perspetivado outras metodologias de ensino, a fim de ensinar a língua em tempo útil, de modo a fazer eco nas escolas timorenses8. Neste sentido, torna-se urgente repensar a reintrodução da Língua Portuguesa e reformular toda a estratégia de ensino e de formação, abraçando as novas teorias no âmbito da Didática das Línguas e da formação de professores, adaptando-as ao contexto específico de ensino/aprendizagem de Timor-Leste. O presente trabalho vem também no sentido de refletir acerca deste problema, contribuindo para a estruturação de um plano de ação eficaz e célere de reintrodução da Língua Portuguesa em Timor-Leste, fornecendo propostas que possam ir ao encontro das necessidades de todos os que desejam que a Língua Portuguesa vingue naquele lado do mundo. Considera-se, ainda, pertinente a referida análise, uma vez que se torna essencial a criação de uma base teórica de apoio ao ensino da Língua Portuguesa em Timor-Leste, munindo os professores timorenses dos instrumentos necessários para essa função. A médio prazo, serão eles os detentores da tarefa de transmitir à restante população a língua e cultura portuguesas, modelando-as às caraterísticas linguísticas e culturais daquele contexto de ensino, fixando, naquele lado do mundo, essa língua e cultura, de forma a serem também intervenientes ativos na criação e manutenção daquele espaço lusófono. 2. Parâmetros Atuais do Ensino da Língua Portuguesa em Timor-Leste

A

situação atual da Língua Portuguesa em Timor-Leste não está ainda suficientemente investigada, pelo que praticamente não existe bibliografia especializada sobre a 6

Até 2006, os cursos ministrados pelo PRLP apresentavam seis níveis, não tendo ainda sido incluído o nível III, que teve o seu início, na maioria dos distritos, no ano letivo 2006/2007. Isto significa que os formandos que concluíram o Bacharelato em 2010 frequentaram o Curso de Língua Portuguesa durante 7 anos. 7 A grande maioria dos professores que está nos cursos e que é competente em Língua Portuguesa tem uma média de idades entre 40 e 65 anos e realizou a sua escolaridade no período de domínio português. Desta forma, prevê-se que muitos destes profissionais, após concluírem o Curso de Bacharelato, deixarão de ensinar devido à idade avançada e entrarão na reforma, deixando as escolas novamente sem professores que falem a Língua Portuguesa. 8 Por exemplo, cursos intensivos com a duração de 3 meses.

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temática, principalmente no que concerne às dificuldades reais de implementação da língua, enquanto LO e de instrução e as consequentes mudanças práticas que daí advêm e que se vão refletindo nos diferentes setores da sociedade, nomeadamente Justiça, Educação, Comunicação Social, Administração Pública, entre outros. A intervenção do Estado Português nesta matéria é de grande responsabilidade, pois tem a oportunidade de conservar, naquele canto da Ásia, a língua e a cultura do povo português, o qual manifesta a vontade de a manter e preservar. No entanto, é importante ter consciência de que o contexto timorense não é uma cópia de outros contextos de ensino da Língua Portuguesa, nomeadamente o ensino do Português em África (PALOP), na Europa ou na América, podendo, no entanto, ser comparado a Macau. Inicialmente, também não existia um método de ensino que se adequasse às necessidades linguísticas dos aprendentes, tal como acontece em Timor-Leste, apesar de se conhecer o público-alvo e o contexto sociocultural de aprendizagem, o processo de ensino/aprendizagem aproximava-se daquele que se verifica em Timor-Leste, em que a língua materna era o Chinês (em Timor-Leste, temos cerca de 16 línguas maternas – Hull, G., 1999, pp. 1-38), em contexto de não imersão linguística e na presença de ensinantes sem formação pedagógica específica adequada para a diversidade linguística existente. A associar a estes fatores, o facto de ainda não se valorizar o estatuto que a Língua Portuguesa tem no país e os princípios que estão na base para a conceção de programas de ensino/aprendizagem da língua como língua segunda, à semelhança do que se verificou em Macau, com a diferença de que se tratava do ensino da língua como língua estrangeira (Grosso, M. J. R., 1993, pp. 847-855). Serão encontradas semelhanças na implementação da língua em todos os espaços lusófonos, assim como experiências válidas que poderão adaptar-se ao contexto de Timor-Leste, o que não invalida a necessidade de conceber um projeto adequado às caraterísticas deste país, no sentido de tornar o ensino da língua eficaz, visando objetivos concretos e respeitando as particularidades linguísticas e culturais. O ensino da Língua Portuguesa em Timor-Leste está integrado num programa de cooperação bilateral entre os governos de Portugal e Timor-Leste, implementado no terreno no âmbito do PRLP. O PRLP desenvolve-se em duas vertentes: Curso de Formação e Curso de Bacharelato (Noturno). O primeiro era constituído por quatro níveis de formação em Língua Portuguesa, nomeadamente Nível I, Nível II, Nível III e Preparação para o Bacharelato. Os formandos que participavam nos cursos obtinham um certificado de aproveitamento no final de cada nível, não havendo obrigatoriedade de uma continuidade para o nível seguinte, exceto para os professores, em que a frequência nos cursos era obrigatória. O segundo – o Curso de Bacharelato – destina-se apenas a professores (sem formação superior), deverá ser concluído em 2 anos (no caso dos professores do Ensino Primário) ou 3 anos (no caso dos professores dos Ensinos Pré-Secundário e Secundário) e só no ano terminal, 2.º ou 3.º que coincide com o final do Curso, é que os for10

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Introdução

mandos obtêm, igualmente, um certificado de aproveitamento, referente a todo o Curso de Bacharelato. Nos primeiros anos da independência de Timor-Leste, entre 2000 e 2003, o ensino da Língua Portuguesa tinha como público-alvo a camada mais jovem da população, que frequentava os Ensinos Primário, Pré-Secundário e Secundário9. Atualmente, e desde 2004, o público aprendente dos cursos de Língua Portuguesa passou a ser a população adulta, destinando-se, em particular, aos profissionais da Função Pública – professores e funcionários da Administração Pública – com exceção da Escola Portuguesa, em que os professores portugueses ensinam a língua a crianças/jovens em idade escolar. Neste sentido, o ensino do Português faz-se por meio de intermediários, os professores portugueses ensinam os professores timorenses, que, por sua vez, vão ensinar os jovens em escolarização ou adultos de diferentes áreas profissionais10. Que conclusões podem ser extraídas deste processo de ensino/aprendizagem? Esta prática de ensino leva-nos a refletir sobre várias questões, tais como: • Implicações linguísticas e científico-didáticas: o ensino da Língua Portuguesa por falantes não nativos. • Que formação devem ter os professores timorenses para ensinar a Língua Portuguesa? • Que formação devem ter os professores timorenses para serem competentes no desempenho da sua função? • Implicações culturais: que cultura deve ser transmitida, aquando do ensino da/em Língua Portuguesa? • Que perspetivas para o professor timorense no contexto da comunidade lusófona? • O que precisam de saber os professores timorenses para ensinar aos jovens (que pretendam ingressar em sistemas educativos da CPLP)? São questões às quais se espera dar resposta ao longo do presente trabalho, contribuindo com resultados que permitam dar confiança aos professores timorenses para continuar a desenvolver as suas competências, de forma a melhorar o seu desempenho na complexa tarefa que é a reintrodução da Língua Portuguesa naquele país. 3. Estrutura do Livro

Este livro organiza-se em cinco capítulos que serão sintetizados nesta fase, de modo a que se obtenha um conhecimento prévio de como a informação está distribuída pelas diferentes partes. 9

Atual designação dos vários níveis de ensino em Timor-Leste. Atualmente, os professores timorenses, que apresentam um maior domínio da Língua Portuguesa, têm lecionado nos Cursos de Formação (níveis iniciais – I e II), que são frequentados por agricultores, domésticas, padres, pescadores, estudantes que já terminaram o Ensino Secundário, professores, funcionários da Administração Pública, entre outros.

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Um Quadro de Referência para o Ensino do Português em Timor-Leste

O primeiro capítulo corresponde à situação linguística e sociocultural de Timor-Leste, em que serão problematizadas questões que se prendem com a realidade linguística de Timor-Leste e com a contextualização do Português nesse país. Nesta fase, será ainda descrito o sistema educativo timorense e as suas implicações linguísticas, concluindo com o fenómeno do plurilinguismo e com o desenvolvimento de uma competência pluricultural. O segundo capítulo diz respeito ao enquadramento teórico e à metodologia subjacente ao presente trabalho. Neste capítulo, procede-se à descrição das investigações desenvolvidas, nomeadamente à análise de necessidades do público aprendente e ao diagnóstico da competência comunicativa. Nesta fase do trabalho, será feita a explicação referente à recolha dos dados. No terceiro capítulo desenvolve-se a proposta de um programa de formação de professores, baseada num diagnóstico de necessidades e visando o contexto específico de atuação do professor timorense. Os resultados da análise e da interpretação dos dados recolhidos são alvo de atenção pormenorizada. A interpretação é apoiada por uma reflexão visando os aspetos desenvolvidos anteriormente. No quarto capítulo apresentam-se contributos para a conceção de um quadro de referência para o ensino da Língua Portuguesa, a professores do Ensino Não Superior, em Timor-Leste. Nesta fase, são analisados os diagnósticos de competência linguística, na vertente escrita, de modo a determinar o nível de proficiência dos aprendentes nesta componente. No quinto capítulo apresentam-se as conclusões do trabalho, formuladas com base nos resultados das análises, acompanhadas de uma reflexão, no sentido de corresponder aos objetivos do trabalho, inicialmente definidos.

Distrito de Lautém, em Lospalos: sala de aula da Escola Primária n.º 1 (2006 a 2008).

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CAPÍTULO 1

SITUAÇÃO LINGUÍSTICA E SOCIOCULTURAL EM TIMOR-LESTE


Um Quadro de Referência para o Ensino do Português em Timor-Leste

A situação da língua portuguesa em Timor-Leste é específica: apesar de ser língua oficial e de escolarização, a par da língua tétum, convive no dia a dia da população timorense com a língua indonésia, com as línguas locais e com o inglês. Este contexto dificulta a sua utilização, quer por não existir suficiente input em língua portuguesa, quer por esta praticamente se confinar, por enquanto, aos limites da sala de aula. A fixação da língua portuguesa no país depende do sistema educativo, sendo a formação de professores uma área prioritária na qual tem existido uma pluralidade de metodologias e de práticas que nem sempre se cruzam. Assim, urge a conceção de um documento que oriente a intervenção dos diferentes agentes para um melhor resultado. Um Quadro de Referência para o Ensino do Português em Timor-Leste surge como uma base de referência comum que visa a uniformidade nas orientações curriculares, a consolidação e avaliação de aprendizagens e a certificação de competências, promovendo uma eventual cooperação entre diferentes sistemas educativos e propondo a mobilidade dentro da CPLP. Inspirado nas atuais tendências europeias do ensino de línguas não maternas, este livro propõe o desenvolvimento de competências e aprendizagens fundamentais para o público-alvo no contexto específico de Timor-Leste, distribuídas por níveis de proficiência, incluindo ainda uma tabela em língua tétum das competências a desenvolver. É um livro que se destina a professores e alunos e a todos os que se interessam pelo percurso da língua portuguesa em Timor-Leste.

www.lidel.pt

Soraia Lourenço é licenciada em Linguística pela Faculdade de Letras e iniciou a sua atividade profissional no ensino do Português Língua Materna em 1999. É Mestre em Língua e Cultura Portuguesas, na área de especialização em Metodologia do Ensino de Português LE/L2. Em Timor-Leste, entre 2006 e 2010, desempenhou várias funções no âmbito da reintrodução da língua portuguesa, nomeadamente na formação de professores, planeamento e conceção de planos curriculares e materiais didáticos, formação em Língua Portuguesa de candidatos a bolsas de estudo para a frequência de estudos superiores em Portugal e formação em Língua Portuguesa para fins específicos. É, atualmente, leitora do Instituto Camões na Croácia, onde leciona Português LE na Faculdade de Letras da Universidade de Zagreb.

ISBN 978-972-757-706-4

9 789727 577064


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